[Sermão] A exaltação da Santa Cruz e o sentido do sacrifício e do sofrimento para os cristãos

Sermão para Festa da Exaltação da Santa Cruz
14 de setembro de 2014 – Padre Daniel Pinheiro

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave Maria.

“Cristo fez-se obediente por nós até à morte e morte de cruz.”

Exaltation-de-la-sainte-croix-par-heracliusA Festa de hoje nos lembra do fato histórico ocorrido em 628, ano em que o Imperador Heráclio conseguiu tomar de volta a Cruz de Cristo, que havia sido levada de Jerusalém pelos Persas, que a profanaram enormemente. Tendo recuperado a Santa Cruz, Heráclio quis entrar em Jerusalém carregando ele mesmo o Santo Lenho em ação de graças pela vitória. Todavia, vestido com todas as insígnias imperiais, não pôde entrar em Jerusalém, detido por uma força invisível. O Patriarca de Jerusalém assinalou ao Imperador que não convinha carregar com tanto aparato a Cruz que Nosso Senhor carregou com tanta humildade. Despojado de todo o aparato imperial, Heráclio conseguiu entrar em Jerusalém carregando a Cruz.

Exalta-se, hoje, a Santa Cruz, da qual pendeu a salvação do mundo. Ó bem-aventurado lenho e benditos cravos que tão suave peso sustentastes, só vós fostes dignos de sustentar o Rei e Senhor dos céus. Foi pela Cruz que Nosso Senhor lançou fora o príncipe desse mundo. A cruz está tão profundamente associada que as relíquias da verdadeira cruz devemos prestar um culto relativo de latria, pois essas relíquias da verdadeira cruz representam o próprio Cristo e pelo contato que tiveram com Ele. É um culto de latria, quer dizer, um culto que se deve unicamente a Deus. É um culto relativo, isto é, não adoramos a cruz por si mesma, mas pela sua ordem a Nosso Senhor Jesus Cristo, pela sua relação com Nosso Senhor Jesus Cristo.

Nosso Senhor, para nos salvar, morreu na cruz. Ele ofereceu à Santíssima Trindade um verdadeiro sacrifício. O sacrifício é justamente o oferecimento de uma coisa sensível a Deus, com mudança ou destruição da mesma, realizada pelo sacerdote em honra de Deus, para testemunhar seu supremo domínio e nossa completa sujeição a Ele. Na paixão e morte de Cristo estão, em grau excelente, todas as condições que se requerem para um verdadeiro sacrifício. Nós temos a coisa externa que é o corpo, a vida de Nosso Senhor. Esse corpo vai ser imolado voluntariamente por Ele na cruz, por sua infinita caridade. Cristo é o Sumo Sacerdote que se oferece a si mesmo. Ele é sacerdote e vítima. E finalidade de Cristo não pode ser outra: dar honra a Deus, reparando pelo pecado e nos obtendo graças para nos convertermos a Ele. Nosso Senhor, na cruz, ofereceu-se em verdadeiro sacrifício. E o sacrifício de Cristo na cruz é o único, depois da sua vinda na terra, que pode oferecer a Deus.

Nosso Senhor se ofereceu voluntariamente por caridade, para honrar a Deus, para satisfazer por nossos pecados, para nos alcançar as graças que precisamos para nos salvar. Que grande o amor de Cristo, que vai até a morte e morte de cruz. Nosso Senhor, inocente e sumamente santo, sofreu, e sofreu mais do que todos nós juntos, para fazer a vontade perfeita de Deus e para nos salvar. Nós, se queremos nos salvar, se queremos seguir Nosso Salvador, deveremos tomar a nossa própria cruz e oferecer nossos sacrifícios, em sentido largo, em união com o sacrifício de Cristo. Nós precisamos saber sofrer, caros católicos, se quisermos chegar ao céu.

Nossa sociedade, neopagã, hedonista, tornou-se incapaz, como acontecia na antiguidade pagã, de compreender o sentido de sacrifício e de sofrimento. Nossos contemporâneos e nós mesmos temos horror ao sofrimento. Muitas vezes pensamos: tudo, menos o sofrimento. E, com razão, se perdeu em nossa sociedade o sentido do sofrimento, porque nós só podemos compreender o sentido pleno do sofrimento ao considerar os sofrimentos de Cristo. É somente com o exemplo de Cristo, com sua doutrina e com as graças que Ele nos dá que poderemos sofrer bem. Precisamos recuperar a noção de sacrifício em nossas vidas, em união com o sacrifício de Cristo.

Precisamos compreender que devemos deixar de lado nossa vontade própria, nossas más inclinações, nossos caprichos, para fazer a vontade de Deus. Devemos compreender que é preciso renunciar a muitas coisas para cumprir bem os deveres de estado. Precisaremos suportar a zombaria do mundo ou suas perseguições, ou a sua indiferença. Precisaremos suportar a eventual perda de amizades quando começamos a praticar mais seriamente a vontade de Deus. Precisaremos suportar eventualmente a perda da estima do mundo, quando nos convertemos a Cristo. A vida conjugal é uma vida de sacrifícios, a vida sacerdotal é uma vida de sacrifícios. Em todo estado de vida nós deveremos oferecer nossos pequenos sacrifícios do dia-a-dia, suportando com paciência as contrariedades e as provações. Nada impede que procuremos corrigir e melhorar as coisas, mas será preciso fazê-lo sempre com caridade.

O horror ao sofrimento é um dos maiores impedimentos contra a santificação. Nós precisamos deixar esse horror de lado. É preciso compreender que o sofrimento é necessário para reparar pelo pecado. O pecado que nos leva a uma satisfação ilícita deve ser reparado com uma pena. Ele é necessário para a santificação da alma. Se a santidade é se assemelhar a Cristo, devemos lembrar que Cristo é Cristo crucificado para depois ressuscitar. Santificação é igual a cristificação. Cristificação é igual a sacrificação, se assim podemos dizer. Não há outro caminho para chegar ao céu, a não ser pela cruz.

Nós sofremos todos, em maior ou menor grau, conforme à disposição divina, que dispõe tudo com sabedoria e caridade. O importante é sofrer bem, sem murmurar, sem revolta, mas com paciência e mansidão, procurando melhorar as coisas, mas sempre se submetendo à vontade de Deus. Se sofremos murmurando ou com impaciências, acrescentaremos um segundo mal ao primeiro e esse segundo mal será pior porque será um mal maior. Devemos sofrer bem. Sofrer passa, mas sofrer bem não passa nunca. O sofrimento cristãmente suportado expia nossos pecados, submete a carne ao espírito, nos desprende das coisas da terra, nos purifica e embeleza a nossa alma porque tira dela as desordens. Pelo sofrimento bem suportado e oferecido a Deus poderemos alcançar tudo dele. O sofrimento faz de nós também apóstolos. Quantas graças podemos alcançar para os outros por meio de nossos sofrimentos. Os sofrimentos nos assemelham a Nosso Senhor e a Nossa Senhora.

