Sermão para a Solene Festa de Nosso Senhor Jesus Cristo Rei (28/10/2012)
Padre Daniel Pinheiro
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave Maria…
Nós vos proclamamos, Senhor, o príncipe que domina os séculos, o Rei das nações e dos povos, o Mestre e Guia das almas e dos corações.
Dar-lhe-á o Senhor o trono de Davi, seu pai, e reinará para sempre na casa de Jacob e o reino dEle não terá fim. (Lc 1, 31)
Dominará dum mar a outro mar e desde o rio aos confins da terra. E adorá-lo-ão todos os reis da terra, e todos os povos o hão de servir. (Sl 78, 8.11)
O poder dEle é um poder eterno que ninguém domina e o seu reino é um reino que não será destruído. (Dn 7, 14)
Pede-me e dar-te-ei as nações em herança. (Sl 2, 8)
O Senhor sentar-se-á como Rei para sempre.
O Senhor dará a paz ao seu povo.
Eis alguns textos da Santa Missa de hoje que anunciam, profetizam o Reinado de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ele mesmo falou de seu reinado: Todo poder me foi dado no céu e na terra (Mt 28, 18). O Pai deu todo o poder de julgar ao Filho (Jo 5, 21-22). Nosso Senhor atribui a si o nome de Rei ao falar de sua volta para o juízo. Ele diz, falando de si: Então o Rei dirá aos que estão à direita: Vinde benditos de meu Pai […) e para os da sua esquerda: retirai-vos de mim, malditos! (Mt 25, 34-41) Tudo e todos reconhecem a realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo. Seus discípulos: Natanael (ou Bartolomeu) diz Mestre, tu és o Filho de Deus, o rei de Israel (Jo 1, 49). Os judeus reconhecem que Cristo se proclamou Rei e o professam, ainda que para condená-lo. Para condená-lo à morte dizem a Pilatos: Se libertas esse homem, não és amigo de César porque todo o que se faz Rei vai contra César (Jo 19, 12). Os pagãos, zombando de Cristo, também professam a realeza de Cristo. Os soldados vestiram-no com a púrpura (veste do imperador), deram-lhe como cetro real um pedaço de cana, deram-lhe uma coroa de espinhos e diziam batendo nele: Ave Rei dos Judeus (Jo 19, 3). Pilatos coloca no título da cruz: Jesus Nazareno Rei dos Judeus (Jo 19, 19). Depois de sua morte Cristo continua a ser proclamado Rei por seus discípulos. Digno é o cordeiro, que foi imolado, de receber o poder, a divindade, a sabedoria, a honra a fortaleza. Dele seja a glória e o império pelos séculos dos séculos, nos diz o Apocalipse (Ap 5, 12; 1, 6). Damos graças a Deus Pai que nos livrou do poder das trevas e nos transferiu para o Reino do Filho (Cl 1, 12-20), nos diz São Paulo.
Nosso Senhor Jesus Cristo sempre foi aclamado como Rei pela Santa Igreja. Ele sempre foi aclamado Rei em virtude de sua divindade, sem dúvida. Assim como Deus Pai governa todas as coisas e sustenta o ser de todas as coisas, também o Filho, o Verbo, faz a mesma coisa. Mas Cristo é Rei também como homem, em virtude de sua união com o Verbo de Deus, a tal ponto que há uma só Pessoa, a divina, e duas naturezas, a divina e a humana. Em virtude dessa união, a humanidade de Cristo possui uma excelência e uma dignidade que não podemos medir e que é superior a todas as outras juntas. Não há nenhuma outra dignidade que possa se comparar a ela. Além disso, Cristo é nosso Rei por direito de aquisição. Cristo nos redimiu, nos resgatou do pecado, do qual não poderíamos jamais sair sozinhos, pois o pecado é ofensa infinita a Deus e somos incapazes de retribuir a Deus com uma ação que lhe seja infinitamente agradável. É somente pelo sangue de Cristo derramado na cruz que podemos nos livrar do pecado. Nosso Redentor, tendo pagado o preço pelo nosso pecado, deve ser cultuado e adorado como Senhor, como Rei.

