[Sermão] As três ressurreições e os três tipos de morte da alma

Sermão para o 15º Domingo depois de Pentecostes
1º de setembro de 2013 – Padre Daniel Pinheiro

 

ÁUDIO: Sermão para o 15º Domingo depois de Pentecostes Viúva de Naim Três Ressurreições e três mortes da alma 1.09.2013

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave Maria…

“Jovem eu te digo: levanta-te.”

São Lucas é o único Evangelista a narrar essa ressurreição, a ressurreição do único filho de uma viúva de uma cidade chamada Naim. Uma grande multidão seguia Nosso Senhor em virtude da belíssima doutrina que Ele ensinava – o sermão da montanha ainda estava impresso nas almas – e em virtude dos milagres que ele operava para confirmar a origem divina da sua doutrina, fazendo ao mesmo tempo um grande bem ao povo com esses milagres. Além dessa grande multidão que seguia Cristo, havia também uma grande quantidade de pessoas que seguia, por compaixão pela pobre mãe viúva, o cortejo fúnebre desse jovem. São Lucas nos diz ainda que o milagre ocorreu próximo da porta da cidade. Ora, na porta das cidades dos judeus havia grande quantidade de pessoas também, pois era nas portas que os judeus faziam os mercados e os tribunais (Salmo 68,13). Esse encontro entre a multidão que seguia Nosso Senhor Jesus Cristo, a multidão que seguia o cortejo fúnebre e a multidão que se encontrava na porta da cidade não é um acaso, mas é disposto pela vontade divina de Cristo, a fim de que o milagre seja conhecido por muitos, a fim de que muitos possam crer nEle e naquilo que Ele diz, para que muitos possam se salvar.

E Nosso Senhor ressuscita esse jovem diante de uma multidão imensa de pessoas com uma grande facilidade. Ele simplesmente diz ao jovem: Eu te digo, levanta-te. E para provar a ressurreição, o jovem não somente se levantou e se sentou, como começou a falar. Cristo mostra, então, seu domínio absoluto sobre a vida e a morte, domínio que só pode ser divino. Essa ressurreição é bem diferente das ressurreições feitas por Elias e Eliseu no Antigo Testamento, também em favor de viúvas. Os dois tiveram que fazer vários gestos, várias orações, implorando a Deus a ressurreição, enquanto Cristo ressuscita o jovem com uma simples ordem, que se cumpre imediatamente. O bom senso da multidão reconhece que aí está o dedo de Deus e essa multidão se enche de um bom temor de Deus. Digo de um bom temor porque é um temor reverencial e de respeito pela onipotência divina, e temor que leva os presentes a glorificarem a Deus. Se ainda não reconhecem em Cristo o Verbo de Deus humanado, ao menos o reconhecem como um profeta, como alguém enviado por Deus para dizer a verdade. Também nós reconhecemos Cristo como um profeta e muito mais do que um profeta, pois afirmamos que Cristo é Deus. Por que não crer, então, em tudo aquilo que nos ensinou e nos ensina pela sua santa Igreja? Por que não praticar aquilo que Ele nos ordena fazer, se é para a glória de Deus e para o nosso bem, para a nossa salvação?

Mas não devemos esquecer um detalhe importante do Evangelho de hoje. Cristo opera o milagre da ressurreição do jovem por compaixão pela mãe viúva. São as lágrimas da mãe, no fundo, que moveram Cristo a realizar esse milagre, como as lágrimas de santa Mônica moveram Cristo a converter seu filho, Santo Agostinho. As lágrimas, as orações, as súplicas das mães pelos seus filhos – as dos pais também, mas sobretudo as das mães – têm um grande valor e eficácia diante de Deus. Que os pais não negligenciem as orações fervorosas pelos filhos. Essas orações são parte integrante do dever dos pais em relação aos filhos.

Todavia, é outra a lição principal do Evangelho de hoje. Nós sabemos que a ressurreição do jovem filho da viúva de Naim não é a única ressurreição que Cristo fez. Pelos Evangelhos, sabemos que Cristo fez pelo menos três ressurreições. Mas é bem provável que tenha feito muitas outras, pois nem tudo o que Ele fez está escrito. Se se escrevesse tudo o que Cristo fez nem no mundo todo poderiam caber os livros que seria preciso escrever, como nos diz São João (Jo 21,25). Longe esteja de nós, portanto, limitar-nos à Sagrada Escritura, desprezando a Tradição. Dizíamos, então, que são três as ressurreições narradas nos Evangelhos. A ressurreição da filha de Jairo, chefe de uma Sinagoga, a ressurreição do jovem filho da viúva de Naim que acabamos de ouvir, e a ressurreição de Lázaro. A filha de Jairo foi ressuscitada quando ainda se encontrava dentro da casa. O jovem foi ressuscitado no caminho para ser enterrado. Lázaro foi ressuscitado depois de 4 dias já sepultado. Cada um desses três mortos representa as três classes de mortos que Nosso Senhor ressuscita diariamente. A morte da filha de Jairo, ressuscitada ainda dentro de casa, representa o pecado grave cometido por pensamento seguido de consentimento, mas que não se traduziu em nenhum ato exterior. Pensar no mal voluntariamente, alegrar-se com o mal cometido ou desejar fazer o mal são pecados interiores que nos valem a morte se dizem respeito à matéria grave. Nosso Senhor diz, por exemplo, que aquele que olha uma mulher para desejá-la já adulterou em seu coração. A filha de Jairo representa, assim, o pecado interno. O jovem filho da viúva de Naim, ressuscitado no caminho para o cemitério, representa o pecado grave cometido também exteriormente e que tem, portanto, maior intensidade que o pecado cometido só interiormente. Lázaro, ressuscitado depois de quatro dias enterrado, representa o pecado grave que já se tornou uma inclinação arraigada na alma e que a pessoa muitas vezes já nem consegue reconhecer como um mal. Ora, é mais difícil curar o pecado que já se tornou um hábito do que o simples pecado exterior, assim como é mais difícil curar o pecado que se traduziu em obras ruins do que o pecado que é só interior. O pecado puramente interior é mais fácil de ser abandonado e perdoado: Cristo ressuscitou a menina ainda na casa. O pecado que é também exterior já é mais difícil de ser abandonado e perdoado, dada a sua maior intensidade: Cristo ressuscitou o jovem já no caminho para o cemitério, cemitério que simboliza, nesse caso, a morte eterna causada pela separação eterna de Deus. O pecado habitual, aquele que já é para nós quase uma segunda natureza é muito difícil de ser abandonado e, portanto, de ser perdoado: Cristo ressuscitou Lázaro somente após 4 dias de sepultura, quer dizer, já muito perto da morte eterna. E depois de ressuscitado, Lázaro ainda estava amarrado, mostrando que mesmo depois do perdão de um pecado habitual a tendência, a inclinação para voltar a cometê-lo é grande.

Todavia, Cristo ressuscitou cada um desses três mortos, quer dizer, Cristo perdoa todos esses pecados que esses mortos representam, mesmo os mais graves, mesmo os mais arraigados, desde que estejamos dispostos a receber o perdão, quer dizer, desde que (1) detestemos o pecado, desde que (2) tenhamos o firme propósito de não mais cometê-lo, desde que (3) confessemos todos os nossos pecados graves ao padre com sinceridade e simplicidade e desde que (4) estejamos dispostos a cumprir a penitência dada por ele. A confissão é o meio pelo qual a misericórdia divina ressuscita as nossas almas. A confissão foi criada pelo Sagrado Coração de Jesus, que deseja ardentemente a nossa salvação até o ponto de ser transpassado pela lança. Todo pecado é perdoável, mas é preciso buscar logo esse perdão, para não morrermos em pecado mortal. Lembremo-nos de que o filho da viúva era jovem. Busquemos a confissão com confiança e rapidamente.

