[Sermão/Carnaval] As ofensas ao Imaculado Coração de Maria

Sermão na Festa dos Sete Fundadores dos Servitas de Maria
11 de fevereiro de 2013 – Padre Daniel Pinheiro

 

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…

A providência quis que passássemos esse Carnaval na companhia de Nossa Senhora. Ontem tivemos a festa de Lourdes, hoje temos a festa dos sete fundadores da ordem dos Servos de Maria, ordem que possui especial devoção a Nossa Senhora das Dores. Essas duas lembranças marianas durante esse período do carnaval são bem importantes. Consideremos ambas brevemente.

Nossa Senhora de Lourdes, como Nossa Senhora de Fátima depois dela, nos exorta à penitência. Lembro que devemos considerar com seriedade essas aparições aprovadas pela Igreja, ainda que não sejam matéria de fé e que, ao contrário, para o bem da nossa alma, devemos nos afastar de aparições não aprovadas, como todas as atuais. Nossa Senhora de Lourdes nos exorta, então, à penitência, como dizíamos. Essa penitência tem aqui dois sentidos, como já dissemos no advento, se vocês se lembram bem.  O primeiro e mais importante sentido é o de arrependimento pelos pecados, com verdadeira dor espiritual e o firme propósito de não mais voltar a pecar. Essa penitência leva a uma boa confissão. A irmã Lúcia, vidente de Fátima, escreveu: “muitos colocam o sentido da palavra penitência nas grandes austeridades… desanimando”. O principal sentido de penitência que Nossa Senhora quer e que Deus quer, e que devemos buscar,  nesse período de carnaval e na Quaresma que iniciará em breve, é a detestação dos nossos próprios pecados, com o propósito de não mais cometê-los.

Todavia, esse sentido de penitência não exclui a penitência no sentido de mortificação exterior, como satisfação pelos nossos próprios pecados e pelos pecados dos outros. Aliás, ao contrário, pois um verdadeiro arrependimento leva ao desejo de satisfação. É preciso que ofereçamos a Deus algo que possa ser agradável a Ele mais do que o pecado o ofendeu. Um dos meios de fazer isso são as mortificações exteriores unidas necessariamente ao sacrifício de Cristo, claro. Elas são necessárias para satisfazer pelo pecado, mas também para obter graças, vencer-se a si mesmo e para nos incorporar a Cristo, que é Cristo crucificado. E essas obras satisfatórias e meritórias nós podemos aplicá-las aos outros, em virtude do dogma da comunhão dos santos.

Consideremos brevemente, agora, Nossa Senhora das Dores. As sete espadas que transpassam o coração de Nossa Senhora das Dores remetem aos maiores sofrimentos dela durante sua vida, mas indicam também que ela foi, depois de seu Filho, a pessoa que mais sofreu nesse mundo, pois o número sete representa a plenitude. Nossa Senhora sofreu com os sofrimentos de seu Filho. Ela sofreu porque seu Coração é praticamente um só com o de seu Filho. Eles amam a mesma coisa: a glória de Deus. Eles repudiam a mesma coisa: o pecado. Assim, Nossa Senhora, ao ver seu Filho inocente sofrer pelo pecado, sofria junto com Ele, pela maldade dos homens. Quando se ofende o Filho, também a Mãe é ofendida. Portanto, pelos pecados do Carnaval, são os Corações de Jesus e Maria que são desprezados e ofendidos. Como se não bastasse ofender o Coração Amantíssimo de Nosso Salvador, também se ofende o Coração de Maria, nossa Mãe. Pois mãe é aquela que gera e, sem dúvida, é pela mediação de Nossa Senhora que somos gerados para a vida da graça. É por Ela que Cristo veio ao mundo, é por Ela que todas as graças passam, vindas do Sagrado Coração de Jesus. A graça é como a água. O Sagrado Coração de Jesus é a fonte. O Imaculado Coração de Maria é o aqueduto. Que tristeza: ofender o Coração de nossa Mãe, aquela que quer unicamente o nosso bem, a nossa salvação. Quanta ingratidão.

Sigamos o conselho de Nossa Senhora de Lourdes. Penitência como arrependimento e penitência como satisfação. Apliquemo-nos a não acrescentar mais espadas no Coração de Maria. E busquemos fazer nosso coração um só coração com o de Nossa Senhora e o de Nosso Senhor. É nisso que consiste nossa verdadeira felicidade.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Liturgia] Tempo da Paixão

[Republicação] Texto publicado originalmente em 22 de março de 2010

Constituído de dois domingos que antecedem imediatamente a Páscoa, o Tempo da Paixão delineou-se no século VII, quando se começou a dar maior relevância ao mistério da Cruz. O segundo domingo da Paixão, ou Domingo de Ramos, primeiro dia da Semana Santa, revela o caráter quaresmal nas Orações e Leituras. Continuar lendo

[Sermão] A Modéstia no vestir

Sermão para o Segundo Domingo da Quaresma
24 de fevereiro de 2013 – Padre Daniel Pinheiro

 

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…

“Que cada um de vós saiba possuir o seu corpo em santidade e honra.”

Nós, seres humanos, somos formados por corpo e alma. Estamos colocados entre os anjos, que são puro espírito e os seres puramente materiais. No homem, a alma e o corpo estão unidos, formando a própria essência dele. Evidentemente, essa união natural entre a alma e o corpo, querida por Deus, é algo bom. A alma precisa do corpo para realizar suas operações de maneira mais conveniente. A alma, para conhecer as coisas, precisa dos sentidos, da imaginação. São Tomás diz que nada está no nosso intelecto, a não ser que tenha passado antes pelos sentidos. Todo o nosso conhecimento vem pelos sentidos. O corpo é, portanto, um bem para a nossa alma, um bem para o ser humano. A alma separada age de modo menos perfeito do que quando se encontra unida ao corpo e, por isso, ela deseja a ressurreição do corpo, após a morte.

Todavia, é claro que a parte mais nobre do composto humano é a alma, parte espiritual, e que pode conhecer a verdade e amar o bem. É pela parte espiritual ou racional, quer dizer, pela inteligência e pela vontade, que nos distinguimos dos animais brutos. E no homem, como em todas as coisas, o inferior deve estar subordinado ao superior. Portanto, é a razão que deve dirigir as ações do nosso corpo, é a razão que, reconhecendo a nossa natureza e reconhecendo a natureza e a finalidade das nossas faculdades, deve ordenar todas as nossas ações. A ordenação dos nossos atos segundo a razão constitui a virtude. A virtude é, então, a ordenação dos nossos atos, de forma que eles sejam conformes à nossa natureza de animais racionais.

Entre esses atos que devem ser ordenados pela razão estão os atos exteriores: as palavras, os gestos e também o vestir. A razão nos mostra com relação ao vestir que ele tem uma finalidade básica e principal, que nos é dada pela própria Revelação. Essa finalidade é a decência.

Quando Deus criou Adão e Eva, os dois estavam em estado de graça e haviam recebido da bondade divina o dom da integridade. Isso significa que todas as suas paixões estavam plenamente subordinadas à razão. Não havia em Adão e Eva nenhuma desordem no campo da concupiscência e, por isso, não precisavam se vestir. A exposição do corpo entre eles, portanto, não era motivo para nenhum pensamento, desejo ou ato desordenado. Assim, a Sagrada Escritura diz que eles não se envergonhavam.

Deus fez, Ele mesmo, umas túnicas de pele e os vestiu.

Deus fez, Ele mesmo, umas túnicas de pele e os vestiu.

Todavia, nossos pais cometeram o pecado original, que foi um pecado de orgulho – que não teve nenhuma relação com o sexto mandamento, deixo claro. Ao cometerem o pecado original, a razão e a inteligência se revoltaram contra Deus e a faculdades inferiores e as paixões, que se encontravam plenamente submissas à razão, revoltaram-se contra ela. A Sagrada Escritura nos mostra claramente isso com relação ao corpo: os olhos de ambos se abriram e tendo conhecido que estavam nus, coseram folhas de figueira e fizeram para si cinturas. Todavia, essas poucas folhas de figueira não eram suficientes para evitar a desordem e Deus fez, Ele mesmo, umas túnicas de pele e os vestiu.

Então, caros católicos, o corpo é em si mesmo bom e é a obra material mais perfeita que saiu das mãos do criador. A Igreja Católica reconhece a excelência do corpo e é a maior defensora da honra e da dignidade do corpo, pois ela reconhece o devido lugar do corpo, subordinado à alma. A Igreja reconhece a excelência do corpo ao ponto de não favorecer a cremação do corpo. Quem odeia o corpo são aqueles que não reconhecem o seu devido lugar, subordinado à alma. Quem odeia o corpo são aqueles que o colocam acima da razão e submetem a razão às paixões e usam o corpo de forma indevida. Ao longo da história, vemos que os que mais permitem desordens com o corpo são os que o odeiam. Assim foi com os gnósticos e os cátaros, por exemplo. Essas heresias consideravam o corpo como intrinsecamente mau e, portanto, o entregavam a todo tipo de desordem, com a condição de que se impedisse a geração de uma nova vida, de um novo corpo.

Hoje, é exatamente o que vemos em nossa sociedade. Ela exalta tanto o corpo porque o odeia. Ela não reconhece o lugar do corpo. Ela permite tudo ao corpo e todas as desordens, desde que uma nova vida não seja gerada. As pessoas passam a vida inteira submetendo-se ao corpo para, no final, queimá-lo, cremando-o, com esse costume pagão que tem cada vez mais força entre nós. A Igreja respeita o corpo durante a vida da pessoa e reconhecendo a sua dignidade não vê com olhos favoráveis a cremação. Portanto, caros católicos, se alguém reconhece a bondade e a dignidade do corpo é a Igreja, que chega a proclamá-lo Templo do Espírito Santo, pois nossa alma, em que pode habitar o Espírito Santo, está unida ao corpo intimamente.

