[Sermão] A Ociosidade e a Preguiça Espiritual

Sermão para o Domingo da Septuagésima
27 de janeiro de 2013 – Padre Daniel Pinheiro

 

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…

Gostaria de fazer um breve comentário sobre o tempo da Septuagésima, antes de passar ao Evangelho. Caros católicos, entramos hoje no tempo da Septuagésima, que compreende os domingos da Septuagésima, da Sexagésima e da Quinquagésima, precedendo a Quaresma. O ano litúrgico começou com o Advento, depois passamos pelo tempo do Natal, que se estende até o dia 13 de janeiro, antiga oitava da Epifania. Em seguida, vem o tempo depois da Epifania, que pode ser mais ou menos longo em função da data da Páscoa. A brevidade do tempo depois da Epifania será recompensada no final do ano litúrgico, em que alguns dos domingos depois da Epifania omitidos no início do ano são retomados, como vimos em novembro. A septuagésima manifesta a bondade da Igreja para com os homens e sua sabedoria. Esse tempo litúrgico que começamos hoje é a transição para a quaresma, a fim de que a passagem para as austeridades não se faça de forma brusca, mas de modo calmo e sereno. São, portanto, duas semanas e meia para que possamos nos dispor bem para o tempo da quaresma. Essa transição está bem marcada na liturgia tradicional, sempre mestra de espiritualidade e doutrina. Assim, os paramentos são da cor roxa, cor penitencial. O Gloria já não é mais cantado, o Alleluia também não. Por outro lado, o órgão ainda é permitido, as flores também são permitidas (embora não as tenhamos hoje). Trata-se, portanto, de preparar, desde já, nosso espírito para a prática mais perfeita e intensa da penitência, da oração e das boas obras que devemos fazer na Quaresma. É o que veremos no Evangelho de hoje que nos prepara para a quaresma ao nos prevenir contra a ociosidade e o mau emprego de nosso tempo.

Septuagesima_Sun_Pic

Por que estais aqui todo o dia ociosos? … Ide vós também para a minha vinha.

Continuar lendo

Sermão (X) – “Se eles podem, por que eu não posso ser santo?”

Sermão para a Solenidade de Todos os Santos (4 de novembro de 2012) 

Padre Daniel Pinheiro

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave Maria…

Depois disto vi uma multidão que ninguém podia contar, de todas as nações e tribos, povos e línguas, que estavam em pé diante do cordeiro. (Apoc., 7)

A festa de todos os santos pode ser resumida na oração Suscipe Sancta Trinitas do ofertório da Missa Tradicional: que sirva para a honra dos santos e para a nossa salvação e que aqueles que celebramos na Terra possam interceder por nós no Céu. Continuar lendo

Sermão (VIII) – Viva Cristo Rei!

Sermão para a Solene Festa de Nosso Senhor Jesus Cristo Rei (28/10/2012) 

Padre Daniel Pinheiro

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave Maria…

Nós vos proclamamos, Senhor, o príncipe que domina os séculos, o Rei das nações e dos povos, o Mestre e Guia das almas e dos corações.

Dar-lhe-á o Senhor o trono de Davi, seu pai, e reinará para sempre na casa de Jacob e o reino dEle não terá fim. (Lc 1, 31)

Dominará dum mar a outro mar e desde o rio aos confins da terra. E adorá-lo-ão todos os reis da terra, e todos os povos o hão de servir. (Sl 78, 8.11)

O poder dEle é um poder eterno que ninguém domina e o seu reino é um reino que não será destruído. (Dn 7, 14)

Pede-me e dar-te-ei as nações em herança. (Sl 2, 8)

O Senhor sentar-se-á como Rei para sempre.

O Senhor dará a paz ao seu povo.

Eis alguns textos da Santa Missa de hoje que anunciam, profetizam o Reinado de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ele mesmo falou de seu reinado: Todo poder me foi dado no céu e na terra (Mt 28, 18). O Pai deu todo o poder de julgar ao Filho (Jo 5, 21-22). Nosso Senhor atribui a si o nome de Rei ao falar de sua volta para o juízo. Ele diz, falando de si: Então o Rei dirá aos que estão à direita: Vinde benditos de meu Pai […) e para os da sua esquerda: retirai-vos de mim, malditos! (Mt 25, 34-41) Tudo e todos reconhecem a realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo. Seus discípulos: Natanael (ou Bartolomeu) diz Mestre, tu és o Filho de Deus, o rei de Israel (Jo 1, 49). Os judeus reconhecem que Cristo se proclamou Rei e o professam, ainda que para condená-lo. Para condená-lo à morte dizem a Pilatos: Se libertas esse homem, não és amigo de César porque todo o que se faz Rei vai contra César (Jo 19, 12). Os pagãos, zombando de Cristo, também professam a realeza de Cristo. Os soldados vestiram-no com a púrpura (veste do imperador), deram-lhe como cetro real um pedaço de cana, deram-lhe uma coroa de espinhos e diziam batendo nele: Ave Rei dos Judeus (Jo 19, 3). Pilatos coloca no título da cruz: Jesus Nazareno Rei dos Judeus (Jo 19, 19). Depois de sua morte Cristo continua a ser proclamado Rei por seus discípulos. Digno é o cordeiro, que foi imolado, de receber o poder, a divindade, a sabedoria, a honra a fortaleza. Dele seja a glória e o império pelos séculos dos séculos, nos diz o Apocalipse (Ap 5, 12; 1, 6). Damos graças a Deus Pai que nos livrou do poder das trevas e nos transferiu para o Reino do Filho (Cl 1, 12-20), nos diz São Paulo. Continuar lendo

[Sermão] “Se há tantos milagres, há uma razão”

Sermão para o 20º Domingo depois de Pentecostes (14 de outubro de 2012) 

Padre Daniel Pinheiro

Dicit ei Jesus vade filius tuus vivit.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave Maria…

“Reconheceu, então, o pai, ser aquela mesma hora em que Jesus lhe dissera: Teu filho vive. E creu ele, e toda a sua casa.”

No Evangelho de hoje, São João nos narra o milagre da cura do filho do oficial do rei. Durante todo o Evangelho abundam os milagres de Nosso Senhor Jesus Cristo. Se há tantos milagres, deve haver uma razão para tanto. Nosso Salvador faz tantos milagres para confirmar a verdade de seu ensinamento e de sua divindade, mas também para mostrar a sua bondade exercendo uma grande misericórdia para com os homens.

O milagre é, por definição, algo feito por Deus fora da ordem da natureza. É uma alteração passageira e pontual da ordem natural, que supera sem dúvida as forças de toda a natureza criada. Acima de todas as criaturas e acima de toda a ordem natural está unicamente Deus. Assim, onde há um verdadeiro e autêntico milagre que altere a ordem natural, devemos concluir que ali está Deus, agindo diretamente por si ou por meio de uma criatura.

É preciso, porém, muita cautela para se afirmar que algo se trata de um milagre. Mas é preciso também reconhecê-lo quando ele existe. E no caso de Nosso Senhor isso é evidente. Ele fala, e os cegos vêem, os surdos ouvem, a língua dos mudos se desata, os paralíticos andam, as enfermidades desaparecem num instante; os que acabam de morrer voltam à vida, os que já estavam sendo levados para o sepulcro saem do caixão, os que enterrados depois de alguns dias e já com o mau cheiro característico, se levantam e saem de seu túmulo. O mar e as chuvas obedecem à voz de Cristo.  Naturalmente falando, tudo isso é impossível. Realizar tais obras pelas simples palavras, ou por um simples gesto, ou utilizando meios desproporcionais como um pouco de saliva e de terra é impossível a toda e qualquer criatura. Uma palavra, um gesto, uma ordem aos elementos da natureza e às doenças, uma ameaça ao demônio basta para Cristo realizar tais coisas. Pela qualidade das obras e pelo modo de fazê-las, fica claro que nesse caso é Deus quem age. E quando Deus age para confirmar um ensinamento, tal ensinamento é necessariamente verdadeiro, de outra forma seríamos enganados por Ele, o que é impossível. Então, aquilo que Cristo ensina é verdadeiro e como Ele nos ensinou a sua divindade abertamente, dizendo, por exemplo, “Eu e o Pai somos um”, devemos confessar que Cristo é verdadeiramente homem e verdadeiramente Deus.

