[Sermão] A Igreja e sua doutrina

Sermão para o 18º Domingo depois de Pentecostes

22.09.2013 – Padre Daniel Pinheiro

ÁUDIO: Sermão para o 18º Domingo depois de Pentecostes A doutrina católica 22.09.2013

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

Ave Maria…

Nosso Senhor, vindo ao mundo para nos salvar com sua caridade e misericórdia infinita, caros católicos, nos ensinou a verdade e nos instrui a amar a verdade, nos instruiu a aderir a ela e a colocá-la em prática. Nosso Senhor veio nos trazer a salvação. Todavia, sabendo que voltaria ao Pai, de onde veio, instituiu a Igreja, sua esposa imaculada, a fim de que a Igreja pudesse nos transmitir intactos seus ensinamentos, para que a Igreja prolongasse até o fim dos tempos os frutos da encarnação e da paixão de Nosso Senhor. A Igreja com sua doutrina é – como não poderia deixar de ser – fruto da misericórdia de Cristo.

 Algumas questões fundamentais, de grave importância foram suscitadas, agitadas, durante a semana com relação à Igreja e à sua doutrina. Convém muitíssimo deixar alguns pontos claros com relação à Igreja e à sua doutrina. Como diz São Paulo a Timóteo, é preciso pregar a palavra a tempo e fora de tempo, repreendendo, suplicando, admoestando, com toda paciência e doutrina. (II Tim. 4, 2)

Nosso Senhor fundou a Igreja, caros católicos. A Igreja, como nos diz o catecismo de São Pio X, é a sociedade de todas as pessoas batizadas que, vivendo na terra, professam a mesma fé e a mesma lei de Cristo, participam dos mesmos sacramentos, e obedecem aos legítimos pastores, principalmente ao Romano Pontífice. A Igreja não é algo vago, etéreo, nebuloso. A Igreja também não é simplesmente, sem mais nem menos, o povo de Deus. A definição da Igreja como simples povo de Deus resta imprecisa, e define melhor o povo judeu do que a Igreja fundada por Cristo. O que caracterizaria esse povo de Deus? Quais as especificidades desse povo? O que une esse povo? É preciso ter bem presente que a Igreja é uma sociedade. Ela é a sociedade de todas as pessoas batizadas que, vivendo na terra, professam a mesma fé e a mesma lei de Cristo, participam dos mesmos sacramentos, e obedecem aos legítimos pastores, principalmente ao Romano Pontífice. E a Igreja é uma sociedade perfeita, isso quer dizer que ela possui em si todos os meios para atingir o seu fim, que é a maior glória de Deus e a salvação das almas pela aplicação dos méritos infinitos obtidos por Cristo, pela transmissão do ensinamento de Cristo, pela celebração dos sacramentos, pela incitação ao amor a Deus e aos seus mandamentos. A Igreja é essa sociedade de que acabamos de falar, uma sociedade perfeita porque tem todos os meios para atingir seu fim, que é a glória de Deus e a salvação das almas. Claro, a Igreja é uma sociedade ao mesmo tempo divina e humana, portanto, ela é um mistério, mas isso não faz com que ela deixe de ser uma sociedade visível, externa, definida, para se tornar algo puramente espiritual, interno e impreciso, sem limites definidos, de forma que, no fundo, todo mundo faz parte dela. Não. A Igreja é visível, também externa, uma sociedade bem definida, da qual são membros os batizados que professam a fé católica, que partilham os mesmos sacramentos e que obedecem aos legítimos pastores.

A Igreja foi fundada por Cristo. Ela possui, portanto, uma constituição que lhe foi dada pela Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, por Deus Filho. A Igreja foi constituída por Deus como Igreja hierárquica. Nosso Senhor escolheu doze homens que Ele nomeou apóstolos (Marcos 3, 14-16), para que ficassem com Ele e pregassem (Atos 5, 17). E Nosso Senhor deu aos doze a missão de continuar a obra da redenção. Nosso Senhor diz aos apóstolos: “Assim como o Pai me enviou também eu vos envio” (Jo 20, 21). Deus enviou Nosso Senhor para governar, ensinar e santificar. São justamente os três poderes que possuem os Apóstolos e seus sucessores, os Bispos: governar, ensinar, santificar. Portanto, Nosso Senhor escolheu doze e conferiu a esses doze poderes particulares: governar, ensinar, santificar. Nosso Senhor constituiu uma hierarquia. A Igreja, por instituição divina é hierárquica. Mas essa não é uma hierarquia colegial, é, antes, uma monarquia. A Igreja é uma monarquia, pois Cristo deu a um dos Apóstolos, São Pedro e aos sucessores de São Pedro, o poder pleno e supremo de jurisdição e um poder supremo, pleno, ordinário e imediato sobre todas e cada uma das Igrejas particulares e sobre todos e cada um dos pastores e fiéis (Conc. Vat. I, Denz. 3064). Nosso Senhor disse a São Pedro: “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja. Eu te darei as chaves do reino dos céus. Tudo o que ligares na terra será ligado no céu. Tudo o que desligardes na terra será desligado no céu” (Mt 16, 18). Depois, Nosso Senhor dirá a São Pedro duas vezes: “apascenta os meus cordeiros” (Jo 21, 15-17). E uma vez: “apascenta minhas ovelhas” (Ibidem). Os cordeiros são só fiéis, as ovelhas são os Bispos e Padres. São Pedro, o Papa, deve apascentar todos, deve governar, instruir e santificar a todos. O que foi divinamente instituído ninguém pode mudar. E Nosso Senhor assistirá a sua Igreja para que ela permaneça até o fim dos tempos como ele a instituiu, pois Ele disse que as portas do inferno não prevaleceriam contra ela e que Ele estaria com a Igreja até a consumação dos séculos. A natureza da Igreja é, então, a de uma sociedade hierárquica e monárquica. Nós sabemos que o bem de cada coisa é agir conforme a sua natureza. Portanto, o bem da Igreja e consequentemente dos fiéis e de todos os homens se verifica quando os membros da Igreja agem conforme a sua natureza, respeitando a instituição divina. Não se trata, em nenhuma hipótese de uma tirania – como é claro -, pois o tirano governa para o seu próprio bem ou para o bem de um grupo. O Papa deve governar para o bem dos fiéis, para que os fiéis alcancem com maior facilidade a salvação. O Papa, sendo o soberano chefe da Igreja, é, ao mesmo tempo e pelo próprio fato de ser o chefe supremo, o servo dos servos. Sua função é servir a todos, promulgando leis que nos levem a Deus, ensinando com clareza e fidelidade a doutrina de Cristo, assegurando a boa administração dos sacramentos. Agindo assim, ele espalhará a misericórdia divina sobre a terra e levará as almas para Deus. Aquilo que muitos desejam, de ver o Papa praticamente como mais um entre os bispos, de ver a democracia instalada na Igreja é um grande prejuízo para a Igreja, para as almas. Agir desse modo é um grande prejuízo para a Igreja e para os homens, é falta de fidelidade a Cristo. O bem de uma coisa é agir em conformidade com sua natureza e a natureza da Igreja é hierárquica, monárquica. Isso não significa que o Papa deva governar sozinho. Não, ele pode e deve pedir conselho, ele pode e deve ser auxiliado no governo da Igreja, mas jamais deve se igualar aos outros bispos.

Como vimos, a Igreja tem como finalidade última a glória de Deus e a salvação das almas. Para atingir esse fim, a hierarquia recebeu de Cristo, como vimos, o poder de ensinar. Esse poder de ensinar consiste em transmitir, guardar, declarar, defender, explicar aquilo que Nosso Senhor ensinou. Aquilo que Nosso Senhor ensinou não pode mudar. Ele manda que os apóstolos ensinam aquilo que ouviram e aprenderam (Mt 28, 20; 10, 27) A Revelação feita por Cristo, se encerrou com a morte do último Apóstolo, São João, no início do século II. O Espírito Santo, como diz Nosso Senhor, ensinou aos apóstolos toda as coisas e lembra a eles o que Cristo ensinou (Jo 14, 26). Não há, portanto, mais nada para ser revelado. Tudo o que a Igreja ensina deve necessariamente estar contido no ensinamento dos Apóstolos. A Igreja não pode, então, mudar aquilo que Cristo e o Espírito Santo ensinaram, a Igreja não pode mudar as verdades reveladas, a Igreja não pode inventar novas verdades reveladas, nem dizer que uma verdade deixou de ser revelada. A Igreja não pode mudar a interpretação dada a uma verdade revelada. A Igreja deve sempre interpretar a verdade revelada no mesmo sentido, com o mesmo entendimento, ainda que mais profundo. Por exemplo, a Igreja sempre afirmou que a presença de Cristo na Missa, após a consagração, é uma presença real, substancial, em corpo, sangue, alma e divindade. A Igreja não pode dizer hoje ou amanhã que a presença de Cristo na Missa existe, mas que é uma presença simbólica, uma presença só para os que creem, etc. A Igreja pode aprofundar-se no entendimento de uma verdade revelada, mas nunca mudando o sentido ou interpretação dessa verdade. Dessa forma, a Revelação (aqui se incluem as verdades de fé e também a moral) não pode ser mudada para se adaptar aos tempos modernos – nem aos antigos, nem a qualquer outro tempo – para se adaptar à mentalidade do homem contemporâneo. As verdades a serem cridas e praticadas não vêm do povo, dos fiéis, mas de Cristo e da hierarquia. A Revelação – a doutrina da Igreja e sua moral – não deve ser lida à luz da modernidade, a fim se adaptar a essa modernidade. É a modernidade que deve ser lida à luz da Revelação, a fim de saber o que pode ser aproveitado da modernidade para o nosso bem. A Igreja tem o dever de se manter fidelíssima ao depósito da Revelação que ela recebeu de Cristo e ela é fidelíssima e será fidelíssima. A Igreja guarda intactas e puras as verdades que recebeu de seu Divino Mestre. Mais uma vez, não é a Revelação que se adapta ao homem e aos seus gostos e caprichos – isso seria divinizar o homem, colocá-lo acima de Deus – mas é o homem que deve ser conformar inteiramente à Revelação. Portanto, a doutrina da fé e da moral da Igreja não pode mudar, não pode evoluir.