Devemos também tirar do Evangelho de hoje a lição de que devemos cortar o mal imediatamente na raiz, quer dizer, devemos combater a tentação, cortando-a quando ela começa a aparecer na nossa imaginação e na nossa inteligência. Para combater a tentação devemos fazer o ato de virtude contrário, devemos desviar o nosso pensamento para algo lícito, bom e, se possível, santo. Devemos fugir das ocasiões de pecado, nos mortificar. Se não cortamos esses maus pensamentos imediatamente, terminaremos consentindo, depois passando para as obras e criando um vício, um costume ruim.  É mais fácil evitar que uma árvore seja plantada do que cortar uma árvore já plantada ou que tenha raízes profundas. É preciso, assim, evitar o plantio das árvores más e arrancar as já plantadas. Mas isso não basta. É preciso ocupar o terreno com as árvores boas da virtude, da obediência total à lei de Deus. Nosso Senhor Jesus Cristo na sua imensa compaixão diante de nossas misérias, compaixão tal como a vimos relatada hoje no Evangelho, quer ressuscitar a nossa alma. Mas ele pede também a nossa cooperação. Não recusemos cooperar com um Deus que quer nos salvar.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Sermão] A ira santa e a paciência imprudente

Sermão para o Quinto Domingo depois de Pentecostes
23 de junho de 2013 – Padre Daniel Pinheiro

 

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…

***

“Se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, não entrareis no reino dos céus.” “Ouvistes o que foi dito aos antigos: Não matarás e quem matar será condenado em juízo. Pois eu vos digo que todo aquele que se irar contra seu irmão, será condenado em juízo.” (Mateus V, 21)

Neste trecho do Sermão da Montanha, que é o resumo da Lei Evangélica – lei do amor a Deus e ao próximo -, Nosso Senhor, legislador supremo, que aperfeiçoa a lei antiga e condena as interpretações erradas dadas pelos fariseus e escribas, mostra o valor profundo do quinto mandamento.  Não matar é insuficiente. É preciso cortar o mal em suas origens, pela raiz, é preciso coibir a ira, causa do homicídio.

O divino legislador parece, porém, violar a própria lei por Ele estabelecida. Pouco antes de estabelecer o perfeito sentido do quinto mandamento, Nosso Senhor atacou e condenou os fariseus, dizendo que a justiça deles era insuficiente para entrar no céu. Mas não somente isso: Nosso Senhor expulsa os vendilhões do templo com ira e condena os fariseus chamando-os de hipócritas, de cegos, de serpentes, de víboras, de orgulhosos. Haveria, então, uma contradição entre o preceito dado por Cristo e a sua atitude face aos fariseus?

A contradição, claro, é somente aparente. Para resolvê-la, devemos compreender o verdadeiro sentido do preceito e conhecer quem eram os fariseus e os escribas. Como explicam todos os Padres da Igreja baseados no texto grego do Evangelho de São Mateus, o que Nosso Senhor proíbe como pecado é a ira sem motivo. A ira é o sentimento, a paixão, que nos move a agir para restabelecer a ordem lesada por uma injustiça, para defender um bem que é atacado, uma verdade que é atacada. Assim, se esse movimento de cólera se dirige contra um verdadeiro mal a fim de restabelecer a justiça, a verdade ou a virtude por meios lícitos e dentro dos devidos limites, a ira não somente não é proibida, mas é mesmo louvável porque, neste caso, ela é conforme à razão e à moral. A ira encontra sua origem no amor do bem e da justiça. Quando o bem ou a justiça são atacados, nada mais virtuoso do que defendê-los dentro dos devidos limites. A ira deve, então, ser dirigida pela razão e voltar-se contra o mal, contra o vício, contra o pecado, que são uma ofensa a Deus, nosso maior bem. E face ao pecado e ao vício, a ausência de ira pode ser um pecado porque mostra a falta de amor por Deus. O preceito de Nosso Senhor – “todo aquele que se irar contra seu irmão, será condenado em juízo” – encontra seu verdadeiro sentido quando se compreende desse modo: todo aquele que se irar contra seu irmão, sem motivo, será condenado em juízo.

Resta saber se a ira de Nosso Senhor relativa aos fariseus é justa ou não.  Para tanto, é preciso conhecê-los. Fariseu quer dizer separado e comumente se pensa que os fariseus são aqueles que cumprem com exatidão a lei de Deus. Com frequência, católicos sérios são acusados de serem fariseus por buscarem, apesar de suas inúmeras fraquezas e defeitos, praticar bem a lei de Cristo, opondo-se às leis desse mundo. Ora, se os fariseus fossem simplesmente fiéis observadores da Lei de Deus, Nosso Senhor não teria razão para repreendê-los e condená-los, mas sim para elogiá-los dizendo: “servos bons e fiéis entrem na alegria do Senhor”. Nosso Senhor observou perfeitamente a Lei Mosaica e Nossa Senhora também. Seriam eles fariseus? Os fariseus não são aqueles que observam perfeitamente a lei de Deus.  Ao contrário, os fariseus não praticavam a lei dada por Deus e não deixavam os outros praticá-la: em primeiro lugar porque os fariseus e escribas – seguindo tradições puramente humanas, inventadas por eles, e interpretando a Lei segundo seus gostos – violavam essa mesma lei. Sob pretexto de cumprir tais tradições, a lei dada por Deus era desprezada. Sabemos que nenhuma lei humana, nem mesmo a lei de um país pode contrariar a lei estabelecida por Deus. Assim, inventaram uma consagração de certos bens a Deus para não ajudar os pais, evitando perder, dessa forma, certa riqueza (Marcos VII, 11), e se opondo ao quarto mandamento. Em segundo lugar, os fariseus violavam a lei porque praticavam uma religião puramente exterior, em que a pureza exterior substituía a santidade interior. Assim, eles pagavam o dízimo de todas as ervas (o que era bom e louvável), mas negligenciavam a justiça e a misericórdia (Mateus XXIII, 23). Eram hipócritas, bonitos por fora como um túmulo pintado de branco, mas no interior cheio de podridão. Finalmente, os fariseus violavam a lei pelo orgulho: todas as suas boas obras eram para ser vistas pelos homens e não por amor a Deus, em franca oposição ao que é preciso fazer, pois “quer comais quer bebais ou façais qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus” (I Cor X, 31) . Com essa doutrina, os fariseus não entravam no céu e também não deixavam os outros entrar, uma vez que eram os guias do povo. Eram, então, cegos guiando cegos. Haveria maior mal do que esse, haveria maior ofensa a Deus do que essa: impedir que os outros entrem no céu?