Cristo fez milagres sobre os anjos, colocando-os a seu serviço diante dos homens em seu nascimento, em sua ressurreição, em sua ascensão. Cristo fez milagres sobre os demônios expulsando-os com uma simples palavra. Cristo fez milagres sobre os corpos celestes, com a estrela que guiou os magos, com os céus se abrindo quando de seu batismo por São João Batista, com as trevas que se fizeram presentes durantes sua crucificação. Cristo fez milagres sobre os homens, ressuscitando três, curando toda espécie de enfermidade: lepra, febre, paralisia, cegueira, surdez, mudez, curando à distância, etc. Cristo fez milagres sobre as criaturas racionais, com pescas milagrosas, tempestade acalmada, secando a figueira, multiplicando os pães, rasgando o véu do templo, produzindo terremoto quando de sua morte, etc. Podemos constatar, então, que toda a criação está sob a realeza de Cristo.

Cristo começou a fazer milagres somente ao iniciar a sua vida pública, a sua pregação. Se Cristo fez milagres para confirmar a sua doutrina e para manifestar sua divindade, não convinha que fizesse milagres antes de começar a pregar e sabemos que ele começou a ensinar somente aos 30 anos. E se Cristo deveria mostrar a sua divindade pelos milagres, não convinha fazê-los desde a sua infância, a fim de que a realidade de sua humanidade não fosse colocada em dúvida. Assim, não devemos dar crédito a revelações privadas que contam milagres de Cristo durante a sua infância. São João diz claramente que o milagre nas bodas de Caná foi o primeiro que Jesus fez, manifestando sua glória, e seus discípulos acreditaram nele.

Mas se os milagres têm como finalidade primeira mostrar a veracidade do ensinamento de Cristo e de sua divindade, eles são também expressão de sua infinita bondade misericordiosa. Vemos isso claramente no Evangelho: ao sair da barca, viu uma multidão numerosa, teve compaixão e curou os enfermos; teve compaixão dos que o seguiam e estavam com fome, teve piedade dos cegos em Jericó etc. A pedido de sua Mãe, reconhecendo o embaraço dos noivos em Caná, transformou a água em vinho.  E o povo judeu reconheceu essa bondade de Nosso Senhor e se admirava muito, dizendo: “Ele fez bem todas as coisas. Fez ouvir os surdos e falar os mudos!”

Devemos notar, acerca dos milagres de Cristo, que Ele nunca realizou um milagre em benefício próprio. Sofre de fome durante quarenta dias no deserto, mas não quer transformar as pedras em pão. Tem sede ao lado de um poço, mas, no lugar de saciar sua sede com um milagre, pede água à samaritana. Permite a seus carrascos que o maltratem e o matem na cruz, enquanto podia com uma simples ordem ser defendido por legiões de anjos. Os milagres são para os outros. São para o bem físico dos outros, mas sobretudo para o bem espiritual dos outros, para que possam acreditar em Cristo e reconhecer sua bondade e misericórdia. Devemos destacar também que Cristo nunca operou milagres supérfluos ou por capricho. Todos corresponderam, justamente, a uma necessidade física ou moral.

No Evangelho de hoje, no milagre da cura do filho do oficial do rei, não é diferente. Nosso Senhor cura um doente à distância, dizendo simplesmente “Vai, o teu filho vive.” Pode um homem fazer tal coisa? Pode um anjo fazer tal coisa? Sem dúvida, não. Só Deus pode fazer isso diretamente ou indiretamente. Cristo, sendo verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem, o faz. Cristo sabe que os homens precisam dos milagres para poder acreditar em seu ensinamento. Ele mesmo o diz: Vós, se não virdes milagres e prodígios, não credes. Todavia, há um limite para os milagres, pois uma vez realizado um número sufciente para comprovar a veracidade do ensinamento, já não são mais necessários. Hoje, os milagres já não são necessários, embora ainda existam muitos, em particular em Lourdes.  Nosso Senhor é movido, então, pela compaixão face ao sofrimento desse pobre pai e cura seu filho. Nosso Senhor age em benefício de outrem e jamais em benefício próprio.  E Nosso Senhor age não somente para curar fisicamente, mas sobretudo para dar a vida sobrenatural: o pai, tendo constatado a cura do filho, acreditou em Nosso Senhor Jesus Cristo junto com toda a sua casa. Os milagres supõem a fé ou terminam, em certo sentido, gerando a fé.

Reconheçamos, então, nos milagres de Cristo a confirmação inquestionável de sua divindade e de todo o seu ensinamento e reconheçamos também a sua bondade e misericórdia infinitas. Da mesma forma como Cristo ajudou àquelas pessoas quando esteve fisicamente presente entre os homens, ele nos ajudará. Os milagres são hoje mais escassos, pois já temos motivos suficientes para reconhecer a divindade e a bondade de Cristo. Mas se for necessário, Cristo nos ajudará até mesmo com milagres.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

Nota do editor: destaques são nossos.

Continuar lendo

[Sermão] “O Terço é a melhor das devoções”

Sermão para o 19º Domingo depois de Pentecostes (7 de outubro de 2012) 

Padre Daniel Pinheiro

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave Maria…

A Batalha de Lepanto

Caros católicos, estamos hoje no 19º Domingo depois de Pentecostes, mas festejamos também a festa de Nossa Senhora do Rosário.  A história da Festa de Nossa Senhora do Rosário é uma história de vitória. A origem da festa, antes chamada de Nossa Senhora da Vitória, está, justamente, na vitória dos católicos sobre os turcos na batalha naval de Lepanto em 1571, sob o Papa São Pio V. A vitória foi atribuída em grande parte às orações e procissões feitas pela Confraria do Rosário durante a batalha. Uma outra vitória dos católicos sobre os turcos, em 1716, na Hungria, permitiu que o Papa Clemente XI tornasse a festa, já chamada de Nossa Senhora do Rosário, uma festa para toda a Igreja. O Terço precede a Festa de Nossa Senhora do Rosário e se confunde com a própria história da Igreja, quando muitos que não podiam rezar o 150 Salmos o substituíam por 150 Pais-Nossos e Ave-Marias.  Tal como o conhecemos hoje, o Rosário foi dado por Nossa Senhora a São Domingos de Gusmão, fundador dos dominicanos, a fim de que o santo pudesse converter os hereges cátaros no sul da França por meio dessa oração, visto que todos os outros meios tinham sido inúteis. Esse fato – de que o terço foi dado por Nossa Senhora a São Domingos – é confirmado por pelo menos dezesseis Papas. Depois de começar a rezar o Rosário e ensiná-lo aos outros, o sucesso da pregação de São Domingos foi admirável. O Santo Rosário ou a terça parte dele, conhecida como Terço é, então, uma devoção que nos dá a vitória sobre os nossos inimigos, sobre nós mesmos, sobre o mundo e o demônio. O terço é, então, uma arma poderosíssima e nós não podemos negligenciá-la se nos preocupamos com a nossa salvação.

O Terço é tradicionalmente dividido em três mistérios – gozosos, dolorosos e gloriosos. Três mistérios a fim de honrar a Santíssima Trindade; três mistérios para honrar a vida, a morte e a glória de Cristo; três mistérios para nos dar abundância de graças durante a vida, paz na hora da morte e glória na eternidade. São 150 Ave-Marias como são 150 Salmos.

Mas por que o terço é tão eficaz na fuga do pecado e na busca da santidade? Como já mencionamos, ele nos foi dado por Nossa Senhora e recomendado inúmeras vezes por ela, bastando mencionarmos Lourdes e Fátima, aparições ampla e devidamente aprovadas pela Igreja. O Terço é a devoção mais recomendada pelos Papas.

O terço é também uma oração excelente em virtude das orações que compõem o seu corpo. O Credo, que é o resumo essencial das verdades em que devemos crer e que nos coloca na disposição correta para rezar. O Pai-Nosso, que é a oração mais perfeita que existe, pois foi composta e ensinada pelo próprio Verbo de Deus encarnado e que contém tudo aquilo que devemos pedir para nos salvar, começando pelos bem espirituais, mas sem esquecer os bens materiais necessários. A Ave-Maria, que é a saudação do Anjo a Nossa Senhora com as palavras de Santa Isabel também dirigidas à Mãe de Deus acrescidas da súplica da Igreja para que Maria Santíssima reze por nós agora e na hora de nossa morte, que são os dois momentos mais importantes de nossa vida. A Ave-Maria é a oração que mais agrada a Nossa Senhora, pois contém na primeira parte as palavras do próprio Deus e na segunda as palavras dos filho de Nossa senhora. Na Ave-Maria, os dois títulos principais de Nossa Senhora são invocados: a maternidade divina e a concepção sem pecado original. A Ave-Maria é o cântico novo anunciado no Antigo Testamento, nos Salmos em particular, é o cântico da nova e eterna aliança, que começa na Anunciação e se conclui no calvário. O Glória ao Pai recitado após cada dezena do terço expressa nossa submissão total à vontade de Deus, querendo aquilo que for para a sua maior glória, quer dizer, querendo aquilo que o torne mais conhecido, amado e servido pelos homens. Finalmente, podemos citar ainda a oração que foi ensinada por Nossa Senhora aos pastorinhos de Fátima e que implora a misericórdia divina. Disse Nossa Senhora: “Quando rezais o terço, dizei depois de cada mistério: Ó meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno; levai as almas todas para o Céu, principalmente as que mais precisarem.”