Assim sendo, a Igreja não pode evoluir quanto ao aborto, quanto ao homossexualismo, quanto à contracepção, quanto à comunhão dos divorciados recasados, quer dizer, quanto à comunhão daqueles que se casaram na igreja, se separam e depois se juntaram com outra pessoa. A Igreja não pode mudar quanto a isso, pela própria natureza das coisas. E a Igreja deve insistir nesses pontos porque são pontos de suma importância para o indivíduo, mas, sobretudo, para a sociedade. O aborto e o homossexualismo são dois pecados que clamam aos céus por vingança justamente porque são pecados que corroem os fundamentos da sociedade, causam um mal incomensurável à sociedade. O primeiro, porque é suma injustiça, é o assassinato de um inocente indefeso, assassinado por aqueles que mais deveriam protegê-lo e amá-lo. O segundo, porque destrói inteiramente a base da sociedade, que é a família, formada para a propagação do gênero humano e para povoar o céu. É óbvio que a pregação da Igreja não pode nem deve se reduzir a isso. Mas é preciso insistir nesses pontos, sem esquecer os outros principais, a existência de Deus, a Trindade de Deus, a Encarnação de Deus Filho, sua morte por nós na cruz, sua caridade, bondade e misericórdia para conosco. Se os homens da Igreja insistissem um pouco mais sobre esses assuntos, talvez a sociedade não estivesse nesse estado, tão afastada de Deus. Se os homens da Igreja passarem a falar pouco desses assuntos, em pouco tempo os católicos cederão quase completamente em todos esses pontos, como já cederam quase completamente em alguns, como é o caso da contracepção, por exemplo. É preciso falar com frequência sobre esses assuntos, sem reduzir o catolicismo a eles, como é evidente. Todos esses pecados – contracepção, aborto, prática homossexual, divórcio – são pecados graves. Aquele que morrer neles, consciente da gravidade deles – e mesmo um pagão consegue ver com certa facilidade a gravidade deles, excetuando talvez a contracepção – será condenado. É a Igreja que os condena? Não. Eles mesmos se condenam. A Igreja prolonga nesse mundo a missão de Cristo em sua primeira vinda. Cristo veio condenar? Não. O evangelho de São João nos diz (Jo 3, 17 – 21): “Deus não enviou seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele. Quem n’Ele crê não será condenado, mas quem não crê, já está condenado, porque não crê no nome do Filho unigênito de Deus. E a condenação está nisto: a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz, porque suas obras eram más. Porque todo aquele que faz o mal aborrece a luz, e não se aproxima da luz, a fim de que não sejam condenadas as suas obras.” Não é a Igreja que condena. É a própria pessoa que se condena e se prepara para ser julgada como tal por Cristo quando da sua segunda vinda, em que Ele virá glorioso – aí, sim – para julgar os vivos e os mortos. O dever da Igreja e dos homens da Igreja é alertar as pessoas, com caridade: você está se condenando, abandone as trevas, venha para a luz, venha para Deus e sua Igreja. A Igreja deve dizer ao pecador: Nosso Senhor morreu por sua alma, para salvar a sua alma, abandone o pecado e prove e veja quão suave é o Senhor (Salmo 33, 9). A misericórdia da Igreja é tirar o homem de sua miséria. Qual é a maior miséria? O pecado. Para tirar o homem do pecado, ela tem que dizer que o pecado existe e que ele conduz à condenação. A Igreja tem que dizer que pelo pecado grave a pessoa perde o céu e merece o inferno. Quantas almas encontraram e encontram assim a misericórdia divina. Além disso, é obra de misericórdia espiritual ensinar aos ignorantes e corrigir os que erram, oportunamente. Como diz São Pio X, na carta Apostólica Notre Charge Apostolique: “a doutrina católica nos ensina que o primeiro dever da caridade não está na tolerância das convicções errôneas, por sinceras que sejam, nem da indiferença teórica e prática pelo erro ou o vício, em que vemos mergulhados nossos irmãos, mas no zelo pela sua restauração intelectual e moral, não menos que por seu bem-estar material.” A Igreja deve formar a consciência dos homens, é da Igreja que depende a vida espiritual dos homens. Não basta seguir a própria consciência para se salvar, é preciso seguir uma consciência bem formada, que busque realmente a verdade e que a ame. Muitos seguem sua consciência, mas uma consciência cupavelmente mal formada e relaxada, em que se escolhe não se aproximar da luz para não ter que mudar de vida. A Igreja deve formar as consciências. É grande obra de misericórdia ensinar aos ignorantes e corrigir os que estão no erro, de modo oportuno.

A Igreja e seus membros devem trabalhar incessantemente para restaurar tudo em Cristo. A restauração de tudo em Cristo era o que movia São Paulo, como ele disse aos Efésios (1, 10). Restaurar tudo em Cristo era o que movia São Pio X. Restaurar tudo em Cristo é o que deve mover todo católico. Restaurar tudo em Cristo é direcionar tudo a Cristo, fazer tudo por Ele, e com Ele, e n’Ele. Mas, como diz São Pio X, restaurar tudo em Cristo não é simplesmente levar as almas para Deus, mas restaurar a civilização cristã em cada um dos elementos que a compõem (Enc. Il fermo proposito). E isso não é um restauracionismo ideológico, mas um restauracionismo indispensável para todo católico. Mas como fazê-lo? São Pio X indica, na sua Encíclica E Supremi Apostolatus, quatro meios principais, entre outros, para restaurar tudo em Cristo: 1) a boa formação do clero, 2) o ensino da doutrina católica (não é por acaso se São Pio X promulgou o catecismo que leva o seu nome), 3) o fervor da vida cristã, e 4) a caridade cristã, que não é um zelo amargo que mais afasta as almas do que as atrai, mas que é uma verdadeira bondade, que não se confunde tampouco com tolerância do erro ou do pecado. Nesses últimos tempos, nós vemos a disciplina avançando, a liturgia avançando, os ensinamentos avançando e tendendo a se conformar à mentalidade moderna. Ao mesmo tempo em que tudo isso avança, nós vemos a prática real da religião recuando, o número de fiéis caindo, etc. É preciso constatar que esses avanços não têm contribuído para o avanço do Evangelho. Uma pessoa que vai avançando em alto mar e que começa a se afogar deve voltar para a praia ou continuar avançado em alto mar? Dou um exemplo prático na vida da Igreja: a lei da abstinência da sexta-feira. No direito canônico atual, a abstinência de carne pode ser substituída por outra penitência ou por uma obra de caridade. O resultado é que ninguém faz praticamente mais nada na sexta-feira. A penitência, tão necessária à vida cristã, é negligenciada e o resultado são as paixões desordenadas. Não seria o caso de se restabelecer a antiga disciplina, com uma lei clara que pede a abstinência de carne nas sextas-feiras? Algumas conferências episcopais já fizeram isso. Outro exemplo é a recepção da comunhão na mão. Essa prática não tem prejudicado tanto a fé das pessoas na presença real de Cristo na hóstia consagrada? Não seria o caso de se restabelecer uma liturgia e prática provadas por séculos e séculos e centradas completamente em Deus? Não seria o caso de se retornar à teologia baseada nos fundamentos sólidos estabelecidos por São Tomás de Aquino, capaz de responder às exigências de qualquer época? Não seria o caso de se retomar uma pastoral centrada no bem das almas e menos burocrática ou social? Tudo isso aqui é essencial. Não se trata aqui de voltar a um passado por simples gosto romântico do passado ou por ideologia, quer dizer, por uma vontade desconectada da realidade. Os que fazem isso são aqueles que querem restaurar uma suposta liturgia primitiva, que querem restaurar uma suposta caridade primitiva, que querem restaurar uma suposta colegialidade da Igreja dos primeiros séculos, que querem restaurar a disciplina primitiva do não celibato dos padres na igreja latina, etc… Isso seria uma restauração ideológica, uma volta ideológica ao passado. Nós estamos falando aqui de uma restauração que possa nos centrar e centrar a sociedade em Cristo hoje e sempre, com a liturgia tradicional que favorece imensamente a isso, com uma disciplina que nos faz esquecermos de nós mesmos e que nos dirige para Deus, uma disciplina que nos auxilia e facilita a prática do bem, uma disciplina que não é um fim em si, mas um auxílio importante…  Não se trata, nem é possível, como diz São Pio X (Il fermo proposito), de restaurar todas as instituições que se mostraram úteis e eficazes no passado. A Igreja sabe se adaptar facilmente ao que é contingente e acidental sem prejudicar a integridade ou a imutabilidade da fé, da moral e sem prejudicar seus direitos sagrados. Todavia, muitos desses avanços prejudicaram de alguma forma, infelizmente, a fé e a moral, em vez de favorecê-los. A liturgia tradicional, uma disciplina mais tradicional, uma catequese e uma pastoral mais tradicionais não são uma relíquia do passado. São coisas que permanecem sempre jovens, pois fundadas na palavra de Deus, que não passa e não envelhece.

Restaurar tudo em Cristo, caros católicos. Esse deve ser o nosso programa de vida. A começar pela nossa alma, mas sem esquecer nosso próximo, sem esquecer a sociedade. Restaurar tudo em Cristo pelo ensino da religião, da doutrina católica. A primeira e maior obrigação dos pastores, diz o Concílio de Trento, é a de ensinar o povo cristão. E São Paulo diz o mesmo a Timóteo (I Tim. 5, 17): “os presbíteros que governam bem, sejam considerados dignos de estipêndio dobrado, principalmente os que trabalham em pregar e ensinar.” A conversão, o amor a Deus, a misericórdia, só podem vir com a fé. E a fé, como diz São Paulo, vem pelos ouvidos. É preciso que alguém ensine, com segurança e sem ceder às novidades, como diz São Paulo (I Tim. 6, 20). Só se ama aquilo que se conhece. Só amará a Deus quem o conhecer. Se o ensino é bem feito e seguro, isto é, baseado na Revelação e não em conjecturas, e feito com a intenção de trazer as almas para Deus, o resto seguirá como consequência. Façamos nossa parte, caros, católicos, para restaurar tudo em Deus… isso é grande obra de misericórdia.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Instrução] PLC 3/2013 – sua origem, tramitação e consequências

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Texto: PLC 3/2013 - sua origem, tramitação e consequências
Autor: Pe. Luiz Carlos Lodi
Fonte: Blog Não Matarás

Nas últimas semanas, pessoas de toda a parte do Brasil procuraram-me para que eu dissesse algo acerca do Projeto de Lei da Câmara 3/2013, aprovado pelo Senado e encaminhado à sanção presidencial, que “dispõe sobre o atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação de violência sexual“.

Até agora mantive silêncio, porque tinha dúvidas sobre as conclusões e as estratégias de meus amigos pró-vida. Quero agora manifestar-me, embora de maneira apressada, para não pecar por omissão.

O projeto foi proposto na Câmara em 24 de fevereiro de 1999 pela deputada petista Iara Bernardi com o número PL 60/1999 (http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=5ECB8EB5FB2D0F17C82319C476A4325E.node1?codteor=1062248&filename=Tramitacao-PL+60/1999), logo após a edição pelo Ministério da Saúde da Norma Técnica “Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência contra Mulheres e Adolescentes“, conhecida como Norma Técnica do Aborto, em novembro de 1998.