Nosso Senhor Jesus Cristo – que amava a Deus da maneira mais perfeita possível e que buscava a salvação das almas – não poderia ficar impassível face à péssima doutrina dos fariseus. Ele, sendo bom, amava a justiça, e a justiça lesada pede reparação. Assim, a ira de Nosso Senhor contra os fariseus é, em realidade, virtuosa porque ela tem um motivo perfeito: os direitos de Deus atacados e a salvação das almas impedida pela doutrina dos fariseus e escribas. É importante sabermos que existe uma ira santa. Muitos católicos pensam que a santidade consiste numa total indiferença face ao mal, no fato de não reagir de maneira alguma, na tolerância da diferença. Tudo isso baseado em um falso conceito de mansidão. A mansidão não impede a ira, mas a regula segundo a reta razão iluminada pela fé. De um lado, a mansidão impede a ira desordenada que pode ser pecado mortal ou venial, segundo exceda grave ou levemente os limites impostos pela razão na correção do próximo, na reparação da justiça, na defesa de um bem, de uma verdade. Do outro lado, ela impede uma excessiva brandura, originada do amor por uma falsa paz.  O exemplo de santidade e de mansidão é Cristo e Ele mostrou que em determinados momentos uma ira santa é indispensável. Assim, Santo Agostinho nos diz que aquele que não se enfurece (de maneira ordenada), quando há uma causa para isso, peca por uma paciência imprudente que favorece os vícios, aumenta a negligência e encoraja o agir mal. A ausência da ira seria então pecar contra a justiça e a caridade. Nós católicos e, sobretudo, aqueles constituídos em autoridade deveríamos, então, nos levantar para defender os direitos de Deus e nos opormos, com vigor, às leis e doutrinas iníquas: divórcio, aborto, contracepção, união contra a natureza, entre tantas outras… A nossa paciência imprudente já permitiu males enormes…

Todavia, a ira para ser santa deve ser prudente.

Ela deve ter como causa uma verdadeira injustiça. Ela deve proceder da inteligência e da vontade e não de um sentimento impetuoso e descontrolado. Ela tem que ser dominada pelo homem e não o homem ser dominado por ela. Se nossa inclinação é de falar bruscamente, com voz destemperada e expressões indevidas, com grosserias, palavras de baixo calão, nossa ira é desordenada, pecaminosa. Se nossa ira nos leva a agressões ou destruição do bem alheio, ela é pecaminosa (a não ser, claro, em caso de legítima defesa, ou em caso de exercício da legítima autoridade, mas sempre proporcionalmente ao mal que é combatido).

A ira santa deve ser exercida quando há alguma esperança de êxito e principalmente por aqueles que têm obrigação de denunciar a injustiça e de restabelecer a ordem. E, ainda que não haja a possibilidade de êxito, às vezes é preciso para não escandalizar os outros, dando a impressão de que estamos de acordo com o mal. Ela deve ser sempre proporcional ao mal causado, como já dissemos.

Ela deve ter em vista mais o bem comum e a glória de Deus do que o bem privado. A ira santa não deve ter como objeto os males e as pequenas injustiças que sofremos porque eles têm para nós algo de justo – pois merecemos ser punidos pelos nossos pecados – e de bom – porque se os aceitamos de bom grado, Deus nos conduz à vida eterna. Devemos ter muita paciência nas tribulações, unindo-nos a Nosso Senhor. Podemos, claro, buscar afastar essas adversidades e a causa do sofrimento, mas sempre com serenidade e com submissão à vontade de Deus. Diante do sofrimento e das adversidades, que nossa ira nunca se volte contra Deus, que é o autor de todo o bem.

Na ira santa, não devemos desejar o mal do pecador, mas o bem que é sua correção e o bem que é o restabelecimento da ordem violada – que no mais das vezes passa, claro, pela punição daquele que fez o mal.

Atenção. É muito fácil equivocar-se na apreciação dos justos motivos que justificam a ira e é muito fácil perder o controle no exercício dela. É preciso estar, então, muito alerta e, na dúvida, o melhor é inclinar-se à doçura e não à ira. 

Assim, Nosso Senhor, verdadeiramente manso, soube perfeitamente o momento de irar-se ou e não irar-se, pois muitas vezes o remédio mais eficaz diante de um mal não é a ira. Nosso Senhor irou-se contra os fariseus, pertinazes no erro e no pecado, mostrando a falsidade da doutrina desses mestres hipócritas, a fim de conduzir o povo a Deus e a fim de tentar converter os próprios fariseus. Mas Ele não se encolerizou contra Herodes ou Pilatos no momento de sua paixão, pois não convinha que Nosso Senhor reagisse: sua ira não os tiraria do mal no qual estavam afogados e convinha que ele morresse para nos salvar. Nosso Senhor também não se encolerizou nem com os apóstolos lentos para compreender os seus ensinamentos nem com outros pecadores (Maria Madalena, Zaqueu): neste caso, Ele sabia que o melhor remédio para conduzi-los a Deus era a paciência e a doçura e não ira.

Como diz, então, o Salmo: “Irai-vos, mas não pequeis”. Irai-vos por uma causa justa, irai-vos dentro dos justos limites. Irai-vos sem deixar se levar pela ira. Irai-vos mantendo sempre o controle da razão iluminada pela fé e pela caridade. Irai-vos amando o próximo, afastando o ódio pelos outros. Na dúvida, vale mais inclinar-se à doçura.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Nota do Editor: os destaques são nossos.]

[Sermão] A Ociosidade e a Preguiça Espiritual

Sermão para o Domingo da Septuagésima
27 de janeiro de 2013 – Padre Daniel Pinheiro

 

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…

Gostaria de fazer um breve comentário sobre o tempo da Septuagésima, antes de passar ao Evangelho. Caros católicos, entramos hoje no tempo da Septuagésima, que compreende os domingos da Septuagésima, da Sexagésima e da Quinquagésima, precedendo a Quaresma. O ano litúrgico começou com o Advento, depois passamos pelo tempo do Natal, que se estende até o dia 13 de janeiro, antiga oitava da Epifania. Em seguida, vem o tempo depois da Epifania, que pode ser mais ou menos longo em função da data da Páscoa. A brevidade do tempo depois da Epifania será recompensada no final do ano litúrgico, em que alguns dos domingos depois da Epifania omitidos no início do ano são retomados, como vimos em novembro. A septuagésima manifesta a bondade da Igreja para com os homens e sua sabedoria. Esse tempo litúrgico que começamos hoje é a transição para a quaresma, a fim de que a passagem para as austeridades não se faça de forma brusca, mas de modo calmo e sereno. São, portanto, duas semanas e meia para que possamos nos dispor bem para o tempo da quaresma. Essa transição está bem marcada na liturgia tradicional, sempre mestra de espiritualidade e doutrina. Assim, os paramentos são da cor roxa, cor penitencial. O Gloria já não é mais cantado, o Alleluia também não. Por outro lado, o órgão ainda é permitido, as flores também são permitidas (embora não as tenhamos hoje). Trata-se, portanto, de preparar, desde já, nosso espírito para a prática mais perfeita e intensa da penitência, da oração e das boas obras que devemos fazer na Quaresma. É o que veremos no Evangelho de hoje que nos prepara para a quaresma ao nos prevenir contra a ociosidade e o mau emprego de nosso tempo.

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Por que estais aqui todo o dia ociosos? … Ide vós também para a minha vinha.

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[Sermão] A visita dos Reis Magos ao Menino Deus

Sermão para a a Festa da Epifania
06 de janeiro de 2013 – Padre Daniel Pinheiro

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave Maria…

“Encontraram o Menino com Maria, sua Mãe, e, prostrando-se, o adoraram, e abrindo seus tesouros, lhe ofereceram presentes.”

