[Sermão] A fé e as obras

IMPORTANTE: Ver abaixo a programação para os próximos sábado e domingo

 

Sermão para o V Domingo depois da Páscoa
25 de maio de 2014 – Padre Daniel Pinheiro

ÁUDIO: Sermão para 5º Domingo depois da Páscoa 25.05.2014

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave Maria…

“Irmãos, sede realizadores da palavra e não vos contenteis apenas de a ouvir, iludindo-vos a vós mesmos.”

Essa frase da Epístola de São Thiago nos traz um ponto essencial de nossa religião católica. Não basta ouvir a Palavra de Deus, que nos foi dada por Cristo. É preciso realizar o que Cristo nos ensinou. A mesma doutrina está contida na coleta, em que pedimos a Deus não só o bem de pensar no que é reto, mas pedimos igualmente o bem de poder realizar o que é reto. Em outras palavras, caros católicos, não basta ter a fé, que nos vem pelos ouvidos, não basta acreditar. Continuar lendo

[Sermão] O que faz na terra o Espírito Santo?

Sermão para o IV Domingo depois da Páscoa
18 de maio de 2014 – Padre Daniel Pinheiro

 

ÁUDIO: Sermão para o 4º Domingo depois da Páscoa 18.05.2014

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave Maria…

“Quando vier, porém, o Espírito de verdade, ele vos ensinará toda a verdade.”

Caros católicos, a liturgia da Santa Igreja começa já a nos preparar para a Ascensão de Nosso Senhor. E, juntamente com a Ascensão de Nosso Senhor, ela nos prepara também para a Festa de Pentecostes. Quando Cristo diz que deve voltar ao Pai, que o enviou, a alma dos discípulos fica repleta de tristeza. Ele promete, então, enviar o Espírito Santo, o Consolador, e diz o que o Espírito Santo fará. E não está dito que o Espírito Santo virá primeiramente para dar os dons carismáticos. Não, a essência da vinda do Espírito Santo, não é o dom de línguas, nem o dom de cura ou outro dom extraordinário. O Espírito Santo tem sua vinda partilhada em três aspectos: quanto ao mundo, quanto a nós e quanto a Nosso Senhor Jesus Cristo.

Quanto ao mundo, o Espírito Santo vem convencê-lo do pecado, da justiça e do juízo. O Espírito Santo vem reprovar ao mundo todos os seus pecados, sobretudo o da incredulidade, da falta de fé naquilo que NS ensinou. O Espírito Santo condena a incredulidade pela sua ação na história, em particular pela história da Igreja. Vendo como a Igreja se desenvolveu, desde os apóstolos até hoje, guardando intactos os ensinamentos de Cristo, apesar de todas as perseguições violentas e de todas as heresias, podemos constatar a verdade dos ensinamentos de NSJC. Tantos motivos para crer em Nosso Senhor e na sua Igreja, mas os homens preferem crer irracionalmente em mestres criados por eles mesmos, ou preferem acreditar na própria vontade. O Espírito Santo reprova ao mundo também os outros pecados, toda classe de pecados, servindo-se, para tanto, da pregação dos apóstolos e dos sucessores deles, servindo-se da fortaleza heroica dos mártires, da ciência dos doutores da Igreja, do exemplo dos santos. Muitas vezes, o Espírito Santo reprova ao mundo o pecado, servindo-se de castigos, como, por exemplo, a destruição de Jerusalém pelo imperador Tito no ano 70, ou pela tomada de Constantinopla pelos maometanos em 1453, ou ainda pela infiltração de algum erro entre os católicos.

Quanto ao mundo também, o Espírito Santo vem convencê-lo da justiça. Nosso Senhor foi basicamente acusado de duas coisas: de ser um pecador, e de ter blasfemado ao declarar-se Deus, afirmando ser verdadeiramente Filho de Deus. O Espírito Santo vem para estabelecer a santidade de Nosso Senhor Jesus Cristo e a sua divindade. E isso já desde Pentecostes, em que São Pedro, pela sua pregação, restabelece a justiça e a verdade quanto a Nosso Senhor Jesus Cristo. E são esses os dois pilares da pregação da Igreja: a santidade de Cristo e a sua divindade. O Espírito Santo mostra, pelos santos, como aquele que se assemelha e imita Nosso Senhor se torna verdadeiramente bom. O Espírito Santo mostra ao longo da história, como uma sociedade que se baseia em Nosso Senhor Jesus Cristo e nos preceitos de sua Igreja floresce em todos os aspectos, mas sobretudo na virtude, onde se encontra o bem do homem. Ele mostra como uma sociedade que não se baseia em Cristo tende ao caos. Portanto, o Espírito Santo reprova ao mundo sua injustiça e mostra a esse mesmo mundo a santidade e a divindade de Nosso Senhor. Nosso Senhor está hoje no lugar que lhe é devido em justiça: a direita do Pai.