Depois do pecado original, apesar de nosso corpo ser em si bom, devemos nos vestir, devemos esconder algumas partes do nosso corpo, a fim de não provocar nos outros maus pensamentos, maus desejos, maus atos em virtude das paixões desordenadas. Depois do pecado original, o pudor e a modéstia são indispensáveis. O pudor consiste na vergonha salutar no que toca ao sexto mandamento e que leva as pessoas a cobrirem as partes de seu corpo que podem levar outras pessoas a caírem na impureza. Foi o que Deus fez com Adão e Eva, cobrindo-os com túnicas. A modéstia é a virtude que nos leva a ordenar nosso aparato exterior, em particular as vestes, a fim de que elas cumpram bem a finalidade delas: esconder certas partes do corpo. A primeira dessas finalidades é a decência.  Para que uma veste seja chamada decente, ela deve cobrir aquelas partes do corpo que induzem o homem de virtude média ao pecado. Essas partes que devem ser absolutamente cobertas são aquelas que se encontram entre os joelhos e os ombros, incluindo os dois. Portanto, a roupa deve cobrir o joelho em todas as posições, inclusive quando se está sentado com as pernas cruzadas. As roupas devem ter mangas também e não basta cobrir os ombros com o véu quando se vem comungar.

O Cardeal Vigário de Roma na época do Papa Pio XI diz que “um vestido não pode ser chamado de decente se é cortado mais que a largura de dois dedos sob a cova da garganta, se não cobre os braços pelo menos até os cotovelos, e se mal chega até um pouco abaixo dos joelhos. Além disso, os vestidos de materiais transparentes são impróprios…” A única coisa que se permite alterar aqui, e que é admitido por todos os sacerdotes de doutrina moral séria, são as mangas até os cotovelos, mas não se pode admitir a ausência completa de mangas.

E para que vestir-se de modo diferente do que diz o Cardeal Vigário? Para que mostrar o nosso corpo? Para que atrair os olhares dos outros sobre nosso corpo? Isso só é lícito entre marido e mulher, em vista da procriação. Para que se mostrar para os outros? O que se ganha a expor o corpo aos outros? Isso lhe fará ganhar o céu? Ao contrário. Para que ser ocasião de pecado para os outros? E não adianta dizer que, se o outro tem pensamentos ruins, a culpa é dele. Não. Nós somos responsáveis pela salvação das almas dos nossos irmãos. Ai daquele que é causa de escândalos, nos diz Nosso Senhor Jesus Cristo.

Tudo isso aqui se aplica sobremaneira à mulher, pois a mulher tem uma inclinação natural a buscar agradar o homem pelo seu aspecto físico e o homem tem uma inclinação natural a deixar-se levar por isso. Vemos isso claramente no livro do Gênesis, em que Eva é apresentada a Adão, que encontra nela agrado. Se essa inclinação permanece sóbria e moderada, dentro da modéstia, ela é algo bom. Se ela se torna excessiva pela indecência, pelo excesso de ornato ou pelo luxo no ornato, ela se torna ruim. Desse modo, a modéstia não é sinônimo de deselegância. A modéstia não se opõe à elegância. A elegância é perfeitamente bem-vinda, desde que seja modesta e sem excessos, sem atrair para si os olhares.

Alguns pretendem dizer que a moda indecente já é tão comum que ela não provoca mais as paixões desordenadas. Isso é falso. A partir de certo ponto, dizem os moralistas, as vestes indecentes sempre trarão prejuízo para o pudor, para a pureza. Esse limite é justamente os ombros e os joelhos, que devem estar sempre cobertos. E ainda que as modas indecentes não conduzissem ao pecado contra o sexto mandamento, o cristão não deve se contentar com os padrões de uma sociedade decadente, corrompida e neo-pagã. Os jesuítas não se contentaram com a ausência de vestes dos índios, embora os índios estivessem habituados a isso. Eles mudaram a maneira de vestir dos indígenas.

Em virtude da união que existe entre a alma e o corpo que falamos mais acima, as vestes têm duas funções importantes. Primeiramente, a veste é reflexo da alma da pessoa. Portanto, se vestir mal reflete uma desordem espiritual, interior. Por outro lado, nossas ações exteriores e, consequentemente, nossas vestes têm uma influência em nossa alma. Assim, por exemplo, rezar de joelho ou rezar de pé criam disposições distintas em nossa alma. Roupas indecentes geram na alma consequências prejudiciais com relação à pureza e levará a um jeito de se comportar indecente: a um jeito de andar, de sentar, de falar que não convém. Por outro lado, roupas modestas levam a alma a se resguardar melhor contra os pecados opostos ao sexto mandamento. As roupas decentes criam na alma uma disposição que leva a pessoa a andar, a sentar, a falar de um modo que convém para cristãos.

Na segunda-feira de Carnaval falamos aqui da luxúria e de suas consequências graves para a sociedade. Em particular, vimos que a luxúria conduz ao amor de si mesmo, ao ódio a Deus. Vimos que a luxúria conduz ao apego à vida presente e ao desespero das coisas do alto. Vimos que a luxúria mata não só a alma daquele que a comete, mas destrói também a sociedade, como falamos na ocasião. Como chegamos nessa sociedade em que tudo, praticamente, se move pela luxúria? Uma das principais causas é a falta de modéstia no vestir. A modéstia é a guardiã da castidade. Sem a modéstia não há castidade. Sem castidade, não há amor a Deus. Por mais que a intenção da pessoa não seja ser objeto do olhar das outras pessoas, ela será e será ocasião de pecado, se ela se veste indecentemente. Uma boa intenção não é suficiente para tornar uma ação ruim, boa. Assim, vestir-se imodestamente por que está calor, por exemplo, não se justifica.

Portanto, caros católicos, é preciso usar vestes modestas. Espero que todos tenham entendido e comecem agora a seguir plenamente esses ditames. Se não compreenderam, passem a seguir por obediência ao sacerdote. A obediência também é uma virtude excelente. E, para deixar claro, as regras de modéstia não se resumem à Igreja. Essas regras de modéstia devem ser observadas sempre e em todo lugar. Repitamos: As vestes devem cobrir tudo o que está entre os joelhos e os ombros, incluindo joelhos e ombros, e em qualquer posição (de pé, sentado, ajoelhado). As vestes devem, portanto, possuir mangas e devem ser sem decotes. 2) As vestes não devem ser transparentes nem em tom de pele e 3) não devem ser apertadas ou coladas ao corpo. Será necessário um grande esforço, um grande desapego. Mas ele é necessário. E Deus nos dá as graças para fazê-lo. E será grande a recompensa de quem praticar a virtude do pudor e da modéstia, tão esquecidas, mas tão essenciais para uma vida católica. Aproveitemos o tempo da quaresma. Ele é muito propício aos esforços. Deus saberá recompensar esse ato de caridade da pessoa para consigo mesma e para com o próximo.

A modéstia é também vestir-se em conformidade com o próprio estado, com as circunstâncias, com o grau de formalidade do lugar, da atividade e levando em conta a dignidade da pessoa com quem se está. Assim um sacerdote que aparece em público sem a batina ou o hábito clerical – contrariando, aliás, o Direito Canônico – comete uma falta contra a modéstia, pois não se veste conforme ao seu estado. Em geral, como católicos, devemos nos vestir conforme ao nosso estado de católicos. Portanto, como pessoas que levam a vida à sério, buscando agradar a Deus.

Evitem-se, então, as roupas desleixadas, com símbolos pagãos, com inscrições contrárias à religião, etc. Sobretudo na Igreja é indispensável observar a modéstia também nesse ponto. A roupa deve ser adequada àquilo que há de mais importante na face da Terra: a Casa de Deus, sobretudo quando nela se realiza o Santo Sacrifício da Missa.  A pessoa deve, então, vestir-se com dignidade para ir à Missa, evitando vestes demasiado informais. Particularmente, sejam abolidas as vestes que contenham desenhos (de animais, de pessoas etc) ou alguma mensagem escrita, mesmo para as crianças. Também não sejam usadas roupas com personagens de desenho, com frases escritas, camisetas de times de futebol, calças rasgadas, bermudas, moleton, etc. Nada disso condiz com a santidade e a dignidade do lugar. Não se deve, porém, cair no erro oposto. Dignidade com simplicidade e sem exageros.

É próprio da virtude da modéstia também que homens e mulheres se vistam de forma a diferenciar o sexo de cada um e de forma a exprimir o papel de cada um na sociedade. As vestes semelhantes de homens e mulheres causam muitos danos às próprias pessoas e à sociedade. Como disse, as vestes exprimem uma disposição da alma e terminam também influenciando o nosso comportamento. Se homens e mulheres se vestem igualmente, haverá um grande problema. E esse problema nós vivemos hoje. Os homens são cada vez mais efeminados. As mulheres cada vez mais masculinizadas. O homossexualismo se difunde. Portanto, é preciso haver diferença na maneira de vestir do homem e da mulher e que essa maneira seja clara e modesta. E isso  não só na Igreja, mas em todos os lugares.