A Festa da Epifania ou do dia de Reis está entre as mais importantes do ano litúrgico, caros católicos, ao lado do Natal e da Páscoa, sobretudo porque ela contém em germe a vocação dos gentios e porque era a Festa da Realeza de Cristo – antes da criação da Festa de Cristo Rei – dado que os Reis Magos foram adorar o Rei dos Judeus. A visita dos Reis Magos ao Menino Deus é de uma riqueza espiritual incomparável.

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Fra Angelico

Antes de tudo, vale destacar que é São Mateus que conta a adoração dos Magos. Ora, a finalidade de São Mateus ao escrever seu Evangelho é converter os judeus, mostrando que Nosso Senhor Jesus Cristo era o Messias prometido. Para atingir o seu objetivo, São Mateus mostra que Cristo cumpriu todas as profecias a respeito do Messias. Na adoração dos magos, várias são as profecias que se cumprem.

Primeiramente, se cumpre a profecia feita por Balaão de que uma estrela sairia de Jacó e que um cetro se levantaria em Israel (Num XXIV, 17). Essa profecia de Balaão era bem conhecida entre os pagãos, pois Balaão era um pagão. A estrela profetizada por Balaão é a estrela que guia os Magos, o cetro que se levanta em Israel é o novo Rei que nasce.

Em seguida, se cumpre a profecia de que o Messias deveria vir quando o povo judeu fosse governado por um estrangeiro (Gen. IV, 9). Sendo o rei Herodes um estrangeiro da região da Iduméia, o tempo para a vinda do Messias havia chegado.

A próxima profecia que se cumpre é a de Miquéias, que indica o nascimento do Messias em Belém. Eis a profecia, que acabamos de cantar no Evangelho: “Mas tu, Belém-Efrata, tão pequena entre as cidades de Judá, é de ti que sairá aquele que é chamado a governar Israel”.

Como nos mostra o Evangelho de hoje, os escribas e os príncipes dos fariseus conheciam perfeitamente essa profecia e, podemos supor, com acerto, que conheciam também as outras. Finalmente, na adoração dos magos, cumpre-se também a profecia de que os Reis da Arábia e de Sabá trariam presentes ao Messias: ouro, incenso… como vemos no texto de Isaías (Sal. 51, 10 e Isa. 60, 6). Para os Judeus, naquela época a Arábia não se reduzia ao que é hoje, mas se estendia também ao oriente da Judéia. Com tantas profecias cumpridas, não há lugar para a menor dúvida: é o Messias que acaba de nascer, o novo Rei dos Judeus.

Os Magos, ao verem aquela estrela surgir, sabiam, pela profecia e por revelação divina, que se tratava do nascimento do novo Rei dos Judeus. Mago, no oriente antigo, significa a mesma coisa que sábio na Roma Antiga, filósofo na Grécia, ou escriba em Israel. Portanto, os Magos não eram astrólogos, nem adivinhadores, nem feiticeiros. A graça de serem os primeiros gentios a adorarem Cristo não poderia ser dada a adoradores do demônio, como o são os astrólogos, os adivinhadores, os feiticeiros. Era comum naquela época, que os sábios fossem também governantes, ao menos de uma parcela do povo. Por isso, são chamados de Reis Magos. Os magos eram, então, sábios, que praticavam a lei natural e cultivavam as ciências, em particular a astronomia. Sabiam, então, auxiliados pela graça, que a estrela que surgiu era a estrela do Messias, como eles mesmos dizem: “vimos sua estrela no Oriente”. Os Reis Magos sabiam que não se tratava de um fenômeno natural, mas de uma estrela milagrosa, a estrela anunciada pela profecia.

Seguindo a estrela, os Reis Magos chegam a Jerusalém, a fim de perguntar ao rei Herodes onde está o Rei dos Judeus que nasceu. A estrela desaparece nesse momento. Aqui os reis Magos dão uma lição de fortaleza e coragem que devemos seguir. Vejamos.

Os reis magos conheciam Herodes e sua crueldade para com quem ameaçasse o seu trono. Herodes já havia matado inclusive filhos, a fim de assegurar o trono. Ao perguntar a Herodes onde está o rei dos Judeus, eles não temem colocar em perigo a própria vida, a fim de servir a Deus. Os Reis Magos ainda nem viram a criança e já estão dispostos a dar a vida por ela. Ainda nem conhecem Nosso Senhor, mas não temem nada para servi-lo. É evidente que, ao perguntarem a Herodes onde está o Rei dos Judeus que nasceu, correm risco de vida, pois Herodes não admitiria outro rei. É essa coragem dos Reis Magos que devemos ter: servir o Rei dos Reis sem recear os reis desse mundo. Herodes e toda a cidade de Jerusalém temeram. O primeiro temeu, achando que o Rei da Glória eterna lhe tiraria o trono terrestre. Jerusalém temeu pela eventual reação cruel do rei, mas também porque muitos dos judeus não estavam preparados para receber o Messias, como ficará evidente no momento da paixão e morte de Cristo. Todos sabiam, pelas profecias, que o nascimento do Messias ocorreria naqueles tempos. Os escribas sabem exatamente onde ele vai nascer. A própria presença dos Magos é mais uma prova de que o Messias já nasceu. Não há desculpa de ignorância. Os judeus e, em particular, os escribas e os príncipes dos sacerdotes, sabem que o Messias nasceu, mas não querem ir adorá-lo. Quantos católicos procedem da mesma forma? Conhecem a doutrina católica, conhecem sua moral, mas não praticam a religião por medo, medo de abandonar seus pecados e gostos, medo de entregar-se inteiramente a Deus, medo de entregar tudo a Deus, como o fizeram os Reis Magos.

Os Reis Magos prosseguem, então, até Belém, tendo a estrela novamente por guia. Ao vê-la, novamente, se alegram de uma alegria enorme. A tristeza dos Magos pela indiferença dos judeus é compensada pelo auxílio divino significado na estrela. E, finalmente, eles encontram o Menino Rei e sua Mãe, Maria, provavelmente, ainda no estábulo, a palavra casa podendo designar o estábulo. Eles encontram Nosso Senhor Jesus Cristo e Nossa Senhora. Onde está um, lá está também o outro. São José não estava presente, a fim de deixar claro que a criança não tem pai humano. Os reis magos encontram um bebê, enrolado em panos, incapaz de falar, em local muito pobre, sem bens. E o que fazem? Prostram-se, adoram e abrem seus tesouros. Quer dizer, entregam tudo ao Menino Jesus porque sabem que Ele é Deus. Eles se prostram. Prostrar-se é um gesto do nosso corpo e ao fazê-lo, eles entregam todo o corpo, saúde, sofrimentos físicos ao Menino Jesus. Eles o adoram. Adorar é um ato da alma. Ao adorar, eles entregam toda a alma ao Menino Jesus, entregam a inteligência e a vontade, as tristezas e as alegrias. Finalmente, eles abrem seus tesouros, entregando ao Menino Jesus todos os bens materiais que possuem. E esses presentes são uma verdadeira confissão de fé. Pelo ouro, eles confessam a realeza de Cristo. O ouro, sendo o mais nobre dos metais deve ser dado como presente às pessoas mais nobres, aos reis. Pelo incenso, eles confessam a divindade de Cristo. O incenso só podia ser oferecido à divindade. Por isso, tantos Cristãos foram martirizados por não quererem queimar um grão de incenso aos ídolos. Mas Cristo é Deus, e deve receber o incenso. Pela mirra, eles confessam a humanidade de Cristo e sua futura paixão e morte. A mirra era usada para perfumar os corpos dos mortos. Eis uma confissão de fé esplêndida que os chefes dos judeus não quiseram fazer: Cristo é Homem, Deus e Rei. Além disso, os reis Magos, sendo três, com os nomes de Gaspar, Melchior e Baltasar, segundo a tradição mais segura, já indicam a Trindade de Pessoas em Deus.