Uma objeção comum ao Terço diz respeito à repetição das orações. Ora, a repetição não é algo ruim. Ao contrário. A repetição é ruim e entediante para os sentidos, que buscam sempre novidades. Mas para a inteligência, a repetição é indispensável. A repetição é a mãe do aprendizado e só podemos conhecer algo profundamente quando ele é repetido inúmeras vezes. Assim, as repetições no Terço, como na Missa, permitem que conheçamos o significado profundo das orações e permitem que possamos pedir com verdadeiro conhecimento de causa. Além disso, repetindo as orações, simplesmente imitamos NSJC, que, no momento de sua agonia repetia as mesmas palavras. Essa repetição mostra a profundidade e a intensidade da oração.

Eis, então, o corpo do Santo Terço: as orações que o compõem. Agora precisamos considerar a alma do Terço.

O Terço é uma oração extremamente eficaz também porque ela é ao mesmo tempo uma oração vocal e mental. Ele é uma oração vocal porque recitamos com a boca todas as orações que acabamos de mencionar. Mas o terço, para ser verdadeiramente tal e realmente eficaz, deve ser também uma meditação, uma oração mental. É essa a alma do terço. Isso quer dizer que durante o terço devemos também considerar as verdades eternas expressadas nele e tirar conclusões práticas para nossas vidas. Devemos, então, considerar os mistérios da vida, paixão, morte e glória de Nosso Senhor Jesus Cristo, bem como considerar os mistérios da vida de Nossa Senhora contidos nos quinze mistérios do Terço, procurando imitar os exemplos dados por Cristo e Maria Santíssima.

Mas para obter todas as graças que derivam do terço precisamos rezá-lo bem. Primeiro, devemos estar em estado de graça ou ter o propósito de deixar o pecado mortal, ao menos, pedindo a Deus a nossa conversão. Segundo, devemos evitar distrações voluntárias; evitar todas as distrações involuntárias é praticamente impossível, mas devemos combatê-las e, mesmo se não conseguimos afastá-las de todo, nossa oração será agradável a Deus. Terceiro, é preciso ter atenção quando se reza e no que se reza, sem pular partes das orações e sem rezá-las com rapidez. Quarto, é preciso meditar nos mistérios do terço, considerando o exemplo de Jesus e Maria e tirando uma conclusão prática para nossas vidas. Finalmente, é preciso pedir sempre uma graça, pois só alcançamos aquilo que pedimos, só achamos aquilo que buscamos. Não devemos deixar o terço, caros católicos, para o último momento do dia, em que já estamos cansados e não conseguimos mais nos concentrar devidamente e corremos mesmo o risco de terminar o dia sem rezá-lo.

Parece bem complicado conseguir rezar o Terço, falando as orações e meditando os Mistérios. Há um método simples para unir a oração vocal e mental no terço. Em cada dezena, nas três primeiras Ave-Marias, devemos considerar as palavras das orações que estamos fazendo. Nas três Ave-Marias seguintes devemos considerar o Mistério em questão. Por exemplo, na encarnação, a humildade de Nosso Senhor Jesus Cristo e seu amor por nós. Nas últimas quatro Ave-Marias, devemos inflamar nossa vontade e tirar uma pequena conclusão prática: por exemplo, reconhecendo que todo o bem nos vem de Deus – humildade – ou nos propondo a visitar o Santíssimo Sacramento para expressar nossa caridade para com Deus etc. Esse método pode parecer um pouco artificial no começo, mas se mostra depois muito eficaz contra as distrações e para o progresso da alma, conciliando bem a oração vocal e a meditação.  As dificuldades para se rezar o terço e para rezá-lo bem são inúmeras e o inimigo tentará nos desencorajar ao máximo, sabendo o quanto o terço é essencial para a nossa santificação. Assim, é preciso perseverar apesar das distrações e das inúmeras dificuldades. Não devemos jamais abandonar o Santo Terço.

Aquele que reza o Terço diariamente com uma reta intenção, como Nossa Senhora pediu tantas vezes, há de se salvar, pois como acabamos de ver se trata de uma arma poderosíssima que nos foi dada por nossa Mãe. É preciso que, na medida do possível, se reze o Terço em família e que pouco a pouco as crianças se acostumem a rezar o Terço. A família que reza o Terço junta alcançará de Nossa Senhora graças abundantes para permanecer fiel a Deus nesses tempos de tormentas e para cumprir a finalidade do matrimônio, que é a santificação dos esposos e dos filhos.

O Terço é uma oração simples, perfeita, uma verdadeira síntese da Fé e um resumo do santo Evangelho. E essa oração simples e perfeita nos toma somente alguns minutos por dia. Assim como a rosa é a rainha das flores, o Terço é a melhor das devoções depois da santa Missa, claro. A devoção que mais agrada a Nossa Senhora é o Santo Terço. Se tivéssemos que escolher uma só devoção, excetuando a Missa, teríamos que escolher certamente o Terço. Devemos utilizar essa arma potentíssima para o bem da nossa alma, para o bem de nossa família e para o bem da sociedade. A guerra é tremenda, uma arma como o Terço é essencial. Arma que nos foi dada por Nossa senhora, que é recomendada por Ela e pelos Papas. Arma composta das orações mais perfeitas e mais agradáveis a Deus. Arma que nos faz considerar, pela meditação, os mistérios mais importantes da vida de Cristo e de sua Santíssima Mãe. Arma que nos faz imitar as virtudes de Nosso Salvador e de sua Mãe. Cabe somente a nós utilizar bem essa arma. Quem reza o terço com uma reta intenção, buscando agradar a Deus e se converter, se salvará certamente.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

Nota do editor: destaques são nossos.

[Sermão] A educação católica dos filhos: “Ensinar desde a mais tenra idade a temer a Deus e a se abster de todo pecado.”

Sermão para o 18º Domingo depois de Pentecostes (30 de setembro de 2012) 

Padre Daniel Pinheiro

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave Maria…

“Ensinar desde a sua mais tenra idade a temer a Deus e a se abster de todo o pecado.”   Ab infantia timere Deum et abstinere ab omni peccato. (Tob. I, 10).

A questão da educação é fundamental, caros católicos, sobretudo nesses dias em que a sociedade como um todo se opõe de maneira cada vez mais hostil à lei natural e à lei divina. Da educação que a pessoa recebe na sua mais tenra infância depende o seu futuro, não somente neste mundo, mas também no próximo. De regra, tal a criança, tal o adolescente e tal o adulto. É a partir da educação que a consciência e a personalidade da pessoa são formadas, seja para o bem, seja para o mal. Assim, saber qual é o fim da educação e quais os meios para bem educar os filhos é indispensável para todo casal e educador católico.

Quando falamos de educação é preciso ter um conhecimento claro do homem e de seu estado atual. O homem é composto de corpo e alma. A educação deve prover, então, aos dois. O homem está maculado, ferido, pelo pecado original e sofre suas consequências, isto é, ele tem uma inclinação desordenada nas suas faculdades: quer dizer, a inteligência está inclinada para o erro, a vontade está inclinada para o mal e as paixões estão inclinadas para o bem sensível desordenado. É preciso levar em conta esta desordem nas faculdades do homem para poder educá-lo bem e empregar os meios adequados. Além disso, o homem foi elevado por Deus à vida sobrenatural, de maneira que o fim último do homem é sobrenatural e só pode ser alcançado pela prática da verdadeira religião.