Ainda quanto ao mundo, o Espírito Santo o convencerá do juízo, isto é, da condenação do príncipe do mundo, o demônio. Pela morte na cruz e pela ressurreição de NS, o demônio foi derrotado. Qualquer alma, unindo-se a Cristo pela fé e caridade, pode derrotar o demônio e o pecado. O Espírito Santo vem para nos mostrar que a vitória está com Cristo e com seus seguidores, para mostrar que Cristo venceu o mundo. Ele vem para mostrar que o demônio e o pecado já estão condenados.

Quanto aos homens, o Espírito Santo vem para ensinar toda a verdade, para consolar e para fortalecer. Ele vem para ensinar toda a verdade. Toda a verdade foi revelada pelo Espírito Santo aos Apóstolos. A Revelação termina com o último apóstolo, que foi São João Evangelista. A Igreja não foi instituída para inventar ou ensinar novidades, mas para defender, guardar, explicitar e propagar as verdades Reveladas por Cristo e pelo Espírito Santo aos apóstolos. O Espírito Santo, com sua assistência, assegura a fidelidade da Igreja à verdade revelada, garantindo assim que o ensinamento de Cristo chegue até o final dos tempos. Foi o Espírito Santo que deu a coragem e o zelo missionário aos apóstolos em Pentecostes, para que eles propagassem a boa-nova do Evangelho até os confins da terra. O Espírito Santo nos ensina a verdade iluminando as nossas inteligências, para que possamos conhecer e aderir às verdades reveladas por Cristo e por Ele.

Também quanto aos homens, o Espírito Santo vem para consolá-los. Ele vem sustentar os justos nas provações da vida cristã, para ajudá-los nas desgraças. Ele vem para nos fazer ver Jesus e a alegria no meio das cruzes. Ele vem para nos encorajar no bom caminho, neste vale de lágrimas em que vivemos. O Espírito Santo vem para nos unir em tudo a Nosso Senhor Jesus Cristo. E Ele vem consolar não só os pecadores, mas também os justos, ferindo-os com o remorso, estimulando-os ao arrependimento, fazendo-os ver que o perdão dos pecados e a conversão da vida é perfeitamente possível.

Ainda quanto aos homens, o Espírito Santo vem fortalecê-los, para que possam resistir a todas as adversidades desse mundo que já podemos chamar, com toda exatidão, de completamente pagão. Os ataques do demônio e dos outros espíritos malignos que vagueiam pelo mundo para perder as almas são inúmeros. Nesse combate, contra esse ambiente anticatólico em que as pessoas vivem totalmente esquecidas de Deus e entregues por completo às coisas da terra, é necessária essa fortaleza dada pelo Espírito Santo. Precisamos dessa fortaleza para resistir às falsas máximas do mundo : “Deus é bom e compreensivo, não vai nos condenar por nos divertirmos um pouco; comer bem, vestir-se segundo a moda, divertir-se muito, é isso que se deve procurar; o principal é a saúde e uma vida longa” e assim por diante. Precisamos do Espírito Santo para resistir às zombarias e perseguições do mundo contra a vida de piedade, contra os vestidos honestos e decentes, contra a delicadeza de consciência na profissão e em todas as ações. Precisamos dessa fortaleza dada pelo Espírito Santo para resistir às zombarias contra as leis santas do matrimônio, leis que o mundo julga antiquadas ou impossíveis de serem praticadas, leis que o mundo subverte completamente. É preciso dessa fortaleza para resistir aos escândalos e maus exemplos praticamente onipresentes, bastando sair às ruas para vê-los, ou abrir um jornal, ou mesmo escutar uma conversa por acaso… Precisamos dessa fortaleza para resistir às diversões cada vez mais abundantes e refinadas e imorais: teatros, músicas, filmes, danças, praias, piscinas, jornais, revistas, modas indecentes, conversas torpes, piadas provocadoras, frases de duplo sentido. O mundo parece nos indicar que para se divertir é preciso pecar. Tal força dada pelo Espírito Santo nos vem primeiramente e principalmente do sacramento da crisma.

Finalmente, com relação a Nosso Senhor Jesus Cristo, o Espírito Santo vem para glorificá-lo. Jesus, com sua vinda à terra, glorificou Deus Pai, com sua obediência, com sua doutrina com seus milagres. Deus Filho glorificou o Pai, dando testemunho do Pai. Deus Espírito Santo vem para que Deus Filho seja glorificado, isto é, para que Nosso Senhor seja conhecido, amado e servido. O Espírito Santo assistindo a Igreja, propagou por toda a terra a verdade sobre Deus e sobre seu amor por nós.