Cristo chama, então, para a sua Igreja os judeus e os pagãos. Havíamos visto, no Natal, que o anjo anuncia o nascimento de Cristo a alguns pastores judeus. Hoje, na Epifania, os primeiros gentios são chamados a se converter a Cristo. Devemos seguir o exemplo dos reis Magos, nossos pais na fé. Devemos confessar que Cristo é Homem e Deus e que Ele é Rei de nossas almas e das nações. Devemos, como os reis Magos, entregar tudo o que temos a Cristo: nosso corpo, nossa alma, nossos bens. Devemos também entregar a Cristo o ouro das boas obras, o incenso da oração e a mirra da mortificação e da penitência. Devemos como os reis Magos estar dispostos a dar nossa vida por Nosso Senhor Jesus Cristo. Eles ainda nem o conheciam e estavam prontos para morrer pelo Menino Jesus. Nós o conhecemos e sabemos tudo o que ele fez, e tudo o que fez por nós. Peçamos a Maria Santíssima, que está sempre com Cristo, a coragem de servir o Rei dos Reis, sem temer os reis desse mundo, sem temer os sofrimentos. É Maria que nos conduz a Cristo. É Maria a estrela que nos conduz a Cristo. É ela a estrela da manhã e a estrela do mar.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Sermão] A circuncisão de Nosso Senhor

Sermão para a Oitava de Natal / Circuncisão de Nosso Senhor Jesus Cristo
1º de janeiro de 2013 – Padre Daniel Pinheiro

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…

“Depois que se completaram os oito dias para ser circuncidado o Menino, foi-lhe dado o nome de Jesus.”

Hoje é o dia da Oitava do Natal e da circuncisão do Menino Jesus, no rito tradicional. A aliança divina feita com Abraão mandava que seus descendentes homens fossem circuncidados. A lei de Moisés ordenava que ela fosse feita no oitavo dia. Como vimos no domingo passado, Nosso Senhor Jesus Cristo se submeteu inteiramente à lei mosaica para o nosso bem. Dessa forma, no oitavo dia de seu nascimento, o Menino Deus foi circuncidado e recebeu o nome de Jesus. A festa do Santíssimo nome de Jesus será celebrada amanhã.

Hoje, cumpre entender o que era a circuncisão e qual é a circuncisão da nova e eterna aliança instituída por Deus Nosso Senhor.

Fra Angelico, 1451/1452

Fra Angelico, 1451/1452

A circuncisão foi dada por Deus a Abraão como sinal de fé na promessa que havia sido feita ao Santo Patriarca, promessa que de sua descendência viria o Messias, o Salvador. Era, portanto, um ato de fé na promessa divina, além de ser um símbolo da consagração a Deus e do reconhecimento de sua soberania, e também um sinal de reconhecimento do pecado e da satisfação que é devida pelo pecado. A circuncisão, significando a fé na promessa divina, significando a consagração a Deus e o reconhecimento do pecado, era a ocasião para que Deus purificasse a alma das crianças judaicas de sexo masculino do pecado original. Como sabemos, todos os que vêm ao mundo – com exceção de Nosso Senhor e Nossa Senhora, claro – possuem o pecado original, que nada mais é que a ausência da graça, o afastamento de Deus.  Uma criança até os seus sete anos não pode livrar-se do pecado original a não ser por um rito instituído por Deus, pois é incapaz de um ato voluntário pelo qual poderia arrepender-se de seus pecados e unir-se a Deus. Uma criança não pode salvar-se por um batismo de desejo. Assim, é necessário um rito que manifesta a fé no Messias e pelo qual Deus purifica a alma da criança para que essa possa se salvar, caso venha a morrer antes da idade da razão, antes dos sete anos. Antes da circuncisão, na época da lei natural, havia um rito instituído por Deus para apagar o pecado original e que não sabemos mais em que consistia. Com a promessa feita a Abraão, esse rito de purificação do pecado original passou a ser a circuncisão para as crianças judias de sexo masculino. Para as crianças judias de sexo feminino e para as crianças pagãs, persistia o rito instituído na época da lei natural, anterior a Abraão. A prática da circuncisão era, portanto, o único modo de salvar os meninos judeus, caso viessem a morrer antes da idade da razão. E, por isso, Deus ordenou que fossem circuncidados no oitavo dia e não mais tarde.

Nós vemos, então, claramente, que a circuncisão era uma prefiguração do batismo. O Batismo é, evidentemente, muito mais perfeito que a circuncisão, sendo um rito muito mais espiritual e profundo. O Batismo, ao contrário da circuncisão, não é só uma ocasião na qual Deus confere a graça. O Batismo é causa da graça, pois nele Deus usa a água e as palavras para transmitir a graça.  Após a morte de Nosso Senhor Jesus Cristo, o único meio pelo qual uma criança sem o uso da razão pode se salvar é pelo batismo (excetuando o martírio, como foi o caso dos santos inocentes). Não há outro meio. Por isso Nosso Senhor disse aos seus apóstolos “ide e ensinai todas as gentes, batizando-as em nome do Pai e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.” Daí a importância de batizar as crianças rapidamente, a fim de lhes assegurar o céu, em caso de morte prematura. Uma criança que não tem o uso da razão e que falecesse iria para o limbo, onde elas estão isentas de sofrimento e gozam de uma felicidade natural, que é incomparavelmente inferior à felicidade no céu, que é uma felicidade sobrenatural. É, assim, de suma importância batizar as crianças o quanto antes. Os moralistas dizem que adiar o batizado por mais de um mês é falta grave dos pais, colocando em risco a salvação da criança. Portanto, caros pais, não batizar a criança dentro de um mês após seu nascimento é pecado mortal. E que não se diga que a saúde da criança durante esse período é frágil. Ora, Deus mandou que fosse feita a circuncisão, que é muito mais perigosa para a saúde do bebê, no oitavo dia, em um tempo em que a medicina era precária, e nós adiaríamos o batismo por mais de um mês por motivos de saúde? Chegando próximo o momento do nascimento, os pais devem já tomar todas as providências para que o batismo seja feito, no máximo, dentro de um mês, cumprindo os trâmites necessários, realizando os cursos necessários, etc., escolhendo os padrinhos por suas qualidades espirituais e não por mero parentesco ou motivo social. Os padrinhos serão necessários não para dar presentes, mas para auxiliar os pais e talvez para supri-los na educação religiosa da criança.

A necessidade do batismo é tanta que Nosso Senhor Jesus Cristo quis que a matéria do batismo fosse a água, que é muito fácil de ser encontrada em praticamente qualquer lugar, diferentemente do pão e do vinho – necessários para a eucaristia – ou do óleo – necessário para a crisma e extrema-unção. O Batismo é tão necessário que, em caso de urgência, qualquer um pode batizar. É preciso que todo católico saiba como se faz o batismo, a fim de realizá-lo em caso de urgência: basta derramar água na testa da pessoa dizendo “Eu te batizo em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo.” Se a cabeça não estiver acessível, por uma razão ou outra, a água pode ser derramada em outro membro do corpo, dizendo as palavras acima mencionadas.