A educação tem como objetivo, então, levar o homem ao seu desenvolvimento perfeito. A perfeição de cada coisa consiste em atingir a finalidade para a qual foi criada. O homem foi criado para Deus e seu fim último é, portanto, Deus. A educação, então, não deve ser naturalista, mas deve considerar não só a natureza do homem, mas a Revelação divina, pela qual o homem é chamado à vida sobrenatural. Uma educação naturalista privaria o homem daquilo para o que ele foi feito (visão beatífica no céu) e seria extremamente danosa e prejudicial não somente para o indivíduo, mas também para a sociedade.

O dever e o direito de educar as crianças e os jovens dizem respeito aos pais, em primeiro lugar. Por lei natural, este dever e este direito são dos pais. A educação das crianças está contida na primeira finalidade do casamento. Esta primeira finalidade visa não somente à procriação, mas também a educação da prole. Não basta gerar o filho, mas é preciso ajudá-lo a desenvolver-se da melhor maneira possível. Em outras palavras: não basta dar a vida, é preciso dar aos filhos uma vida feliz e a vida feliz é a vida virtuosa. Para tanto, é necessário, segundo a natureza humana e salvo situações extraordinárias, que estejam presentes o pai e a mãe, não somente para o sustento material, mas também para a educação espiritual dos filhos, o que vai contra o divórcio, que perturba a educação dos filhos e, consequentemente, toda a sociedade. Nem precisamos falar de como uniões de pessoas do mesmo sexo são extremamente prejudiciais para a criança e toda a sociedade.

Os pais têm pela lei natural o dever e o direito – invioláveis ambos – de educar os filhos. Não se trata de um direito civil dado pelo Estado e que pode ser retirado a qualquer momento. Não. A família existe antes do Estado. O Estado tem, então, uma grave obrigação moral de permitir que os pais eduquem seus filhos. Por outro lado, os pais podem delegar para o Estado a educação dos filhos e podem retratar tal delegação a qualquer momento. O Estado tem direito de interferir nesse direito natural dos pais de educar os filhos somente em uma circunstância: quando os pais estão instruindo os filhos a violar a lei natural de maneira que decorra dano para o bem comum. Para interferir o Estado tem que agir segundo a lei natural e a lei divina. Então, se o Estado quer forçar o aprendizado da educação sexual, por exemplo, ele não tem direito algum, pois assim ele não está garantindo o bem comum, mas indo contra ele, pois viola a lei natural.

O ideal seria que família, Igreja e Estado cooperassem na educação católica de uma criança e de um jovem, evitando assim, a mudança de ambientes, o que é extremamente prejudicial para a educação. Atualmente, isso é, infelizmente, quase impossível.

A educação é dever grave dos pais, pois da educação das crianças depende o futuro delas. Os filhos são como um depósito dado por Deus aos pais e do qual eles deverão prestar contas. A Sagrada Escritura nos diz: “Aquele que educa seu filho (…) quando morrer não ficará aflito e se salvará pela educação deles.” (Eccl XXX, 3- 5: Qui docet filium suum… in obitu suo non est contristastus nec confusus. E 1 Tim. II, 15:  Salvabitur autem per generationem filiorum.)

O fim da educação é a virtude nesta terra, quer dizer a santidade, e a glória eterna na outra vida. Ora, a virtude consiste numa disposição muito bem enraizada para agir bem, fazendo o que é bom, por um bom motivo e nas circunstâncias devidas. Todavia, essa disposição bem enraizada para agir bem, que é a virtude, adquire-se pela repetição dos atos. Assim, quanto mais cedo aprendemos a agir bem, maior facilidade teremos para agir bem posteriormente. Isso quer dizer que a educação deve começar o mais cedo possível, mesmo quando a criança ainda não entende perfeitamente as coisas. Por isso, levamos a criança à Missa desde cedo, ensinamos à criança a rezar, a manter-se bem vestida, a respeitar as coisas sagradas. Em suma ensinamos à criança a evitar o mal e praticar o bem. Aquilo que a criança aprender na sua infância e adolescência dificilmente deixará de praticar na idade adulta. Diz a Sagrada Escritura que mesmo quando a criança envelhecer, não se afastará de seu caminho. Adolescens juxta viam suam, etiam cum senuerit, non recedet ab ea (Prov. XXII, 6).

Além disso, como no início o homem é como uma tábua rasa, aprender o bem é muito mais fácil, pois a criança ou o jovem não tem disposições ruins, além daquelas que são consequência do pecado original. Por outro lado, deixar o mal ao qual a pessoa já se habituou é uma tarefa dificílima. É imperioso, dessa forma, acostumar as crianças desde já a praticar o bem e a evitar o mal. A Sarada Escritura diz: Ensinar desde a sua mais tenra idade a temer a Deus e a se abster de todo o pecado. Ab infantia timere Deum et abstinere ab omni peccato. (Tob. I, 10). Agora, como começar a educação de alguém que ainda não atingiu a idade da razão? Aristóteles e depois São Tomás dizem que a virtude nada mais é do que alegrar-se com aquilo que é bom e entristecer-se com aquilo que é mau. Dessa maneira, a melhor forma de educar uma criança é fazer que ela se alegre com o bem que ela faz e que ela se entristeça com o mal. É preciso, então, recompensar as boas ações e punir as más, mesmo que ela não tenha plena consciência de uma ou de outra. Ela passará a gostar de fazer o bem e odiará fazer o mal. Ela vai aprender com isso, que nossas ações têm uma consequência, merecendo um prêmio ou um castigo nesta terra, mas também depois da morte.

Mas como educar os filhos? Pais, não exaspereis os vossos filhos, mas educai-os na disciplina e na instrução do Senhor, nos diz São Paulo. Et vos patres educate filios vestros in disciplina et correptione Domini (Eph VI, 4). Isto quer dizer que é preciso instruir os filhos segundo a doutrina e discipliná-los, corrigi-los quando agem mal.

Instrução. O primeiro dever dos pais é conformar a conduta do filho à lei de Deus, quer dizer, segundo a lei natural e segundo a Revelação. E os pais devem fazer isso não somente com as palavras, mas também com o exemplo.

Pelas palavras. Os bons pais reunirão com frequência os filhos em torno de si e ensinarão, desde bem cedo, o temor de Deus, o amor da verdade e do bem.  Assim, o primeiro dever dos pais é instruir os filhos quanto à fé, em particular sobre quatro pontos fundamentais: 1) que há um Deus criador de todas as coisas e todo-poderoso; 2) que este Deus é remunerador, premiando os bons e punindo os maus; 3) que há um só Deus em três pessoas; 4) que Deus se encarnou no seio de Maria e que Ele sofreu e morreu para nos salvar. Os pais devem também ensinar para os filhos o fim que devem buscar: conhecer, amar e servir a Deus.  É preciso, então, que os pais tenham o mínimo de conhecimento dessas coisas a fim de transmitir aos filhos. Se eles ignoram tais coisas (o que é grave) eles devem pelo menos enviá-los a alguém que ensine a fé às crianças. É de se lamentar muitíssimo que as crianças cheguem à juventude sem conhecer praticamente nada da religião, como, por exemplo, o que significam o pecado mortal, o inferno, o céu, a eternidade. É de se lamentar também que eles não conheçam as orações mais básicas que todo cristão deve saber, sob pena de pecado grave (Sto Afonso de Ligório):  Pater, Ave-Maria, Credo. Os pais devem ensinar a criança a rezar. A rezar a oração da manhã, a oração da noite. Devem ensinar a pedir perdão pelas suas faltas, a agradecer pelos dons de Deus, a oferecer tudo a Deus. Os pais devem ensinar a devoção à Maria Santíssima, em particular um apreço enorme pelo Terço. Eles devem favorecer o amor ao Santíssimo Sacramento, visitando-o com frequência. A família deve rezar junta. Os pais devem ler bons livros para seus filhos (história da salvação, histórias de santos, e.g.) e dar bons livros para que eles leiam. No momento em que eles atingirem a idade da razão (em torno de sete anos), é preciso habituá-los a frequentar os sacramentos (confissão e comunhão). Com esses bons hábitos bem penetrados na alma, eles perseverarão até o fim. Deus não há de abandoná-los.

Os pais devem ensinar aos filhos as verdadeiras máximas da vida e não as máximas mundanas. Assim, longe dos pais católicos dizer aos filhos: “É essencial ser estimado pelos outros”; “Deus é misericordioso, no final perdoará teus pecados”. Os bons pais têm outra linguagem. Como Santa Branca, mãe de São Luís, eles dizem: “Meu filho, eu prefiro te ver morto no meu braço que em estado de pecado”; ou dizem: “o que vale ganhar o mundo inteiro, se nós perdemos a nossa alma”, ou “tudo se perde, mas não percamos Deus”. E finalmente aquela máxima de São Domingos Sávio: “Antes morrer do que pecar”. Uma dessas máximas bem impressas no espírito de uma criança bastará, como nos diz Santo Afonso, para que a criança se mantenha toda a sua vida em estado de graça.