Que grande graça é para nós a vinda do Espírito Santo, afastando-nos do pecado, da injustiça, do juízo de condenação e levando-nos a Jesus Cristo ao nos ensinar a verdade, ao nos consolar e nos fortalecer.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Sermão] Qual é a paz de Cristo?

Sermão para o Domingo da Oitava de Páscoa
28 de abril de 2014 – Padre Daniel Pinheiro

 

ÁUDIO: Sermão para o Domingo in Albis

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave Maria…

“Veio Jesus, estando as portas fechadas, e pôs-se no meio e disse: a paz seja convosco.”

Caros católicos, três vezes no Evangelho de hoje Nosso Senhor deseja a paz aos discípulos. É bem sabido que os judeus se saudavam desejando a paz uns aos outro. Todavia, o desejo de paz de Jesus não se reduz aqui a uma mera saudação de formalidade. As palavras de Jesus são um desejo de verdadeira paz, verdadeira paz que só é possível porque Ele ressuscitou dos mortos ao terceiro dia após a sua morte. Nosso Senhor é o Príncipe da paz.

Entre as profecias do Antigo Testamento sobre o Salvador, um dos nomes dados pelo profeta Isaías a Nosso Senhor é justamente o de Príncipe da Paz. E o profeta continua dizendo: “seu império será grande e a paz sem fim sobre o trono de Davi e em seu reino.” (Isaías IX,7). Zacarias, pai de São João Batista, diz no canto do Benedictus que Nosso Senhor “há de iluminar os que jazem nas trevas e na sombra da morte e que Ele há de dirigir os nossos passos no caminho da paz.” (Luacs I, 79) Assim que Nosso Senhor nasce, os anjos entoam as palavras: Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade. (Lucas II, 14). E São Paulo diz que Cristo veio para anunciar a paz aos que estavam longe, e a paz também àqueles que estavam perto, ou seja, aos pagãos e aos judeus. O mesmo apóstolo diz que Cristo é a nossa paz. (Efésios II, 14 e 17). Ainda São Paulo nos diz que Cristo restabeleceu a paz a tudo quanto existe na terra e nos céus ao preço do próprio sangue na cruz. (Colossenses I, 20). E durante a sua vida pública Nosso Senhor também nos fala da paz muitas vezes. Ele envia os apóstolos dizendo que ao entrar em uma casa devem desejar a ela paz (Mateus X, 12). À mulher curada do fluxo de sangue, Nosso Senhor diz: “Filha, a tua fé te salvou. Vai em paz e sê curada do teu mal.” (Marcos V, 34). Ao contemplar Jerusalém e a sua incredulidade, Cristo lamenta: “Oh! Se também tu, ao menos neste dia que te é dado, conhecesses o que te pode trazer a paz!” (Lucas XIX, 42). Aos díscipulos, na última ceia, o Salvador diz: “falo-vos essas coisas para que tenhais a paz em mim.” (João XVI, 33) E temos ainda os três desejos de paz que o Santo Evangelho de hoje menciona. Não há dúvida, caros católicos: Nosso Senhor é o Príncipe da Paz.

Todavia, Jesus Cristo diz também: “Não julgueis que vim trazer a paz à terra. Vim trazer não a paz, mas a espada.” (Mateus X, 34) Ou ainda, conforme São Lucas: Julgais que vim trazer paz à terra? Não, mas a separação.” Haveria, então, contradição nas palavras de Nosso Senhor? Ele veio trazer a paz ou a espada e a separação? É claro que não pode haver contradição nas palavras de Nosso Senhor, sendo Ele a própria Verdade, sendo Ele Deus. O próprio Cristo nos explica, quando na última ceia diz aos discípulos: “deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz. Não vô-la dou como o mundo a dá.” (João XIV, 27) Portanto, caros católicos, Nosso Senhor veio trazer a paz ao mundo, mas essa paz não é a paz como o mundo a entende. Qual é, então, a paz de Cristo?