Precisamos, caros católicos, retomar o verdadeiro sentido do sofrimento, e saber que podemos tirar dele um grande bem. Essa noção de sacrifício, de oferecer nossos pequenos sacrifícios no dia-a-dia em união com Cristo precisa ser retomada por nós católicos. Precisamos exaltar a cruz de Cristo e nos unir a Ele.

O Papa bento XVI escolheu a Festa da exaltação da Santa Cruz para a entrada em vigor do Motu Proprio Summorum Pontificum, que confirmou para todos os fiéis o direito de assistir à Missa no Rito Romano Tradicional, como a celebramos aqui. O objetivo do Papa é que essa Missa seja conhecida por todos, como tesouro espiritual e monumento da fé católica que é. Ele associou a Missa Tradicional à Cruz. Ele fez isso porque nesse Rito Tradiional, na Missa Tridentina, a cruz de Cristo se renova de maneira clara. O caráter sacrificial da Missa está perfeitamente expresso na liturgia tradicional, sem receio, sem atenuações, sem respeito humano. Se queremos resgatar a noção de sacrifício entre os católicos e na sociedade, noção própria da doutrina de Cristo, é necessária uma liturgia que exprima claramente o sacrifício de Cristo.

Saibamos sofrer, caros católicos, inspirando-nos no sacrifício de Cristo no Calvário, sacrifício renovado no altar. Saibamos sofrer unidos ao sacrifício de Cristo.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Sermão] O mistério da Santíssima Trindade

Sermão para a Festa da Santíssima Trindade
(Primeiro Domingo depois de Pentecostes)
26 de maio de 2013 – Padre Daniel Pinheiro

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…

“Ide, pois, e ensinai todas as gentes, batizando-as em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo.”

Caros católicos, a Igreja nos fez reviver, desde o Tempo do Advento até Pentecostes, a vida de Nosso Senhor Jesus Cristo. Preparamo-nos para o seu nascimento (Advento), comemoramos o seu nascimento (Natal), festejamos a sua circuncisão na oitava do Natal, comemoramos a visita dos reis magos na Epifania, festejamos a Purificação de Nossa Senhora e a Apresentação do Menino Jesus no Templo. Entramos na Quaresma (precedidos pela Septuagesima), com a tentação de Nosso Senhor no deserto, com sua pregação e a oposição mortal dos fariseus. Lembramos sua entrada triunfante em Jerusalém no Domingo de Ramos, a Instituição da Eucaristia, da Missa e do Sacerdócio na Quinta-Feira Santa. Sua Paixão e Morte na Cruz na Sexta-Feira Santa. Sua Ressurreição gloriosa, sua Ascensão, o envio do Espírito Santo sobre Nossa Senhora e os Apóstolos, encerrando o Tempo Pascal. Nós começamos agora o Tempo que, na liturgia tradicional, se chama Tempo depois de Pentecostes e que significa liturgicamente a aplicação aos homens dos méritos infinitos obtidos por Cristo durante toda a sua vida na terra. Essa aplicação se faz por obra do Espírito Santo, a quem se atribuem as obras de santificação. Esse Tempo depois de Pentecostes é justamente um prolongamento de Pentecostes, com o Espírito Santo que atua na Igreja e nas almas, para nos conduzir ao céu.

Nesse primeiro domingo depois de Pentecostes, festejamos a Santíssima Trindade. São dois os principais mistérios da religião revelada por Deus aos homens: o mistério da Encarnação do Verbo e o mistério da Santíssima Trindade. Se queremos ser agradáveis a Deus, devemos ter a fé, quer dizer, devemos acreditar – com nossa inteligência – firmemente e com toda certeza naquilo que Deus nos revelou. São Paulo diz que sem a fé não podemos agradar a Deus e, com o mesmo sentido, Santo Atanásio diz que se queremos nos salvar, devemos, antes de tudo, ter a fé e conservá-la íntegra e sem mancha. Assim, se queremos agradar a Deus, devemos crer e confessar que Deus é Uno e Trino. Se queremos nos salvar, devemos crer e confessar que existe um só Deus em três Pessoas, pois Deus, que não pode se enganar nem nos enganar, nos disse que Ele é um só Deus em três Pessoas. Portanto, caros católicos, quando cultuamos Deus, quando adoramos Deus e o servimos, não estamos cultuando uma entidade mais ou menos vaga, não estamos cultuando o supremo arquiteto do universo da maçonaria, não estamos cultuando a mãe natureza ou uma força, uma energia positiva. Não estamos cultuando um Deus que se confunde com o mundo. Cultuamos, isso sim, um Deus que é puro espírito, infinitamente bom e amável, onisciente, onipotente, eterno… Cultuamos um Deus que é distinto das criaturas, que mantém na existência tudo o que criou e que governa tudo com suprema bondade e misericórdia. Nós cultuamos um só Deus em três Pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo. Essas três Pessoas são um só Deus e não três deuses porque as três têm uma só substância, uma só natureza, uma só essência, uma só divindade; as três são igualmente eternas, igualmente poderosas, nenhuma das três é uma criatura. Um só Deus, um só Senhor em três Pessoas realmente distintas. A única diferença que existe entre as três Pessoas da Santíssima Trindade é o fato de uma proceder da outra. O filho procede do Pai desde toda a eternidade. O Espírito Santo procede do Pai e do Filho desde toda a eternidade. O Pai não procede de ninguém.

A Santíssima Trindade, como falamos, é um mistério. É um mistério pois nossa razão não pode sozinha chegar à conclusão de que Deus é um em três Pessoas. Precisamos da Revelação para conhecer isso. É famosa a história de Santo Agostinho, que buscava compreender a Santíssima Trindade quando escrevia seu livro sobre o assunto. Deus lhe mostrou como esse mistério é inacessível à pura razão comparando o seu desejo ao desejo de um menino que queria colocar toda a água do mar em um buraco cavado na areia da praia. Diante do mistério da Santíssima Trindade, muitos inimigos da religião pretendem combatê-la dizendo que a fé é irracional, pois não podemos compreender aquilo em que acreditamos. Caros católicos, a fé não é irracional. Ao contrário, ousaria dizer que não existe nada de mais conforme à razão  do que a fé. A fé supera a razão, mas a fé não contradiz a razão. Poderíamos comparar as verdades da fé com relação à nossa inteligência com uma equação do segundo grau para uma criança de cinco anos. A equação supera a inteligência da criança, mas nem por isso a equação contradiz a inteligência daquela criança ou se torna irracional. Da mesma forma, as verdades sobrenaturais não se tornam irracionais pelo fato de superarem nossa razão. Nossa inteligência não consegue compreender o mistério da Santíssima Trindade, mas ela consegue mostrar que não se trata de um absurdo, ela consegue responder às objeções contrárias à Santíssima Trindade, ela consegue mostrar que é possível a existência de um só Deus em três Pessoas. Ela consegue, por meio de analogias e comparações, entender melhor o mistério, embora não consiga demonstrá-lo ou explicá-lo completamente.