As veste imodestas ofendem ao Sagrado Coração de Jesus e por isso dizemos no Ato de Desagravo ao Sagrado Coração: “queremos nós hoje desagravar-vos, particularmente da licença dos costumes e imodéstias do vestido, de tantos laços de corrupção armados à inocência […]. Nossa Senhora de Fátima também insiste na Modéstia, ao ponto de a letra da música de Nossa Senhora de Fátima nos lembrar disso. Diz a letra: “Vesti com modéstia, com muito pudor, olhai como veste a Mãe do Senhor!” Eis o nosso modelo para a modéstia no vestir: Nossa Senhora, para as mulheres, e São José, para os homens.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

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[Liturgia] Tempo da Quaresma

[Republicação] Texto publicado originalmente em 18 de outubro de 2010

Exposição Dogmática

O Tempo da Septuagésima já nos demonstrou a necessidade de nos unirmos, pelo espírito de penitência, à obra redentora do Salvador. Pelo jejum e  outros exercícios de penitência, a Quaresma vai associar-nos a Ele de maneira efetiva. Mas não há Quaresma que valha, sem esforço pessoal de retificação da vida e de a viver com mais fidelidade, reparando, por qualquer privação voluntária, as negligências de outros tempos.

Paralelamente a este esforço, que exige de cada um de nós, a Igreja ergue diante de Deus a cruz de Cristo, o Cordeiro de Deus, que tomou sobre Si os pecados dos homens, e que é o verdadeiro preço da nossa Redenção. À medida que nos aproximamos da Semana Santa, o pensamento da Paixão tornar-se-á predominante, até chegar o momento de prender por completo a nossa atenção. Já desde o começo da  Quaresma, ela nos está presente, e é em união com os sofrimentos de Cristo que o exército cristão vai entregar-se à “santa quarentena”, indo ao encontro da Páscoa com a alegre certeza de partilhar da Ressurreição do Senhor.

Eis o tempo favorável, eis os dias da salvação.* A Igreja apresenta-nos a Quaresma nos mesmos termos com que a apresentava outrora aos catecúmenos e aos penitentes públicos, que se preparavam para as graças pascais do batismo e da reconciliação sacramental. Para nós, como para eles, a Quaresma deve ser um longo retiro, um treino, em que a Igreja nos exercita na prática de uma vida cristã mais perfeita. Aponta-nos o exemplo de Jesus e, através do jejum e da penitência, associa-nos aos seus sofrimentos, para nos fazer participar da Redenção.

Lembremo-nos que não estamos isolados, nem somos os únicos  em causa nesta Quaresma, que ora se empreende. É todo o mistério da Redenção que a Igreja põe em ação. Fazemos parte dum conjunto imenso, em que somos solidários de toda a humanidade, resgatada por Jesus Cristo. –A liturgia do tempo não se cansará de o recordar. Nas matinas dos domingos, as lições do Antigo Testamento, começadas na Septuagésima, continuam a lembrar, a largos traços, a historia do povo judeu, em que se consignam os desígnios de Deus acerca da salvação de todo o gênero humano o afastamento de Esaú em beneficio de Jacó (não é a linhagem terrestre, mas a escolha gratuita, agora estendida a todas as nações, que faz os eleitos); José, vendido por seus irmãos, e salvando o Egito, é Jesus salvando o mundo, depois de ser rejeitado e traído pelo seus; Moisés, que arranca o seu povo à escravidão, e o conduz à terra prometida, é Jesus que nos liberta do cativeiro do pecado e abre as portas do Céu. Os evangelhos não são menos eloqüentes: a narrativa da tentação de Jesus, mostra o Segundo Adão, novo chefe da humanidade, a contas com as astúcias de Satanás, mas esmagando-o com o seu poder  divino; a parábola do homem armado e expulso, por um mais forte, do domínio que usurpara, é ainda afirmação da vitória de Cristo.

Tal é o sentido da nossa Quaresma: um tempo de aprofundamento espiritual, em união com a Igreja inteira, que se prepara para a celebração do mistério pascal. Todos anos, a exemplo de Cristo, seu chefe, o povo cristão, num esforço renovado, retoma a luta contra a maldade, contra Satanás e o homem de pecado, que cada qual arrasta em si mesmo, para  haurir, na páscoa, um suplemento de vida, renovada nas próprias fontes da vida divina e continuar a marcha para o Céu.

Epistola do Primeiro Domingo da Quaresma

Apontamentos de Liturgia

O Tempo da Quaresma começa na Quarta-Feira de Cinzas e termina no sábado Santo. Os últimos quinze dias deste longo período constituem o Tempo da Paixão. Outrora, a Quaresma começava no primeiro domingo, mas os dias que precedem foram acrescentados para perfazer os quarenta dias de jejum. De contrário, ficaria apenas trinta e seis, visto não se jejuar aos domingos.

O jejum de quarenta dias, “inaugurado pela Lei e pelos Profetas, e consagrado pelo próprio Cristo”, foi sempre uma das práticas essenciais da Quaresma. A liturgia a ele alude constantemente, e o prefácio do Tempo recorda-o todos os dias.

Mas o jejum irá de par com a oração, como todos os exercícios penitenciais da Quaresma, é oferecido a Deus em união com o sacrifício do Salvador, diariamente renovado na Santa Missa. Cada dia da Quaresma tem missa própria, devido ao fato de outrora toda a comunidade cristã de Roma assistir diariamente à Santa Missa, durante esta quadra. Daí o indicar-se a “estação”, a Igreja em que se celebrava, nesse dia, a missa da comunidade romana.

Todas as missas feriais incluem, depois da póscomunhão, uma “oração sobre o povo”, precedido dum convite à penitência e à humildade: “Baixai vossas cabeças diante de Deus.” O caráter penitencial é acentuado pelo silêncio do órgão. Os paramentos são roxos. À 2ª, 4ª e 6ª feiras repete-se o trato da Quarta-Feira de Cinzas: “Senhor, não nos trateis conforme merecem os nossos pecados…”.

Rubricas

I. Os domingos da Quaresma são de 1ª classe. Têm sempre Missa e Vésperas. A Quarta-Feira de Cinzas e toda a Semana Santa são férias de 1ª Classe e não admitem nenhuma comemoração.

II. A comemoração da féria é privilegiada: faz-se sempre e antes de qualquer outra.

III. As férias das Quatro-Têmporas são de 2ª classe, e preferidas mesmo às festas particulares de 2ª classe; as outras férias da Quaresma são de 3ª classe e preferidas às memórias e às festas de 3ª classe.

IV. As Quatro-Têmporas da Quaresma verificam-se na primeira semana; seguem as mesmas regras das do Advento.

Texto extraído do Missal Romano Quotidiano de Dom Gaspar Lefebvre

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[Sermão] Tentações: razões, fases, modos de vencê-las

Sermão para o Primeiro Domingo da Quaresma
17 de fevereiro de 2013 – Padre Daniel Pinheiro

 

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…

No Santo Evangelho de hoje, vemos o demônio tentando Nosso Senhor Jesus Cristo. São Tomás diz que Nosso Senhor quis ser tentado por quatro razões.

Primeiramente, para nos auxiliar contra as tentações, isto é, para vencer as nossas tentações pelas suas, assim como venceu a nossa morte pela sua morte.

Em segundo lugar, Ele quis ser tentado para que ninguém pense que está imune das tentações, por mais santo que seja.

Terceiro, para nos dar o exemplo de como vencer as tentações.

Quarto, para que tenhamos confiança em sua misericórdia, pois temos um Salvador semelhante a nós em tudo, salvo no pecado.

É preciso ter claro, porém, que a tentação de Cristo no deserto é bem diferente da nossa. Quando somos tentados, inclinamo-nos e somos, em maior ou menor medida, atraídos ao mal e temos que combater essa inclinação, às vezes com grande dificuldade. Em Cristo, não houve nada disso, não houve qualquer conflito interno nem qualquer inclinação ao mal, por menor que seja. Para Cristo, as tentações que lemos hoje no Evangelho, eram puramente exteriores, pois do contrário haveria o início de uma desordem moral em Cristo, o que não pode ser admitido sem blasfêmia.

Convém, então, conhecermos o processo da tentação, para não confundi-la com o pecado. A tentação não é, em si, um pecado.

Nós vemos hoje, então, o demônio em seu ofício próprio, que é o de tentar, como nos diz São Tomás. Todavia, nem todas as tentações vêm do demônio. São Tiago no diz expressamente que “cada um é tentado por suas próprias concupiscências, que atraem e seduzem.” (Tiago I, 14). E também é evidente que outros homens podem nos tentar, nos incitar ao pecado pelo mau exemplo, por mau conselho, mandando, louvando o pecado, participando, ou então, não nos avisando, não impedindo, não denunciando o pecado quando podem e devem fazê-lo. A tentação pode ocorrer de dois modos distintos. O primeiro modo por persuasão interna, ou seja, pela imaginação, pela provocação de sentimentos desordenados ou de paixões desordenadas, a fim de obscurecer nosso entendimento e arrastar nossa vontade. O segundo modo é pela proposição externa do objeto desordenado que atrai nossas paixões, nosso entendimento ou nossa vontade.

Para evitar a confusão entre a tentação e o pecado, é preciso distinguir três fases na tentação.

A primeira fase da tentação é a sugestão. A sugestão é a representação do pecado na imaginação ou na inteligência. Portanto, o pecado aparece em nossa imaginação ou em nossa inteligência. Essa mera representação ou aparição involuntárias – por piores que sejam e por mais duradouras que sejam – não constituem ainda pecado, se nossa vontade não consente. Evidentemente, devemos rechaçar essa sugestão assim que percebemos a sua maldade. Se a vontade não trabalha para afastar essa sugestão, nos expomos ao subsequente consentimento. Portanto, a negligência em não afastar essa sugestão ou representação é um pecado venial, sobretudo se a tentação é forte. Se eu desejo pensar em algo ruim ou imaginar algo ruim, já temos aí, evidentemente, um pecado, pois se trata de um ato plenamente voluntário. Eis a primeira fase: a sugestão, a imaginação ou o pensamento ruim involuntários.