Os pais, além de ensinar aos filhos, devem governar os filhos de forma a evitar as ocasiões de agir mal, as ocasiões de pecado. É preciso evitar a ociosidade dos filhos, ocupando bem o tempo deles. A ociosidade é ocasião farta para o pecado. David cometeu adultério e homicídio porque num momento de ociosidade levantou os olhos para uma mulher.

É preciso impedi-los de ir a lugares suspeitos e de andar em má companhia. A má companhia é o flagelo da juventude. Os pais devem saber aonde vai o filho quando ele sai de casa, o que ele vai fazer e com quem ele vai. Os pais devem ter cuidado com os empregados e devem demiti-los se eles têm um comportamento ruim. É preciso impedir os jogos de azar (que levam à perda da fortuna e da alma), as danças e bailes, os espetáculos escandalosos, assim como as músicas ruins (e não só por causa das letras, mas da própria melodia, às vezes muito sentimental ou colérica). É preciso evitar os filmes impróprios (aqui estão incluídos praticamente quase todos os filmes atuais e muitos dos antigos), bem como os programas ruins de rádio. É preciso também vigiar as leituras dos filhos, a fim de que não leiam o que vai contra a moral e contra a fé. É necessário ter cuidado com os livros de romances, que tiram a juventude da realidade e a leva por um caminho ruim. E mesmo historinhas de ficção e desenhos para crianças são em grande parte prejudiciais pelo conteúdo – que via de regra é péssimo – mas também pelo fato do excesso acostumar a criança a viver fora da realidade e não gostar da realidade.

Hoje, é preciso tomar cuidado, sobretudo, com a televisão e a internet. A televisão invade de tal maneira a casa das famílias que elas tendem a destruir os lares e vai aos poucos incutindo uma forma de pensar e uma moral não só anticatólicas, mas também antinaturais. A televisão aos poucos substitui o que de bom existe no intelecto da pessoa por valores anticatólicos e antinaturais. Onde ela entra, atualmente, ela destrói tudo. A internet é celeiro do melhor e do pior. Assim, os pais precisam regular e conhecer o que acessam seus filhos, a fim de que eles se edifiquem natural e sobrenaturalmente. E só devem acessar, mesmo coisas boas, quando já tiverem certa idade. Essas coisas, como filmes, cinema, rádio, televisão, internet, são em si indiferentes. Assim, elas podem ser usadas para o bem e para o mal. Atualmente, porém, elas são usadas para destruir não só a realidade sobrenatural (a doutrina revelada por Cristo e afirmada pela Igreja), mas também os princípios mais básicos da realidade natural e as pessoas passam a viver fora da realidade. É preciso, então, cuidado. Pio XI escreveu assim na sua Encíclica Divini Illius Magistri, sobre a educação da juventude:

“Na verdade nos nossos tempos torna-se necessária uma vigilância tanto mais extensa e cuidadosa, quanto mais têm aumentado as ocasiões de naufrágio moral e religioso para a juventude inexperiente, especialmente nos livros ímpios e licenciosos, muitos dos quais diabolicamente espalhados, a preço ridículo e desprezível, nos espetáculos do cinematógrafo, e agora também nas audições radiofónicas, que multiplicam e facilitam toda a espécie de leituras, como o cinematógrafo toda a sorte de espectáculos. Estes potentíssimos meios de vulgarização que podem ser, se bem dirigidos pelos sãos princípios, duma grande utilidade para a instrução e educação, aparecem infelizmente, na maior parte das vezes, como incentivos das más paixões e da avidez do lucro. Quantas depravações juvenis, por causa dos espetáculos modernos e das leituras infames, não têm hoje que chorar os pais e os educadores!”

E acrescentemos por causa da televisão, da internet… Vale mais cansar-se um pouco agora cuidando do filho do que sofrer enormemente depois por tê-lo deixado à mercê de distrações indevidas.

Os pais devem vigiar também pelas obras de arte que estão em seu lar. Os quadros e esculturas licenciosas que geram pensamentos ruins devem desaparecer. Dessa forma, não basta ensinar o bem, mas é preciso vigiar, a fim de que se evite também o mal. Além disso, o que se verá no dia-a-dia de nossa sociedade já basta para que a criança ou o jovem conheça os males do mundo.

Somem-se aos ensinamentos pelas palavras os ensinamentos pelos exemplos. Os filhos têm grande tendência a ver nos pais o modelo e a imitá-los, portanto. O homem acredita mais naquilo que ele vê do que naquilo que ele ouve. Magis oculis credunt homines quam auribus. Assim, se os pais fazem o mal, como podem esperar que os filhos façam o bem? Aos pais que dão mau exemplo, São Tomás os chama de assassinos dos filhos. Não do corpo, mas da alma, claro. Frequente os sacramentos, vá aos sermões, reze o terço todo dia, seja modesto no falar e no vestir, não fale maledicências do próximo, fuja das disputas, abandone a vida mundana, guardem a devida hierarquia no matrimônio e os vossos filhos frequentarão os sacramentos, irão aos sermões, recitarão o rosário, fugirão das garras do mundo, serão obedientes, modestos e assim por diante. Eles imitarão, enfim, vossa conduta.  Isso tem que ser feito enquanto os filhos são crianças. É preciso endireitá-los desde a infância, nos diz a Sagrada Escritura (Eclesiástico 7, 25). Depois dos maus hábitos, fica extremamente difícil convertê-los pelas palavras e mesmo pelo exemplo.

Os pais devem, desde o momento do casamento, rezar pelos filhos, oferecer sofrimentos e penitências pela santificação dos filhos… suportando os defeitos das crianças, oferecendo as noites em claro para cuidar dos filhos, etc.

Querer o verdadeiro bem do filho não é realizar todas as suas vontades, ou dar abundantes brinquedos. Aliás, a abundância de brinquedos acostuma a criança a buscar sempre a novidade e ser superficial e depois ela não conseguirá controlar seus desejos. Querer o bem é permitir e ensinar à criança a fazer a vontade de Deus. Para tanto, é preciso também corrigir o filho, sempre que ele ande pelo mau caminho. A Sagrada Escritura diz: Quem poupa a vara odeia seu filho; quem o ama, castiga-o na hora precisa. (Prov. XIII, 24). A correção, que é aparentemente um mal, visa a um bem infinitamente superior: a virtude, a santidade. Se os pais amam o filho eles devem repreendê-lo e castigá-lo quando ele comete uma falta, mas claro devem castigá-lo de maneira proporcional. Os pais podem mesmo puni-lo fisicamente, mas só durante a infância e de forma moderada, porque eles agem enquanto pais e não enquanto mestres de escravos. O castigo enquanto se está irado deve ser evitado, para não passar além do que é justo e para que o filho não desconsidere a correção, pensando que se trata de um exagero devido à ira (Santo Afonso o diz expressamente).

Os pais devem proteger os filhos evitando todo tipo de pecado e sobretudo os relativos ao uso do matrimônio para que o demônio não seja atraído para a casa. Devem também usar os sacramentais para proteger a família: água benta, objetos abençoados, abençoando a casa…

Eis aqui, então, alguns deveres e direitos para que os pais eduquem bem os seus filhos. Claro, os filhos terão sempre o livre arbítrio e poderão escolher o mau caminho mesmo tendo recebido uma boa educação. Mas isso é relativamente raro. É preciso confiar em Deus.

Aquele que tiver educado bem os filhos neste mundo será dignamente recompensado.  Os pais se assemelham a Deus que por sua Revelação vai nos ensinando o que há de mais importante na nossa vida e nos conduz pela mão a fim de que possamos adorá-lo eternamente. Que os pais tenham na mente esse preceito de Cristo: “Deixai vir a mim as criancinhas” (Mc X, 14).

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

Nota do editor: destaques são nossos.