Podemos compreender um pouco o mistério da Santíssima Trindade fazendo, por exemplo, uma analogia com a nossa inteligência e com a nossa vontade. O Verbo é gerado – não criado – porque Deus conhece a si mesmo perfeitamente desde toda a eternidade. Esse conhecimento que Ele tem de si gera o Filho ou Verbo, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade. Esse Filho gerado é em tudo igual ao Pai, salvo justamente no fato de proceder do Pai. Do amor que existe entre o Pai e o Verbo – amor que existe desde toda a eternidade – procede o Espírito Santo. O Espírito Santo é em tudo igual ao Pai e ao Filho, salvo no fato de proceder de ambos. Essa geração do Filho e o proceder do Espírito Santo não diminuem em nada o Filho e o Espírito Santo com relação ao Pai. Os três são igualmente eternos, igualmente perfeitos. Os três são um só Deus. O mistério da Santíssima Trindade supera a nossa razão, mas não a contradiz.

Além disso, caros católicos, nossa razão é capaz de reconhecer a existência de Deus e ela reconhece que Deus é infinitamente perfeito. Diante disso, a nossa razão reconhece que se Deus nos falar, somos obrigados a aceitar porque Deus, infinitamente perfeito, não pode se enganar nem nos enganar. E aceitar aquilo que Deus nos falou não é humilhar a nossa inteligência, mas ao contrário, aceitar as verdades de fé é a maior exaltação a que pode chegar nesse mundo a nossa inteligência, pois a fé aumenta a capacidade de conhecimento da nossa razão e faz que nossa razão penetre na ordem sobrenatural. A fé não é contrária à razão. Deus é o autor da fé e da razão. Ele não pode se contradizer colocando as duas em oposição. A fé não diminui a razão. A fé aperfeiçoa e eleva a nossa razão, a nossa inteligência humana. É melhor ser mais perfeito com a ajuda de outro – no caso, Deus – do que permanecer sozinho na imperfeição ou na mediocridade.

Se Deus falou, devemos, então, acreditar. Lendo a Sagrada Escritura, aparece claramente que Deus revelou ser Uno e Trino. Ele revelou isso abertamente no Novo Testamento e deu indícios fortíssimos no Antigo Testamento.

Não convinha que a Santíssima Trindade fosse revelada plenamente aos judeus pelo risco que havia de eles caírem no politeísmo, sem compreender bem a Trindade das pessoas e pelo fato de estarem cercados de pagãos politeístas. Mas já a primeira frase da Sagrada Escritura indica a Santíssima Trindade: “No Princípio criou Deus o céu e a terra e o Espírito de Deus movia-se sobre a água”. Ora, “no Princípio” era o Verbo, quer dizer, Deus Filho, no diz São João no início de seu Evangelho. “Deus” é Deus Pai. O “Espírito de Deus que se move sobre a água” é o Espírito Santo. Além disso, nessa mesma frase, em hebreu, a palavra “Deus” é Elohim, que é uma forma plural, mas o verbo – “criou” – se encontra no singular. No plural da palavra Elohim, temos a pluralidade de pessoas. No singular do verbo “criou” temos a unidade da essência. Ainda no primeiro capítulo do Gênesis Deus disse: “façamos o homem à nossa imagem e semelhança”. O verbo “façamos” no plural indica a pluralidade de pessoas. “À nossa imagem e semelhança” no singular indica a unidade da essência. Davi diz no Salmo (LVI): “Abençoe-nos Deus, o nosso Deus, abençoe-nos Deus.” Invoca, assim, três vezes Deus: Deus Pai, Deus Filho, Deus Espírito Santo. E o que está no meio é chamado de maneira sublime nosso Deus, pois faz referência ao Filho, que assumiu nossa carne, veio ao mundo para nos salvar. O Profeta Isaías diz: “Sanctus, Sanctus, Sanctus”, referência ao Pai, ao Filho, ao Espírito Santo. E poderíamos ainda citar outras passagens do Antigo Testamento que fazem referência à Santíssima Trindade.

No Novo Testamento, Nosso Senhor ensina abertamente a Trindade das Pessoas em Deus. Temos o Evangelho de hoje: “Ide, pois, e ensinai todas as gentes, batizando-as em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo.” “Nome” está no singular, para significar a unidade de essência em Deus. Também quando Nosso Senhor diz: “Quando vier o Paráclito, que vos enviarei da parte do Pai, o Espírito da Verdade, que procede do Pai, ele dará testemunho de mim.” Há o Pai, o Filho e o Paráclito, que procede dos dois, que é enviado pelo Pai e pelo Filho. Podemos citar também o Batismo de Nosso Senhor e sua Transfiguração, em que tanto o Pai como o Espírito Santo se manifestam para glorificar o Filho. Também os Apóstolos ensinam a Santíssima Trindade. São João diz: “três são os que dão testemunha no céu: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. E esses três são um.” São Paulo na Epístola de hoje diz “dEle, por Ele e para Ele”, com referência à Santíssima Trindade. E, claro, poderíamos multiplicar os exemplos.

Também a Tradição exprime claramente a fé na Santíssima Trindade. Podemos mencionar o Credo de Santo Atanásio – que recomendo a todos que leiam – e poderíamos citar os outros Padres da Igreja. Basta, porém, considerarmos esse monumento da Tradição e da fé que é o Rito Tradicional da Missa, e que é, em particular, uma confissão clara da fé na Santíssima Trindade. No ofertório, pedimos à Santíssima Trindade que receba a oblação que oferecemos na Missa: Suscipe Sancta Trinitas hanc oblationem. Logo antes da Bênção final, exprimimos o nosso desejo de que o sacrifício que acabou de ser oferecido aplaque a Santíssima Trindade e lhe seja agradável: Placeat tibi Sancta Trinitas. Recitamos em todos os Domingos depois de Pentecostes o Prefácio da Santíssima Trindade. Peço que considerem atentamente as palavras desse Prefácio que será cantado logo mais e vejam que sublime síntese do Mistério da Santíssima Trindade está contida nessa bela oração.