O contexto em que o projeto foi apresentado é importante. Ele desejava obrigar “todos os hospitais públicos que tenham Pronto Socorro e Serviço de Ginecologia” (art. 4º, caput, versão original) a prestar auxílio às vítimas de violência sexual. Entre os “serviços”, o mais importante era o aborto precoce, provocado pelo DIU ou pela “pílula do dia seguinte”: “medicação com eficiência precoce para prevenir gravidez resultante de estupro” (art. 4º, IV, versão original). O projeto não falava do aborto mais tardio, previsto pela Norma Técnica até os cinco meses de gestação, pois isso tornaria inviável a aprovação do texto. No entanto, ao obrigar os hospitais que tenham Pronto Socorro e Ginecologia a dar assistência às vítimas de estupro, a consequência espontânea é que tais hospitais iriam servir-se da “Norma” do Ministério da Saúde para dar eficiência a esse “serviço”.

A redação final do texto aprovado pela Câmara em 5 de março de 2013 e encaminhado ao Senado com o número PLC 3/2013 (http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=132530&tp=1) havia alguns agravantes:

  1.  O atendimento agora obriga não só os hospitais que tenham Pronto Socorro e Serviço de Ginecologia, mas “todos os hospitais integrantes da rede do SUS” (art. 3º, caput, versão final).
  2.  o aborto precoce foi chamado de “profilaxia da gravidez” (art. 3º, IV, versão final).
  3.  todos os hospitais passam agora a ser obrigados a informar às gestantes o seu suposto direito ao (inexistente) aborto “legal”: “informações às vítimas sobre os direitos legais e sobre todos os serviços sanitários disponíveis” (art. 3º VII, versão final).

A CNBB merece louvor por ter percebido a extrema gravidade dos itens 2 e 3 acima e por ter pedido à Presidência da República que vetasse tais incisos (IV e VII) do artigo 3º (http://www.cnbb.org.br/site/imprensa/noticias/12426-cnbb-apoia-veto-parcial-do-projeto-de-lei-que-trata-de-assistencia-a-pessoas-em-situacao-de-violencia-sexual). De fato, tais incisos terão, se forem sancionados, um efeito catastrófico sobre as criancinhas geradas em uma violência sexual.

No entanto, parece que não foi dada atenção especial a um ponto que agora pretendo destacar. Vejamos:

Mesmo com os referidos incisos vetados, o PLC 3/2013 continua apresentando um sério perigo. Por quê? Porque tal proposta, convertida em lei, precisa de umaregulamentação. Normalmente a regulamentação é feita, após a promulgação da lei, pelo Poder Executivo, por meio de algum ato administrativo, como um decreto ou portaria.
No caso presente, regulamentar o PLC 3/2013 é desnecessário. Por quê? Porque o “tratamento dos agravos físicos e psíquicos decorrentes de violência sexual” (art. 1º da versão final) já está regulamentado. A regulamentação existe desde 1998, e sofreu um agravante com a nova edição de 2005 (http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/caderno6_saude_mulher.pdf): é a conhecida Norma Técnica do Aborto, cujo nome oficial é “Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes“. Uma edição do ano 2012 dessa Norma pode ser vista em http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/prevencao_agravo_violencia_sexual_mulheres_3ed.pdf, contendo, em apêndice, a Portaria do Ministério da Saúde 1508, de 2005 sobre a não necessidade de um boletim de ocorrência para comprovar a suposta violência sofrida. Em lugar do BO, há um formulário que parece ter sido feito para ajudar a gestante a falsificar um estupro (p. 119):

TERMO DE RELATO CIRCUNSTANCIADO
Eu,______________________________________________, brasileira, _______anos, portadora do documento de identifica-
ção tipo ___________, nº________,declaro que no dia _____, do mês ______do ano de ________às ________, no endereço ____
__________(ou proximidades – indicar ponto de referência) ______________, bairro ____________, cidade ________, fui vítima de crime de violência sexual, nas seguintes circunstâncias:_____________________

Alguém poderia argumentar – e é verdade – que o texto do PLC 3/2013 não faz referência explícita à Norma Técnica que introduziu o aborto nos hospitais públicos brasileiros. Mas a aplicação dela ao caso é espontânea. Com a lei parcialmente sancionada (sem os incisos já referidos), o Estado só teria duas opções:

– A primeira, totalmente fora de cogitação, seria editar uma outraNorma Técnica (ou um decreto ou portaria) não abortiva, ou seja, tratando somente da prevenção de DST, da assistência psicológica à vítima etc…, sem qualquer referência ao aborto. Mas isso é impensável em se tratando de um governo que sempre investiu pesadamente na promoção do aborto em nosso país e cujo Partido defende explicitamente a descriminalização de sua prática.
– A segunda opção seria fazer da Norma Técnica do Aborto na norma regulamentadora do PLC 3/2013. É o que espontaneamente deve acontecer.

Alguém poderia perguntar: se já existe uma Norma Técnica dispondo sobre a prática do aborto até cinco meses de gestação nos hospitais públicos, bastando para sua prática a simples palavra da gestante, que não pode ser obrigada a apresentar um Laudo do Instituto Médico Legal nem sequer um mero boletim de ocorrência para comprovar a violência sofrida, para que server o PLC 3/2013?
É que a Norma Técnica do Ministério da Saúde não tem força de lei. Ela instrui os hospitais a fazerem o aborto, mas não os obriga. O PLC 3/2013, se for sancionado, no todo ou em parte, tornar-se-á uma lei federal.

Mesmo portanto que os incisos IV e VII do artigo 3º sejam vetados, o PLC 3/2013, se sancionado, difundirá a Norma Técnica do Aborto para todos os hospitais do SUS. Nem todos estarão capacitados para fazerem o aborto, mas em todas as unidades hospitalares a “cartilha do aborto” estará presente e será conhecida por aqueles que forem prestar atendimento às vítimas de violência sexual. O que se pode prever com tudo isso é uma explosão da prática de aborto com o dinheiro público.

Esse tópico parece ter passado despercebido pela CNBB. Se tivesse captado isso (que não é claro à primeira vista), teria pedido o veto de todo o projeto à Presidência da República.

[Sermão] “O Senhor chorou”. Ou: A virtude da Piedade em Cristo e em nós, e os pecados que mais ofendem a Deus.

Sermão para o Nono Domingo depois de Pentecostes
21 de julho de 2013 – Padre Daniel Pinheiro

 

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…

***

Rezemos para que a presença do Papa no Brasil possa trazer bons frutos.

 “Videns civitatem, Jerusalem, Dominus flevit.” Vendo a cidade – Jerusalém – o Senhor chorou.

O Evangelho deste Domingo nos fala das lágrimas de Nosso Senhor Jesus Cristo. As lágrimas são, antes de tudo, um sinal de tristeza. Mas, devemos nos perguntar, como aquele que é verdadeiramente homem e verdadeiramente Deus pôde chorar, uma vez que ele tinha a visão beatífica em sua alma? Pois Cristo desde o momento de sua encarnação via Deus face a face, e essa visão impede todo sofrimento. Como pôde, então, aquele que via Deus face a face entristecer-se? Precisamos lembrar que Cristo veio ao mundo para satisfazer por nossos pecados e que satisfez por nossos inúmeros pecados aceitando os sofrimentos – até à morte e morte de cruz – com uma caridade infinita, a fim de nos salvar.  Dessa forma, ele tinha a visão beatífica, Ele via perfeitamente a Deus, como os santos no céu e muito mais perfeitamente que os santos no céu, mas a impassibilidade, quer dizer, a ausência de sofrimento e a imortalidade que decorrem dessa visão face a face de Deus, não se encontravam em Jesus Cristo enquanto ele viveu nessa terra, antes de sua ressurreição. E isso voluntariamente. Cristo via Deus face a face, mas sofreu e quis sofrer para satisfazer perfeitamente por nossos pecados.

Sabendo que Cristo podia chorar, devemos nos interrogar sobre o porquê dessa tristeza profunda de Nosso Senhor no episódio relatado pelo Evangelho. O choro vem da tristeza e a tristeza nos atinge quando vemos algum bem que amamos ameaçado, atacado, destruído. Assim, por exemplo, os parentes choram a perda de um ente querido, manifestando com isso o amor que tinham para com ele. Para compreender, então, porque Nosso Senhor Jesus Cristo chora no Evangelho de hoje, devemos compreender o que ele ama. Ora, Cristo é o abismo de todas as virtudes, isto é, Ele possui e exerce o mais perfeitamente possível todas as virtudes, ou quase todas, pois há virtudes que Cristo não possuía, porque há virtudes que supõem um defeito precedente, como a virtude da penitência supõe um pecado pessoal anterior. E essas virtudes que supõem um defeito anterior, Cristo evidentemente não as possuía, pois Ele é o cordeiro imaculado. Ele sofria com caridade infinita pelos pecados dos outros, mas não pelos seus, pois Ele não os tinha.

Entre todas as virtudes que Cristo possuía e exercia perfeitamente, encontra-se a virtude da piedade. Mas piedade em sentido próprio e não no sentido de devoção ou religiosidade, nem de compaixão ou misericórdia. A virtude da piedade propriamente dita é aquela que nos inclina a render aos pais, à pátria e a todos os que se relacionam com eles a honra e o serviço que lhes são devidos. A justiça nos diz que nos tornamos devedores daqueles que nos deram benefícios. Somos devedores, em primeiro lugar, de Deus, em razão de sua excelência e em razão de todos os bens inumeráveis que nos deu. Além disso, é Ele que nos dá o ser e nos governa. Em segundo lugar, são os pais que nos dão o ser e nos governam. E, finalmente, a pátria, em que nascemos e que nos nutre. E por isso, depois de Deus, o homem é devedor sobretudo dos pais e da pátria, nos diz São Tomás. A primeira dívida é paga com a prática da virtude da religião, pela qual damos a Deus, em união com Nosso Senhor e na medida das limitações de nossa natureza humana, o que lhe é devido. A segunda dívida devida aos pais e à pátria é paga com a prática da virtude da piedade.

Cristo possuía, assim, a virtude da piedade de modo perfeito. Ele amava, então, imensamente a sua pátria e, sobretudo, Jerusalém, o centro de sua pátria. Por isso Cristo chorou, caros católicos. Como Jerusalém recusava o verdadeiro Messias, a verdadeira religião e a salvação, Nosso Senhor chorou, vendo a ruína de tantas e tantas almas que recusaram a sua misericórdia. Toda a destruição material de Jerusalém, profetizada por Cristo e realizada no ano 70, é nada diante da ruína espiritual causada pela cegueira voluntária de Jerusalém. Quantas graças, quantos privilégios dados à cidade santa. E com que ingratidão e infidelidade ela pagou. É o dever dos filhos não só obedecer aos pais em tudo o que é lícito e mostrar o devido respeito, mas também socorrê-los quando esses precisam de ajuda. Nosso Senhor tentou socorrer Jerusalém de todas as formas: orações, ensinamentos, ameaças, milagres, profecias, morte na Cruz. Mas Jerusalém continuou cega e endureceu o seu coração.