A paz que nos trouxe Cristo é, antes de tudo, a paz com Deus. Com sua paixão e morte de cruz, pela nossa redenção, operada com seu sangue, Nosso Senhor nos traz a reconciliação com Deus, com a Santíssima Trindade. Com o seu sacrifício na Cruz, Cristo restabelece entre Deus e os homens a paz. Deus é aplacado pela caridade infinita de Nosso Senhor Jesus Cristo. A justiça divina é satisfeita pelos sofrimentos de Cristo suportados com tamanha caridade. O Homem-Deus estabelece a paz. Ele estabelece a paz para aqueles que desejam viver em união com Ele, pela fé, acreditando e aderindo incondicionalmente aos seus ensinamentos. Ele estabelece a paz para aqueles que desejam viver em união com Ele, pela caridade, praticando os seus mandamentos. Ele estabelece a paz para aqueles que desejam viver em união com Ele, pela fidelidade à Igreja e à sua doutrina perene. Ele estabelece a paz para aqueles que desejam viver em união com Ele, pela frequência aos sacramentos da confissão e da eucaristia. Ele estabelece a paz para aqueles que desejam se arrepender de seus pecados e que desejam se voltar para Deus. Tudo isso nos ordena a Deus. E a estabilidade, a tranquilidade nessa ordenação a Deus é justamente a paz. A verdadeira paz está fundada em Cristo. Nosso Senhor não veio trazer a paz no mundo, nem a paz do mundo. Ele veio trazer a paz entre Deus e os homens. Ele insiste, sobretudo, depois da sua ressurreição, mostrando que a plenitude dessa paz será alcançada com a vida eterna.

Além da paz entre Deus e os homens, a paz de Cristo é também uma paz do homem consigo mesmo. Aquele que adere aos ensinamentos de Cristo e pratica seus mandamentos, estabelece a devida ordem em sua vida. Essa ordem estável é a paz. Aquele que vive em estado de graça ordena e submete a inteligência e a vontade a Deus. Aquele que vive em estado de graça ordena os sentimentos, as emoções, as paixões, à inteligência e à vontade. Aquele que vive em estado de graça ordena os bens materiais para o bem da sua alma. Cristo, pelos seus méritos, nos dá a graça de ter uma vida ordenada, ordenada a Deus: bens materiais ordenados à alma, sentimentos ordenados à inteligência e à vontade, inteligência e vontade ordenadas a Deus.

Além da paz entre Deus e os homens, além da paz do homem consigo mesmo, Nosso Senhor traz também a paz entre os homens. Essa paz, no entanto, só será verdadeira quando for fundada na fé e na caridade, isto é, na adesão aos ensinamentos de Cristo e na prática da sua lei. Nunca se falou tanto em paz e nunca se viu tanta desordem. Isso ocorre porque se busca uma paz sem o Príncipe da Paz, que é Cristo. A verdadeira paz entre os homens existe quando eles cooperam mutuamente para ordenar a sociedade, para ordenar uns aos outros a Cristo. Muitos acham que a paz de Cristo é simplesmente unir as pessoas, um viver junto, evitando problemas, aceitando tudo o que o outro faz, mesmo os pecados. Muitos acham que a paz de Cristo é achar que todas as religiões são boas. Muitos acham que a paz de Cristo é evitar todo conflito. Muitos acham que a paz de Cristo é a união a qualquer custo. Essa é a paz do mundo, uma falsa paz. Não é a paz de Cristo. A paz de Cristo, baseada na fé e nos mandamentos, termina gerando, como Ele mesmo disse, a separação, porque nem todos desejam a verdadeira paz, mas se contentam com uma paz aparente e superficial. A paz de Cristo, nesse mundo que se opõe a Ele, é também uma espada de combate. A paz não é a mera ausência de conflitos, não é o políticamente correto, não é o simples bom mocismo. A paz não é a indiferença diante dos acontecimentos de nossa vida. Muita gente associa a paz hoje a um estado em que a alma já não deseja nada ou em que a alma não se preocupa com nada, procurando evitar assim todo sofrimento. Essa paz é própria de religiões esotéricas ou orientais. É uma paz pagã, ilusória, uma paz contrária à natureza humana e que causa enormes sofrimentos. É uma paz que destrói a nossa alma, alma que é feita justamente para amar o bem e sofrer pelo bem aqui nesse mundo. A paz do catolicismo é amar a Deus, o Bem, a Verdade e sofrer por Deus, pelo Bem, pela Verdade. A paz de Cristo é uma paz heróica. A paz é a tranquilidade, a estabilidade na ordem, na ordem a Deus. Portanto, a verdadeira paz entre os homens, na medida em que ela pode existir entre os homens, só pode ser uma paz fundada na fé e na caridade. A paz entre os povos e nações só será verdadeiramente uma paz quando povos e nações se subemterem a Cristo, Príncipe da Paz.

Para alcançar, então, a paz nesses três níveis, com Deus, consigo mesmo, com o próximo, é necessário combater. Conforme o antigo ditado latino: si vis pacem, para bellum, se queres a paz, prepara a guerra. Para alcançar a paz da graça será preciso separar-se do demônio, do pecado, do mundo. Para alcançar a paz será preciso separar-se das nossas paixões desordenadas. Para alcançar a paz será preciso, com frequência, desagradar às pessoas, pois é preciso agradar a Deus antes que aos homens. Cristo ressussistado passou antes pela cruz. Nesse mundo, a paz vai acompanhada da Cruz, do combate, da separação. A paz de Cristo é a vida da graça, a vida de união com a Santíssima Trindade.