Todas as nossas ações devem ser feitas em nome da Santíssima Trindade. Na Santa Missa, o primeiro rito é o sinal da Cruz, para indicar que o sacrifício da Cruz vai ser renovado e oferecido em honra da Santíssima Trindade. Permaneçamos firmes e inabaláveis na fé na Santíssima Trindade, caros católicos, sem a qual não podemos agradar a Deus, sem a qual não podemos nos salvar. E que, pela firmeza dessa fé, sejamos protegidos de toda a adversidade (Coleta). Peçamos à Santíssima Trindade que habite em nossas almas pela graça. Bendita seja a Santíssima Trindade e a Unidade Indivisa, como nos diz o Intróito da Missa de hoje.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Sermão] A Festa de Pentecostes

Sermão para o Domingo de Pentecostes
19 de maio de 2013 – Padre Daniel Pinheiro

 

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…

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E ficaram todos cheios do Espírito Santo e falavam das grandezas de Deus (Communio).

Festejamos hoje, caros católicos, Pentecostes. Pentecostes é a descida do Espírito Santo sobre os Apóstolos e Nossa Senhora no cenáculo em Jerusalém. A descida do Espírito Santo em Pentecostes é importantíssima. Ela é a festa da promulgação da Igreja e a festa da promulgação da nova lei.

No Antigo Testamento, a festa de pentecostes comemorava a promulgação da lei mosaica, dada por Deus a Moisés no Monte Sinai, e que constituiu perfeitamente os judeus como o povo eleito. Podemos dizer que Pentecostes que nós comemoramos hoje foi a promulgação da Nova Lei, a promulgação da Igreja fundada por Nosso Senhor Jesus Cristo sobre a Cruz. Nosso Senhor começou a fundar a Igreja por sua pregação; Ele consumou a fundação quando estava pregado na Cruz e, finalmente, Ele promulgou a sua Igreja aos olhos de todos quando mandou o Espírito Santo aos apóstolos, para que anunciassem o Evangelho a toda a criatura. Portanto, Pentecostes é um acontecimento capital na vida da Igreja e um acontecimento único. Pentecostes é, praticamente, o começo da Igreja. Continuar lendo

[Música] Sequentia da Festa de Pentecostes: Veni Sancte Spiritus

 

(Português)

Vinde, Espírito Santo, / Emiti um raio / Da celeste luz.

Vinde, Pai dos pobres, / Doador das graças, / Luz dos corações.
Consolador nosso, / Hóspede da alma, / Doce refrigério. 
No labor, repouso, / Na aflição sois gozo, / No calor, aragem.
Ó luz abençoada, / O íntimo enchei / Dos vossos fiéis.
Sem a vossa força, / Não há nada no homem, / Nada de inocente.
Ao sujo lavai, / Ao seco regai, / Curai o doente.
Envergai o rígido, / Aquecei o frígido, / Conduzi o errante.
Dai a vossos filhos, / Que em Vós confiam, / Vossos sete dons.
Dai-lhes a virtude, / A imortal saúde, / O perene gáudio

(Latim)

VENI, SANCTE SPIRITUS, / ET EMITTE CAELITUS / LUCIS TUAE RADIUM.

VENI, PATER PAUPERUM, / VENI, DATOR MUNERUM, / VENI, LUMEN CORDIUM.

CONSOLATOR OPTIME, / DULCIS HOSPES ANIMAE, / DULCE REFRIGERIUM.

IN LABORE REQUIES, / IN AESTU TEMPERIES, / IN FLETU SOLATIUM.

O LUX BEATISSIMA, / REPLE CORDIS INTIMA / TUORUM FIDELIUM.

SINE TUO NUMINE, / NIHIL EST IN HOMINE, / NIHIL EST INNOXIUM.

LAVA QUOD EST SORDIDUM, / RIGA QUOD EST ARIDUM, / SANA QUOD EST SAUCIUM.

FLECTE QUOD EST RIGIDUM,/ FOVE QUOD EST FRIGIDUM, / REGE QUOD EST DEVIUM.

DA TUIS FIDELIBUS, / IN TE CONFIDENTIBUS, / SACRUM SEPTENARIUM.

DA VIRTUTIS MERITUM, / DA SALUTIS EXITUM, / DA PERENNE GAUDIUM.

 

[Sermão] A Ascensão do Senhor

Sermão para a Solenidade da Ascensão
12 de maio de 2013 – Padre Daniel Pinheiro

 

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…

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Se alguém ouviu falar em uma aparição de Nossa Senhora Aparecida aqui no Distrito Federal, por favor não se deixe enganar. O Padre responsável por isso abandonou a Igreja Católica, depois abandonou uma Igreja Ortodoxa, portanto cismática, e fundou sua própria religião, casando-se e divorciando-se várias vezes. O que acontece ali é obviamente algo puramente natural, não há nada de sobrenatural e não há nada de católico, apesar de Nossa Senhora Aparecida ser invocada para atrair e enganar os católicos. Mais uma vez, peço que não se deixem levar e enganar por essas supostas aparições recentes, que prejudicam as almas. (Nota do Editor: ver o sermão “A Armadilha das falsas aparições”)

Peço as orações de todos pelo Apostolado para que possa avançar materialmente e, sobretudo, espiritualmente.

Celebramos hoje a Solenidade da Ascensão. A Festa acontece sempre na quinta feira após o V Domingo depois da Páscoa, 40 dias depois da Páscoa. A Ascensão é festa de Preceito, mas como no Brasil não é feriado, não existe, para a Ascensão, a obrigação de ir à Missa na quinta-feira. Mas para que os fiéis não fiquem sem a graça própria do Mistério da Ascensão, a Igreja faz a solenidade no Domingo seguinte. A graça própria do Mistério da Ascensão está expressa na Coleta de hoje: que nós tenhamos nosso espírito já no céu, que nós possamos desejar o céu. Fazer a solenidade de Festas no Domingo não é algo tão recente quanto parece. Pelo menos desde o tempo de São Pio X há essa prática, depois que esse Santo Papa fez algumas mudanças no Calendário, tirando certas festas do Domingo. Foi permitido, então, fazer a solenidade delas no Domingo. A necessidade de fazer essas solenidades de festas de preceito surge com a prejudicial separação da Igreja e do Estado, fazendo que os feriados civis já não correspondam aos dias de preceito, prejudicando a prática da Religião.

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E o Senhor Jesus, depois que assim lhes falou, elevou-se ao céu, e está sentado à direita de Deus.

Nessa solenidade da Ascensão, caros católicos, devemos considerar a alegria que nos causa a Ascensão de Cristo, devemos considerar a importância dos 40 dias que Nosso Senhor passou na Terra depois da Ressurreição e devemos considerar a importância das últimas palavras de Cristo.