A segunda fase da tentação é a deleitação não deliberada ou o sentir involuntário. Com frequência, a simples sugestão involuntária de que falamos acima gera certa deleitação ou uma sensação. Também aqui não há pecado, se essa sensação não é querida, se ela não é desejada nem permitida pela vontade. Essa sensação espontânea não é um ato voluntário e não pode, então, ser um pecado. Sentir não é consentir. E o pecado está somente no consentir. Então, se, ao contrário, consentimos nessa deleitação, nessa sensação agradável que nos traz a sugestão do pecado, cometemos aí sim uma ofensa a Deus.

A terceira fase do tentação é o consentimento da vontade. Se depois da sugestão e dessa deleitação ou sensação involuntárias, a vontade rechaça ambas as coisas, não há aí pecado algum. O pecado só existe quando admitimos ou aprovamos a má sugestão ou a deleitação desordenada. O pecado só vem com o consentimento da vontade. É preciso ter bem claras essas três fases e ter em mente que o pecado só vem com o consentimento.

Muitas vezes, é difícil discernir se houve ou não consentimento. Há algumas regras para nos ajudar a saber se houve ou não consentimento. Assim, se se trata de uma pessoa de consciência reta que não costuma cair com frequência em pecado, a presunção de que não houve consentimento ou de que o consentimento foi imperfeito está a seu favor. Se se trata, ao contrário, de pessoa que tem a consciência larga e que costuma ceder com frequência às tentações, a presunção é de que houve consentimento. Se a pessoa lutou durante todo o período da tentação, rechaçando-a repetidas vezes, é provável que não tenha consentido ou ao menos que não tenha consentido plenamente. Da mesma forma, em geral, se a pessoa podia cometer facilmente um pecado externo correspondente à tentação e não o cometeu, há indícios fortes de que não houve pleno consentimento. Em caso de dúvida séria se consentimos ou não, devemos fazer um ato de contrição e nos acusar dessa falta como duvidosa na confissão.

Para vencer as tentações é preciso, igualmente, distinguir três fases.

A primeira fase antecede a tentação. Ela consiste em vigiar e orar. Nosso Senhor mesmo o diz: “Vigiai e orai para que não entreis em tentação. O espírito está pronto, mas a carne é fraca.” (Mt XXVI, 41). É preciso, portanto, ter uma vida de oração sólida, com as orações da manhã e da noite, com o Santo Terço, com jaculatórias. Recorrer a Nossa Senhora e ao Anjo da Guarda. É preciso vigiar, fugindo das ocasiões de pecado, evitando a ociosidade, combatendo o defeito dominante, mortificando os sentidos, sobretudo os olhos. Nosso Senhor nos dá o exemplo: no deserto, ele passou quarenta dias rezando, meditando e mortificando-se, sem ociosidade, sem colocar-se em ocasião de pecado, etc…

A segunda fase do combate à tentação é durante a própria tentação. É preciso resistir à tentação assim que ela surge, isto é, quando ela inda é fraca e fácil de ser vencida. Não agir logo contra a tentação, sobretudo em matéria de fé e pureza, é um pecado venial de negligência e de exposição ao pecado, pois se deixamos a imaginação ou o pensamento permanecerem, passaremos à deleitação involuntária e dessa deleitação temos um grande risco de passar ao consentimento. Nosso Senhor nos dá o exemplo. Ao contrário de Adão e Eva que pararam para pensar no que estava dizendo o demônio e terminaram consentindo, Cristo reage imediatamente, citando a Revelação. É preciso, assim, resistir à tentação seja diretamente, seja indiretamente. Resistir diretamente à tentação é fazer ou pensar o contrário daquilo que é sugerido pela tentação. Se a tentação consiste em falar mal de alguém sem necessidade, devemos procurar falar bem daquela pessoa, de suas qualidades. Se a tentação é de suprimir uma oração ou encurtá-la, devemos prolongá-la. Se a tentação é de irar-se sem causa ou de forma desproporcional, devemos agir com muita medida, etc. Resistir indiretamente consiste em não enfrentar a tentação, mas afastar-se dela, aplicando nossa imaginação e nossa inteligência em algo bom, lícito, que possa absorver nossas faculdades. Em tentações contra a fé e a castidade, devemos aplicar sempre a resistência indireta, pois nesses casos, a luta direta pode aumentar a tentação, dado o perigo e a sinuosidade da questão. Em matéria de fé e castidade, em particular, devemos aplicar as nossas faculdades, sobretudo a memória e a imaginação, a uma atividade que as absorva e devemos fazer isso rápida e energeticamente, mas também com grande serenidade e calma. Por exemplo, podemos considerar todos os Estados do país e suas capitais, como diz um autor espiritual.

A tentação pode persistir, apesar de a rechaçarmos empregando os devidos meios. Se a tentação persiste, não devemos desanimar, não devemos perder a coragem. Será necessário repetir mil vezes o repúdio à tentação com serenidade e paz, evitando cuidadosamente o nervosismo, a perturbação e certo desespero, que seriam já um início de vitória do inimigo. Nosso Senhor dá mais uma vez o exemplo: Ele reage imediatamente à tentação e com vigor, mas com serenidade e calma. Cada ato de repulsa à tentação será um mérito adquirido diante de Deus e um novo fortalecimento para a alma. A tentação contínua, quando é igualmente rechaçada continuamente, aproxima a alma de Deus. Quando as tentações são contínuas, convém manifestá-las ao confessor, pois uma tentação declarada ao confessor é uma tentação semi-vencida já. O confessor poderá também dar conselhos mais precisos para evitar as tentações e combatê-las melhor. Claro, podemos pedir a Deus que nos livre dessas tentações, como fez São Paulo, sabendo, porém, que Deus pode continuar a permiti-las, justamente, para que possamos continuar a progredir humildemente, como ele fez com o mesmo Apóstolo. No Pai Nosso, não pedimos a Deus que nos livre da tentação, pedimos a Deus que não nos deixe cair nas tentações e que nos livre do mal, que é, antes de tudo, o pecado.

A terceira fase do combate às tentações é depois delas. A alma deve agradecer a Deus humildemente, se saiu vitoriosa do combate. Deve arrepender-se imediatamente, se teve a desventura de sucumbir, e procurar a confissão, se se trata de pecado grave. A alma deve aproveitar a lição da queda para os combates futuros.

Devemos nos lembrar, caros católicos, que as tentações sempre existirão. Elas só cessarão no céu. Diz a Sagrada Escritura: “Filho, vindo para servir ao Senhor, (…) prepara a tua alma para a tentação.” Em geral, quando tomamos a decisão de servir bem a Deus, somos mais tentados. E isso é bem normal. Quando estamos distantes de Deus, caminhamos sozinhos para o mal, não precisamos ser induzidos por alguém nem provocados ao erro. Quando a pessoa está distante de Deus já são tantos os perigos e as ocasiões de queda a que ela se expõe que o demônio nem precisa tentá-la, praticamente.

Eis, então, o combate contra a tentação, tentação que não é, em si, um pecado.

Aproveito também para tratar dos chamados pecados internos, para os quais muitas pessoas dão pouca importância ou automaticamente consideram como pecado venial, desde que não haja nenhum ato externo. Ora, o pecado é essencialmente algo interno, que está na vontade. Portanto, para que haja pecado não é necessário passar ao ato externo. Basta considerarmos o nono e o décimo mandamentos: não cobiçar a mulher do próximo e não cobiçar as coisas alheias são pecados puramente internos. Assim, um pecado puramente interno tem a mesma gravidade essencial que o ato externo. Claro, o ato externo aumenta a malícia do ato interno em virtude da maior intensidade da vontade requerida para passar ao ato exterior, pela maior duração do ato interno, que se prolonga durante toda a execução exterior e pela eventual multiplicação dos atos interiores quando da execução exterior. Além disso, os atos externos podem ter outras consequências: o escândalo, a destruição dos bens do próximo e a consequente obrigação de restituir, por exemplo. Mas, essencialmente, o pecado interno tem a mesma gravidade que o ato externo, pois o ato externo é simples prolongamento do pecado interno. Por isso, Nosso Senhor diz: “todo aquele que lançar um olhar de cobiça para uma mulher, já adulterou com ela em seu coração.” (Mt V, 28). Portanto, se o ato externo é pecado mortal, o pecado puramente interno também será, se há a plena advertência e o pleno consentimento necessários para que haja pecado grave.

Os pecados internos podem ser de três tipos.

O primeiro tipo de pecado interno chama-se deleitação morosa, que é regozijar-se na representação do pecado, como se ele estivesse sendo realizado, mas sem a intenção de realizá-lo exteriormente. Se alguém se regozija, com plena advertência e consentimento, no pensamento de assassinar outra pessoa, por exemplo, comete homicídio em seu coração, um pecado gravíssimo, por mais que não tenha a intenção de passar ao ato externo.

O segundo tipo de pecado interno é o mau desejo, que ocorre quando a pessoa tem a intenção de executar o pecado quando for possível. Ainda que não consiga executá-lo, o pecado interno já está cometido com a mesma gravidade essencial do pecado externo. Com o mesmo exemplo, alguém que tem a intenção de matar outra pessoa, mas não consegue fazê-lo por que a polícia passou na hora, cometeu homicídio em seu coração.

O terceiro e último tipo de pecado interno é a alegria pecaminosa, isto é, a alegria ou deleitação voluntárias com uma ação pecaminosa passada feita pela própria pessoa ou por outra. Aquele que, depois de ter matado alguém injustamente, se alegra de tê-lo matado, comete novamente homicídio em seu coração com a mesma gravidade essencial do homicídio propriamente dito.

Portanto, os pecados internos não são sem importância, eles não são automaticamente veniais. Os pecados internos têm a mesma gravidade essencial do ato externo.