Na Santa Missa, o padre saúda inúmeras vezes os fiéis com a saudação Dominus Vobiscum, o Senhor esteja convosco. O Bispo, nas Missas festivas, ao se dirigir aos fiéis pela primeira vez diz Pax vobis, a paz esteja convosco. As duas saudações, Dominus Vobiscum e Pax Vobis, têm o mesmo significado: que os fiéis estejam na graça de Deus, que ordenem as suas vidas a Deus. E os fiéis desejam a mesma coisa para o sacerdote: et cum spiritu tuo, e com o teu espírito, isto é, que a tua alma também esteja na graça do Senhor. Contemplemos Nosso Senhor Jesus Cristo ressuscitado e aceitemos a paz que ele nos dá. Paz que começa nesse mundo acompanhada da cruz e que será plena no céu.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Sermão] Dia de Finados

Sermão para o dia de Finados

02.11.2013 – Padre Daniel Pinheiro

Sermão de Finados de 2012: Rezar pelos fiéis defuntos e converter-nos a Cristo

Morte

Cripta de ossos dos capuchinhos em Roma

AUDIO: Sermão para a Missa de Finados – COmemoração de Todos os fiéis defuntos 2.10.2013

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

Ave Maria…

“Requiem aeternam dona eis, Domine, et lux perpetua luceat eis.”

Nesse dia da comemoração dos fiéis defuntos, a Igreja quer que nos voltemos para a as almas do purgatório, para que possamos, por meio de nossas súplicas, aliviar essas almas que sofrem enormemente pelo adiamento da visão beatífica. As almas que morreram em pecado venial ou que não expiaram completamente sobre a terra a pena devida por seus pecados já perdoados, encontram-se em grande sofrimento no purgatório. No pecado, há a culpa e a pena. A culpa é perdoada na confissão, se se trata de um pecado mortal, ou também fora da confissão, se se trata de um pecado venial. Mas, além da culpa, há a pena pelo pecado. Mesmo depois de perdoado o pecado, é preciso expiar por ele, satisfazer pelo pecado, para que a ordem lesada pelo pecado seja restabelecida. No purgatório, encontram-se, então, as almas que morreram em pecado venial ou que não expiaram inteiramente as suas penas.  O sofrimento no purgatório advém primeiramente do adiamento da visão beatífica, como dissemos. As almas do purgatório sabem que ainda não vêem Deus face a face somente por culpa delas, pela negligência em se desapegar dos pecados veniais quando estavam aqui na terra, pela negligência em reparar pelos pecados de que já tinham sido perdoadas. Sofrem também com uma pena sensível, com um fogo semelhante ao do inferno. A diferença com o inferno é justamente que essas penas são passageiras e a alma que está no purgatório sabe disso. Ao mesmo tempo, então, que é grande o seu sofrimento, grande é o seu consolo, pela certeza de poder chegar ao céu. O purgatório é fruto da justiça divina que exige satisfação pelos nossos pecados. Mas o purgatório é também fruto da misericórdia divina, pois sem essa purificação não poderíamos ver Deus face a face, já que Ele não pode admitir diante de si uma alma que tenha relíquias do pecado. Portanto, só podemos ser admitidos diante de Deus depois de expiar todas as penas devidas pelas nossas faltas. Sem o purgatório só iriam ao céu os que morreram sem nenhum pecado venial e que expiaram, aqui na terra, por todas as suas culpas, o que é raro. Assim, o purgatório é fruto também da misericórdia divina.

É um dever do cristão ajudar essas almas na medida do possível. Esse dever pode ser um dever de justiça, se alguém se encontra no purgatório por nossa culpa, por exemplo, devido aos nossos escândalos ou à nossa cooperação em um pecado. Ele é um dever de piedade filial quando se trata de parentes. Pode ser um dever de gratidão quando se trata de alguém que nos fez bem. Ou pode ser um dever de caridade, que nos faz desejar e agir para o bem do nosso próximo. Portanto, devemos rezar constantemente pelas almas dos fiéis defuntos, em particular pelos nossos parentes já falecidos e por aqueles que, eventualmente, lá estão por nossa culpa. E, claro, o melhor meio de fazê-lo é encomendando Missas e aplicando-lhes as indulgências que podem ser aplicadas a eles. Uma indulgência plenária aplicada a uma alma do purgatório a leva diretamente ao céu, pois a indulgência plenária serve justamente como satisfação de todas as penas. Ao se fazer a obra prescrita na indulgência, nas condições prescritas, os méritos de Cristo, de Nossa Senhora e dos Santos são aplicados à alma, satisfazendo pela sua pena. Nas indulgências, a Igreja aplica os tesouros que lhe pertencem para satisfazer a pena pelos pecados já perdoados. A indulgência não perdoa um pecado, ela não perdoa a culpa do pecado. Isso só com o arrependimento e, se for pecado mortal, é preciso também a confissão. A indulgência paga a pena. Portanto, para lucrar uma indulgência, é preciso já ter os pecados perdoados. Não se trata de comprar o céu, mas de chegar mais rapidamente a ele, pela prática de uma boa obra, como visitar uma Igreja, um cemitério, fazer certas orações, etc. Muito importante, então, ajudar as almas do purgatório, pelas Missas, pelas indulgências, mas também pelas orações no dia-a-dia, etc…