Pe. Edgardo Mortara com a mãe judia; ele fora educado pelo Papa Pio IX por ter sido batizado

Pe. Edgardo Mortara com a mãe judia; ele foi educado pelo Papa Pio IX após ter sido batizado criança e sobrevivido ao perigo de morte.

O Batismo é tão necessário que em perigo de morte de uma criança, ela deve ser batizada ainda que seus pais não sejam cristãos. Houve um caso famoso na época de Pio IX em que uma babá batizou um menino judeu em perigo de morte. O menino sobreviveu e Pio IX passou a cuidar de sua educação cristã, para a revolta dos liberais da época. Ao menino foi dada a liberdade de voltar a viver com os pais durante a adolescência. Dada a incompatibilidade com a fé, ele deixou os pais e tornou-se sacerdote, adotando o nome de Pio na vida religiosa.

O Batismo não é um mero rito de introdução na sociedade ou na Igreja, não se trata de mero evento social de apresentação da criança. O Batismo é um sacramento instituído por Cristo, para que a pessoa receba a sua graça, para que tenha o pecado original apagado. Pelo Batismo, se imprime na alma uma marca que nunca mais poderá ser apagada, o caráter batismal, que nos incorpora a Cristo e que nos torna aptos a receber os outros sacramentos e aptos a participar da liturgia, em particular da Santa Missa. Eis a importância capital do batismo, sem o qual as criancinhas não podem se salvar. Resta claro que a circuncisão enquanto rito religioso está abolida e praticá-la com sentido religioso seria negar a vinda de Cristo e a instituição do Batismo, que é falta grave contra a fé.

No dia de sua circuncisão Nosso Senhor nos ensina, então, a importância de receber logo o batismo. É também nesse dia que Cristo, ainda criança, oferece as primeiras gotas de sangue para a nossa redenção, manifestando, mais uma vez, sua caridade ardente para conosco. Cristo mostra também a sua humildade. Ele não precisava ser circuncidado, pois não tinha qualquer pecado e já estava inteiramente consagrado a Deus. Se o fez foi porque tomou sobre si todos os nossos pecados e sofreu por eles, a fim de nos obter a misericórdia divina. Além dos motivos gerais que mencionamos no domingo passado para observar a lei (mostrar que a lei de Moisés era boa, impedir as calúnias dos judeus, nos livrar do jugo pesado da lei mosaica, consumá-la e dar exemplo de obediência), Cristo quis hoje mostrar que ele possuía um corpo verdadeiramente humano, capaz de sofrer até o sangue e quis mostrar, cumprindo as profecias, que descendia de Abraão, se submetendo ao rito imposto por Deus ao patriarca e seus descendentes. Submetendo-se à circuncisão, Cristo nos lembra de que devemos todos ser espiritualmente circuncisos. Já no Antigo Testamento estava dito. “O senhor circuncide o teu coração, para que ames a Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, a fim de que possas viver” (Deut. XXX). Assim como não bastava aos judeus serem circuncidados na carne, devendo ser também na alma, devemos ser batizados e cumprir as promessas feitas em nosso batismo. Promessas de servir a Deus e de renunciar ao demônio e suas pompas, que são os pecados.

Santo Ano de 2013 a todos. É muito comum ouvirmos nesses dias de começo de ano o desejo de muita saúde e paz. É o que desejo a todos. Desejo saúde, antes de tudo a da alma, e também a do corpo, se for conveniente para a alma. E desejo a paz, mas a paz de Cristo, que não é como a do mundo. A paz de Cristo é feita de combate para defender as nossas almas, a fé e a Igreja dos ataques dos inimigos. Santo Ano de 2013.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito santo. Amém.

[Sermão] A apresentação ao Templo e a lei mosaica

Sermão para o Domigo da Oitava de Natal
30 de dezembro de 2012 – Padre Daniel Pinheiro

 

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…

Nós estamos, caros católicos, na oitava do Natal. Isso significa que a alegria e as graças próprias do Natal se prolongam durante oito dias, ou uma semana, do dia 25 ao dia 1º de janeiro. As oitavas na Igreja Católica encontram sua origem no Antigo Testamento: a festa dos tabernáculos durava oito dias, havendo no oitavo uma grande solenidade; a festa de consagração do templo, na época de Salomão, também foi feita no oitavo dia. No Rito Tradicional, ainda restam três oitavas, a oitava de Natal – na qual estamos -, a oitava de Páscoa e a de Pentecostes. As três principais festas litúrgicas se prolongam, assim, durante oito dias, a fim de que durante os oito dias a Igreja possa comunicar de modo mais pleno as graças e os ensinamentos relativos a esses mistérios, que não podem ser esgotados em um único dia.

O Evangelho de hoje nos narra a apresentação de Nosso Senhor ao Templo. Segundo a lei mosaica, os primogênitos dos homens e dos animais deveriam ser consagrados ao Senhor. Os primogênitos dos homens deveriam ser resgatados em troca de um cordeiro ou, se a família fosse pobre, por um par de rolas ou dois pombinhos. A Santa Família, claro, fez a oferenda dos pobres, embora tivessem recebido pouco antes os presentes caros dos Reis Magos. Podemos supor que, movidos pela caridade, já haviam dado o valor de tais presentes aos que eram mais pobres que eles. Tal exigência da parte de Deus – de consagrar os primogênitos – decorria da liberação do povo Judeu da escravidão do Egito. Nessa ocasião, dado que o Faraó, com o coração endurecido, não deixava os judeus partirem, Deus fez que a morte atingisse todos os primogênitos do Egito, homens e animais, poupando os primogênitos dos judeus. Poupou-os, mas pediu que lhe fossem consagrados e resgatados por animais. Dessa forma, ao consagrarem os primogênitos, os judeus reconheciam que Deus é o soberano Senhor de todas as coisas, mesmo da vida dos homens. Cristo, sendo o primogênito de Nossa Senhora, deveria ser consagrado a Deus. Bom, vale notar que dizer que Cristo foi o primogênito não significa que ela teve outros filhos. Nunca é demais lembrar: Cristo não tinha irmãos em sentido estrito. Na Sagrada escritura, também os primos e parentes próximos são chamados de irmãos. Primogênito é um termo jurídico da lei mosaica, empregado mesmo quando é o único filho. Nosso Senhor, no Evangelho de hoje, é apresentado ao templo, segundo a lei de Moisés.

Nosso Senhor se submete, então, à lei mosaica. Ora, Jesus Cristo, sendo homem e Deus desde o primeiro instante de sua concepção, já estava plenamente consagrado a Deus pela união com a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade desde o momento da encarnação. Ele não precisava ser consagrado a Deus por meio da lei mosaica. Todavia, Cristo quis praticar e observar esse e todos os outros pontos da lei mosaica. Ele quis fazê-lo não porque estivesse submetido à essa lei – pois era Deus -, mas por quatro motivos.

Primeiro, para mostrar que a lei mosaica era boa. A lei mosaica levava à salvação, se fosse praticada em virtude da fé no Messias vindouro e por amor a Deus. A lei mosaica era imperfeita, mas boa.