[Sermão] Sobre a Fé e os erros opostos

Sermão para o 16º Domingo depois de Pentecostes (16 de setembro de 2012) 

Padre Daniel Pinheiro

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Ave Maria…

Tratemos hoje, caros católicos, de algo fundamental, algo sem o qual – nos diz São Paulo na Epístola aos Hebreus (11, 6) – não podemos agradar a Deus. Tratemos, pois, da fé. São Paulo utiliza hoje uma expressão curiosa: “que Cristo habite pela fé em vossos corações”. A fé está, então, em nosso coração? A fé é, então, um sentimento? Considerar a fé como um sentimento é um erro extremamente atual e que tem causado muito mal para as almas. Esse erro encontra sua origem na doutrina do modernismo, condenada por São Pio X. Negando que nossa razão possa conhecer a existência de Deus e possa receber uma revelação exterior (duas coisas falsas, pois podemos conhecer que Deus existe e podemos conhecer aquilo que ele nos ensina), o modernismo explica a existência da religião a partir de um sentimento interior, o sentimento religioso. As doutrinas das diversas religiões são todas expressões mais ou menos perfeitas desse sentimento e são todas expressões boas desse sentimento. Assim, toda religião que possa manter em uma pessoa esse sentimento religioso é boa. E o importante é que esse sentimento continue vivo, mesmo que para isso eu mude de religião, ou mude a doutrina católica ou mude a interpretação do ensinamento da Igreja. É  exatamente isso que nós vemos hoje: muitos ficam na Igreja Católica enquanto isso lhes agrada, mas se querem divorciar-se e casar-se novamente já não se sentirão bem e procurarão uma seita onde se sentirão bem e estarão, assim – pensam – “de bem com Deus”. Muitos querem mudar a doutrina católica segundo suas vontades e caprichos para se sentirem bem e outros querem reinterpretar os ensinamentos da Igreja. Podemos ver, então, quantos males são causados pelo fato de confundir a fé com um sentimento.

A fé, caros católicos, não é um sentimento e a frase de São Paulo não afirma isso. Para entender bem a frase de São Paulo – “que Cristo habite pela fé em vossos corações” – é preciso conhecer o vocabulário bíblico. O coração na Bíblia é, antes de tudo, a sede da inteligência ou da vontade. Quando São Paulo nos diz que deseja que Cristo habite pela fé em nossos corações, ele deseja, na verdade, que Cristo esteja presente em nossa inteligência pela fé, porque a fé está na inteligência e não nas emoções. A fé é uma virtude sobrenatural, dada pela graça divina, pela qual aderimos à verdade revelada por Deus, em virtude da autoridade divina que não pode se enganar nem nos enganar. Repito: a fé é a adesão da inteligência à verdade revelada por Deus, em virtude da autoridade divina que não pode se enganar nem nos enganar. Devemos ter isso muito claro para não confundir a fé com um sentimento passageiro que vai e vem. Devemos considerar na fé três coisas. De que modo devemos crer, em que acreditamos e por que acreditamos. Em seguida, devemos considerar alguns dos principais erros que se opõem à fé e alguns dos perigos para a nossa fé.

A primeira coisa que devemos considerar na fé é, então, de que modo devemos crer. Quando recitamos o Credo e dizemos “creio”, o que estamos dizendo? Estamos dizendo “eu penso”, “eu acho”, “é possível” ou “para mim é assim”…? Não! Quando dizemos creio ao recitar o credo, expressando a nossa fé, estamos aderindo da maneira mais firme possível, com certeza absoluta e sem nenhuma dúvida àquelas verdades, porque é  Deus quem nos fala e se Deus nos fala nós somos obrigados a acreditar de modo absoluto, porque Ele não pode se enganar nem nos enganar. Devemos crer, então, com certeza absoluta, sem condições nem hesitações… São Paulo nos diz que a fé é a certeza daquelas coisas que não vemos (Heb 11,1). Trata-se, portanto, de certeza.

Em que devemos acreditar com fé? Devo acreditar com fé, quer dizer, aderindo de modo absoluto, em tudo aquilo que Deus nos revelou por escrito ou por tradição e que a Igreja me ensina como divinamente revelado. Isto é, devo aderir de modo absoluto e incondicional a tudo aquilo que a Igreja ensina como revelado, pois a Igreja Católica foi estabelecida por Deus como infalível em matéria de fé e moral. Por exemplo, minha inteligência deve aderir com certeza absoluta à verdade de que Cristo é homem e  Deus, que Maria Santíssima foi concebida sem pecado e subiu aos céus, que o Papa é infalível em certas condições, que a contracepção é imoral etc. Nem todas as verdades de fé estão contidas explicitamente no Credo, mas só implicitamente. Precisamos saber também que não pode crescer o número de verdades reveladas. A Revelação terminou com o último Apóstolo. Depois da morte de São João Evangelista não há revelação de novas verdades. E os dogmas definidos  recentemente pela Igreja não são novas verdades reveladas? Não, esses dogmas não são novidades, mas estavam contidos ao menos implicitamente na doutrina ensinada pelos Apóstolos e pelas Sagradas Escrituras. A Igreja simplesmente explicita e afirma essas verdades em um dado momento da história. Assim, a infalibilidade está presente em Mateus 16, 16: “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja e tudo o que ligares na terra será ligado no céu e tudo o que desligares na terra será desligado no céu. E as portas do inferno não prevalecerão contra ela.” A Imaculada Conceição está contida na saudação do anjo: “Ave, cheia de graça…” E se não há novas verdades, também não pode haver uma interpretação diferente da interpretação que sempre foi dada aos dogmas. Não se pode dizer que renovação significa comemoração quando se diz que “a missa é a renovação não sangrenta do sacrifício da cruz”. Não. Renovação sempre foi interpretada pela Igreja como a repetição sacramental, não sangrenta do sacrifício de Cristo. Assim, não pode haver novas verdades reveladas nem pode haver mudança de sentido das verdades reveladas. Ambas as coisas seriam adulterar a Revelação para adaptá-la aos nossos gostos e preferências.

Mas por que devemos acreditar de maneira tão absoluta, com a maior certeza possível? Qual motivo leva nossa inteligência a aderir com tal certeza? O fato de ser Deus quem fala e sabermos que é Ele quem fala. Deus não pode se enganar nem nos enganar. E sabemos que é Ele quem fala quando vemos o dedo dEle confirmar uma certa doutrina com verdadeiros milagres e verdadeiras profecias; friso bem: com verdadeiros milagres e profecias. Sabemos que Cristo ensinou aquilo que Ele viu no seio do Pai porque Ele fez inúmeros milagres e profecias. E sabemos também que ele constitui sua Igreja como guardiã infalível da Revelação. Devemos acreditar, portanto, de modo incondicional e total quando Deus nos fala. Não acreditamos porque nossos pais nos ensinaram, nem porque o padre nos ensinou, mas porque Deus nos ensinou e se revelou para nós. Os pais, o padre, são instrumentos de Deus para que os outros possam conhecer os ensinamentos divinos. Mas no fundo, cremos porque Deus nos revelou. E, por essa razão, se deixo de acreditar em uma única verdade revelada proposta como tal pela Igreja – por exemplo, a Imaculada Conceição – perco toda a fé, porque já não acredito porque Deus me revelou, mas por um critério meu, a partir do qual decido o que é verdade ou não. Se deixo de aderir, de acreditar em uma única verdade de fé, perco a fé, deixo de ser católico.

A fé é, então, necessária para a nossa salvação e devemos com frequência fazer atos de fé durante a vida, em particular em momentos de tentação contra a fé e na hora da morte. Evidentemente, nunca podemos negar um só artigo de fé sem perdê-la e às vezes somos obrigados a manifestá-la. Por exemplo, quando a autoridade legítima nos interroga e o silêncio equivale a negar a fé.

Mas se a fé é um bem tão precioso, devemos evitar tudo aquilo que se opõe à fé. Alguns pecados se opõem à fé por excesso e outros por defeito.

Por excesso, opõem-se à fé a credulidade excessiva e a superstição. A credulidade excessiva consiste em admitir com demasiada facilidade e sem fundamento suficiente que certas verdades pertencem à fé. Ocorre normalmente em pessoas devotas, mas ignorantes, que concedem importância extraordinária ao que diz qualquer visionário. A Sagrada Escritura nos coloca em guarda contra essa excessiva credulidade: “Caríssimos, não creias em qualquer espírito, mas examinai os espíritos para ver se são de Deus, porque muitos falsos profetas levantaram-se no mundo” (1Jo 4,1). Mas também não devemos cair no extremo oposto racionalista que duvidaria até mesmo das revelações privadas aprovadas pela autoridade suprema da Igreja, como Fátima ou Lourdes. Em todo caso, as revelações privadas não fazem parte da Revelação com “R” maiúsculo e não há jamais obrigação estrita de acreditar nelas, embora não acreditar possa ser extremamente imprudente nos casos aprovados pela autoridade suprema da Igreja. Devemos ter cuidado, então, com a excessiva credulidade, em aceitar tudo que é tipo de revelação privada. Só podemos aceitá-las quando há a aprovação definitiva e cabal da Igreja, quando há a certeza de que nada nelas se opõe à doutrina da Igreja.