Pio XI institui a Festa de Cristo Rei pela Encíclica Quas Primas, em 1925
Cristo é Rei enquanto homem e já sabemos o porquê desse reinado: (i) sua sublime dignidade e excelência decorrentes da união com o Verbo Divino e (ii) o pagamento, com seu próprio sangue adorável, do resgate pelos nossos pecados. Mas esse reino de Cristo tem início agora ou somente no fim do mundo? Cristo se esquivou quando a multidão queria proclamá-lo Rei e Ele disse a Pilatos que o seu reino não era desse mundo. Parece, então, que o reino de Cristo só começará no final dos tempos. Mas isso não é verdade. Ora, Cristo disse que seu reino não é desse mundo porque a origem de seu reino não é esse mundo e também a finalidade de seu reino não está nesse mundo: a origem de seu reino é divina e sua finalidade é levar as almas para o céu. Trata-se de um reino antes de tudo espiritual, como nos diz o Papa Pio XI, que instituiu a festa de Cristo Rei em 1925. Devemos dizer que Cristo não quis reinar à maneira dos reis desse mundo e por isso não quis ser proclamado Rei pela multidão. São Tomás de Aquino diz que Cristo, apesar de ter recebido de Deus todo o poder mesmo sobre as coisas materiais e temporais, não quis administrar temporalmente, durante sua vida terrena, um reino terrestre. Além disso, é claro que o reino de Cristo não é desse mundo se consideramos mundo como aquilo que está sob o pecado ou como aquilo que conduz ao pecado. Todavia, se o reino de Cristo não é desse mundo, o reino de Cristo está nesse mundo e ele Reina já nesse mundo.
Se Cristo é um Rei espiritual – concluem muitos – ele deve reinar sobre a alma de cada um ou naquilo que diz respeito à salvação da alma, mas não deve reinar sobre os outros aspectos da vida humana. Ele não deve reinar sobre as famílias, ele não deve reinar nas associações, ele não deve reinar nas nações. Grave erro, que tem feito tanto mal às almas e à sociedade. O reinado espiritual de Cristo implica uma intervenção de Nosso Senhor Jesus Cristo nas coisas temporais e civis porque todas essas coisas estão relacionadas com a salvação do homem e devem favorecer a salvação do homem, devem estar ordenadas à salvação do homem. Assim, as famílias, as associações de qualquer natureza, e os Estados devem se submeter às leis de Cristo. Deus criou o homem como um ser social. Para viver de modo mais perfeito o homem precisa da companhia e do auxílio de outros. Dessa natureza social do homem derivam a vida em família, as associações de todo gênero e os Estados/as nações. São, portanto, todos – famílias, associações e Estados – criaturas de Deus, e como tal devem se submeter ao criador e às suas leis. Cristo, sendo um Rei antes de tudo espiritual, é também Rei de todas as coisas e atividades humanas, pois todas essas atividades devem estar subordinadas ao fim último do homem que é a salvação de sua alma. Nenhuma delas pode recusar ou contradizer as leis de Cristo. Aquele que é Rei no principal (o espiritual) é Rei também no acessório (quer dizer, todas as atividades humanas).
E aqui chegamos ao motivo real da instituição da festa de Nosso Senhor Jesus Cristo Rei: o reinado social de Nosso Senhor Jesus Cristo. Se Cristo é Rei e se toda atividade humana deve reconhecer essa realeza, há a obrigação das sociedades, dos Estados, de reconhecer e professar publicamente a Cristo como Senhor e de favorecer publicamente a religião que Ele revelou quando esteve entre nós: a religião católica. Não basta, então, favorecer a religiosidade do povo em geral. O Estado deve favorecer a religião revelada por Deus e observar sua lei moral e dogmática. Isso é evidente, pois o Estado deve, da mesma forma que o indivíduo, reconhecer a sua completa dependência em relação a Deus. Ele tem, então, a obrigação de aderir à verdade conhecida, pedir a Deus os bens necessários e agradecer pelos bens recebidos. O Estado tem também a obrigação de prestar um culto público a Deus e um culto em conformidade com a revelação divina. Tudo isso o Estado deve realizar por meio de seus chefes. O Estado não pode ser indiferente face à religião. Faz já mais de 200 anos que, mesmo nos Estados em que a maioria dos cidadãos é de católicos, a doutrina da liberdade religiosa – vale dizer, do indiferentismo religioso – começou a destruir pouco a pouco a realeza social de Nosso Senhor Jesus Cristo. Faz pouco menos de 50 anos que essa destruição está consumada. Os nossos Estados, mesmo os de maioria católica, tornaram-se agnósticos, recusando-se a reconhecer a verdadeira religião, e muitas vezes tornaram-se puramente ateus e, em todo caso, cada vez mais anticatólicos. Eis as consequências de um indiferentismo religioso que permite que os erros sejam propagados e propagandeados. Ora, o erro não tem direitos. Um erro – uma falsa religião – pode ser tolerado pelo Estado, se isso for necessário para o bem comum, mas o Estado não pode jamais favorecê-la ou equipará-la à verdadeira religião. Se Cristo é Rei, há a obrigação dos Estados de legislar segundo a lei de Cristo. Se Cristo é Rei, há a obrigação para as escolas de ensinar a doutrina de Cristo. Se Cristo é Rei, há a obrigação dos juízes de julgar segundo a lei de Cristo.