Hoje, caros católicos, não há somente uma Jerusalém no mundo, há várias. Quantas nações receberam graça sobre graça, favor sobre favor de Cristo e agora respondem com ingratidão e infidelidade, dizendo: Não queremos que Ele, Jesus Cristo, reine sobre nós (regnare Christum nolumius). Já não queremos suas leis, nem sua Revelação; Revelação, aliás, única verdadeira, pois confirmada por tantos milagres e profecias verdadeiros. E vemos nesses países – que são criaturas de Deus – o jugo doce e suave de Cristo lançado por terra e calcado pelos homens. Consideremos, porém, somente a nossa pátria, que tem se distanciado cada vez mais de Deus, da religião católica, com a aprovação cada vez mais larga, embora sorrateira, do aborto (esse crime que nunca se justifica), com a aprovação de uniões contrárias à natureza, com o laicismo galopante.

Se somos católicos, buscando, então imitar a Cristo, devemos também nós ter e praticar a virtude da piedade para com nossa pátria, caros católicos, porque ela também é princípio de nosso ser, de nossa educação e ela nos governa, fazendo tudo isso enquanto proporciona aos pais – e por meio deles aos filhos – grande quantidade de coisas necessárias e convenientes para o nosso ser. Devemos praticar a virtude da piedade para com nossa pátria como o fez Nosso Senhor Jesus Cristo, obedecendo a ela em tudo o que é bom e socorrendo-a em suas dificuldades, sobretudo espirituais. Devemos, caros católicos, praticar a virtude da piedade buscando que nossa pátria reconheça a verdade e se submeta a ela e possa assim ajudar seus filhos não só materialmente, mas também espiritualmente, mostrando a eles o caminho, a verdade e a vida: Jesus Cristo. Para tanto, devemos rezar por ela, fazer apostolado por ela, nos mortificar por ela. Com esses atos ajudaremos nossa pátria sem cair no excesso de endeusá-la, com um nacionalismo descabido, e sem cair no defeito de rejeitar nossa pátria e dizer como os pagãos: minha pátria é onde me sinto bem. Não, caros católicos! Temos verdadeiro dever de justiça para com a nossa pátria, apesar de seus defeitos.

Mas Jerusalém, que Nosso Senhor Jesus Cristo ama tanto, caros católicos, representa também, e evidentemente, a alma de cada um de nós, agraciada por Deus com inúmeros benefícios, com incontáveis graças e graças abundantes. Recebemos, sobretudo com o batismo, todas as condições para receber Cristo em nossas almas. Nosso Senhor ama, então, cada uma de nossas almas. O amor de Cristo por nós é um amor puro e sobrenatural. É um amor que quer o bem dos homens. Mas não qualquer bem como as riquezas, o reconhecimento, um prazer instantâneo ou qualquer outro bem que se limite a esse mundo. O bem que Nosso Senhor quer é o bem de nossa santificação, de nossa salvação eterna. A tristeza de Nosso senhor vem, então, primeiramente, do fato de muitos desprezarem seus mandamentos e não alcançarem, como consequência, a vida eterna e terminarem perdendo eternamente as suas almas, no inferno. A tristeza de Cristo é causada pelos pecados que impedem a nossa salvação. Cristo chora porque muitas vezes preferimos um instante de satisfação nesse mundo à alegria eterna no céu, ofendendo gravemente as suas leis e crucificando-o novamente.

Assim, Nosso Senhor chora não só sobre Jerusalém, mas sobre as almas. E ele chora sobre as almas quando elas não o amam, quer dizer, quando não cumprem a sua lei. Ele se entristece quando as almas preferem entregar-se ao pecado mortal em vez de se entregarem a Ele.  O pecado mortal, caros católicos, é a transgressão voluntária da lei de Deus em matéria grave. É a negação de Deus como supremo legislador, como soberano governador, como supremo juiz, como supremo benfeitor, como nosso verdadeiro bem e felicidade suprema. O pecado mortal é uma ofensa grave a Deus pela desobediência de suas leis, leis que têm por objetivo o próprio bem do homem e de Deus. O pecado mortal é a recusa total do amor de Deus por nós. O pecado mortal é o inferno em potencial, um potencial que pode virar realidade e muitas vezes vira realidade quando menos esperamos.

A cena histórica e real descrita hoje pelo evangelista é o choro de Nosso Senhor diante de Jerusalém. Estamos pouco antes de sua triunfante entrada nessa mesma cidade no Domingo de Ramos. O povo Judeu vai aclamá-lo como o Filho de Davi, quer dizer, como o Messias. Mas Nosso Senhor chora. Nosso Senhor chora porque, três dias depois, esses mesmos que o aclamaram como o Messias vão pedir a sua crucifixão, recusando a sua lei, a sua graça. Eles louvaram a Cristo com a boca, mas o coração deles estava longe de Deus. Nosso Senhor chora, então, particularmente pelos pecados de nós católicos que o louvamos com a boca, mas que o crucificamos com as nossas obras pecaminosas.

São Paulo, em sua Epístola de hoje, cita alguns dos pecados que mais entristecem a Nosso Senhor. E ele nos dá, então, alguns exemplos que se aplicam de maneira muito especial a nós católicos desses tempos atuais. Tempos em que o amor do homem até o desprezo de Deus tem destruído as mais evidentes verdades católicas.

O primeiro pecado mencionado por São Paulo é a idolatria. A idolatria que nos faz adorar um falso Deus no lugar do verdadeiro. A idolatria de nossos dias é o relativismo, uma espécie de religião acima das religiões. Ele tem como propósito igualar todas as religiões: colocar em pé de igualdade a religião fundada por Cristo – homem-Deus – e as religiões que são fruto da invenção humana ou do pai da mentira.  Ora, religiões que ensinam doutrinas contraditórias não podem ser ambas verdadeiras. Uma só pode ser a verdadeira. Uma só é a verdadeira religião, aquela anunciada pelos profetas e confirmada pelos milagres de Cristo: a religião católica, como já dissemos.

O segundo pecado de que nos fala o Apóstolo é a impureza (ver a esse respeito o sermão sobre a luxúria): quantos hoje, mesmo entre católicos levam uma vida completamente desregrada nesse ponto. Mesmo entre o clero, infelizmente. Quantos perdem o céu por causa de um ato que nos assemelha ao animais irracionais. Quantos pecados cometidos contra a castidade. Muitos cometidos sozinhos. Muitos não esperam o casamento. Aqueles que casam se divorciam e se juntam, em adultério, com outra pessoa. Os casados utilizam métodos anticoncepcionais e assim por diante. Ora, os bens do matrimônio são três: (i) a fidelidade – contra o adultério – (ii) a indissolubilidade – contra o divórcio e o recasamento – e (iii) os filhos – contra a anticoncepção e mentalidade contraceptiva. E um dos bens do sacerdócio é o celibato.

Esses pecados e todos os outros pecados, caros católicos, entristecem a alma de Nosso Senhor. Dominus flevit. O Senhor chorou à vista de Jerusalém que ia cometer o deicídio. Nosso Senhor chorou em previsão de todos os nossos pecados. Foram nossos pecados que crucificaram a Cristo. E nosso crime é ainda maior que o dos judeus, pois professamos e reconhecemos que Cristo é Homem e Deus e veio para nos salvar. Dominus flevit. O Senhor chorou por causa de nossas ofensas. O Senhor chorou porque nos amou profundamente, porque buscou em tudo a nossa salvação, mas nós preferimos o pecado. Quanta ingratidão!

É preciso, então, parar de ofender a Cristo, praticando a religião. Sabemos que hoje, neste mundo que se opõe cada vez mais à virtude, isso não é fácil. Mas Nosso Senhor não prometeu a facilidade, caros católicos. Ele não veio trazer a paz, pelo menos não como o mundo a compreende, mas Ele veio trazer a guerra. Ele deu a cada um uma cruz e junto com essa cruz, Ele deu graças abundantes para carregá-la e uma Mãe para nos ajudar, Nossa Senhora. São Paulo nos diz: Deus não permitirá que sejais tentados além do que podem as vossas forças. Assim, se o combate é difícil, porque o pecado em nossa sociedade é abundante, a graça de Nosso Senhor é superabundante, seu jugo é leve e suave. O Apóstolo afirma hoje, DEUS É FIEL: ele sempre nos dá as graças necessárias. Resta saber se nós somos fiéis às promessas de nosso batismo. Devemos mostrar nossa fidelidade pela submissão de nossa inteligência às verdades reveladas por Deus e pela prática incondicional da moral católica, evitando assim entristecer e ofender ao Sagrado Coração de Nosso Senhor Jesus Cristo. Não basta honrar Deus com os lábios para depois crucificá-lo, como fizeram os Judeus na semana santa. Se Deus é fiel, também nós devemos sê-lo.

Convertamo-nos, então. Tenhamos confiança em Nosso Senhor Jesus Cristo: sem Ele nada podemos fazer. Busquemos a confissão. E se cairmos de novo, levantemo-nos, com verdadeiro arrependimento, e busquemos novamente a confissão. Tenhamos confiança: a misericórdia de Deus é imensa. Alegremos a alma de Cristo, pedindo perdão pelos nossos pecados, comungando com frequência, desagravando – com boas obras – o Coração de Nosso Senhor, ferido por nossos pecados.  Alegremos o Coração de Nosso Senhor e o Imaculado Coração de Maria pela prática da virtude, pela prática sincera e íntegra da religião católica. Ele nos ajudará com suas graças. Alegrando o coração de Cristo também o nosso coração se alegrará profundamente. Como nos diz o Salmista (118,1): “Felizes aqueles cuja vida é pura e seguem a lei do Senhor”. Felizes porque a lei do Senhor é para nosso bem e para a maior glória dEle.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Sermão] A obediência devida às autoridades humanas

Sermão para o Terceiro Domingo depois da Páscoa
21 de abril de 2013 – Padre Daniel Pinheiro

 

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…

***

Sede, pois, submissos a toda instituição humana.

Caros católicos, nós aprendemos no quarto mandamento – honrar pai e mãe – que devemos não somente obedecer aos pais, mas aos superiores de modo geral. Aprendemos que devemos obedecer à autoridade civil e às suas leis. E isso porque, como diz São Paulo (Rom. XIII, 1), todo poder vem de Deus e não há poder que não venha de Deus. Todo poder vem de Deus porque foi Deus quem criou o homem como animal racional e social, como um ser que precisa se associar aos outros para alcançar a sua perfeição. Assim, os homens se unem na sociedade civil a fim de poderem alcançar tudo o que é necessário para o bem temporal, o que inclui não somente bens materiais, mas também bens espirituais. Se os homens vivessem sozinhos eles teriam somente o mínimo necessário para a própria sobrevivência. A vida em sociedade proporciona muitos outros bens ao homem, em particular possibilita ou, ao menos deveria possibilitar, o tempo necessário para a contemplação da verdade. A vida em sociedade é para o bem do homem. Agora, onde existe a associação de homens em vista de um fim, é preciso que haja um chefe ou um grupo de chefes. É preciso que haja um chefe que ordene os diversos membros da sociedade em busca do fim pelo qual se reuniram. Portanto, a existência da autoridade decorre da própria natureza humana. Como a natureza humana foi criada por Deus, toda autoridade vem de Deus, é instituída por Deus e devemos obediência a ela. Essa verdade era muito claramente significada quando os reis, ao assumir o trono, recebiam também a consagração por parte de um Bispo.