Como dissemos no último Domingo, caros católicos, a Ascensão do Senhor poderia parecer para nós motivo de tristeza, pois nos tira a presença física de Nosso Senhor. Ao contrário, porém, ela deve ser para nós motivo de grande alegria. Alegria pelo que a Ascensão significa para Cristo e alegria pelo que ela significa para nós.

Motivo de alegria pelo que a Ascensão significa para Cristo. Aqui na Terra foi condenado pelo tribunal dos homens, humilhado, tratado como um verme. Foi zombado pelos homens por ter atribuído a si a divindade e os atributos divinos. A Ascensão é a resposta de Nosso Senhor e da Santíssima Trindade. Aquele que é perseguido e humilhado por causa da justiça – e justiça quer dizer aqui santidade – será exaltado. Nosso Senhor ressuscitou e subiu aos céus por sua própria virtude, demonstrando a sua divindade. Ele sobe aos céus para sentar-se à direita do Pai. Como falamos, à direita, porque Nosso Senhor é também Deus como o Pai é Deus e como o Espírito Santo é Deus, nem inferior, nem superior, nem acima nem abaixo, mas à direita. As três pessoas são um só Deus. E ele está sentado. O estar sentado é a posição do soberano. Estar sentado à direita do Pai significa a realeza de Cristo, significa que ele detém o poder de governo, de legislador, de juiz. Nosso Senhor é rei imortal, rei das almas e das nações. Além disso, já não convinha ao corpo glorioso de Cristo habitar aqui embaixo. O corpo glorioso demanda uma habitação que corresponda à sua glória: o céu. Finalmente, com a Ascensão nós temos a certeza de que o sacrifício de Cristo na Cruz foi agradável a Deus. No Antigo Testamento, a aceitação do sacrifício era simbolizada pela fumaça que subia aos céus, dirigindo-se para Deus. No Novo Testamento, é a Ascensão de Nosso Senhor que manifesta a aceitação plena do sacrifício oferecido no Calvário. Com a Ascensão, a justiça está plenamente realizada. A obediência e a caridade infinita de Nosso Senhor Jesus Cristo recebem a recompensa completa com a Ascensão. Só podemos nos alegrar com tal fato.

A Ascensão de Cristo também é para nós motivo de alegria pelos benefícios que nos traz. Motivo de alegria porque Nosso Senhor age, no céu, para aplicar os méritos infinitos adquiridos durante sua vida aqui na Terra, adquiridos sobretudo durante sua paixão e morte. Alegria porque Cristo, tendo subido aos céus, nos enviou o Espírito Santo, para ensinar toda a verdade aos Apóstolos e à Igreja, e para dar a força necessária para transmitir e viver essa verdade. A Ascensão do Senhor é motivo de alegria porque favorece as três virtudes teologais: fé, esperança e caridade. A Ascensão aumenta o mérito da nossa fé. Nossa fé tem muito mais valor com Cristo no céu do que se Ele estivesse entre nós fisicamente, pois a fé é daquilo que não se vê. A Ascensão aumenta nossa esperança, pois aumenta o nosso desejo do céu e nos dá a certeza de que, auxiliados com a graça divina, podemos chegar até o céu. Se a cabeça subiu ao céu, também os membros devem subir. Assim, se vivermos como bons católicos, seremos membros de Cristo e subiremos ao céu junto com Ele. E Nosso Senhor diz que vai preparar o nosso lugar na casa do Pai, o que é motivo de grande esperança. A Ascensão de Cristo aumenta também a caridade. Nosso coração, nosso amor se encontra onde está o nosso tesouro. Ora, nosso tesouro é Cristo, no qual se encontra a nossa salvação. Assim, a Ascensão nos faz amar as coisas do alto e os meios para alcançar as coisas do alto, que são os mandamentos e a fé católica e impede um amor muito terreno a nosso salvador. Grande deve ser, então, nossa alegria nesse dia da Ascensão do Senhor.

Consideremos, agora, brevemente a importância dos 40 dias entre a Ressurreição e a Ascensão do Senhor. Depois de sua Ressurreição, Nosso Senhor Jesus Cristo passou quarenta dias na terra, para provar por muitos meios sua Ressurreição e para falar aos apóstolos e discípulos sobre o reino de Deus, como nos diz São Lucas nos Atos dos apóstolos hoje (Atos I). Portanto, Nosso Senhor passou esses quarenta dias instruindo os apóstolos sobre as verdades de fé, sobre a Igreja e sua constituição hierárquica, sobre as Sagradas Escrituras. Foi nesse período que, muito provavelmente, Nosso Senhor instituiu quatro dos sete sacramentos: os sacramentos da confissão, da crisma, da extrema-unção, do matrimônio. Muito pouco do que Cristo ensinou nesses quarenta dias nos foi transmitido pela Sagrada Escritura. Como é óbvio, caros católicos, nem tudo o que Nosso Senhor ensinou está contido na Sagrada Escritura, ao contrário do que pretendem os protestantes. São João Evangelista diz que Jesus fez ainda muitas coisas que não foram escritas (São João XXI, 25). É a própria Sagrada Escritura que afirma que Cristo fez coisas que não estão contidas na Bíblia, mas que se transmitem pela Tradição. Quem lê a Sagrada Escritura com honestidade e reta intenção se dá conta dessa evidência. Esses quarenta dias que antecederam a Ascensão de Cristo e os ensinamentos do Divino Mestre nesse período com a instituição de quatro dos sete sacramentos são, então, importantíssimos para a nossa salvação.

Finalmente, podemos considerar brevemente as últimas palavras de Cristo antes de sua Ascensão. As últimas palavras de uma pessoa são o seu testamento espiritual, refletem o que tem de mais importante para essa pessoa. Nosso Senhor diz aos apóstolos “Ide por todo o mundo, pregai o Evangelho a toda a criatura. O que crer e for batizado, será salvo. O que, porém, não crer, será condenado.” Essas últimas palavras expressam aquilo que moveu Nosso Senhor durante toda a sua vida aqui na terra: o desejo de que as pessoas se salvem. Mas, para tanto, é preciso que o Evangelho seja pregado, que as pessoas tenham a fé, e uma fé viva, acompanhada das obras, da prática dos mandamentos. É preciso que elas sejam batizadas. É essa a finalidade da Igreja: pregar o Evangelho, transmitir a fé, administrar os sacramentos para levar as almas para o Céu. Diante disso, vale lembrar que começa hoje, no Brasil, a semana de oração para a unidade dos Cristãos. É preciso lembrar que como cantamos no Credo, a Igreja de Cristo, que é a Igreja Católica já é una: ela é una pela unidade da fé, pela unidade dos sacramentos e pela unidade de governo, sob o Santo Padre. A Igreja de Cristo, a Igreja Católica não perdeu nem pode perder a sua unidade. Aqueles que perdem a fé, que rejeitam a autoridade eclesiástica ou os meios de santificação dados por Cristo se afastam da Igreja de Cristo e de sua unidade. A unidade não consiste em estar juntos. A verdadeira unida se faz com a mesma fé, a mesma autoridade, os mesmos sacramentos. A unidade entre Cristãos que deve ser buscada é, na verdade, a volta de hereges e cismáticos à unidade da Igreja Católica. Rezemos, durante essa semana para que aqueles que estão afastados da Igreja Católica, que é a Igreja de Cristo, possam voltar ao único rebanho de Cristo, fora do qual não há salvação. Rezemos para que isso aconteça, nessa semana em que, infelizmente, alguns erros contra a fé serão cometidos em nome de uma unidade mal compreendida. Lembremo-nos das palavras de Nosso Senhor: “Ide por todo o mundo, pregai o Evangelho a toda a criatura. O que crer e for batizado, será salvo. O que, porém, não crer, será condenado.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Sermão] Amar os mandamentos e desejar o Céu