Sigamos o exemplo de Nosso Senhor Jesus Cristo, caros católicos: Adoremos ao Senhor e sirvamos a Ele somente, combatendo as tentações e evitando todo pecado.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Sermão/Carnaval] Consideração sobre as consequências da luxúria

Sermão na Festa da Aparição da Virgem Maria em Lourdes
11 de fevereiro de 2013 – Padre Daniel Pinheiro

 

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…

No sábado passado consideramos a bondade divina, e alguns dos benefícios que nos ela nos fez, desde a nossa criação até a honra a que nos elevou, a honra de filhos adotivos de Deus, a honra de participar da própria vida da Santíssima Trindade, indo até a morte do Verbo Encarnado da Cruz. Hoje, ao contrário, vamos considerar as consequências da luxúria, ou seja, as consequências desse pecado capital – o principal cometido durante o carnaval – que se opõe ao sexto e ao nono mandamentos.

Um pecado capital é na verdade um vício. Um pecado capital não é uma ação isolada. O pecado capital é uma disposição bem enraizada na alma para operar mal, para agir contra a razão e contra Deus. Portanto, se alguém peca uma vez contra o sexto mandamento, peca gravemente, mas não está ainda atingido pelo vício, pois um ato só não cria uma disposição bem enraizada na alma. Se a pessoa comete várias vezes os mesmos pecados, ela terá em sua alma uma disposição para cometê-los, ela terá, então, um vício. O vício ou um pecado capital não é um pecado em si, mas é uma inclinação forte para cometer certo tipo de pecado. E certos vícios são chamados de vícios capitais ou pecados capitais justamente porque são a cabeça de muitos outros pecados, gerando-os com grande facilidade. Portanto, quando pecamos, é preciso que nos corrijamos imediatamente, e se se trata de pecado grave, confessando-nos. Primeiro, para obter o perdão divino, recobrar a graça e voltar a merecer o céu. Segundo, para que não adquiramos o vício relativo a esse pecado, pois vencer um vício é, evidentemente, muito mais difícil.

O pecado ou vício capital de que tratamos hoje é o da luxúria. É o principal do carnaval. E não somente do carnaval. Hoje, infelizmente, em nossa sociedade ele é onipresente. A luxúria diz respeito à deleitação venérea desordenada. Diz respeito, portanto, à deleitação venérea desordenada – aquela que se opõe à razão, à lei natural e à lei divina – em atos, pensamentos consentidos ou olhares consentidos. Ela se refere, portanto, a essa deleitação venérea fora do matrimônio, ou dentro dele, mas contra a finalidade primária do matrimônio, que é a procriação.

Como dissemos, o pecado capital recebe esse nome justamente porque ele é a cabeça de várias outras desordens. São gravíssimas as desordens geradas pela luxúria. Para compreender como essas consequências ocorrem, é preciso ter em mente que a alma humana é una e que, portanto, quando uma de nossas faculdades se aplica com veemência a alguma coisa, as outras faculdades não podem se aplicar ao seu próprio objeto. Por isso, alguém que estuda ouvindo musica, ou ouvirá a música, ou estudará ou fará as duas coisas mal feitas, pois a alma sendo una, não pode se aplicar com veemência a duas coisas distintas. Assim, é óbvio que quando a alma está manchada com o vício da luxúria, as faculdades superiores – a inteligência e a vontade – são gravemente prejudicadas, pois as faculdades inferiores se aplicam com veemência ao seu objeto de forma contrária à razão.

Vejamos, então, as filhas da luxúria, segundo São Tomás. A primeira delas, na ordem da inteligência, é a cegueira do espírito. A alma passa a julgar as coisas não mais pela razão, e tais como elas são, mas segundo a paixão, segundo suas inclinações. Isso a impede de conhecer a verdade, ao menos plenamente ou como poderia conhecê-la. A consequência é o erro na apreciação da realidade. Daí a cegueira diante das realidades eternas e mesmo a perda do bom senso. A pessoa passa a julgar as coisas como ela quer e não como as coisas são. A pessoa já não consegue discernir o bem do mal. Por isso, o Profeta Daniel diz a um dos velhos que cobiçaram Suzana: A formosura seduziu-te e a concupiscência perverteu-te o coração.

A segunda filha da luxúria é a precipitação. A precipitação consiste em agir segundo o ímpeto da vontade ou da paixão, e não sob a direção da razão que busca agir somente após a devida consideração, reflexão e ponderação, considerando a realidade das coisas, considerando a própria experiência, a experiência dos antigos, o ensinamento dos outros, etc. A precipitação despreza tudo isso para agir sob o ímpeto da paixão ou da vontade. O homem precipita a sua ação antes de considerar todas essas coisas.

A terceira filha da luxúria é a inconsideração, pela qual a pessoa não consegue julgar corretamente os meios que deve empregar para agir bem.

A quarta filha da luxúria é a inconstância. Apegada às deleitações desordenadas, a alma pode até chegar a reconhecer o que é bom, ela considera o que deve fazer e se propõe a fazê-lo, mas não passa à ação, impedida pelo ímpeto da concupiscência desordenada, que lhe tira o vigor para agir bem.

A quinta filha da luxúria, agora na ordem da vontade, é o amor desordenado de si mesmo, pois a deleitação irracional da luxúria é um egoísmo. A pessoa se opõe a Deus, se opõe ao próximo, se opõe à sociedade, para ter uma satisfação instantânea.

A sexta filha é o ódio a Deus, por oposição ao amor desordenado de si. A pessoa quer tanto cometer esses pecados que ela passa a odiar Deus, que a proíbe de fazer tais coisas.

A sétima filha é o apego à vida presente, na qual a pessoa quer permanecer a todo custo para continuar com suas deleitações desordenadas.

A oitava filha, por oposição, ao apego à vida presente é o desespero com relação à vida futura, pois a pessoa afetada demasiadamente pelas deleitações carnais desordenadas não cuida das coisas espirituais, mas se aborrece com elas e desespera de sua salvação.

Poderíamos, ainda, citar outras filhas da luxúria que São Tomás não cita. Poderíamos citar a efeminização da sociedade, no sentido técnico da palavra, que significa o fato de seguir as suas paixões sem combatê-las, formando nas pessoas um caráter fraco, e nos homens um caráter sem virilidade alguma, pois é preciso ter em mente que a virilidade do homem consiste justamente no combate às paixões desordenadas, em particular no combate à luxúria. O homem verdadeiramente viril é um homem casto. O homem que não é casto, por mais que não seja homossexual é efeminado, no sentido em que dissemos. A luxúria gera também o assassinato: o aborto. E leva à eutanásia. Se a pessoa já não pode gozar a vida, melhor que morra. A luxúria bestializa o homem.

Podemos ver, então, porque a luxúria é um pecado capital. Nós vemos hoje onipresentes todas as filhas da luxúria em nossa sociedade. A cegueira da mente, pela perda do bom senso de nossos contemporâneos, pela perda do julgamento do que é certo e do que é errado, a disseminação do erro em todas as esferas. A falta total de reflexão de nossos contemporâneos, que agem por ímpeto, por paixão, por sentimento, sem pensar na sabedoria dos antigos, sem pensar, em particular, naquilo que a Igreja e os Santos ensinam. Podemos ver também que quando alguém chega a refletir, não consegue levar em conta os verdadeiros elementos, em particular a vida sobrenatural, e não consegue fazer um juízo correto de como deve agir. Vemos a falta de determinação das pessoas em suas decisões, a sua falta de constância em fazer o verdadeiro bem e perseverar neles. Vemos também o egoísmo reinante e vemos o ódio crescente a Deus e a sua Igreja, que combate justamente contra esse vício. Muitas das leis iníquas, opostas à lei de Deus e sua Igreja têm sua origem próxima nesse vício. Vemos, claramente, o apego à vida presente e a onipresente necessidade de curtir a vida e o aborrecimento total para com as coisas do alto. Vemos o desespero reinante em nossa sociedade, que tenta a todo custo prolongar ao máximo a vida dos homens aqui na terra, esquecendo que nossa pátria é o céu.

Alguém que possui o pecado capital da luxúria deve combatê-lo. Antes de tudo, rezando bastante, tendo uma vida de oração. É preciso rezar quando vêm a tentação, as imaginações ruins, os pensamentos ruins. É preciso, nesse momento, desviar o pensamento para outra coisa boa, lícita, se possível santa, que possa ocupar inteiramente nossa imaginação e nosso pensamento. Em seguida, é preciso evitar as ocasiões de pecado, as situações, os ambientes, as pessoas que levam a cometer tais pecados. Em particular, é preciso ter extremo cuidado com os meios de comunicação modernos: internet, televisão. Só se deve acessar internet quando há um objetivo bem definido e deve-se sair quando o atingimos. Ficar navegando à toa e sem rumo dificilmente acaba bem. É preciso mortificar-se, mesmo em coisas lícitas, pois isso facilitará muito evitar coisas ilícitas. É preciso mortificar os sentidos, sobretudo os olhos, tentando mantê-los abaixados quando saímos de casa e evitando a curiosidade, evitando ver tudo o que acontece ao nosso redor. Devemos ser moderados e mortificar-nos na comida e no beber. O comer pertence, como a deleitação venérea, ao apetite concupiscível, de forma que a desordem em um provoca a desordem no outro, enquanto a virtude em um favorece a virtude no outro. É preciso fazer atos de fé, de esperança e de caridade. Aquele que tem esse vício não deve desesperar, mas deve empregar todos esses meios com verdadeira determinação. É preciso frequentar com assiduidade os sacramentos da comunhão e da penitência para evitar as quedas futuras. Se por fraqueza cair, é preciso buscar se confessar o mais rápido possível, com verdadeira contrição, bem entendido. É preciso considerar as consequências desse pecado: a perda do céu, o merecimento do inferno, a ofensa infinita a Deus. Tudo isso por um instante de satisfação.  Nessa matéria, o ser humano é muito fraco. Se ele confia demais em si mesmo, terminará caindo. É preciso desconfiar de si mesmo, sobretudo nessa matéria, empregando os meios mencionados e confiando muito em Deus, rezando bastante. E, claro, é indispensável uma terna devoção a Nossa Senhora.