Sagração de São Luis (Rei Luis IX) - Iluminura do séc. XIII

Sagração de São Luis (Rei Luis IX) – Iluminura do séc. XIII

Hoje, todavia, pretende-se afirmar que a autoridade vem não de Deus, mas do povo, que tem um poder absoluto e ilimitado. Dizem, então, que se alguém exerce alguma autoridade é simplesmente por delegação do poder absoluto e ilimitado que lhe foi delegado pelo povo e que, sendo assim, a autoridade é obrigada a fazer o que quer o povo, seja o que for. A fonte da autoridade não é mais Deus, e sim o povo, que toma o lugar de Deus. Nesses tempos de “inclusão”, há um só excluído, ou dois: Deus e sua Santa Igreja.

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Dessa forma, a autoridade, representando o povo – que tem poder absoluto e ilimitado – pode decretar o que é o bom e o que é ruim, pode estabelecer o bem e o mal. A autoridade pode aprovar o aborto, ela pode subverter a lei natural aprovando o divórcio ou aprovando a união civil homossexual. A autoridade vem do povo, aquilo que o povo deseja ou aquilo que eles pretendem que o povo quer deve ser feito. Toda a política moderna, todo Estado moderno, se baseia nesse poder absoluto e ilimitado do povo que toma o lugar de Deus e que passa a ser a fonte de todo poder. E isso é um erro. Um erro grave.

Como dissemos no início, a própria natureza humana, criada por Deus, demanda a união das pessoas em sociedade e demanda, consequentemente, a existência de uma autoridade. Assim, a fonte primeira de toda a autoridade é Deus, criador de todas as coisas. E é por isso que devemos obedecer à autoridade civil, às suas leis. Ao longo da história, os cristãos sempre se destacaram pela prática exata das leis civis, pela obediência aos soberanos, à autoridade. Primeiro, porque respeitar tal autoridade é respeitar a autoridade divina, enquanto desrespeitar tal autoridade é desrespeitar a autoridade divina. Segundo, porque respeitar tal autoridade é um apostolado eficaz, como nos diz São Pedro na Epístola: devemos ter bom procedimento entre os gentios para que, considerando as boas obras, eles glorifiquem a Deus.

Toda autoridade vem de Deus e devemos respeitá-la e obedecer a ela por causa disso. Todavia, com a afirmação moderna de que o poder e a autoridade vêm do povo e só do povo e não de Deus, temos visto cada vez com maior frequência, ênfase e violência a promulgação de leis que se opõem às leis de Deus e à lei natural. É evidente que uma autoridade só guarda sua autoridade na medida em que ela permanece submetida à autoridade superior. Assim, quando uma autoridade humana age contrariamente ao que Deus manda, ela perde toda autoridade com relação a isso. Na verdade, uma lei injusta não é uma lei. Uma lei é um ditame para a razão promulgado pela autoridade legítima para o bem comum. Verdadeira e legítima autoridade não pode haver sem que derive de Deus. Não se pode chamar reta razão aquela que discorda da verdade e da razão divina e não pode ter por finalidade o bem comum a lei que se opõe ao bem supremo dos homens que é Deus. Assim, uma lei injusta não é, na verdade, uma lei e pode ser desobedecida e em alguns casos deve ser desobedecida. Ocorre o mesmo com os pais e o filho. Ensinamos no catecismo às crianças que elas devem fazer tudo o que os pais mandam, a não ser que seja algo contrário à fé ou à moral. Devemos fazer tudo o que nos manda a autoridade civil, a não ser que mandem algo contra a fé, contra a moral, contra a lei natural, contra o bem comum. No Império Romano, apesar de perseguidos e martirizados, os cristão eram considerados cidadãos exemplares. Mas se fosse colocado de um lado Deus e de outro a obediência ao Império, não tinham dúvida: preferiam Deus, preferiam morrer a ofender gravemente a Deus.

martiresNinguém pode servir ao mesmo tempo a dois senhores, nos diz Nosso Senhor. Quando a autoridade civil exerce sua autoridade em conformidade com Deus, servimos Deus ao servir a autoridade civil. Quando a autoridade civil age contrariamente a Deus, temos que escolher entre dois senhores: o Estado ou Deus. É preciso escolher Deus, evidentemente. Não devemos temer aquele que pode nos colocar na prisão ou que pode tirar a vida de nosso corpo. Devemos temer aquele que vai nos julgar e que pode nos condenar à morte eterna em razão de nossa desobediência à sua suprema autoridade. Devemos obedecer à autoridade civil, às autoridades humanas e a nossos superiores, mas devemos obedecer em primeiro lugar a Deus.

O Papa Leão XIII tratou em várias ocasiões desse assunto. Ele fez isso porque foi justamente durante seu papado – final do século XIX – que várias nações deixaram de ser católicas em decorrência da revolução francesa e da ação das sociedades secretas.  Ao deixarem de ser católicas, passaram a promulgar várias leis contrárias à religião católica, à fé, à moral, à lei natural. Em sua encíclica Sapientiae Christianae, sobre os deveres fundamentais dos cidadãos cristãos, o Papa assim o diz:

;eao xiii“Se as leis dos Estados se puserem em aberta contradição com a de Deus, se forem injuriosas para a Igreja ou contrárias aos deveres religiosos, se violarem no Sumo Pontífice a autoridade de Jesus Cristo, então resistir é obrigação e obedecer seria um crime – um crime até contra a pátria – porque pecar contra a religião é fazer mal ao próprio Estado.”

Precisamos ter bem presente esse ponto da doutrina de Nosso Senhor Jesus Cristo, caros católicos, pois cada vez teremos mais leis que se opõem à religião divinamente revelada e cada vez mais essas leis serão violentas. E nesse caso, cumprir o quarto mandamento, é obedecer a um só Senhor, Deus. Assim, agiremos para a glória de Deus para o bem da nossa alma e para o bem da sociedade civil.

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[Sermão/Carnaval] Consideração sobre as consequências da luxúria

Sermão na Festa da Aparição da Virgem Maria em Lourdes
11 de fevereiro de 2013 – Padre Daniel Pinheiro

 

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…

No sábado passado consideramos a bondade divina, e alguns dos benefícios que nos ela nos fez, desde a nossa criação até a honra a que nos elevou, a honra de filhos adotivos de Deus, a honra de participar da própria vida da Santíssima Trindade, indo até a morte do Verbo Encarnado da Cruz. Hoje, ao contrário, vamos considerar as consequências da luxúria, ou seja, as consequências desse pecado capital – o principal cometido durante o carnaval – que se opõe ao sexto e ao nono mandamentos.

Um pecado capital é na verdade um vício. Um pecado capital não é uma ação isolada. O pecado capital é uma disposição bem enraizada na alma para operar mal, para agir contra a razão e contra Deus. Portanto, se alguém peca uma vez contra o sexto mandamento, peca gravemente, mas não está ainda atingido pelo vício, pois um ato só não cria uma disposição bem enraizada na alma. Se a pessoa comete várias vezes os mesmos pecados, ela terá em sua alma uma disposição para cometê-los, ela terá, então, um vício. O vício ou um pecado capital não é um pecado em si, mas é uma inclinação forte para cometer certo tipo de pecado. E certos vícios são chamados de vícios capitais ou pecados capitais justamente porque são a cabeça de muitos outros pecados, gerando-os com grande facilidade. Portanto, quando pecamos, é preciso que nos corrijamos imediatamente, e se se trata de pecado grave, confessando-nos. Primeiro, para obter o perdão divino, recobrar a graça e voltar a merecer o céu. Segundo, para que não adquiramos o vício relativo a esse pecado, pois vencer um vício é, evidentemente, muito mais difícil.

O pecado ou vício capital de que tratamos hoje é o da luxúria. É o principal do carnaval. E não somente do carnaval. Hoje, infelizmente, em nossa sociedade ele é onipresente. A luxúria diz respeito à deleitação venérea desordenada. Diz respeito, portanto, à deleitação venérea desordenada – aquela que se opõe à razão, à lei natural e à lei divina – em atos, pensamentos consentidos ou olhares consentidos. Ela se refere, portanto, a essa deleitação venérea fora do matrimônio, ou dentro dele, mas contra a finalidade primária do matrimônio, que é a procriação.

Como dissemos, o pecado capital recebe esse nome justamente porque ele é a cabeça de várias outras desordens. São gravíssimas as desordens geradas pela luxúria. Para compreender como essas consequências ocorrem, é preciso ter em mente que a alma humana é una e que, portanto, quando uma de nossas faculdades se aplica com veemência a alguma coisa, as outras faculdades não podem se aplicar ao seu próprio objeto. Por isso, alguém que estuda ouvindo musica, ou ouvirá a música, ou estudará ou fará as duas coisas mal feitas, pois a alma sendo una, não pode se aplicar com veemência a duas coisas distintas. Assim, é óbvio que quando a alma está manchada com o vício da luxúria, as faculdades superiores – a inteligência e a vontade – são gravemente prejudicadas, pois as faculdades inferiores se aplicam com veemência ao seu objeto de forma contrária à razão.

Vejamos, então, as filhas da luxúria, segundo São Tomás. A primeira delas, na ordem da inteligência, é a cegueira do espírito. A alma passa a julgar as coisas não mais pela razão, e tais como elas são, mas segundo a paixão, segundo suas inclinações. Isso a impede de conhecer a verdade, ao menos plenamente ou como poderia conhecê-la. A consequência é o erro na apreciação da realidade. Daí a cegueira diante das realidades eternas e mesmo a perda do bom senso. A pessoa passa a julgar as coisas como ela quer e não como as coisas são. A pessoa já não consegue discernir o bem do mal. Por isso, o Profeta Daniel diz a um dos velhos que cobiçaram Suzana: A formosura seduziu-te e a concupiscência perverteu-te o coração.

A segunda filha da luxúria é a precipitação. A precipitação consiste em agir segundo o ímpeto da vontade ou da paixão, e não sob a direção da razão que busca agir somente após a devida consideração, reflexão e ponderação, considerando a realidade das coisas, considerando a própria experiência, a experiência dos antigos, o ensinamento dos outros, etc. A precipitação despreza tudo isso para agir sob o ímpeto da paixão ou da vontade. O homem precipita a sua ação antes de considerar todas essas coisas.

A terceira filha da luxúria é a inconsideração, pela qual a pessoa não consegue julgar corretamente os meios que deve empregar para agir bem.

A quarta filha da luxúria é a inconstância. Apegada às deleitações desordenadas, a alma pode até chegar a reconhecer o que é bom, ela considera o que deve fazer e se propõe a fazê-lo, mas não passa à ação, impedida pelo ímpeto da concupiscência desordenada, que lhe tira o vigor para agir bem.