Sermão para o Quarto Domingo depois da Páscoa
28 de abril de 2013 – Padre Daniel Pinheiro

 

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…

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A Coleta de hoje (a Coleta é a primeira oração sacerdotal propriamente dita da Missa, rezada após o Gloria) é uma obra prima, como tantas outras ao longo dos domingos do ano litúrgico. E faz parte, quase certamente, das Coletas antigas colocadas por escrito por volta do séc. IV ou séc. V (apesar de sua composição ser, provavelmente, ainda mais antiga do que isso). Essas Coletas são um lugar teológico, quer dizer, nelas podemos encontrar claramente a doutrina católica, elas exprimem a fé católica e são uma fonte para conhecer a doutrina de Nosso Senhor Jesus Cristo. Santo Agostinho estabeleceu seus doze artigos sobre a doutrina da graça a partir das Coletas das Missas. Foi a partir das Coletas que o Papa São Celestino I (séc. V) forjou o famoso adágio de que a lei da oração estabelece a lei do que se deve crer (legem credendi statuat lex supplicandi). A Coleta de hoje é uma obra prima pelo estilo, com seu ritmo bem estabelecido, com paralelismos, com oposições; porém, antes de tudo pela perfeita doutrina que contém e pelo pedido imprescindível que é feito. A Coleta de hoje é uma obra prima que serve de base para a nossa vida espiritual.

Consideremos essa curta, mas riquíssima oração, fazendo, primeiramente, uma tradução um pouco mais literal do que a habitualmente contida nos missais de fiéis. “Ó Deus, que formais as mentes dos fiéis com uma só vontade, dai aos vossos povos de amar aquilo que ordenais e de desejar aquilo que prometeis, para que, entre as mudanças do mundo, o nosso coração esteja fixado onde estão as verdadeiras alegrias.

Inicialmente, caros católicos, temos, na Coleta de hoje, a afirmação de que é Deus com a sua graça que pode formar, em nossa alma, boas disposições. É ele que forma na alma de todos os católicos e mais especialmente de todos aqueles que estão em estado de graça uma só vontade. Nós não podemos alcançar a graça com nossas próprias forças ou progredir na graça, na virtude, com nossas próprias forças. Na vida sobrenatural é Deus que age. E nós devemos também agir, cooperando com suas graças, com os seus benefícios. Nós devemos implorar, suplicar a sua graça, fazendo a nossa parte, nos esforçando para remover os obstáculos e para nos dispor à recepção da graça. Sem Deus, nós nada podemos fazer. Mas sem a nossa cooperação, também nada pode ser feito.

Tendo reconhecido que toda graça e todo bem sobrenatural vem de Deus, com o qual devemos cooperar, nós pedimos a Ele, que dê aos povos dEle a graça de amar aquilo que Ele ordena e de desejar aquilo que Ele promete. Vale destacar que no latim original temos povos no plural e não no singular, pois a Igreja, sendo única, é composta de diversos povos, ao contrário do que ocorria no Antigo Testamento. Como diz São João no Apocalipse: “Depois disso, vi uma grande multidão que ninguém podia contar, de toda nação, tribo, povo e língua.” (Apoc. VII, 9). É Deus que une esses diferentes povos e nações, formando neles uma mesma vontade, que ama aquilo que ele ordena e que deseja aquilo que ele promete. Portanto, o que faz a unidade dos fiéis não é o estar juntos, mas a caridade e a esperança, que têm como pressuposto a fé, pois só podemos esperar algo em que acreditamos e só podemos amar o que conhecemos. Sem a fé, não há esperança e não há caridade.

E é isso que hoje pedimos a Deus que forme também em nossas almas: a vontade de amar aquilo que Ele ordena e de desejar aquilo que Ele promete. O primeiro pedido é amar aquilo que Ele ordena. Nós só podemos amar, caros católicos, aquilo que reconhecemos como um bem para nós. Nós pedimos a Deus, então, que nos dê a graça de reconhecer que os seus mandamentos, que sua lei é algo bom, e bom para nós, não só porque nos faz alcançar a vida eterna, mas porque é boa para nós já nesse mundo. Reconhecendo que sua lei é um bem, poderemos amá-la verdadeiramente. Hoje, muitos veem a lei de Deus como um fardo a ser carregado com tristeza porque nos tira a liberdade e como um mal necessário para chegar ao céu. Na verdade, a lei de Deus é algo bom em si, ela corresponde perfeitamente à natureza humana e a aperfeiçoa e a eleva (gratia perfecit naturam), fazendo-nos participar da vida infinita da Santíssima Trindade. Além disso, a lei de Deus não tira de nós a liberdade, pois a liberdade bem compreendida não consiste em fazer o que se quer. A liberdade consiste em escolher os meios aptos para se chegar a um objetivo bom. Nosso objetivo aqui na terra é conhecer, amar e servir a Deus para ser eternamente feliz com Ele no céu. Portanto, a verdadeira liberdade consiste em escolher entre meios adequados para ir ao céu, sempre excluindo, consequentemente, o pecado. A lei de Deus auxilia a nossa liberdade, dirigindo-a para Deus, para que não nos desviemos da finalidade para a qual fomos criados. Devemos não só observar a lei de Deus, mas amá-la e amá-la cada vez mais. Como diz o rei David no Salmo 118 (que é um sublime elogio da lei de Deus): “Ah, quanto amo, Senhor, a vossa lei! Durante o dia todo eu a medito.” (Sal CXVIII, 97). Amar a lei de Deus não é, porém, algo sensível. Amar a lei de Deus é, primeiramente, cumpri-la e buscar cumpri-la cada vez melhor. Mas devemos ir além. Devemos buscar  nos alegrar profundamente no cumprimento da lei do Senhor. E é essa a diferença entre um católico comum e um santo. O santo se alegra profundamente no cumprimento da lei de Deus.  Eis o primeiro pedido da Coleta de hoje: que Deus nos dê a graça de amar aquilo que Ele ordena.