Segundo, Ele quis praticar a lei mosaica para consumá-la, mostrando que a lei estava ordenada a Ele, mostrando que a lei era uma preparação para a sua vinda, e para mostrar que ela deveria cessar com a sua vinda. Claro, a parte da lei que deve cessar diz respeito às práticas rituais e cerimoniais, dado que os dez mandamentos permanecem plenamente válidos mesmo depois da vinda de Cristo.

Em terceiro lugar, Nosso Senhor Jesus Cristo quis observar a lei para que os judeus não tivessem uma desculpa para caluniá-lo, acusando-o de pecado por não praticar a lei.

Em quarto lugar, Ele quis submeter-se à lei mosaica, justamente, para nos liberar dela, e nos dar uma lei muito mais perfeita que é a lei da graça.

Portanto, após a vinda de Cristo, os ritos e as cerimônias mosaicas devem cessar, sob pena de falta grave, pois continuar a praticá-las significa negar que o Messias já veio e que nos deu uma lei muito mais perfeita. Antes da vinda de Cristo e durante a sua vida na Terra, a lei mosaica estava viva e vivificava as almas dando a graça. Depois da morte de Cristo até o ano 70, aproximadamente, a lei já estava morta, pois Cristo já havia instituído a nova aliança em seu sangue na Cruz, mas ela ainda não era mortífera. Isto significa que entre a morte de Cristo e a destruição do templo no ano 70, a lei mosaica estava morta, mas sua prática não era, ainda, um pecado, e por isso os Apóstolos continuaram a frequentar o Templo até essa data. A lei estava morta, mas sua prática não matava a alma. Após a destruição de Jerusalém e do Templo no ano 70, a lei mosaica torna-se morta e mortífera, quer dizer, praticá-la é um pecado grave, pois significa dizer que o Messias ainda não veio ou que não instituiu uma nova aliança, o que vai contra a fé.

Claro que, ao obedecer às cerimônias e ritos da lei de Moisés sem estar minimamente obrigado a isso, Nosso Senhor Jesus Cristo nos ensina uma obediência perfeita ao mandamentos, às leis da Igreja e aos superiores quando os superiores nos dão ordens legítimas. Vale destacar que mesmo o repouso do sábado nunca foi violado pela Salvador quando Ele realizava milagres, apesar das acusações dos fariseus. O repouso sabático não proibia as obras divinas e os milagres são, evidentemente, uma obra divina. No sétimo dia, Deus cessou a criação, mas não parou de agir na conservação e no governo do mundo. Portanto, o milagre, sendo obra divina, era perfeitamente possível e lícito no sábado. Segundo, não eram proibidas as obras necessárias para a saúde do corpo no repouso sabático. A lei permitia até que se libertasse um jumento que tivesse caído no poço e não permitiria a cura de uma pessoa doente? Além disso, os milagres realizados por Cristo tinham por objetivo não só o bem do corpo, mas também o da alma. Finalmente, o repouso sabático não proibia os atos de culto. Quando Nosso Senhor pede para que o paralítico carregue seu leito no dia de sábado, por exemplo, Ele ordena ao homem que faça um ato de culto a Deus, pois o ex-paralítico ao carregar seu leito proclama o milagre, a misericórdia e a onipotência divinas, o que é um ato de culto a Deus. Portanto, Nosso Senhor está longe de ser o primeiro revolucionário como querem alguns. Quem adulterava o sábado, querendo proibir o que era permitido, eram os fariseus. E nisso consiste a revolução: em adulterar as leis divina e natural ajustando-as aos nossos próprios gostos. Os revolucionários eram, portanto, os fariseus. Nosso Senhor é para nós, no Evangelho de hoje, exemplo de perfeita obediência e submissão à vontade de Deus. E mais uma vez Ele mostra toda a sua caridade por nós ao se submeter à lei para o nosso bem, para que possamos ter uma lei muito mais perfeita.

Gostaria de fazer também um breve comentário a respeito da Epístola e do que hoje muitos chamam de fé adulta. Hoje se ouve com frequência dizer que devemos ter uma fé adulta e, no mais das vezes, isso significa que não devemos aceitar tudo o que a Igreja sempre ensinou. Uma fé adulta significa, então, recusar o que não nos agrada ou recusar aquilo que não estamos dispostos a acreditar, embora a Igreja o tenha ensinado sempre. Assim, muitos políticos, por exemplo, se dizem católicos de fé adulta, e, como tal, são favoráveis ao aborto, ao divórcio, ao casamento homossexual. Essa fé chamada de adulta é exatamente o que São Paulo chama de meninice e de escravidão aos rudimentos do mundo na Epístola de hoje. Portanto, a fé adulta, entendida como essa liberdade diante do que a Igreja sempre ensinou, é na verdade uma escravidão aos rudimentos do mundo, uma escravidão que impede de ver a Verdade e de amá-la.

Se queremos que Deus mande aos nossos corações o Espírito do seu Filho, para fazer de nós seus filhos adotivos, devemos ter uma obediência perfeita à vontade de Deus, aos mandamentos e às leis da Igreja. Devemos também ter uma fé que aceita tudo aquilo que está contido no depósito da revelação confiado à Igreja Católica Apostólica Romana.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

Sermão (XI) – A Igreja Santa e seus membros pecadores

Sermão para o 24º Domingo depois de Pentecostes (11 de novembro de 2012) 

Padre Daniel Pinheiro

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave Maria…

Mas enquanto os homens dormiam, veio o inimigo e semeou a cizânia no meio do trigo.

Nós cantamos “sanctam ecclesiam” todos os domingos no Credo; cantamos, portanto, todos os domingos, a santidade da Igreja. Na parábola de hoje, porém, Nosso Senhor Jesus Cristo nos fala do trigo e do joio ou cizânia que crescem juntos no reino de Deus. Nessa parábola, o reino de Deus é a Igreja, que se espalha pelo mundo inteiro. O trigo são os justos, os filhos do reino, nos diz Nosso Senhor um pouco mais adiante no Evangelho, explicando-o aos Apóstolos. E a cizânia são os pecadores, os filhos do maligno. Os primeiros, os santos, são fruto da misericórdia divina. Os outros, os pecadores, são fruto do inimigo do homem. Continuar lendo

Sermão (VII) – Sobre a Misericórdia Divina

Sermão para o 21º Domingo depois de Pentecostes (21 de outubro de 2012)

Padre Daniel Pinheiro

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…

Caros católicos, Nosso Senhor quer, no Evangelho de hoje, nos mostrar a grandeza de sua misericórdia divina, da misericórdia desse rei, que só pode ser Cristo ele mesmo. E Ele quer também nos mostrar as disposições que devemos ter para sermos dignos de receber essa misericórdia. Para nos mostrar, então, a imensidade da misericórdia divina e as disposições que devemos possuir para recebê-la, o Salvador utiliza uma parábola. A parábola é com frequência utilizada nos discursos na Palestina, a fim de gravar mais facilmente no espírito dos auditores – por meio de comparações e exemplos – o ensinamento ou o preceito que não seria guardado se fosse apresentado diretamente. Continuar lendo

[Sermão] “Se há tantos milagres, há uma razão”

Sermão para o 20º Domingo depois de Pentecostes (14 de outubro de 2012) 

Padre Daniel Pinheiro

Dicit ei Jesus vade filius tuus vivit.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave Maria…

“Reconheceu, então, o pai, ser aquela mesma hora em que Jesus lhe dissera: Teu filho vive. E creu ele, e toda a sua casa.”