E nós sabemos… Cristo é Rei… E César – quer dizer, o Estado – deve reconhecer que ele depende totalmente de Deus e que ele é de Deus. Devemos dar a Deus o que é de Deus e ao Estado o que é do Estado. Mas o Estado deve reconhecer que ele mesmo pertence inteiramente a Deus e também ele deve dar a Deus o que é devido a Deus. Em Estados em que os católicos são minoria, é preciso que seja dada e garantida liberdade total à Igreja para que ela possa pregar o Evangelho.
Além disso, o Estado tem por finalidade buscar o bem temporal de seus cidadãos. Um dos maiores bens, mesmo na ordem temporal, é a adesão à verdade e, sobretudo, à verdade religiosa. Adesão à verdade religiosa que favorece a concórdia em uma nação e a paz entre as nações, adesão que favorece a obediência às autoridades legítimas e às leis justas; adesão que merece as bênçãos celestes. Assim, mesmo para assegurar a felicidade terrena de seus cidadãos o Estado deve estar unido à Igreja Católica.
Devemos cantar como a Igreja o faz no Hino de Vésperas da Festa de hoje:
Nós vos proclamamos, Senhor, o príncipe que domina os séculos, o Rei das nações e dos povos, o Mestre e Guia das almas e dos corações.
A turba ímpia clama: não queremos que Cristo reine. Nós te proclamamos o Senhor supremo de todas as coisas.
Ó Cristo, príncipe da Paz, sujeita os corações rebeldes e reúne-os por teu amor ao santo rebanho que governas.
Rendam-te, pois, os governantes dos povos a vassalagem a que tens direito; venerem-te os juízes e os magistrados, e a arte e as leis sejam a expressão de tua realeza.
Gloriem-se as coroas brilhantes dos monarcas de se curvarem diante de ti e reduze à obediência do teu cetro brando a nossa pátria e os nossos lares.
O Santo Padre, o Papa Pio XI, quis, em 1925, não somente promulgar a Encíclica Quas Primas, reafirmando claramente a realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo, mas, junto com ela, ele quis instituir a Festa de Cristo Rei no último domingo de outubro para que todos reconhecessem e reconheçam a realeza social de Nosso Senhor. Quis estabelecer uma festa litúrgica porque o povo, em geral, compreende a doutrina por meio da liturgia. Daí a importância de termos uma liturgia que manifesta plena e perfeitamente a realeza de Cristo. E ele estabeleceu essa festa no último domingo de outubro, para mostrar que o reinado de Cristo – como já dissemos – não começa só no final dos tempos, mas já nesse mundo. Infelizmente, mudou-se, no calendário novo, a data da Festa de Cristo Rei e colocaram-na no final do ano litúrgico, que simboliza, justamente, o final dos tempos.
Todavia, caros católicos, não basta conhecermos de maneira puramente teórica tal doutrina. É preciso colocá-la em prática, para que possa ressurgir uma civilização católica, civilização em que todas as esferas da vida humana são permeadas pela doutrina da Igreja, quer dizer, pela doutrina de Nosso Senhor Jesus Cristo. Civilização em que os Estados reconhecem a realeza de Cristo e agem em consequência disso. Para que Cristo possa reinar nas nações é preciso antes de tudo que ele reine em nossas almas e em nossas famílias. Devemos aderir profundamente a Cristo e à sua Igreja em tudo e sempre. É preciso começar pelos indivíduos a fim de que Cristo reine nas sociedades. Precisamos nós mesmos dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus, para que César possa dar a Deus o que é Deus, para que César possa reconhecer que ele é de Deus. Precisamos, em segundo lugar, nos aplicar ao apostolado segundo nosso estado e nossas possibilidades para que Cristo possa reinar na alma de nosso próximo. Precisamos também rezar pelas autoridades e por nosso país. Precisamos rezar antes de tudo à Maria Santíssima para que Cristo, Rei da Paz, triunfe. A paz é justamente a tranquilidade na ordem. E a verdadeira ordem só existe quando tudo está ordenado e submetido a Deus. Quando os indivíduos estão submetidos a Deus. Quando os Estados e nações estão submetidos a Deus. Cristo Rei é necessariamente Rei da paz. Submeter-se a Deus e servi-lo é reinar junto com Ele.
Combatamos sob o estandarte de Cristo Rei. Viva Cristo Rei!
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.
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