[Sermão] “Se há tantos milagres, há uma razão”

Sermão para o 20º Domingo depois de Pentecostes (14 de outubro de 2012) 

Padre Daniel Pinheiro

Dicit ei Jesus vade filius tuus vivit.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave Maria…

“Reconheceu, então, o pai, ser aquela mesma hora em que Jesus lhe dissera: Teu filho vive. E creu ele, e toda a sua casa.”

No Evangelho de hoje, São João nos narra o milagre da cura do filho do oficial do rei. Durante todo o Evangelho abundam os milagres de Nosso Senhor Jesus Cristo. Se há tantos milagres, deve haver uma razão para tanto. Nosso Salvador faz tantos milagres para confirmar a verdade de seu ensinamento e de sua divindade, mas também para mostrar a sua bondade exercendo uma grande misericórdia para com os homens.

O milagre é, por definição, algo feito por Deus fora da ordem da natureza. É uma alteração passageira e pontual da ordem natural, que supera sem dúvida as forças de toda a natureza criada. Acima de todas as criaturas e acima de toda a ordem natural está unicamente Deus. Assim, onde há um verdadeiro e autêntico milagre que altere a ordem natural, devemos concluir que ali está Deus, agindo diretamente por si ou por meio de uma criatura.

É preciso, porém, muita cautela para se afirmar que algo se trata de um milagre. Mas é preciso também reconhecê-lo quando ele existe. E no caso de Nosso Senhor isso é evidente. Ele fala, e os cegos vêem, os surdos ouvem, a língua dos mudos se desata, os paralíticos andam, as enfermidades desaparecem num instante; os que acabam de morrer voltam à vida, os que já estavam sendo levados para o sepulcro saem do caixão, os que enterrados depois de alguns dias e já com o mau cheiro característico, se levantam e saem de seu túmulo. O mar e as chuvas obedecem à voz de Cristo.  Naturalmente falando, tudo isso é impossível. Realizar tais obras pelas simples palavras, ou por um simples gesto, ou utilizando meios desproporcionais como um pouco de saliva e de terra é impossível a toda e qualquer criatura. Uma palavra, um gesto, uma ordem aos elementos da natureza e às doenças, uma ameaça ao demônio basta para Cristo realizar tais coisas. Pela qualidade das obras e pelo modo de fazê-las, fica claro que nesse caso é Deus quem age. E quando Deus age para confirmar um ensinamento, tal ensinamento é necessariamente verdadeiro, de outra forma seríamos enganados por Ele, o que é impossível. Então, aquilo que Cristo ensina é verdadeiro e como Ele nos ensinou a sua divindade abertamente, dizendo, por exemplo, “Eu e o Pai somos um”, devemos confessar que Cristo é verdadeiramente homem e verdadeiramente Deus.

Cristo fez milagres sobre os anjos, colocando-os a seu serviço diante dos homens em seu nascimento, em sua ressurreição, em sua ascensão. Cristo fez milagres sobre os demônios expulsando-os com uma simples palavra. Cristo fez milagres sobre os corpos celestes, com a estrela que guiou os magos, com os céus se abrindo quando de seu batismo por São João Batista, com as trevas que se fizeram presentes durantes sua crucificação. Cristo fez milagres sobre os homens, ressuscitando três, curando toda espécie de enfermidade: lepra, febre, paralisia, cegueira, surdez, mudez, curando à distância, etc. Cristo fez milagres sobre as criaturas racionais, com pescas milagrosas, tempestade acalmada, secando a figueira, multiplicando os pães, rasgando o véu do templo, produzindo terremoto quando de sua morte, etc. Podemos constatar, então, que toda a criação está sob a realeza de Cristo.

Cristo começou a fazer milagres somente ao iniciar a sua vida pública, a sua pregação. Se Cristo fez milagres para confirmar a sua doutrina e para manifestar sua divindade, não convinha que fizesse milagres antes de começar a pregar e sabemos que ele começou a ensinar somente aos 30 anos. E se Cristo deveria mostrar a sua divindade pelos milagres, não convinha fazê-los desde a sua infância, a fim de que a realidade de sua humanidade não fosse colocada em dúvida. Assim, não devemos dar crédito a revelações privadas que contam milagres de Cristo durante a sua infância. São João diz claramente que o milagre nas bodas de Caná foi o primeiro que Jesus fez, manifestando sua glória, e seus discípulos acreditaram nele.

Mas se os milagres têm como finalidade primeira mostrar a veracidade do ensinamento de Cristo e de sua divindade, eles são também expressão de sua infinita bondade misericordiosa. Vemos isso claramente no Evangelho: ao sair da barca, viu uma multidão numerosa, teve compaixão e curou os enfermos; teve compaixão dos que o seguiam e estavam com fome, teve piedade dos cegos em Jericó etc. A pedido de sua Mãe, reconhecendo o embaraço dos noivos em Caná, transformou a água em vinho.  E o povo judeu reconheceu essa bondade de Nosso Senhor e se admirava muito, dizendo: “Ele fez bem todas as coisas. Fez ouvir os surdos e falar os mudos!”

Devemos notar, acerca dos milagres de Cristo, que Ele nunca realizou um milagre em benefício próprio. Sofre de fome durante quarenta dias no deserto, mas não quer transformar as pedras em pão. Tem sede ao lado de um poço, mas, no lugar de saciar sua sede com um milagre, pede água à samaritana. Permite a seus carrascos que o maltratem e o matem na cruz, enquanto podia com uma simples ordem ser defendido por legiões de anjos. Os milagres são para os outros. São para o bem físico dos outros, mas sobretudo para o bem espiritual dos outros, para que possam acreditar em Cristo e reconhecer sua bondade e misericórdia. Devemos destacar também que Cristo nunca operou milagres supérfluos ou por capricho. Todos corresponderam, justamente, a uma necessidade física ou moral.

No Evangelho de hoje, no milagre da cura do filho do oficial do rei, não é diferente. Nosso Senhor cura um doente à distância, dizendo simplesmente “Vai, o teu filho vive.” Pode um homem fazer tal coisa? Pode um anjo fazer tal coisa? Sem dúvida, não. Só Deus pode fazer isso diretamente ou indiretamente. Cristo, sendo verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem, o faz. Cristo sabe que os homens precisam dos milagres para poder acreditar em seu ensinamento. Ele mesmo o diz: Vós, se não virdes milagres e prodígios, não credes. Todavia, há um limite para os milagres, pois uma vez realizado um número sufciente para comprovar a veracidade do ensinamento, já não são mais necessários. Hoje, os milagres já não são necessários, embora ainda existam muitos, em particular em Lourdes.  Nosso Senhor é movido, então, pela compaixão face ao sofrimento desse pobre pai e cura seu filho. Nosso Senhor age em benefício de outrem e jamais em benefício próprio.  E Nosso Senhor age não somente para curar fisicamente, mas sobretudo para dar a vida sobrenatural: o pai, tendo constatado a cura do filho, acreditou em Nosso Senhor Jesus Cristo junto com toda a sua casa. Os milagres supõem a fé ou terminam, em certo sentido, gerando a fé.

Reconheçamos, então, nos milagres de Cristo a confirmação inquestionável de sua divindade e de todo o seu ensinamento e reconheçamos também a sua bondade e misericórdia infinitas. Da mesma forma como Cristo ajudou àquelas pessoas quando esteve fisicamente presente entre os homens, ele nos ajudará. Os milagres são hoje mais escassos, pois já temos motivos suficientes para reconhecer a divindade e a bondade de Cristo. Mas se for necessário, Cristo nos ajudará até mesmo com milagres.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

Nota do editor: destaques são nossos.

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