O segundo pedido é a graça de desejar aquilo que Ele prometeu. Um desejo se refere sempre a um bem ausente e se nós realmente desejamos esse bem que ainda não possuímos, buscamos os meios para alcançá-lo sem medir esforços. Quanto mais desejamos algo, mais buscamos os meios e mais amamos os meios que nos levam ao que desejamos. A Coleta pede a Deus que nos dê a graça de desejar aquilo que Ele prometeu. Aquilo que Deus nos prometeu, por excelência, foi o céu, a visão face a face de Deus em um corpo ressuscitado. E a vida eterna é justamente o nosso maior bem. Devemos, portanto, desejá-la com todas as nossas forças, empregando os meios necessários para alcançá-la, apesar de todas as dificuldades. O primeiro passo para alcançar a vida eterna é desejar alcançá-la, mas desejá-la realmente, disposto a empregar os meios. E se, com o auxílio divino, desejamos a vida eterna e empregamos o meio para alcançá-la, que é o amor a lei de Deus, o cumprimento da lei de Deus, podemos estar certos de que Deus nos dará graças mais do que abundantes para que alcancemos a vida eterna.

Amar aquilo que Deus manda e desejar aquilo que Ele promete. Não basta, porém, pedir essas duas coisas a Deus, quer dizer, não basta pedir aqui e agora que eu deseje o céu e que eu cumpra os mandamentos para alcançar o céu. É preciso pedir também a graça de perseverar até o fim nesse desejo de alcançar o céu e nesse cumprimento da lei de Deus. E essa é a última petição da Coleta de hoje: que diante da instabilidade, das mudanças das coisas do mundo, nós possamos permanecer fixos onde se contra a verdadeira felicidade. Tendo reconhecido que a lei de Deus é um bem para nós e tendo reconhecido que a vida eterna é o nosso maior bem, somos obrigados a reconhecer que a nossa felicidade se encontra na prática da lei de Deus e na ida ao céu. A verdadeira e perfeita felicidade está no céu, mas já se inicia aqui na terra pela prática da lei de Deus, que nos une a Ele. Que Deus possa fixar definitivamente nosso coração onde estão as verdadeiras alegrias e não nas alegrias aparentes e passageiras do mundo.

Devemos, então, caros católicos, com o auxílio da misericórdia e da onipotência divinas, amar a lei de Deus, praticando-a e procurando praticá-la com alegria. Devemos desejar ardentemente o céu. Devemos fixar nosso coração nesse amor e nesse desejo, que são nossas verdadeiras alegrias. Dessa forma, cumpriremos a nossa finalidade de conhecer, amar e servir a Deus e de alcançar o céu, mas também cumpriremos a finalidade ainda mais importante de dar maior glória a Deus, tornando-o mais conhecido, amado e servido.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Sermão] A Ressurreição de Cristo

Sermão para o Primeiro Domingo depois da Páscoa (Domingo in Albis)
07 de abril de 2013 – Padre Daniel Pinheiro

 

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…

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Estamos hoje na Oitava da Páscoa, no denominado Domingo in Albis, quer dizer, no Domingo em branco. Os catecúmenos que haviam sido batizados na Vigília da Páscoa guardavam a roupa branca, simbolizando a pureza batismal e o dever de conservá-la ao longo da vida, durante toda essa semana e a tiravam nesse Domingo. Esse Domingo também é chamado de Quasi modo, das primeiras palavras do Intróito.

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Dominus meus et Deus meus. Meu Senhor e meu Deus.

Comemoramos, caros católicos, ao longo desses oito dias, a Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo. O milagre da Ressurreição de Cristo é a prova definitiva de sua divindade, a prova definitiva que aquilo que nos falou e ensinou é verdade. A prova definitiva de que Ele é a Verdade, o Caminho, a Vida. Só Deus pode fazer um milagre, quanto mais ressuscitar um morto e ressuscitá-lo para a vida eterna. Nosso Senhor, sendo homem e Deus, ressuscitou a si mesmo, em virtude de sua divindade, que continuou unida ao seu corpo e à sua alma após a morte.

Sendo a Ressurreição de Nosso Senhor a prova definitiva de sua missão divina e de sua divindade, sendo sua Ressurreição um argumento irrefutável de que devemos crer naquilo que disse e praticar aquilo que ensinou, muitos ao longo da história quiseram negar a Ressurreição do Salvador, a fim de continuarem a seguir suas próprias paixões e suas próprias invenções. Não há escolha: ou Cristo ressuscitou e é Deus e devemos consequentemente segui-lo, ou Ele não ressuscitou e, nesse caso, vã seria a nossa fé, como diz São Paulo.

É óbvio que a Ressurreição de Cristo é um fato certo, caros católicos. Para compreendermos isso, é preciso saber primeiramente que a morte de Nosso Senhor é um fato certo e não uma aparência como disseram alguns. Ele morreu na Cruz à vista de todos, teve seu coração transpassado pela lança. Pilatos entregou o corpo de Cristo a José de Arimatéia somente depois de ter certeza de que Cristo estava morto. Os discípulos fiéis e as santas mulheres tiraram o corpo de Nosso Senhor da Cruz e o prepararam, ainda que rapidamente, pois era véspera do sábado, para colocá-lo no sepulcro. Se eles tivessem a menor esperança de que Ele estivesse vivo, não o teriam sepultado. Nosso Senhor morreu verdadeiramente e por isso Ele quis ficar três dias no sepulcro, para demonstrar a realidade de sua morte. Também o fato de ter sido sepultado é um fato indiscutível. E Nosso Senhor não foi colocado numa fossa comum, mas em um túmulo novo, aberto na rocha, túmulo que pertencia a José de Arimatéia, membro do Sinédrio, discípulo de Cristo e homem rico, capaz de ter um túmulo novo a pouca distância do Monte Calvário. Tanto é assim que os chefes dos judeus enviaram soldados para vigiar o túmulo. A lei romana em vigor na época mandava que o corpo dos supliciados fosse entregue aos amigos e parentes. Nosso Senhor morreu e foi sepultado, como recitamos no Credo. Não há dúvida.