A quinta filha da luxúria, agora na ordem da vontade, é o amor desordenado de si mesmo, pois a deleitação irracional da luxúria é um egoísmo. A pessoa se opõe a Deus, se opõe ao próximo, se opõe à sociedade, para ter uma satisfação instantânea.

A sexta filha é o ódio a Deus, por oposição ao amor desordenado de si. A pessoa quer tanto cometer esses pecados que ela passa a odiar Deus, que a proíbe de fazer tais coisas.

A sétima filha é o apego à vida presente, na qual a pessoa quer permanecer a todo custo para continuar com suas deleitações desordenadas.

A oitava filha, por oposição, ao apego à vida presente é o desespero com relação à vida futura, pois a pessoa afetada demasiadamente pelas deleitações carnais desordenadas não cuida das coisas espirituais, mas se aborrece com elas e desespera de sua salvação.

Poderíamos, ainda, citar outras filhas da luxúria que São Tomás não cita. Poderíamos citar a efeminização da sociedade, no sentido técnico da palavra, que significa o fato de seguir as suas paixões sem combatê-las, formando nas pessoas um caráter fraco, e nos homens um caráter sem virilidade alguma, pois é preciso ter em mente que a virilidade do homem consiste justamente no combate às paixões desordenadas, em particular no combate à luxúria. O homem verdadeiramente viril é um homem casto. O homem que não é casto, por mais que não seja homossexual é efeminado, no sentido em que dissemos. A luxúria gera também o assassinato: o aborto. E leva à eutanásia. Se a pessoa já não pode gozar a vida, melhor que morra. A luxúria bestializa o homem.

Podemos ver, então, porque a luxúria é um pecado capital. Nós vemos hoje onipresentes todas as filhas da luxúria em nossa sociedade. A cegueira da mente, pela perda do bom senso de nossos contemporâneos, pela perda do julgamento do que é certo e do que é errado, a disseminação do erro em todas as esferas. A falta total de reflexão de nossos contemporâneos, que agem por ímpeto, por paixão, por sentimento, sem pensar na sabedoria dos antigos, sem pensar, em particular, naquilo que a Igreja e os Santos ensinam. Podemos ver também que quando alguém chega a refletir, não consegue levar em conta os verdadeiros elementos, em particular a vida sobrenatural, e não consegue fazer um juízo correto de como deve agir. Vemos a falta de determinação das pessoas em suas decisões, a sua falta de constância em fazer o verdadeiro bem e perseverar neles. Vemos também o egoísmo reinante e vemos o ódio crescente a Deus e a sua Igreja, que combate justamente contra esse vício. Muitas das leis iníquas, opostas à lei de Deus e sua Igreja têm sua origem próxima nesse vício. Vemos, claramente, o apego à vida presente e a onipresente necessidade de curtir a vida e o aborrecimento total para com as coisas do alto. Vemos o desespero reinante em nossa sociedade, que tenta a todo custo prolongar ao máximo a vida dos homens aqui na terra, esquecendo que nossa pátria é o céu.

Alguém que possui o pecado capital da luxúria deve combatê-lo. Antes de tudo, rezando bastante, tendo uma vida de oração. É preciso rezar quando vêm a tentação, as imaginações ruins, os pensamentos ruins. É preciso, nesse momento, desviar o pensamento para outra coisa boa, lícita, se possível santa, que possa ocupar inteiramente nossa imaginação e nosso pensamento. Em seguida, é preciso evitar as ocasiões de pecado, as situações, os ambientes, as pessoas que levam a cometer tais pecados. Em particular, é preciso ter extremo cuidado com os meios de comunicação modernos: internet, televisão. Só se deve acessar internet quando há um objetivo bem definido e deve-se sair quando o atingimos. Ficar navegando à toa e sem rumo dificilmente acaba bem. É preciso mortificar-se, mesmo em coisas lícitas, pois isso facilitará muito evitar coisas ilícitas. É preciso mortificar os sentidos, sobretudo os olhos, tentando mantê-los abaixados quando saímos de casa e evitando a curiosidade, evitando ver tudo o que acontece ao nosso redor. Devemos ser moderados e mortificar-nos na comida e no beber. O comer pertence, como a deleitação venérea, ao apetite concupiscível, de forma que a desordem em um provoca a desordem no outro, enquanto a virtude em um favorece a virtude no outro. É preciso fazer atos de fé, de esperança e de caridade. Aquele que tem esse vício não deve desesperar, mas deve empregar todos esses meios com verdadeira determinação. É preciso frequentar com assiduidade os sacramentos da comunhão e da penitência para evitar as quedas futuras. Se por fraqueza cair, é preciso buscar se confessar o mais rápido possível, com verdadeira contrição, bem entendido. É preciso considerar as consequências desse pecado: a perda do céu, o merecimento do inferno, a ofensa infinita a Deus. Tudo isso por um instante de satisfação.  Nessa matéria, o ser humano é muito fraco. Se ele confia demais em si mesmo, terminará caindo. É preciso desconfiar de si mesmo, sobretudo nessa matéria, empregando os meios mencionados e confiando muito em Deus, rezando bastante. E, claro, é indispensável uma terna devoção a Nossa Senhora.

São graves as consequências da luxúria. Uma sociedade, como a nossa, em que a luxúria é rainha e que favorece sobremaneira a luxúria está destinada à ruina. Nenhuma sociedade pode se sustentar quando está fundada no erro, na precipitação, na inconsideração, na inconstância, no amor a si mesma, no ódio a Deus, no apego à vida presente e no desespero das coisas do alto. Para chegarmos a uma sociedade inimiga de Deus, bastou ao demônio favorecer a luxúria.

Portanto, o carnaval destrói a sociedade. Uma sociedade que passa o ano inteiro se preparando para o Carnaval é uma sociedade arruinada. Um carnaval constante como, na verdade, vivemos em nosso país e no mundo todo é a destruição de nossa sociedade. Uma sociedade fundada na areia não pode subsistir. Peçamos a Deus que tenha piedade de nós e de nosso Brasil, para que nosso país volte a cumprir as promessas de seu batismo, feitas quando da vinda dos missionários portugueses. Que nosso Brasil volte a ser a Terra de Santa Cruz. Rezemos à Nossa Senhora de Lourdes, que festejamos hoje e à Nossa Senhora Aparecida.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

Sermão (XIII) – A queda de Jerusálem e o dia do Juízo

Sermão para o 26º Domingo depois de Pentecostes (25 de novembro de 2012)

Padre Daniel Pinheiro

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave Maria…

Estamos hoje, caros católicos, no último Domingo depois de Pentecostes, que é o último domingo do ano litúrgico. A partir do domingo que vem entraremos no Advento, nos preparando para a festa do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo. Como já falei anteriormente, o último domingo do ano litúrgico simboliza o final dos tempos. E, por isso, Nosso Senhor fala, no Evangelho, de muitas coisas que devem anteceder o final do mundo e que servem também como um sinal do fim dos tempos.

“Esta geração não passará sem que se cumpram todas essas coisas.”

Mas Nosso Senhor, no Evangelho de hoje, não nos fala somente do fim do mundo. Ele nos fala também da queda de Jerusalém, ocorrida algumas décadas depois de seu discurso. O Evangelho que agora cantamos responde a duas perguntas feitas pelos discípulos. Uma pergunta é referente à queda de Jerusalém e a outra é referente à sua segunda vinda e ao fim do mundo. Nesse discurso, Ele responde a essas duas perguntas no estilo dos antigos profetas, com quadros descritivos do futuro que se sobrepõem, um sendo a prefiguração do outro. Aqui é exatamente isso que ocorre. Nosso Senhor trata da ruina de Jerusalém e do fim do mundo, pois a queda de Jerusalém é uma prefiguração do fim do mundo.

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Sermão (XII) – Contracepção, métodos naturais e a cultura da morte

Sermão para o 25º Domingo depois de Pentecostes (18 de novembro de 2012)

Padre Daniel Pinheiro

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave Maria…

Filhas de Jerusalém, não choreis sobre mim, mas chorais sobre vossos filhos. Porque eis que virá um tempo em que se dirá: Ditosas as estéreis e ditosos os seios que não geraram e os peitos que não amamentaram. (Lc XXIII, 28-29)

Eis aqui a única referência que Cristo faz à contracepção e à mentalidade contraceptiva. Claro que essas palavras de Nosso Senhor são suscetíveis de várias interpretações e se aplicam a circunstâncias diversas, em particular ao momento da queda de Jerusalém e mesmo ao fim dos tempos. Mas é claro que Nosso Senhor se refere, aqui, também à contracepção e à mentalidade contraceptiva. E Ele o faz no meio de seus maiores sofrimentos, durante a Via Sacra. Durante toda a história da humanidade nunca vimos um período em que a contracepção estivesse tão disseminada como em nossos tempos. É preciso chorar, nos diz Nosso Senhor. Continuar lendo

[Sermão] “É preciso que Nossa Senhora seja reencontrada e venerada pelo Brasil, pelas autoridades públicas, pelo povo”

Sermão para a Solene Festa de Nossa Senhora da Conceição Aparecida (12 de outubro de 2012)

Padre Daniel Pinheiro

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo.

“Tu, Virgem Maria, és a glória de Jerusalém, a alegria de Israel, a honra do nosso povo” Judith 15, 10

Lançando-a novamente pescaram a cabeça da imagem de Nossa Senhora, que era uma imagem de Nossa Senhora da Conceição

Em 1717, três pescadores buscavam peixes no Rio Paraíba, próximo de Guaratinguetá, interior de São Paulo. Era em torno do dia 12 de outubro, e a câmara da vila havia pedido aos pescadores da região que apresentassem todos os peixes que pudessem conseguir ao novo governador da capitania que estava de passagem pela localidade. Os três pescadores percorreram grande distância entre dois portos sem conseguir pegar peixe algum. Eis, então, que lançando a rede mais uma vez pescaram o corpo da Senhora, sem a cabeça. Lançando-a novamente pescaram a cabeça da imagem de Nossa Senhora, que era uma imagem de Nossa Senhora da Conceição, da Imaculada Conceição. Continuando a pescaria depois de tal descoberta, conseguiram pescar tantos e tantos peixes que tiveram de parar, receosos de que as canoas naufragassem por causa da abundante pesca. Eram certamente extraordinários esses fatos: o encontro da imagem, o encontro da cabeça que naturalmente deveria ter sido arrastada mais longe pela correnteza da água, além de ser dificilmente colhida por uma rede de pescador, dada a sua dimensão. Extraordinária também a pesca abundante que seguiu o encontro da imagem. A devoção a Nossa Senhora Aparecida começou, então, no oratório dos pescadores e graças foram obtidas e milagres realizados, notadamente as velas que se apagavam e se reacendiam sozinhas por diversas vezes. A devoção foi tanta, que, hoje, Aparecida é o maior Santuário Mariano no mundo. Em 1930, o Santo Padre, o Papa Pio XI, na plenitude de seu poder apostólico, constituiu e declararou a mui Bem-aventurada Virgem Maria concebida sem mancha, sob o título de “Aparecida”,a Padroeira principal de todo o Brasil diante de Deus. No ano seguinte, 1931, no dia 31 de maio, em presença do Sr. Presidente da república, de altas autoridades civis e militares, de numerosas divisões das Forças Armadas, do Episcopado Brasileiro e de enorme multidão de fiéis, o Cardeal-Arcebispo do Rio de Janeiro proferiu o ato de consagração de todo o Brasil a Nossa Senhora Aparecida, recomendando à Excelsa Padroeira todos os interesses e as necessidades da pátria. Nossa Senhora da Conceição era já a padroeira do Brasil por provisão do Rei de Portugal em 1646 e por declaração de D. Pedro I quando da independência. Simplesmente, ajuntou-se nesse momento o título de Aparecida por causa dos milagres ocorridos, das graças alcançadas e da devoção do povo.