São graves as consequências da luxúria. Uma sociedade, como a nossa, em que a luxúria é rainha e que favorece sobremaneira a luxúria está destinada à ruina. Nenhuma sociedade pode se sustentar quando está fundada no erro, na precipitação, na inconsideração, na inconstância, no amor a si mesma, no ódio a Deus, no apego à vida presente e no desespero das coisas do alto. Para chegarmos a uma sociedade inimiga de Deus, bastou ao demônio favorecer a luxúria.

Portanto, o carnaval destrói a sociedade. Uma sociedade que passa o ano inteiro se preparando para o Carnaval é uma sociedade arruinada. Um carnaval constante como, na verdade, vivemos em nosso país e no mundo todo é a destruição de nossa sociedade. Uma sociedade fundada na areia não pode subsistir. Peçamos a Deus que tenha piedade de nós e de nosso Brasil, para que nosso país volte a cumprir as promessas de seu batismo, feitas quando da vinda dos missionários portugueses. Que nosso Brasil volte a ser a Terra de Santa Cruz. Rezemos à Nossa Senhora de Lourdes, que festejamos hoje e à Nossa Senhora Aparecida.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Sermão] Programa para a Quaresma: a Cruz, a caridade, a oração e a batalha contra o defeito dominante

Sermão para o Domingo da Quinquagésima
10 de fevereiro de 2013 – Padre Daniel Pinheiro

 

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…

“Se não tiver a caridade, nada sou.” (I Cor, 13)

Três dias somente nos separam do começo da Quaresma. A Santa Igreja continua a nos preparar e a nos dispor, pela Sagrada Liturgia, a uma Quaresma que possa o dar frutos eternos. Para tanto, a Igreja nos apresenta o sublime elogio da caridade na Epístola de São Paulo e nos apresenta, no Evangelho, o anúncio da paixão e a cura de um cego. Mas como essas três coisas nos preparam de maneira perfeita para a Quaresma, pois não parece haver muita relação entre elas?

Para compreender o que a Igreja quer nos ensinar, devemos, antes de tudo, considerar bem a finalidade da Quaresma. A quaresma são quarenta dias de conversão, quarenta dias para que possamos morrer ao pecado com Nosso Senhor Jesus Cristo, a fim de ressuscitar com Ele para a vida da graça. Para fazer isso, precisamos da penitência, pela qual, com verdadeira dor e detestação de nossos pecados, satisfazemos pela ofensa feita a Deus. Todavia, a penitência sozinha não serve para nada, se ela não é inspirada pela caridade, quer dizer, ela não serve para nada se ela não é feita em união com Deus ou tendo em vista essa união com Deus, essa amizade com Deus. E isso porque a melhor das ações não tem valor algum para a salvação, se ela não é acompanhada da caridade ou se ela não tem por fim a caridade. Além disso, como somos fracos e inconstantes e sem Deus nada podemos fazer, devemos pedir a Deus, pela oração, que nossas penitências acompanhadas da caridade sejam agradáveis aos seus olhos.

Dessa forma, podemos compreender porque a Igreja escolheu estas passagens da Sagrada Escritura para o Domingo que precede a quaresma. A Igreja anuncia a Cruz, para que satisfaçamos pelos nossos inumeráveis pecados. Ela faz o elogio da caridade porque sem a caridade nada tem valor, dado que só a caridade ordena tudo a Deus. E, finalmente, ela nos apresenta a cura do cego, na qual encontramos um modelo de oração: “Filho de David, tende piedade de mim.” Assim, não podemos fazer uma penitência sincera sem ter por finalidade a união com Deus. E, ao mesmo tempo, não podemos estar verdadeiramente unidos a Deus se recusamos carregar a nossa própria cruz, quer dizer, se recusamos fazer penitência. A cruz e a caridade são inseparáveis nessa Terra. Todavia, nem a caridade nem a cruz podem existir sem a oração, pois sem Deus nada podemos fazer. É preciso fazer penitência não para se orgulhar, não para se mostrar aos outros, mas para recobrar ou aumentar a nossa amizade com Deus, pedindo-lhe, pela oração, essa amizade. Durante a Quaresma, a união da penitência, da oração e da caridade é indispensável. Uma Quaresma sem um desses três elementos seria uma Quaresma infrutífera, que não conduziria a uma união profunda e duradoura com Deus, união que é, justamente, o objetivo da Quaresma. É por isso que, tradicionalmente, recomendam-se esforços nesses três frontes durante a Quaresma: penitência (privar-se de algo que gosta, por exemplo), oração (determinar dias de visita ao Santíssimo, rezar um terço a mais, ou outra devoção) e obras de caridade (como, por exemplo, esmolas ou as obras de misericórdia corporais e espirituais).

Gostaria, porém, de dar um exemplo e uma sugestão, caros católicos, de resolução para essa Quaresma. Exemplo e sugestão de uma resolução que une muito bem esses três elementos de que acabamos de falar. Trata-se do combate de cada um contra seu defeito dominante.

O demônio, inimigo do homem, é como um leão que ruge ao nosso redor, procurando nos devorar. Com muita inteligência, ele busca, precisamente, nos atacar em nosso ponto fraco. Assim, ele faz a ronda para examinar todas as nossas virtudes teologais, cardeais e morais, e é no ponto em que nos encontra mais fraco, é nesse ponto, que é o mais perigoso para a nossa salvação, que ele nos ataca e tenta nos abater. Como um bom chefe de guerra, ele sabe que uma vez tomado o ponto mais fraco de nossa alma, o menos virtuoso, ele vai se tornar o mestre de todo o resto de nossa alma. Esse ponto mais desprovido de virtude, o mais arruinado pelas nossas más inclinações é justamente o nosso defeito dominante, que é também a raiz, a causa de muitos outros pecados. Esse defeito dominante pode ser muito diverso segundo cada pessoa: o orgulho, a vaidade, a sensualidade, a impureza, a falta de modéstia, o respeito humano, o apego aos bens desse mundo, o apego às honras ou à glória desse mundo. Ele pode ser a preguiça, sobretudo a preguiça espiritual, a falta de espírito sobrenatural, a falta de esperança, a inconstância, o espírito mundano, a cólera, etc…

É fácil ver a importância de combater nosso defeito dominante e isso por duas razões principais. Primeiramente, porque é do defeito dominante que nos vêm os maiores perigos para a nossa alma e as mais graves ocasiões de pecado. Como dissemos, ele é a raiz para vários outros pecados. Segundo, podemos ver a importância de combater o defeito dominante pelo fato de que, uma vez vencido o inimigo mais terrível, os inimigos mais fracos serão facilmente derrotados por nossa alma, que se tornou mais forte em razão da primeira vitória. Devemos agir como o Rei da Síria na guerra contra Israel. Esse Rei ordenou aos seus soldados que combatessem unicamente contra o Rei de Israel, prometendo que a morte do Rei inimigo daria uma vitória fácil sobre o resto do exército israelita. Foi exatamente o que aconteceu: tendo morrido o rei de Israel, todo o exército cedeu e a guerra terminou imediatamente. De maneira semelhante, caros católicos, será muito mais fácil vencer nossos outros defeitos quando tivermos vencido o nosso defeito dominante.

Para que sejamos vitoriosos nesse combate, é preciso, todavia, seguir o conselho da Igreja. A vitória sobre o nosso defeito dominante não ocorre sem os sofrimentos, sem as cruzes, sem as privações. É impossível vencê-lo sem a mortificação, sem a penitência. Do mesmo modo, sem a oração – sem muita oração – é igualmente impossível vencê-lo e até mesmo começar a batalha, pois é Deus que nos dá a força para combater e é Deus que nos dá, em última instância, a vitória. Sem Ele, mais uma vez, nada podemos fazer. Finalmente, é a caridade, a vontade de servir Deus, infinitamente bom e amável, que deve nos animar e nos dispor ao combate. São a cruz e a oração simples – mas eficaz – do cego que nos são lembradas pelo Evangelho. É a caridade – absolutamente necessária – que nos lembra São Paulo no sublime elogio da caridade. Mas para não se enganar a respeito de seu próprio defeito dominante, é necessário pedir o auxílio de Deus, para que Ele mostre qual é esse defeito e convém pedir conselho a um padre bom que conheça sua alma.

Se, caros católicos, conseguirmos vencer ou ao menos começar uma batalha séria contra nosso vício dominante – porque às vezes é preciso muito tempo para vencê-lo, como foi o caso, por exemplo de São Francisco de Sales com a ira – o caminho da santidade estará bem traçado, pois dessa forma cortamos o mal pela raiz, cortamos o mal em sua causa e evitamos todos os frutos ruins, que são os pecados. Com essa má árvore cortada, poderemos praticar com facilidade e alegria a virtude e o bem, avançando no caminho da perfeição.