A Igreja, na Missa de Requiem , na Missa de Defuntos, nos dá algumas lições para esse dia de finados. Nas cerimônias das Missas de Defuntos, ela está mais preocupada com as almas dos fiéis defuntos do que com os vivos. Assim, o salmo 42, recitado ao pé do altar é omitido. Esse salmo diz que nossa alma não deve estar triste. Todavia, como na Missa de Defuntos temos razão de possuir uma certa tristeza, a Igreja omite esse salmo. Em seguida, quando o Padre recita o Introito na Missa de Réquiem, ele faz o sinal da cruz sobre o Missal e não sobre si mesmo, como que abençoando os fiéis defuntos, para o alívio deles. A Igreja omite também o Gloria Patri no Intróito e no lavabo. Também o Gloria in Excelsis Deo é omitido, bem como o aleluia. Antes do Evangelho o Padre não recita a oração que pede para si mesmo a bênção, pois a leitura do Evangelho, que é um sacramental que nos perdoa as faltas veniais, se estamos arrependidos, e pode nos perdoar também as penas, deve beneficiar aqui somente aos fiéis defuntos. Pela mesma razão, ao fim do Evangelho, o Padre não beija o livro e não pede que nossas faltas sejam perdoadas. Não o faz porque tudo isso deve ser aplicado em benefício das almas do purgatório. Na hora do ofertório, o Padre não faz o sinal da cruz para abençoar a água, pois a água aqui significa os fiéis vivos, sobre quem a Igreja ainda tem jurisdição. E como a Missa está sendo oferecida pelo repouso das almas dos fiéis defuntos, ela omite essa bênção da água. No Agnus Dei, não pedimos a misericórdia e a paz para nós, para pedirmos o descanso para as almas do purgatório. A primeira oração depois do Agnus Dei, que é também um pedido de paz, é omitida nas Missas de Réquiem, pois pedimos a paz para eles e não para nós. No final, não se diz o Ite Missa est, mas Requiescant in Pace, outro um pedido para que os fiéis defuntos descansem em paz. Não há a bênção final, pois, assim como no Introito, a bênção, na Missa de Réquiem, deve ser para eles e não para nós. E hoje, depois da Missa, faremos a benção sobre a essa, essa espécie de caixão vazio e que representa todos os fiéis defuntos. E durante a Missa, quantas vezes a Igreja clama: réquiem aeternam dona eis domine. Dai-lhes senhor, o descanso eterno.

Imitemos a Santa Igreja e, no dia de hoje e na próxima semana, reforcemos as nossas orações pelos fiéis defuntos, sobretudo nossos familiares.

Se podemos fazer bem aos fiéis defuntos, eles também podem nos fazer algum bem. Em particular, eles nos ajudam lembrando-nos o fim de todos nós nessa vida, que é a morte. Do túmulo eles nos dizem: hodie mihi, cras vobis. Hoje, a morte é para mim. Amanhã, será para vocês. Eles nos lembram que a morte há de chegar, e por mais que ela tarde, ela chega rapidamente, em 70, 80, 90 anos. Eles nos alertam também ao dizer: hic iacet pulvis, cinis, nihil, aqui jaz pó, cinza, nada. É tudo o que temos nesse mundo: pó, cinza, nada.

Tumba de Antônio Barberini na Igreja dos Capuchinhos em Roma

Tumba de Antônio Barberini na Igreja dos Capuchinhos em Roma

A única coisa que não passa é a morte em estado de graça ou em pecado mortal. Todo o resto será devorado pelo tempo. Portanto, ao rezar pelos mortos, lembremo-nos de que nós também vamos morrer e que não sabemos o dia de nossa morte. Precisamos sempre estar preparados. Não deixar nossa conversão para mais tarde em nossas vidas, não deixar para o ano que vem ou para o mês que vem ou para amanhã. Não, precisamos estar preparados agora. São dois os momentos mais importantes da nossa vida, em que pedimos para que Nossa Senhora reze por nós: agora e na hora de nossa morte. É preciso que a gente considere sempre que o agora pode ser a hora de nossa morte.