Todos esses fatos nos permitem tecer algumas considerações interessantes. Antes de tudo, a importância de Nossa Senhora na obra da redenção. Nas duas pescas milagrosas no Evangelho, Nosso Senhor quer mostrar aos apóstolos que sem Ele, os únicos frutos que realmente nos interessam, que são os frutos de vida eterna, são inexistentes, apesar de nossos trabalhos e esforços nessa terra. Com Cristo, porém, e seguindo a sua palavra os frutos para a vida eterna são abundantes. Ora, a origem da devoção a Nossa Senhora Aparecida nos mostra algo parecido em relação a Nossa Senhora. A devoção a Nossa Senhora é necessária para que possamos chegar ao Filho e assim nos salvarmos, com frutos abundantes. Enquanto a imagem estava no fundo do rio, esquecida e quebrada, a pesca foi inútil. Depois de encontrarem a imagem e tratarem-na com o devido respeito, a pesca foi abundante. Nossa Senhora, na sua extrema delicadeza, permitiu aos pescadores que apresentassem o fruto de seus trabalhos ao governador da capitania. Nós, nós devemos apresentar os frutos de nossas obras a Nosso Senhor Jesus Cristo, justo juiz, governador do mundo. Sem o auxílio Maria Santíssima não teremos obras dignas de serem apresentadas a nosso Deus, porque Deus quis, não por necessidade, claro, mas por livre vontade que os homens passassem por Maria e quis salvar o homem de forma semelhante como esse havia pecado. No paraíso havia um homem, personagem principal e havia uma mulher que cooperou no seu pecado. Na Redenção há um homem, Cristo, que é também Deus e há uma mulher que coopera na obra infinitamente perfeita de Cristo, Maria.

Dissemos, então, que o Brasil foi consagrado a Nossa Senhora no dia 31 de Maio, data que se tornou depois a data da festa de Nossa Senhora Rainha. Pela consagração de nosso país a Nossa Senhora Aparecida nós reconhecemos e declaramos explicitamente e justamente um fato que já existe. Nossa Senhora é Rainha por sua maternidade divina, aliás, celebrada ontem, mas também por direito de conquista adquirido por sua participação única na obra da redenção de seu Filho. Nossa Senhora é Rainha dos Céus e da terra. Nossa Senhora é, portanto, Rainha do Brasil. Consagrando o Brasil a ela, dizemos que queremos nos submeter a ela espontaneamente, seguindo o seu exemplo e suas ordens, como fizeram os servos em Caná quando do primeiro milagre de NSJC. A devoção a Nossa Senhora consiste em servi-la e imitá-la para poder melhor servir e imitar Nosso Senhor Jesus Cristo.

Hoje, infelizmente, o Brasil, por meio de suas autoridades não quer mais honrar publicamente e se submeter a Nossa Senhora e, por meio dela, honrar e se submeter a Nosso Senhor Jesus Cristo. Claro, existem ainda pessoas devotas de Nossa Senhora Aparecida, mas é preciso que o país também o seja. Se o país por meio de seus governantes pode reconhecer a importância de tal ou tal obra pública, pode também reconhecer que Deus existe, que Cristo é Deus, que a religião católica é a verdadeira, e que devemos voltar a Deus pelo mesmo caminho pelo qual Ele veio até nós: por Maria. Infelizmente, hoje, a imagem de Nossa Senhora Aparecida, embora colocada no maior Santuário mariano do mundo é desprezada pelo nosso país e muitas vezes mesmo por aqueles que mais deveriam zelar pela honra de Nossa Senhora. É como se a imagem se encontrasse no fundo do rio e quebrada. É preciso, então, fazer como os pescadores. É preciso que Nossa Senhora seja reencontrada e venerada pelo Brasil, pelas autoridades públicas, pelo povo. É por meio de Nossa Senhora que Cristo quer distribuir as infinitas graças que mereceu em estrita justiça durante a sua vida, paixão e morte. O bem de um país não é somente o bem econômico ou um bem social material, mas inclui necessariamente o bem espiritual, bem espiritual que só pode vir de Cristo por Maria. Cristo veio ao mundo por Maria. Ele concede as suas graças por Maria. O bem de nosso país, o verdadeiro bem de nosso país, que consiste, antes de tudo, no favorecimento da prática das virtudes, da única verdadeira religião, passa necessariamente por Nossa Senhora. O bem de nosso país não virá da política ou de uma ideologia. O bem do nosso país deve vir da restauração de tudo em Cristo. Enquanto o Brasil persistir em deixar Nossa Senhora no fundo das águas, nosso país não avançará realmente. Não avançará naquilo que realmente importa: o trabalho pelo bem das almas que só se pode fazer em união com a Santa Igreja. Enquanto Nossa senhora está no fundo das águas, o país caminha para o abismo, rejeitando todos os bens que lhe tinham sido concedidos por Deus. Quantas das supostas leis de nosso país hoje ofendem a Nosso Senhor e quantas outras não estão a caminho de serem aprovadas? O divórcio, que tem destruído a sociedade brasileira e a sociedade no mundo inteiro junto com a anticoncepção. Tantas liberdades absolutas que são liberdades para o erro e para propagá-lo… Uniões homossexuais reconhecidas pelo Estado. Aborto, eutanásia. Quantas liberdades garantidas por lei que são no fundo libertinagem… O projeto de novo código penal está repleto dessas leis ofensivas a Deus e, portanto, prejudiciais ao homem: aborto, eutanásia, suicídio assistido, assassinato de crianças indígenas, se isso é conforme ao costume de uma dada tribo, punição dos que se opõem às uniões homossexuais, descriminalização do uso de drogas, prostituição infantil, terrorismo etc. Claro que tudo isso aparece no texto do projeto com outras palavras que chocam menos o povo brasileiro, que, em sua maioria, se opõe a tudo isso. Nem o argumento da democracia numérica justifica o que querem fazer. Chegamos ao ponto em que os animais são mais importantes que os homens, segundo esse mesmo projeto de Código Penal em trâmite no Congresso: não socorrer um homem é pena de uma a seis meses, enquanto não socorrer um animal é pena de 1 a 4 anos.  Inversão absurda, mas se se considera que o homem é mais importante que Deus por que não considerar que os animais são mais importantes que o homem? Aquele que nega Deus é capaz dos maiores absurdos. É isso que estamos vendo em nosso país. Nossa Senhora está no fundo das águas, esquecida e desprezada por nossa pátria.

Somos nós, então, que devemos pescar a imagem de Nossa Senhora no fundo das águas, a fim de que Ela proteja nosso país e faça com que o Brasil respeite os direitos de Deus, realizando assim a sua finalidade que é o bem de seus cidadãos. Somos nós que devemos ter uma devoção pessoal e verdadeira por Nossa Senhora, imitando as suas virtudes e pedindo que Ela seja reconhecida como a soberana suprema desse país. Devemos, por dever de justiça, de piedade filial, rezar e confiar nosso país a Nossa Senhora, a fim de que ele a reconheça como Mãe e Rainha e se submeta plenamente à vontade de seu Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo. E devemos incutir isso em nossas crianças. Por uma grande coincidência, não é?, dessas que não costumam ocorrer jamais, por um grande acaso, hoje é também o dia das crianças. Por que? Para fazer esquecer aos brasileiros e, sobretudo, àqueles que são o futuro de nossa sociedade, a soberania de Maria Santíssima e por meio dela a soberania de Seu Filho. Para fazer crer que o feriado é para as crianças se divertirem.

Devemos deixar claro para as crianças que o fundamental nesse dia 12 de outubro é Nossa Senhora e que foi ela quem nos trouxe o maior presente: o Menino Jesus. E se hoje é feriado, o objetivo não é outro: honrar Nossa Senhora e fazê-lo publicamente, confiando o nosso país a Ela e agradecendo todo o bem que Nossa Senhora já fez pelo nosso país.

Desde o começo de sua história, o Brasil se destacou por sua devoção à Imaculada Conceição. É preciso que isso continue.

Nossa Senhora da Conceição Aparecida, salvai o Brasil!

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

Nota do editor: destaques são nossos.

[Sermão] Sobre a aprovação do aborto de anencéfalo

Sermão para o Domingo da Oitava da Páscoa
14 de abril de 2012 – Diácono Daniel Pinheiro

 

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Ave Maria…

“Todo aquele que nasce de Deus vence o mundo; e esta é a vitória que venceu o mundo, a nossa fé. E quem vence o mundo senão aquele que crê que Jesus é o Filho de Deus?”

Estamos hoje concluindo a oitava da Páscoa, o tempo de alegria espiritual por excelência. A alegria da Igreja é tão grande com a obra da redenção que ela prolonga o Domingo da Ressurreição durante uma semana. Liturgicamente, todos os dias dessa semana que passou são como o Domingo da Ressurreição e a Igreja repete: esse é o dia que fez o Senhor, exultemos e alegremo-nos nele. O dia da Ressurreição é o dia que fez o Senhor, como aqueles seis dias da criação. Mas aqui se trata da nova criação, da redenção e da restauração do homem para a vida eterna. E essa alegria se prolonga durante todo o tempo Pascal até o Domingo de Pentecostes. Todavia, estamos nessa terra como num vale de lágrimas, em que a tristeza pode nos atingir mesmo durante esses dias de maior alegria.

Na quinta-feira última, caros católicos, vimos, em nosso país, a aprovação, pelos magistrados supremos, do assassinato de inocentes indefesos portadores de uma deficiência: o aborto dos anencéfalos. Tudo isso com a argumentação de que o estado é laico, que a ciência avança enquanto a religião nos faz retroceder. Com o argumento da liberdade de escolha da mulher. Aqueles que deveriam velar pela aplicação das leis justas, aprovam a iniquidade quase por unanimidade e voltam a crucificar violentamente Nosso Senhor durante a oitava da Páscoa.