Se opõe também à fé por execesso a idolatria, tributando a uma criatura a adoração devida a Deus. A adivinhação, que tenta averiguar os futuros incertos e coisas ocultas por meios incertos e desproporcionais também se opõe à fé. E assim, a comunicação com demônios, com os mortos, ou outras práticas falsas, a fim de descobrir o desconhecido, consultar horóscopos, astrologia, leitura de mão/quiromancia, cartomante, tarô, búzios, etc. são pecados graves contra a fé e a religião; atribuir importância indevida aos sonhos, presságios… praticar magia ou feitiçaria; jogar com tábuas Ouija ou mesas que giram; praticar o jogo do copo; praticar o espiritismo (falar com os espíritos, invocar os mortos)… Eis aí alguns exemplos de pecados gravíssimos contra a fé e a religião.

Por defeito, também é pecado contra a fé a heresia, que nega uma ou mais verdades reveladas, e a apostasia, que é o abandono total da fé recebida no batismo. A dúvida proposital de qualquer artigo de fé, a ignorância deliberada das verdades de fé que devem ser conhecidas, e a negligência de instruir-se na fé de acordo com o próprio estado de vida também se opõem à virtude da fé. Podemos citar ainda o indiferentismo (que é acreditar que uma religião é tão boa quanto a outra, e que todas as religiões são igualmente verdadeiras e agradáveis a Deus, ou que o homem é livre para aceitar ou rejeitar a religião que quiser); a leitura ou circulação de livros ou escritos contra a crença e a prática católicas, de tal modo a comprometer a própria fé também se opõem à mesma; participar em ato de culto ou liturgia de cismáticos ou hereges; aderir a ou apoiar sociedades proibidas. Para proteger a fé, a Igreja não recomenda o casamento com alguém que não é católico e tal casamento só pode ocorrer com a dispensa da autoridade eclesiástica.

Nós vivemos em um mundo em que há uma crise de fé enorme. Tudo isso que acabamos de mencionar é abundante em nossa sociedade e mesmo entre católicos, desde a excessiva credulidade até o casamento com acatólicos, passando pelas práticas de adivinhação, sempre condenadas pela Igreja. Nós precisamos, então, fortalecer a nossa fé, pedindo a Deus que aumente a nossa, nos dando uma firmeza cada vez maior e fazendo com frequência atos de fé, em particular nos momentos de tentação contra a fé. Devemos também nos instruir segundo o nosso estado, lendo o catecismo de São Pio X ou o Catecismo Romano e outros livros seguros quanto à doutrina católica.

Senhor, vós sabeis que somos homens de pouca fé. Por isso vos pedimos, aumentai a nossa fé para que possamos crer com uma certeza cada vez maior e para que possamos aderir totalmente e profundamente aos vossos ensinamentos e para que possamos conhecê-los cada vez melhor. Assim, poderemos ser agradáveis a Vós e felizes nessa terra, mas sobretudo no céu.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo.

Nota do editor: destaques são nossos.

[Sermão] Sobre a aprovação do aborto de anencéfalo

Sermão para o Domingo da Oitava da Páscoa
14 de abril de 2012 – Diácono Daniel Pinheiro

 

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Ave Maria…

“Todo aquele que nasce de Deus vence o mundo; e esta é a vitória que venceu o mundo, a nossa fé. E quem vence o mundo senão aquele que crê que Jesus é o Filho de Deus?”

Estamos hoje concluindo a oitava da Páscoa, o tempo de alegria espiritual por excelência. A alegria da Igreja é tão grande com a obra da redenção que ela prolonga o Domingo da Ressurreição durante uma semana. Liturgicamente, todos os dias dessa semana que passou são como o Domingo da Ressurreição e a Igreja repete: esse é o dia que fez o Senhor, exultemos e alegremo-nos nele. O dia da Ressurreição é o dia que fez o Senhor, como aqueles seis dias da criação. Mas aqui se trata da nova criação, da redenção e da restauração do homem para a vida eterna. E essa alegria se prolonga durante todo o tempo Pascal até o Domingo de Pentecostes. Todavia, estamos nessa terra como num vale de lágrimas, em que a tristeza pode nos atingir mesmo durante esses dias de maior alegria.

Na quinta-feira última, caros católicos, vimos, em nosso país, a aprovação, pelos magistrados supremos, do assassinato de inocentes indefesos portadores de uma deficiência: o aborto dos anencéfalos. Tudo isso com a argumentação de que o estado é laico, que a ciência avança enquanto a religião nos faz retroceder. Com o argumento da liberdade de escolha da mulher. Aqueles que deveriam velar pela aplicação das leis justas, aprovam a iniquidade quase por unanimidade e voltam a crucificar violentamente Nosso Senhor durante a oitava da Páscoa.

No caso do aborto – e de qualquer aborto provocado por indústria humana – não é, em primeiro lugar, a religião que nos proíbe tal ação. A própria razão, sem auxílio da revelação divina e a partir do simples bom senso, nos diz que não podemos matar um inocente, pois não temos direito sobre a vida de um inocente. Somente Deus tem um direito soberano sobre a vida. A morte de alguém por outro só pode ser lícita em legítima defesa, própria e alheia, ou por pena capital estabelecida pela devida autoridade da sociedade. É a própria razão natural que nos mostra que devemos proteger a vida de um inocente indefeso, sobretudo se é deficiente. A razão natural nos diz: não queira para os outros aquilo que não deseja para si. Ora, ninguém deseja, sendo inocente, a morte para si. Por que desejá-la, então, ao próximo? Na questão do aborto, a irracionalidade, a ignorância, a barbárie, o obscurantismo encontram-se no lado dos que querem justificá-lo e defendê-lo, contra a evidência que nos fornece a razão a partir da natureza mesma das coisas. A virtude da justiça manda dar a cada um o que lhe é devido. A um inocente é devido o direito de viver. O homicídio do inocente é a mais grave injustiça que se pode cometer contra o próximo. Além disso, o homicídio do inocente viola o direito soberano de Deus sobre a vida e prejudica a sociedade como um todo, pois ela se vê destituída injustamente de um de seus membros. E por tudo isso o aborto é pecado que clama aos céus por vingança. Devemos então preparar-nos para os castigos que devem seguir como consequência de tal iniquidade. E o maior dos castigos já está sendo aplicado: a cegueira dos homens, abandonados aos seus próprios caprichos e à sua própria malícia. Mas devemos rezar a Deus, infinitamente misericordioso, para que converta nossa nação, apesar de sua rebeldia atual ao jugo leve de Nosso Senhor.

Sempre foi o ofício da Igreja, inspirada pela caridade de seu divino fundador, defender os mais fracos, garantindo a eles o que lhes é devido. Foi com a Igreja que cessaram os sacrifícios humanos, em particular dos bebês e sobretudo dos bebês deficientes. Foi com a Igreja que surgiram e se desenvolveram os hospitais, foi com a Igreja que a mulher encontrou sua verdadeira dignidade. E é ela hoje que continua a defender verdadeiramente os mais fracos. Com a aprovação do aborto de anencéfalos, se estabelece que existe uma classe de seres humanos que não tem o direito de viver: aqueles que viverão pouco tempo. Pouco a pouco tentarão aprovar também o aborto de outros fetos com deficiência, a morte dos idosos etc. É a eugenia nazista que se instala agora com aparências de democracia.  No caso do bebê anencéfalo, ninguém nega, evidentemente, o sofrimento tremendo da mãe que deve carregar em seu ventre uma criança que morrerá alguns minutos, horas, dias, meses ou anos depois do parto. Mas não é matando um inocente que se deve fugir do sofrimento. O mal moral causado pelo homicídio de um inocente vai merecer um sofrimento eterno incomparavelmente superior, se a mãe não se arrepende do aborto. Além disso, a vida nessa terra pode ser resumida assim: ama e sofre. Porque todos amamos algo como o maior dos bens e sofremos para alcançar e guardar esse bem. É preciso porém amar o verdadeiro bem e sofrer pela boa causa: é preciso amar a Deus e sofrer por Ele. Amando o verdadeiro bem e sofrendo por Ele, alcançaremos a paz já nessa terra, paz que Nosso Senhor deseja a seus apóstolos no Evangelho de hoje.