Nesse dia, devemos fazer o bem às almas dos fiéis defuntos e convertermo-nos a Deus.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Sermão] A importância das rubricas na liturgia

Missal Rubricas

Sermão para o 21º Domingo depois de Pentecostes

13.10.2013 – Padre Daniel Pinheiro

ÁUDIO: Sermão para o 21º Domingo depois de Pentecostes Importância das Rubricas 13.10.2013

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

Ave Maria…

“Todas as coisas dependem, Senhor, da vossa vontade e nada há que possa lhe resistir.” (Intróito)

Já tratamos, caros católicos, de alguns aspectos da Missa no Rito Romano Tradicional. Já tratamos do latim na liturgia, já tratamos da orientação do Padre, voltado para Deus e não para o povo, já tratamos do silêncio. E vimos a importância fundamental de todas essas coisas. Consideraremos, hoje, os benefícios, para nós e para a Igreja, que advêm das rubricas precisas e bem determinadas do Rito Romano Tradicional.

Antes de tudo, precisamos compreender o que são as rubricas. Nos livros litúrgicos nós encontramos textos em duas cores. Existem textos em preto e textos em vermelho. Os textos em preto são aquelas coisas que o sacerdote deve falar – em voz alta ou baixa, mas que deve falar. Os textos em vermelho descrevem e explicam o que o Padre deve fazer. As coisas em vermelho são as regras litúrgicas. Da cor vermelha vem o nome de rubrica, que vem de rubro, vermelho. No Rito Tradicional, as rubricas são bem precisas, bem determinadas. São raríssimas as opções no Rito Romano Tradicional. Portanto, a Igreja, assistida pelo Espírito Santo e, sobretudo, por meio de Papas santos – como São Leão Magno, São Gregório Magno, São Pio V – estabeleceu, ao longo dos séculos e baseada no que recebeu de NS e dos apóstolos, com precisão como deveria ser o Rito da Missa. Os senhores, frequentando a Missa Tradicional há um certo tempo, já perceberam que variações são praticamente inexistentes.

É comum ouvirmos críticas com relação à liturgia tradicional afirmando que se trata de uma liturgia engessada, sem espontaneidade, sempre a mesma coisa… Essa determinação precisa dos ritos e cerimônias, caros católicos, é, ao contrário, fundamental e é um grande bem. Primeiramente, as rubricas precisas formadas ao longo dos séculos pelo Espírito Santo, como falamos, deixam claro que é Deus que determina como ele deve ser cultuado. Não somos nós que decidimos como Deus deve ser cultuado, não somos nós que decidimos em um escritório como deve ser o rito da Missa ou que decidimos pelo improviso como Deus deve ser cultuado. Se nós consideramos a Sagrada Escritura, no livro do Levítico nós vemos as inúmeras e precisas regras estabelecidas por Deus de como ele deveria ser cultuado. Ora, se Deus fez isso com os sacrifícios e ritos que eram mera prefiguração do sacrifício perfeito de Nosso Senhor Jesus Cristo, convinha muitíssimo que Ele estabelecesse regras precisas de como deve ser cultuado na nova e eterna aliança. Deus, infinitamente sábio, conhece a fraqueza humana e sabe que, deixando o culto ao arbítrio do homem, grandes abominações serão feitas. Portanto, as rubricas bem determinadas nos dizem que é Deus que estabelece como Ele deve ser cultuado, é Ele que determina o que o agrada. Não somos nós que determinamos como Deus deve ser cultuado.

Em seguida, as rubricas precisas, como consequência óbvia do que acabamos de dizer, deixam claro que a liturgia é teocêntrica, o centro é Deus e não nós, os homens. As rubricas bem determinadas manifestam que a liturgia é algo voltado para Deus e não para o homem. Se pudéssemos determinar como Deus deve ser cultuado, no fundo seríamos nós o centro da liturgia, pois escolheríamos o modo de cultuar Deus que mais nos agrada. A liturgia se tornaria algo para nos agradar e não para agradar a Deus. Assim, as rubricas bem precisas nos mostram que é Deus que determina como Ele deve ser cultuado e nos mostra que o centro da liturgia é Deus, que a finalidade da liturgia é agradar a Deus e não a nós mesmos. Se queremos chegar ao céu, devemos agradar a Deus e não a nós mesmos. O rito bem determinado, com rubricas precisas, nos dá essa grande lição. Achar que estamos agradando a Deus, quando agradamos a nós mesmos, é um dos grandes erros dos nossos tempos.