Em todo caso, caros católicos, durante a Quaresma, não esqueçam nem um só desses três elementos: a penitência, a oração e a caridade. Com eles teremos uma Quaresma com frutos abundantes e duradouros porque teremos avançado em direção à vida eterna, satisfazendo por nossos pecados e nos dispondo à graça. Sem esses elementos, nossa Quaresma até poderá produzir alguns frutos, mas eles permanecerão superficiais e passageiros. Portanto: a cruz, a oração, a caridade. Isso é o resumo do Evangelho, o resumo da vida de Nossa Senhor Jesus Cristo. Deve ser também o resumo de nossas vidas.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Sermão/Carnaval] Consideração sobre a Bondade Divina

Sermão para a Festa de São Cirilo de Jerusalém
09 de fevereiro de 2013 – Padre Daniel Pinheiro

 

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…

“O homem, tendo sido honrado por Deus, não compreendeu e comparou-se aos asnos tolos e fez-se semelhante a eles.” (Salmo 48, texto da vulgata)

Nestes dias de carnaval, nestes dias em que a bondade do Sagrado Coração de Jesus, em que a sua solicitude para conosco, em que a seu amor infinito é desprezado, nós temos o dever de buscar consolar o Sagrado Coração de Jesus, reparando pelas abominações cometidas nesses dias e também pelos nossos próprios pecados. É nosso dever fazer companhia ao Sagrado Coração de Jesus, vigiando com Ele, sofrendo com Ele, rezando com Ele. Se para muitos – muitos inclusive que dizem professar a religião católica – esses são dias de pecado, de atos viciosos, de desprezo ao amor divino e de ofensa à bondade e à majestade divinas. Se muitos zombam, nesses dias, de Deus e de sua misericórdia, e se muitos amam as coisas desse mundo – em particular a impureza – até o desprezo de Deus, para nós, ao contrário, esses dias são dias de graça, dias de misericórdia. São dias que Deus nos concede para satisfazer pelas nossas próprias faltas e pelos dos outros. São dias em que, acompanhando o Sagrado Coração de Jesus, traído pelos homens, coroado de espinhos, flagelado, crucificado e transpassado pela lança, devemos buscar formar com Nosso Senhor Jesus Cristo, um só coração. Um coração que deseje as mesmas coisas que Ele e que rejeite as mesmas coisas que Ele.

Só podemos avaliar com clareza as dimensões dos crimes que se cometem durante o carnaval, só podemos ter uma pálida noção da maldade dos homens nesses dias, só podemos ter uma pálida idéia da intensidade e da malícia das ofensas feitas a Deus nesses dias, se compreendemos a intensidade e a bondade do Sagrado Coração de Jesus, se compreendemos o fogo imenso da caridade que arde em seu Coração. Os profetas do Antigo Testamento, com frequência agiam assim, a fim de amolecer os corações endurecidos dos homens: por um lado, eles lembravam aos homens todos os benefícios divinos feitos ao povo de Israel e, por outro, ameaçavam com os devidos castigos, em particular com o inferno. Trataremos hoje, nessa primeira Missa e nessa primeira Bênção do Santíssimo, com intenção reparadora pelos pecados cometidos durante o carnaval, de considerar a bondade divina, todo o bem que Deus nos fez gratuitamente, por pura liberalidade, pois não temos direito a tantos e tantos benefícios.

O primeiro benefício que Deus nos fez foi evidentemente nos criar. Com frequência nos esquecemos disso. Não tínhamos nenhum direito à existência, não tínhamos nenhum direito, se posso dizer assim, a passar do nada para vida. E Deus não só nos dá a vida como nos conserva no ser a cada instante de nossa existência. Nesse exato momento, só estamos aqui porque Deus pensa em nós e quer que existamos. E Deus não nos deu qualquer ser. Deus nos deu uma um corpo e uma alma racional. Deus nos deu a inteligência e a vontade, para conhecer a verdade e amá-la. Para conhecer a verdade, quer dizer, para conhecê-lo, pois é ele a Verdade e para amar essa verdade. Só com isso, nossa honra já é grande.  Mas o amor divino não se contentou com isso. O Amor divino nos elevou à vida sobrenatural, Deus quis que participássemos de sua própria vida, Deus quis nos fazer semelhante a Ele. E o que Deus recebeu em troca? A ofensa, a ingratidão, a indiferença, a zombaria. O homem foi elevado a uma alta honra, mas não compreendeu e preferiu agir segundo a sua própria vontade, seguindo suas paixões desordenadas. O homem foi elevado à participação na vida divina, mas recusou tal participação e amou as criaturas até o desprezo de Deus.

Tendo cometido uma ofensa infinita, o homem estava condenando a viver separado de Deus. O amor divino, porém, desejando ardentemente nosso bem, resolveu vir ao mundo para nos salvar. E toda a história da humanidade se resume a isso: à preparação para a encarnação do Verbo, a vida do Verbo nessa Terra e as consequências da vida do Verbo entre os homens, em particular as consequências de seu sacrifício na Cruz. O amor de Deus para com os homens é tanto que Ele não poupou o seu próprio Filho. Deus assim amou os homens, ao ponto e lhes dar seu próprio Filho, para que possam se salvar. Vejamos a bondade divina.

No Antigo Testamento, Deus lembra aos israelitas todos os seus benefícios ao longo da história deles, a fim de suscitar em seus corações, a gratidão e a caridade. Em terras do Egito, ele fez grandes prodígios. O mar foi dividido para lhes dar passagem. De dia, ele os conduziu por trás de uma nuvem, e à noite ao clarão de uma flama. Rochedos foram fendidos por ele no deserto, com torrentes de água os saciou. Da pedra fizera jorrar regatos, e manar água como rios. Ele ordenou às nuvens do alto, e abriu as portas do céu. Fez chover o maná para saciá-los, deu-lhes o trigo do céu. Pôde o homem comer o pão dos fortes, e lhes mandou víveres em abundância. Fez chover carnes, então, como poeira, numerosas aves como as areias do mar, as quais caíram em seus acampamentos, ao redor de suas tendas. Delas comeram até se fartarem, e satisfazerem os seus desejos. Malgrado tudo isso, persistiram em pecar, não se deixaram persuadir por seus prodígios. Quantas vezes no deserto o provocaram, e na solidão o afligiram! Esqueceram a obra de suas mãos, no dia em que os livrou do adversário, quando operou seus prodígios no Egito e maravilhas nas planícies de Tânis; quando converteu seus rios em sangue, a fim de impedi-los de beber de suas águas; quando enviou moscas para os devorar e rãs que os infestaram; quando entregou suas colheitas aos pulgões, e aos gafanhotos o fruto de seu trabalho; quando arrasou suas vinhas com o granizo, e suas figueiras com a geada; quando extinguiu seu gado com saraivadas, e seus rebanhos pelos raios; quando descarregou o ardor de sua cólera, indignação, furor, tribulação, um esquadrão de anjos da desgraça. Matou os primogênitos no Egito, enquanto retirou seu povo como ovelhas, e o fez atravessar o deserto como rebanho. Conduziu-o com firmeza sem nada ter que temer, enquanto aos inimigos os submergiu no mar. Ele os levou para uma terra santa, até os montes que sua destra conquistou. Ele expulsou nações diante deles, distribuiu-lhes as terras como herança, fez habitar em suas tendas as tribos de Israel.

E diante de tantos benefícios – só citamos alguns – o que fizeram os judeus? Eles esqueceram as obras de Deuss, e as maravilhas operadas ante seus olhos. Entretanto, continuaram a pecar contra ele, e a se revoltar contra o Altíssimo no deserto. Provocaram o Senhor em seus corações, reclamando iguarias de suas preferências. Tentaram a Deus e provocaram o Altíssimo, e não observaram os seus preceitos. Deus fez tudo por eles. Eles nada fizeram por Deus.

Ora, se Deus reclama e pune a ingratidão dos judeus, diante desses benefícios, quanto maior será a dor do Sagrado Coração diante de nossos pecados e diante de nossa ingratidão, pois os benefícios que nos foram dados pelo Sagrado Coração são infinitamente superiores aos dados ao povo eleito. O Verbo veio ao mundo, padeceu desde o primeiro momento de sua encarnação e de seu nascimento. Fugiu para o Egito, levou trinta anos de uma vida humilde e escondida nos mais árduos trabalhos. Padeceu fome e sede, não tinha onde repousar a cabeça. Foi flagelado, foi cuspido e zombado. Foi coroado de espinhos, carregou sua caiu por terra três vezes. Foi crucificado, morto. Teve o Coração transpassado cruelmente por uma lança. Foi sepultado. Foi rejeitado por aqueles que ele veio salvar. Ensinou-nos toda a Verdade, fundou a Igreja, institui os sacramentos. Desce todo dia sobre os altares em Corpo, Alma, Sangue e Divindade para se entregar a nós. Perdoa nossos pecados na confissão. Deu-nos Nossa Senhora por mãe. E fez tudo isso, apesar de sermos pecadores. Que grandeza da caridade divina. E nós? Nós fomos elevados a uma sublime honra, a ponto do homem-Deus sofrer para nos salvar e nós não entendemos e preferimos nos assemelhar aos asnos tolos, pois quando pecamos nos assemelhamos aos animais, que não pensam e são incapazes de reconhecer a lei natural e a lei divina. Preferimos não seguir as leis de Deus, para seguir nossas irracionalidades, para nos tornar como os animais.

É exatamente o que ocorre de forma mais intensa no carnaval. O homem não entende a honra à qual foi elevado e se faz semelhante aos animais, pelos pecados, sobretudo pelos pecados de impureza, que de fato rebaixam o homem ao estado de animal. O homem prefere uma satisfação instantânea à vida eterna. O homem prefere perder o céu e dirigir-se ao inferno a agir conforme as leis divinas, conforme as leis naturais, conforme, portanto, àquilo que é o melhor para ele conforme com sua natureza racional. O homem prefere um instante ou uma vida passageira de prazeres e diversões desordenadas à vida eterna, à felicidade perfeita, à contemplação da verdade. O homem prefere flagelar novamente Nosso Senhor, coroá-lo de espinhos, flagel-alo, cuspir sobre o crucificado. O homem prefere aumentar o peso da cruz de Cristo. Prefere derrubá-lo e renovar a dor de todas as suas chagas, abertas para nos salvar. Ele prefere crucificar seu divino Salvador, ele prefere abrir o lado do Verbo encarnado e feri-lo diretamente em seu Sagrado Coração.