Mas há uma pergunta que deve ser respondida. Se a imoralidade do aborto – e do aborto em qualquer caso – pode ser perfeitamente conhecida pela razão natural, porque praticamente só os católicos se opõem a uma prática tão abominável? O fato é que aderindo à Revelação sobrenatural o católico guarda necessariamente a lei natural, porque a revelação não se opõe à razão, mas a pressupõe e a aperfeiçoa. Aqueles que rejeitam a existência de Deus ou rejeitam de uma forma ou de outra aquilo que Nosso Senhor Jesus Cristo nos revelou terminam, destituídos da graça, negando também inúmeros outros pontos da lei natural, mesmo os mais básicos, como podemos constatar hoje.

Com a aprovação do aborto dos anencéfalos, os filhos das trevas obtiveram mais uma vitória contra os filhos da luz, os filhos da Santa Igreja. Leão XIII, em sua Encíclica Humanum Genus, do final do séc. XIX, nos explica esse combate:

“O Gênero Humano, após sua miserável queda […] separou-se em duas partes diferentes e opostas, das quais uma resolutamente luta pela verdade e virtude, e a outra por aquelas coisas que são contrárias à virtude e à verdade. Uma é o reino de Deus na terra, especificamente, a verdadeira Igreja de Jesus Cristo; e aqueles que desejam em seus corações estar unidos a ela, de modo a receber a salvação, devem necessariamente servir a Deus e Seu único Filho com toda a sua mente e com um desejo completo. A outra é o reino de Satanás, em cuja possessão e controle estão todos e quaisquer que sigam o exemplo fatal de seu líder e de nossos primeiros pais, aqueles que se recusam a obedecer à lei divina e eterna, e que têm muitos objetivos próprios em desprezo a Deus, e também muitos objetivos contra Deus.

Este reino dividido Sto. Agostinho penetrantemente discerniu e descreveu ao modo de duas cidades, contrárias em suas leis porque lutando por objetivos contrários; e com sutil brevidade ele expressou a causa eficiente de cada uma dessas sociedades nessas palavras: “Dois amores formaram duas cidades: o amor de si mesmo, atingindo até o desprezo de Deus formou uma cidade terrena; e o amor de Deus, atingindo até o desprezo de si mesmo formou uma cidade celestial.” Em cada período do tempo uma tem estado em conflito com a outra, com uma variedade e multiplicidade de armas e de batalhas, embora nem sempre com igual ardor e assalto. Nesta época, entretanto, os partidários do mal parecem estar se reunindo, e estar combatendo com veemência, liderados ou auxiliados por aquela sociedade fortemente organizada e difundida chamada maçonaria. Não mais fazendo qualquer segredo de seus propósitos, eles estão agora abruptamente levantando-se contra o próprio Deus. Eles estão planejando a destruição da santa Igreja publicamente e abertamente, e isso com o propósito estabelecido de despojar completamente as nações da Cristandade, e se isso fosse possível, das bênçãos obtidas para nós através de Jesus Cristo nosso Salvador. Lamentando estes males, Nós somos constrangidos pela caridade que urge Nosso coração a clamar frequentemente a Deus: “Ó Deus, eis que Teus inimigos se agitam; e os que Te odeiam levantaram as suas cabeças. Eles tramam um plano contra Teu povo, e conspiram contra Teus santos.”

Para entender a aprovação do aborto de anencéfalo, é preciso compreender essa divisão do gênero humano em dois campos diversos e inimigos, pois tal aprovação se insere nessa guerra tremenda. De um lado aqueles que combatem por Cristo e sua Igreja. Do outro aqueles que combatem contra Cristo e sua Igreja. Os filhos das trevas trabalham em segredo, em suas sociedades secretas, planejando a apostasia e a corrupção moral, sem descanso, assim como Judas trabalhava na traição de Cristo enquanto os outros Apóstolos dormiam. E hoje os filhos das trevas conseguiram que seus ideais penetrassem profundamente na sociedade, no mundo inteiro: a falácia da separação do estado e da Igreja, a falácia da oposição entre razão e religião, a falácia da liberdade sem limites. Eis que os princípios básicos das sociedades secretas são os mesmos argumentos utilizados para aprovar o aborto.

Na verdade, o Estado, como criatura, deve render o devido culto a Deus professando a verdadeira religião, por Ele revelada. Na verdade, Deus sendo o autor tanto da razão quanto da religião, não pode haver entre elas oposição.  Na verdade, o homem é livre unicamente para escolher o bem, para cultuar a Deus na verdadeira religião e para exprimir unicamente a verdade. Fazer o mal, aderir a uma falsa religião ou o direito de exprimir o erro são abusos da liberdade. A partir dessas falácias absurdas surge o indiferentismo religioso, como se todas as religiões fossem verdadeiras e boas, surge o divórcio, surge o aborto e tantos outros males.

E para destruir a Igreja e a obra da redenção de Nosso Senhor, como se isso fosse possível, eles atacam em todos os frontes. Movimentos aparentemente sem ligação (socialismo, comunismo, liberalismo, feminismo, sem-terra e tantos outros) unem-se num objetivo supremo e comum: atacar a Igreja e sua doutrina. Partidos aparentemente opostos (esquerda, direita, centro, nazismo, comunismo, socialismo, ditadura militar) se unem igualmente no combate a Nosso Senhor e a seu reinado social. Lembremo-nos, por exemplo, que foi a ditadura militar que aprovou o divórcio em nosso pais. Eles propagam suas ideias pela televisão, pelas músicas, pelos livros, pelos filmes…  O fim deles é, como nos diz Leão XIII, destruir completamente toda a ordem religiosa e social tal como foi construída pelo cristianismo e criar outra completamente diferente, uma nova ordem, fundada sobre o naturalismo, isto é, recusando toda revelação ou aceitando todas. Eles rejeitam o jugo suave e leve de Nosso Senhor para assumir o jugo pesado e escravizador do pecado. A aprovação do aborto se insere nessa rejeição completa do jugo doce e suave de Cristo. A incompatibilidade entre essas sociedades e o catolicismo é completo, e irremediável.  O combate é inevitável e enorme e ele vai se tornar cada vez mais aberto e a Igreja e seus filhos perseguidos cada vez mais abertamente, como se vê atualmente no mundo inteiro.

Mas não devemos temer esse poder das trevas. Nesse Domingo da oitava de Páscoa, São Paulo nos dá a arma para vencer o mundo que se opõe a Nosso Senhor: a fé. A fé que afirma a divindade de Jesus Cristo, nosso Salvador, que venceu o mundo. E se nós estamos unidos a Ele por essa fé viva e por uma caridade ardente, venceremos o mundo junto com Cristo, para alcançarmos a vida eterna. É essa fé viva na divindade de Nosso Senhor, acompanhada da prática dos mandamentos, que nos dá a força necessária para combater o bom combate, para combater pela salvação de nossas almas, pela salvação do nosso próximo e pelo reinado social de Nosso Senhor Jesus Cristo até o martírio, se necessário for. Se os filhos das trevas têm avançado tanto, o que se manifesta pela apostasia generalizada, é porque os católicos permitiram e permitem que a fé se torne cada vez menos viva e a caridade cada vez menos ardente, tentando abrir-se para o mundo e aliar-se com ele, sobretudo nos últimos cinquenta anos. Devemos então confessar com o apóstolo São Tomé: “Meu Senhor e meu Deus”; e, a partir dessa confissão de fé, vencer o mundo. Não esqueçamos jamais: “Todo aquele que nasce de Deus vence o mundo; e esta é a vitória que venceu o mundo, a nossa fé. E quem vence o mundo senão aquele que crê que Jesus é o Filho de Deus?”

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo.

Nota do editor: destaques são nossos.

Aviso: Domingo de Ramos (II Domingo da Paixão)

O Rev. Pe. Sérgio David solicitou aos fiéis que levem seus ramos (folhas de palmeira) neste próximo Domingo de Ramos (II Domingo da Paixão) para a Santa Missa no Instituto Bíblico, às 17H00. Haverá procissão antes da Santa Missa.

Em breve, mais alguma atualização sobre o II Domingo da Paixão.