No caso do aborto – e de qualquer aborto provocado por indústria humana – não é, em primeiro lugar, a religião que nos proíbe tal ação. A própria razão, sem auxílio da revelação divina e a partir do simples bom senso, nos diz que não podemos matar um inocente, pois não temos direito sobre a vida de um inocente. Somente Deus tem um direito soberano sobre a vida. A morte de alguém por outro só pode ser lícita em legítima defesa, própria e alheia, ou por pena capital estabelecida pela devida autoridade da sociedade. É a própria razão natural que nos mostra que devemos proteger a vida de um inocente indefeso, sobretudo se é deficiente. A razão natural nos diz: não queira para os outros aquilo que não deseja para si. Ora, ninguém deseja, sendo inocente, a morte para si. Por que desejá-la, então, ao próximo? Na questão do aborto, a irracionalidade, a ignorância, a barbárie, o obscurantismo encontram-se no lado dos que querem justificá-lo e defendê-lo, contra a evidência que nos fornece a razão a partir da natureza mesma das coisas. A virtude da justiça manda dar a cada um o que lhe é devido. A um inocente é devido o direito de viver. O homicídio do inocente é a mais grave injustiça que se pode cometer contra o próximo. Além disso, o homicídio do inocente viola o direito soberano de Deus sobre a vida e prejudica a sociedade como um todo, pois ela se vê destituída injustamente de um de seus membros. E por tudo isso o aborto é pecado que clama aos céus por vingança. Devemos então preparar-nos para os castigos que devem seguir como consequência de tal iniquidade. E o maior dos castigos já está sendo aplicado: a cegueira dos homens, abandonados aos seus próprios caprichos e à sua própria malícia. Mas devemos rezar a Deus, infinitamente misericordioso, para que converta nossa nação, apesar de sua rebeldia atual ao jugo leve de Nosso Senhor.

Sempre foi o ofício da Igreja, inspirada pela caridade de seu divino fundador, defender os mais fracos, garantindo a eles o que lhes é devido. Foi com a Igreja que cessaram os sacrifícios humanos, em particular dos bebês e sobretudo dos bebês deficientes. Foi com a Igreja que surgiram e se desenvolveram os hospitais, foi com a Igreja que a mulher encontrou sua verdadeira dignidade. E é ela hoje que continua a defender verdadeiramente os mais fracos. Com a aprovação do aborto de anencéfalos, se estabelece que existe uma classe de seres humanos que não tem o direito de viver: aqueles que viverão pouco tempo. Pouco a pouco tentarão aprovar também o aborto de outros fetos com deficiência, a morte dos idosos etc. É a eugenia nazista que se instala agora com aparências de democracia.  No caso do bebê anencéfalo, ninguém nega, evidentemente, o sofrimento tremendo da mãe que deve carregar em seu ventre uma criança que morrerá alguns minutos, horas, dias, meses ou anos depois do parto. Mas não é matando um inocente que se deve fugir do sofrimento. O mal moral causado pelo homicídio de um inocente vai merecer um sofrimento eterno incomparavelmente superior, se a mãe não se arrepende do aborto. Além disso, a vida nessa terra pode ser resumida assim: ama e sofre. Porque todos amamos algo como o maior dos bens e sofremos para alcançar e guardar esse bem. É preciso porém amar o verdadeiro bem e sofrer pela boa causa: é preciso amar a Deus e sofrer por Ele. Amando o verdadeiro bem e sofrendo por Ele, alcançaremos a paz já nessa terra, paz que Nosso Senhor deseja a seus apóstolos no Evangelho de hoje.

Mas há uma pergunta que deve ser respondida. Se a imoralidade do aborto – e do aborto em qualquer caso – pode ser perfeitamente conhecida pela razão natural, porque praticamente só os católicos se opõem a uma prática tão abominável? O fato é que aderindo à Revelação sobrenatural o católico guarda necessariamente a lei natural, porque a revelação não se opõe à razão, mas a pressupõe e a aperfeiçoa. Aqueles que rejeitam a existência de Deus ou rejeitam de uma forma ou de outra aquilo que Nosso Senhor Jesus Cristo nos revelou terminam, destituídos da graça, negando também inúmeros outros pontos da lei natural, mesmo os mais básicos, como podemos constatar hoje.

Com a aprovação do aborto dos anencéfalos, os filhos das trevas obtiveram mais uma vitória contra os filhos da luz, os filhos da Santa Igreja. Leão XIII, em sua Encíclica Humanum Genus, do final do séc. XIX, nos explica esse combate:

“O Gênero Humano, após sua miserável queda […] separou-se em duas partes diferentes e opostas, das quais uma resolutamente luta pela verdade e virtude, e a outra por aquelas coisas que são contrárias à virtude e à verdade. Uma é o reino de Deus na terra, especificamente, a verdadeira Igreja de Jesus Cristo; e aqueles que desejam em seus corações estar unidos a ela, de modo a receber a salvação, devem necessariamente servir a Deus e Seu único Filho com toda a sua mente e com um desejo completo. A outra é o reino de Satanás, em cuja possessão e controle estão todos e quaisquer que sigam o exemplo fatal de seu líder e de nossos primeiros pais, aqueles que se recusam a obedecer à lei divina e eterna, e que têm muitos objetivos próprios em desprezo a Deus, e também muitos objetivos contra Deus.

Este reino dividido Sto. Agostinho penetrantemente discerniu e descreveu ao modo de duas cidades, contrárias em suas leis porque lutando por objetivos contrários; e com sutil brevidade ele expressou a causa eficiente de cada uma dessas sociedades nessas palavras: “Dois amores formaram duas cidades: o amor de si mesmo, atingindo até o desprezo de Deus formou uma cidade terrena; e o amor de Deus, atingindo até o desprezo de si mesmo formou uma cidade celestial.” Em cada período do tempo uma tem estado em conflito com a outra, com uma variedade e multiplicidade de armas e de batalhas, embora nem sempre com igual ardor e assalto. Nesta época, entretanto, os partidários do mal parecem estar se reunindo, e estar combatendo com veemência, liderados ou auxiliados por aquela sociedade fortemente organizada e difundida chamada maçonaria. Não mais fazendo qualquer segredo de seus propósitos, eles estão agora abruptamente levantando-se contra o próprio Deus. Eles estão planejando a destruição da santa Igreja publicamente e abertamente, e isso com o propósito estabelecido de despojar completamente as nações da Cristandade, e se isso fosse possível, das bênçãos obtidas para nós através de Jesus Cristo nosso Salvador. Lamentando estes males, Nós somos constrangidos pela caridade que urge Nosso coração a clamar frequentemente a Deus: “Ó Deus, eis que Teus inimigos se agitam; e os que Te odeiam levantaram as suas cabeças. Eles tramam um plano contra Teu povo, e conspiram contra Teus santos.”

Para entender a aprovação do aborto de anencéfalo, é preciso compreender essa divisão do gênero humano em dois campos diversos e inimigos, pois tal aprovação se insere nessa guerra tremenda. De um lado aqueles que combatem por Cristo e sua Igreja. Do outro aqueles que combatem contra Cristo e sua Igreja. Os filhos das trevas trabalham em segredo, em suas sociedades secretas, planejando a apostasia e a corrupção moral, sem descanso, assim como Judas trabalhava na traição de Cristo enquanto os outros Apóstolos dormiam. E hoje os filhos das trevas conseguiram que seus ideais penetrassem profundamente na sociedade, no mundo inteiro: a falácia da separação do estado e da Igreja, a falácia da oposição entre razão e religião, a falácia da liberdade sem limites. Eis que os princípios básicos das sociedades secretas são os mesmos argumentos utilizados para aprovar o aborto.

Na verdade, o Estado, como criatura, deve render o devido culto a Deus professando a verdadeira religião, por Ele revelada. Na verdade, Deus sendo o autor tanto da razão quanto da religião, não pode haver entre elas oposição.  Na verdade, o homem é livre unicamente para escolher o bem, para cultuar a Deus na verdadeira religião e para exprimir unicamente a verdade. Fazer o mal, aderir a uma falsa religião ou o direito de exprimir o erro são abusos da liberdade. A partir dessas falácias absurdas surge o indiferentismo religioso, como se todas as religiões fossem verdadeiras e boas, surge o divórcio, surge o aborto e tantos outros males.

E para destruir a Igreja e a obra da redenção de Nosso Senhor, como se isso fosse possível, eles atacam em todos os frontes. Movimentos aparentemente sem ligação (socialismo, comunismo, liberalismo, feminismo, sem-terra e tantos outros) unem-se num objetivo supremo e comum: atacar a Igreja e sua doutrina. Partidos aparentemente opostos (esquerda, direita, centro, nazismo, comunismo, socialismo, ditadura militar) se unem igualmente no combate a Nosso Senhor e a seu reinado social. Lembremo-nos, por exemplo, que foi a ditadura militar que aprovou o divórcio em nosso pais. Eles propagam suas ideias pela televisão, pelas músicas, pelos livros, pelos filmes…  O fim deles é, como nos diz Leão XIII, destruir completamente toda a ordem religiosa e social tal como foi construída pelo cristianismo e criar outra completamente diferente, uma nova ordem, fundada sobre o naturalismo, isto é, recusando toda revelação ou aceitando todas. Eles rejeitam o jugo suave e leve de Nosso Senhor para assumir o jugo pesado e escravizador do pecado. A aprovação do aborto se insere nessa rejeição completa do jugo doce e suave de Cristo. A incompatibilidade entre essas sociedades e o catolicismo é completo, e irremediável.  O combate é inevitável e enorme e ele vai se tornar cada vez mais aberto e a Igreja e seus filhos perseguidos cada vez mais abertamente, como se vê atualmente no mundo inteiro.

Mas não devemos temer esse poder das trevas. Nesse Domingo da oitava de Páscoa, São Paulo nos dá a arma para vencer o mundo que se opõe a Nosso Senhor: a fé. A fé que afirma a divindade de Jesus Cristo, nosso Salvador, que venceu o mundo. E se nós estamos unidos a Ele por essa fé viva e por uma caridade ardente, venceremos o mundo junto com Cristo, para alcançarmos a vida eterna. É essa fé viva na divindade de Nosso Senhor, acompanhada da prática dos mandamentos, que nos dá a força necessária para combater o bom combate, para combater pela salvação de nossas almas, pela salvação do nosso próximo e pelo reinado social de Nosso Senhor Jesus Cristo até o martírio, se necessário for. Se os filhos das trevas têm avançado tanto, o que se manifesta pela apostasia generalizada, é porque os católicos permitiram e permitem que a fé se torne cada vez menos viva e a caridade cada vez menos ardente, tentando abrir-se para o mundo e aliar-se com ele, sobretudo nos últimos cinquenta anos. Devemos então confessar com o apóstolo São Tomé: “Meu Senhor e meu Deus”; e, a partir dessa confissão de fé, vencer o mundo. Não esqueçamos jamais: “Todo aquele que nasce de Deus vence o mundo; e esta é a vitória que venceu o mundo, a nossa fé. E quem vence o mundo senão aquele que crê que Jesus é o Filho de Deus?”

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo.

Nota do editor: destaques são nossos.