Esse Sagrado Coração continua sendo fonte de misercórdia e de caridade. E ele o será até o final da vida de cada homem. Mas um dia essa vida acaba e não sabemos quando, e se seguirá o juízo. E se o homem não se arrependeu sinceramente de seus crimes, o juízo será de condenação, pois ninguém zomba de Deus impunemente. Essas satisfações instantâneas e esses prazeres desordenados e irracionais, que assemelham o homem aos animais brutos se transformarão em sofrimento eterno. E serão condenados pelo amor divino, ou melhor, pela recusa do amor divino. Não poderão recorrer a esse amor, porque foram condenados justamente porque o recusaram.

Tantos benefícios divinos e tantos desprezos. Tanto amor e tanta indiferença. Tanta bondade e tanta malícia. Aproveitemos esses dias para acompanhar o Sagrado Coração de Jesus em seus sofrimentos, em sua agonia, em seu Coração ferido pela lança afiada dos pecados do carnaval. Acompanhemos Nosso Senhor com práticas de devoção, com mortificações, por menores e simples que sejam. Só a vinda a essa Missa nesses dias já é, talvez, para muitos um ato de generosidade. Devemos fazer um esforço. Alguns se dedicam tanto ao mal que passam dias sem dormir para cometer iniquidades. Dediquemo-nos um pouco ao bem, a Deus, ao Sagrado Coração de Jesus. Acompanhemos Nosso Senhor Jesus Cristo para que nosso coração possa formar com o dEle um só Coração, no sentido de amarmos Deus e o próximo, e a virtude e de detestarmos, o pecado, o vício e tudo o que conduz ao pecado. Não fiquemos indiferentes diante de tantos benefícios e de tanta caridade. Não fiquemos indiferentes diante dos sofrimentos do Sagrado Coração. Fomos elevados a uma honra sublime, a honra de filhos adotivos de Deus. Devemos compreendê-la e agir segundo essa filiação. É essa a nossa honra, a nossa glória, a nossa finalidade nesse mundo e a nossa alegria. Devemos nos fazer semelhantes não aos animais brutos, mas a Deus, nosso Pai.

Sagrado Coração de Jesus, fazei o nosso coração semelhante ao voso.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Sermão] “A Parábola do Semeador” ou “Os deveres do sacerdote e dos fiéis”

Sermão para o Domingo da Sexagésima
03 de fevereiro de 2013 – Padre Daniel Pinheiro

 

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…

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“Saiu o semeador a semear a sua semente (…) e uma parte caiu em terra boa e, depois de nascer, deu fruto, a cem por um.”

No Domingo da Sexagésima temos a bem conhecida parábola do semeador e dos diferentes terrenos em que cai a semente. O semeador é, antes de tudo, Deus, e a semente é a sua Divina Palavra. Mas o semeador é também os sacerdotes, encarregados por Deu de ensinar todas as nações. Os diferentes terrenos são as almas diversamente dispostas a receber a pregação da Palavra Divina. No Domingo da Sexagésima, a Igreja continua a querer nos dispor para uma boa quaresma, para uma quaresma que dê frutos a cem por um. Para nos dispor todos a uma boa Quaresma, que possa realizar em nós uma profunda conversão, a Igreja lembra ao semeador o seu dever de pregar e lembra às almas o dever de serem uma terra boa.

[Os deveres do sacerdote]

O bom semeador deve, em primeiro lugar, pregar a Palavra de Deus e não a sua própria. É necessária fidelidade extrema ao que ensina a Igreja, ele deve transmitir aquilo que recebeu, sem corrupção, sem emenda. Um sacerdote que prega outra coisa que a doutrina de Cristo, prega ventania e colherá tempestade. É o que vemos hoje. Prega-se muita ventania e colhe-se tempestade e não uma primavera, como querem muitos. Diz o Livro dos Provérbios (XXX, 6) “não acrescentes nada às palavras de Deus para não serdes por isso repreendido e achado mentiroso”. O sacerdote deve ter verdadeira pureza de intenção: seu fim tem que ser dar testemunho da verdade, para que todos tenham vida. Não deve buscar fins menos honestos como o renome, os elogios, a glória desse mundo. O sacerdote, além disso, deve ter uma vida de oração profunda e deve pregar também com o exemplo. O exemplo é indispensável. Uma pregação que é contrariada por um mau exemplo será quase sempre vã. O sacerdote deve praticar penitências, a fim de que seus ouvintes se disponham bem.  O sacerdote, evidentemente, deve ter uma ciência adequada e uma caridade ardente, pois só pode acender aquele que arde, como dizia São Francisco de Sales. A eloquência do sacerdote é a sua caridade.

Ademais, o Sacerdote deve ter em mente que sua missão é ensinar e não agradar aos ouvintes. O pregador deve, então, perguntar-se com São Paulo: “é o favor dos homens que eu procuro ou o de Deus? Porventura é aos homens que eu pretendo agradar? Se agradasse aos homens, não seria servo de Cristo.” O Apóstolo diz também: “prega a Palavra, insiste a tempo e fora de tempo, repreende, suplica, admoesta com toda paciência e doutrina, porque virá tempo em que muitos não suportarão a sã doutrina, mas multiplicarão para si mestres conforme os seus desejos”. O semeador não deve temer as perseguições por ensinar a verdade divina, nem deve temer os sofrimentos e privações. São Paulo lhe dá o exemplo na Epístola de hoje: cárceres, açoites sem medida; muitas vezes viu a morte de perto; cinco vezes recebeu dos judeus os quarenta açoites menos um; três vezes foi flagelado com varas; uma vez apedrejado; três vezes naufragou, uma noite e um dia passou no abismo; viagens sem conta, exposto a perigos nos rios, perigos de salteadores, perigos da parte de seus concidadãos, perigos da parte dos pagãos, perigos na cidade, perigos no deserto, perigos no mar, perigos entre falsos irmãos! Trabalhos e fadigas, repetidas vigílias, com fome e sede, freqüentes jejuns, frio e nudez! Não é pouca coisa o que sofreu São Paulo para pregar o Evangelho.

Somente tendo isso em mente o pregador cumprirá devidamente o mandamento de Nosso Senhor Jesus Cristo: Ide e ensinai todos os povos. Pregai o Evangelho a toda a criatura. Se o pregador insiste a tempo e fora de tempo, repreende, suplica, admoesta com toda paciência e doutrina, muitas vezes de forma inconveniente, ele cumpre simplesmente seu dever. O pregador insiste e desagrada muitas vezes porque tem de salvar a sua alma, o que se faz unicamente pela pregação da verdade revelada.

O pregador deve lembrar-se de que não tem que prestar contas aos homens, mas a Deus. Os fiéis poderão, talvez, dizer que não ouviram a Palavra de Deus, mas o sacerdote não terá desculpa por não tê-la pregado. A Quaresma se aproxima e, nesse tempo, o sacerdote deve cumprir ainda melhor a missão que lhe foi dada pela Igreja: levar as almas ao amor a Deus e à detestação do pecado.

[Os deveres dos fiéis]

Se ao sacerdote cabe o grave dever de anunciar a Palavra de Deus e de anunciá-la continuamente, sem mescla de erro, mas com fortaleza, prudência e ciência, aos fiéis cabe ouvir essa Palavra. E não só ouvi-la, mas colocá-la em prática. Nosso Senhor o diz: “Bem-aventurados aqueles que ouvem a minha Palavra e a põem em prática” (Luc XI, 28). E o Salmista diz: “hoje, se ouvirdes a sua voz, não endureçais os vossos corações” (Sal XCIV, 8). E, finalmente, São João: “Quem é de Deus escuta as palavras de Deus” (Jo XIV, 24). Para ouvir a Palavra de Deus com fruto é preciso dispôr a alma pelo desejo de ouvi-la, pelo desejo de deixar o pecado, pela oração. Para ouvir a Palavra de Deus com fruto é preciso remover os obstáculos: é preciso sair do caminho aberto, é preciso remover as pedras e os espinhos. O caminho aberto é a alma que não se protege, não cerca o terreno. O caminho aberto é a alma em que qualquer coisa pode transitar. É a alma preguiçosa, que não reza e que não foge das ocasiões de pecado. Pode ser também a alma endurecida pelo pecado. O demônio a faz esquecer rapidamente a Palavra de Deus.  O pedregulho são as almas inconstantes. Recebem a doutrina com gosto e alegria, apreciam sua beleza e sua santidade, mas não tomaram a firme decisão de converter-se completamente e permanecem superficiais. Quando chegam as dificuldades, as tentações e as provações, voltam atrás. Os espinhos são as preocupações imoderadas da vida, os prazeres mundanos, o apego aos bens desse mundo. A alma cercada de espinhos recebe a Palavra de Deus, mas logo a esquece e a abandona, preocupada desordenadamente com as coisas desse mundo.

É preciso, caros católicos, ouvir a Palavra de Deus com docilidade e colocá-la em prática. Da fidelidade e da prontidão em recebê-la e em tomá-la por regra depende a nossa salvação. Como diz Nosso Senhor: “Em verdade, em verdade vos digo que quem ouve a minha Palavra… tem a vida eterna e não incorre no juízo, mas passou da morte para a vida” (Jo V, 24).

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

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Nota do Editor: os subtítulos foram acrescentados por nós e não pertencem ao texto original do padre.