Ao terceiro dia, Ele ressurgiu dos mortos. Voltando ao sepulcro no domingo para completar a preparação do corpo de Nosso SEnhor, as santas mulheres e depois os Apóstolos encontraram o túmulo vazio. Todas as hipóteses foram feitas para explicar esse fato de uma forma puramente natural. Sucessivamente, os Apóstolos, as santas mulheres, José de Arimatéia e até mesmo os chefes dos Judeus foram acusados de terem tirado o corpo do Salvador do Sepulcro. Evidentemente, nenhuma dessas hipóteses é minimamente plausível. Tudo se opõe à hipótese de que os discípulos tenham tirado o corpo de Jesus do sepulcro. Durante a paixão e morte de Jesus, eles o abandonaram, fugiram com medo de morrer e Nosso Senhor ainda estava vivo. Agora que Cristo está morto eles teriam coragem para enfrentar os soldados e tirá-lo do sepulcro? Além disso, o fato de levar o corpo de um lugar para o outro era uma profanação, proibida pela Lei, ainda observada pelos discípulos. Os soldados, com medo de serem castigados, disseram que os discípulos haviam tomado o corpo de Cristo enquanto estavam dormindo. Mas se os soldados estavam dormindo, como poderiam saber que os discípulos tiraram o corpo de Cristo do sepulcro? O Corpo do Mestre não foi tirado pelos discípulos. Nem pelos chefes dos judeus. Se os chefes dos judeus tivessem tirado o corpo de Cristo do sepulcro, bastaria expô-lo ao público, quando os Apóstolos começaram a pregar a Ressurreição de Nosso Senhor, para destruir o cristianismo. Mostrar o corpo de Cristo morto seria muito mais eficaz do que as perseguições.

A crença na ressurreição também não se trata, caros católicos, de alucinação individual ou coletiva, nem de crença por autossugestão. Os Apóstolos e os discípulos não tinham praticamente nenhuma inclinação a acreditar na Ressurreição, apesar de Cristo tê-lo anunciado algumas vezes. Maria Madalena, os discípulos de Emaús, os Apóstolos, e, no Evangelho de hoje, São Tomé, só acreditam depois de uma prova definitiva da Ressurreição de Cristo, depois de vê-lo e de comprovarem que é Nosso Senhor com verdadeiro corpo, que come, que pode ser tocado. E as aparições de Nosso Senhor Ressuscitado são a prova direta de sua Ressurreição. O Santo Evangelho nos narra nove. Para Maria Madalena, para as santas mulheres, para São Pedro, para os discípulos de Emaús, aos Apóstolos, São Tomé estando ausente. Oito dias depois, na oitava de sua Ressurreição, Cristo aparece novamente aos Apóstolos, com São Tomé presente: é o Evangelho de hoje. E duas aparições na Galiléia, uma no Lago de Tiberíades, e uma sobre uma montanha. Ele apareceu a 500 discípulos, diz São Paulo e, finalmente, no monte das Oliveiras, antes de sua Ascensão  E o Evangelho é digno de fé. O valor histórico deles é indiscutível. A autenticidade também é indiscutível. São os Apóstolos e os Evangelistas que nos narram a verdade do que aconteceu. Qualquer historiador sério e de boa-fé chega a essa conclusão, a partir da ciência histórica. Além disso, sabemos que os Evangelhos são inspirados por Deus, isentos de qualquer erro, que são a própria palavra de Deus, que não pode se enganar nem nos enganar. Querer negar a Ressurreição é negar irracionalmente a possibilidade do sobrenatural.

Portanto, caros católicos, nossa fé na Ressurreição de Nosso Senhor tem um fundamento sólido e inabalável. E, sabendo que Cristo ressuscitou, nossa fé não é vã. Era necessário que Cristo ressuscitasse por cinco razões, diz São Tomás.

Primeiro, Cristo ressuscita para manifestar a justiça divina, que exalta aqueles que se humilham por obediência e caridade. Cristo se humilhou por obediência e caridade até a morte e morte de cruz. Nada mais conveniente que fosse exaltado pela ressurreição.

Segundo, Ele ressuscita para que mudemos de vida, morrendo com Cristo para o pecado e ressuscitando com Ele para uma vida nova, vida da graça, de virtude.

Terceiro, Cristo ressuscita para nos dirigir para as coisas do alto: se ressuscitamos com Cristo para a vida da graça, arrependidos de nossos pecados, devemos buscar as coisas do alto, onde Cristo está sentado à direita de Deus Pai, devemos apreciar as coisas do alto e não aquelas que estão sobre a terra (Col. 3,12).

Em quarto lugar, Cristo ressuscita para auxiliar a nossa fé quanto à sua divindade. Aquele que ressuscita por seu próprio poder e ressuscita para não mais morrer é verdadeiramente Deus.

Finalmente, Ele ressuscita para nos encher de esperança, pois quando vemos Cristo, nossa cabeça, ressuscitar, esperamos também nós, seus membros, poder ressuscitar, e esperamos com grande confiança.

Se Cristo é verdadeiramente Deus, caros católicos, e não há dúvida possível nisso, como nos mostra o Santo Evangelho e, de modo particular, sua ressurreição, confessemos com São Tomé: Meu Senhor e meu Deus. É essa a conclusão do Santo Evangelho: Meu Senhor e meu Deus. Se Cristo é nosso Senhor e nosso Deus, como não segui-lo em todas as coisas? Como não segui-lo em todas as coisas com alegria e entusiasmo, mesmo nas cruzes? Se Cristo é nosso Senhor e nosso Deus – e Ele o é – precisamos agir em consequência, caros católicos. Precisamos aderir a Ele e a sua Igreja com toda a nossa inteligência, com toda a nossa vontade, com toda a nossa alma, com todo o nosso ser. É dessa adesão total a Nosso Senhro que virá essa verdadeira paz que Cristo deseja três vezes aos seus discípulos no Evangelho de hoje. Poderíamos chamar esse domingo de “domingo da paz”, “domingo da paz de Cristo”, que não é a falsa paz do mundo, do politicamente correto, do indiferentismo religioso, do relativismo, do bom mocismo. A paz de Cristo não exclui o bom combate, mas o pressupõe. Ela exclui, isso sim, o pecado e nos dá a tranquilidade pela graça, pela ordenação da nossa vida a Deus. Para alcançar essa paz, precisamos do sacramento da confissão, instituído por Cristo junto com esse desejo de paz: “recebei o Espírito Santo: a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados”. Para alcançar essa paz, morramos com Cristo para o pecado e nasçamos novamente com Ele para a vida da graça, para vida segundo a vontade divina. Para ter essa paz, confessemos com toda força e clareza que Cristo é Deus com nossas palavras e com nossas obras. É essa a fé que venceu e vence o mundo. Não tenhamos medo. É a nossa fé que opera pelas obras que vence o mundo, que nos traz a paz e a vida eterna.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

 

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