No Evangelho de hoje, São João nos narra o milagre da cura do filho do oficial do rei. Durante todo o Evangelho abundam os milagres de Nosso Senhor Jesus Cristo. Se há tantos milagres, deve haver uma razão para tanto. Nosso Salvador faz tantos milagres para confirmar a verdade de seu ensinamento e de sua divindade, mas também para mostrar a sua bondade exercendo uma grande misericórdia para com os homens.

O milagre é, por definição, algo feito por Deus fora da ordem da natureza. É uma alteração passageira e pontual da ordem natural, que supera sem dúvida as forças de toda a natureza criada. Acima de todas as criaturas e acima de toda a ordem natural está unicamente Deus. Assim, onde há um verdadeiro e autêntico milagre que altere a ordem natural, devemos concluir que ali está Deus, agindo diretamente por si ou por meio de uma criatura.

É preciso, porém, muita cautela para se afirmar que algo se trata de um milagre. Mas é preciso também reconhecê-lo quando ele existe. E no caso de Nosso Senhor isso é evidente. Ele fala, e os cegos vêem, os surdos ouvem, a língua dos mudos se desata, os paralíticos andam, as enfermidades desaparecem num instante; os que acabam de morrer voltam à vida, os que já estavam sendo levados para o sepulcro saem do caixão, os que enterrados depois de alguns dias e já com o mau cheiro característico, se levantam e saem de seu túmulo. O mar e as chuvas obedecem à voz de Cristo.  Naturalmente falando, tudo isso é impossível. Realizar tais obras pelas simples palavras, ou por um simples gesto, ou utilizando meios desproporcionais como um pouco de saliva e de terra é impossível a toda e qualquer criatura. Uma palavra, um gesto, uma ordem aos elementos da natureza e às doenças, uma ameaça ao demônio basta para Cristo realizar tais coisas. Pela qualidade das obras e pelo modo de fazê-las, fica claro que nesse caso é Deus quem age. E quando Deus age para confirmar um ensinamento, tal ensinamento é necessariamente verdadeiro, de outra forma seríamos enganados por Ele, o que é impossível. Então, aquilo que Cristo ensina é verdadeiro e como Ele nos ensinou a sua divindade abertamente, dizendo, por exemplo, “Eu e o Pai somos um”, devemos confessar que Cristo é verdadeiramente homem e verdadeiramente Deus.

Cristo fez milagres sobre os anjos, colocando-os a seu serviço diante dos homens em seu nascimento, em sua ressurreição, em sua ascensão. Cristo fez milagres sobre os demônios expulsando-os com uma simples palavra. Cristo fez milagres sobre os corpos celestes, com a estrela que guiou os magos, com os céus se abrindo quando de seu batismo por São João Batista, com as trevas que se fizeram presentes durantes sua crucificação. Cristo fez milagres sobre os homens, ressuscitando três, curando toda espécie de enfermidade: lepra, febre, paralisia, cegueira, surdez, mudez, curando à distância, etc. Cristo fez milagres sobre as criaturas racionais, com pescas milagrosas, tempestade acalmada, secando a figueira, multiplicando os pães, rasgando o véu do templo, produzindo terremoto quando de sua morte, etc. Podemos constatar, então, que toda a criação está sob a realeza de Cristo.

Cristo começou a fazer milagres somente ao iniciar a sua vida pública, a sua pregação. Se Cristo fez milagres para confirmar a sua doutrina e para manifestar sua divindade, não convinha que fizesse milagres antes de começar a pregar e sabemos que ele começou a ensinar somente aos 30 anos. E se Cristo deveria mostrar a sua divindade pelos milagres, não convinha fazê-los desde a sua infância, a fim de que a realidade de sua humanidade não fosse colocada em dúvida. Assim, não devemos dar crédito a revelações privadas que contam milagres de Cristo durante a sua infância. São João diz claramente que o milagre nas bodas de Caná foi o primeiro que Jesus fez, manifestando sua glória, e seus discípulos acreditaram nele.

Mas se os milagres têm como finalidade primeira mostrar a veracidade do ensinamento de Cristo e de sua divindade, eles são também expressão de sua infinita bondade misericordiosa. Vemos isso claramente no Evangelho: ao sair da barca, viu uma multidão numerosa, teve compaixão e curou os enfermos; teve compaixão dos que o seguiam e estavam com fome, teve piedade dos cegos em Jericó etc. A pedido de sua Mãe, reconhecendo o embaraço dos noivos em Caná, transformou a água em vinho.  E o povo judeu reconheceu essa bondade de Nosso Senhor e se admirava muito, dizendo: “Ele fez bem todas as coisas. Fez ouvir os surdos e falar os mudos!”

Devemos notar, acerca dos milagres de Cristo, que Ele nunca realizou um milagre em benefício próprio. Sofre de fome durante quarenta dias no deserto, mas não quer transformar as pedras em pão. Tem sede ao lado de um poço, mas, no lugar de saciar sua sede com um milagre, pede água à samaritana. Permite a seus carrascos que o maltratem e o matem na cruz, enquanto podia com uma simples ordem ser defendido por legiões de anjos. Os milagres são para os outros. São para o bem físico dos outros, mas sobretudo para o bem espiritual dos outros, para que possam acreditar em Cristo e reconhecer sua bondade e misericórdia. Devemos destacar também que Cristo nunca operou milagres supérfluos ou por capricho. Todos corresponderam, justamente, a uma necessidade física ou moral.

No Evangelho de hoje, no milagre da cura do filho do oficial do rei, não é diferente. Nosso Senhor cura um doente à distância, dizendo simplesmente “Vai, o teu filho vive.” Pode um homem fazer tal coisa? Pode um anjo fazer tal coisa? Sem dúvida, não. Só Deus pode fazer isso diretamente ou indiretamente. Cristo, sendo verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem, o faz. Cristo sabe que os homens precisam dos milagres para poder acreditar em seu ensinamento. Ele mesmo o diz: Vós, se não virdes milagres e prodígios, não credes. Todavia, há um limite para os milagres, pois uma vez realizado um número sufciente para comprovar a veracidade do ensinamento, já não são mais necessários. Hoje, os milagres já não são necessários, embora ainda existam muitos, em particular em Lourdes.  Nosso Senhor é movido, então, pela compaixão face ao sofrimento desse pobre pai e cura seu filho. Nosso Senhor age em benefício de outrem e jamais em benefício próprio.  E Nosso Senhor age não somente para curar fisicamente, mas sobretudo para dar a vida sobrenatural: o pai, tendo constatado a cura do filho, acreditou em Nosso Senhor Jesus Cristo junto com toda a sua casa. Os milagres supõem a fé ou terminam, em certo sentido, gerando a fé.

Reconheçamos, então, nos milagres de Cristo a confirmação inquestionável de sua divindade e de todo o seu ensinamento e reconheçamos também a sua bondade e misericórdia infinitas. Da mesma forma como Cristo ajudou àquelas pessoas quando esteve fisicamente presente entre os homens, ele nos ajudará. Os milagres são hoje mais escassos, pois já temos motivos suficientes para reconhecer a divindade e a bondade de Cristo. Mas se for necessário, Cristo nos ajudará até mesmo com milagres.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

Nota do editor: destaques são nossos.

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