As rubricas bem determinadas tiram, então, a liturgia do nosso controle e domínio. Não somos nós que determinamos como deve ser a liturgia, mas Deus. O fato de não termos controle e domínio sobre a liturgia nos mostra que ela está acima de nós, que é algo sagrado. Aquilo sobre o que eu tenho controle e domínio é inferior a mim. Ao contrário, aquilo que é determinado independentemente da minha vontade por Deus, é superior a mim, é sagrado. As rubricas bem determinadas nos inspiram, portanto, grande respeito e veneração pela liturgia, porque nos fazem compreender que a liturgia é algo sagrado. E diante do sagrado, do mistério, nossa inteligência não se cansa, apesar da repetição. Ao contrário, a repetição que surge das rubricas bem determinadas e da falta de opções nos permite compreender cada vez mais profundamente o mistério e nos unir melhor a NSJC. Se a cada Missa houver uma novidade, nossa atenção vai se voltar para essa novidade e não para o essencial do que está ocorrendo e nossa compreensão do mistério permanecerá sempre superficial. Procuraremos a novidade que agrada aos sentidos e não a profundidade que nos une a Deus. Ao mesmo tempo, essa repetição dos ritos permite ao sacerdote se concentrar cada vez mais no mistério que ele realiza e, portanto, permite ao sacerdote rezar a Missa cada vez com maior devoção, gerando mais frutos para as almas. A repetição é um grande bem na liturgia.

As rubricas precisas trazem consigo outros grandes benefícios espirituais. O primeiro benefício espiritual é uma grande paz. Uma grande paz para o sacerdote e uma grande paz para os fiéis. Só estamos verdadeiramente em paz, quando sabemos que estamos fazendo a vontade de Deus. A paz não é um sentimento, mas é a consequência de sabermos que estamos fazendo a vontade de Deus, que estamos fazendo aquilo que agrada ao Senhor, ainda que em meio aos maiores tormentos e combates. Ora, com o rito bem determinado pela Igreja ao longo dos séculos, sem as inúmeras opções, estamos certos de estarmos fazendo a vontade de Deus, de estarmos agradando a Deus, cultuando-o conforme Ele quer. Isso deve nos trazer uma grande paz. Com as rubricas precisas, estamos seguros de que fazemos a vontade de Deus. Isso traz uma grande paz para o Padre, em particular, porque ele não tem que se preocupar com o que ele vai escolher para agradar mais aos fiéis, ou para adaptar melhor a liturgia. O Padre não tem que se preocupar em escolher o rito penitencial 1, 2 ou 3. O Padre não tem que se preocupar em escolher tal ou tal prefácio. O Padre não tem que se preocupar em escolher tal ou tal Oração Eucarística. Não, tudo já está determinado, ele pode ficar absolutamente tranquilo de estar agradando a Deus e fazendo o bem para os fiéis. Isso dá na verdade uma grande liberdade ao Padre, pois não fica preso ao seu gosto, ao gosto dos fiéis, ao gosto da pastoral disso ou daquilo. Despreocupado de escolher entre as diversas opções, o Padre pode esquecer a si mesmo, para agir como outro Cristo realmente, e isso traz grandes benefícios para ele e para os fiéis.

As rubricas bem determinadas são também uma mortificação, uma negação de si mesmo, pois nos impedem de controlar a liturgia e nos ensinam a conformidade com a vontade de Deus. Quando controlamos algo tiramos disso uma satisfação. Controlar a liturgia ou determiná-la conforme a nossa preferência nos daria uma satisfação desordenada, pois estaríamos submetendo um bem espiritual aos nossos sentimentos. As rubricas bem determinadas impedem que um grupo imponha a sua espiritualidade ou falta de espiritualidade aos outros fiéis. As rubricas impedem as Missas carismáticas, as Missas das crianças, a Missa disso e daquilo. As rubricas deixam claro também que a liturgia não deve ser basear na personalidade do sacerdote. Hoje é muito comum ouvirmos: gosto da Missa do Padre tal, gosto da Missa daquele outro Padre. Isso é um sinal de que os Padres fazem a Missa corresponder à vontade deles. Tem algo gravemente errado nisso. A Missa é da Igreja e não do Padre tal ou tal.

Colocando Deus no centro, fazendo-nos cumprir a vontade de Deus, fazendo com que neguemos a nós mesmos, as rubricas precisas favorecem também a virtude da obediência. Ora, se na Missa, na liturgia, que é o que há de mais importante, eu posso fazer as coisas conforme a minha vontade, porque terei que obedecer em outras coisas menos importantes? As rubricas são indispensáveis para que haja a virtude da obediência, a prontidão em se obedecer às legítimas ordens dos superiores.

São inúmeros, caros católicos, os benefícios trazidos pelas rubricas precisas do Rito Romano Tradicional. Digo do Rito Romano Tradicional porque, infelizmente, a liturgia reformada em 1969 possui rubricas, sim, mas são tantas as opções permitidas pelas rubricas, que, no fim das contas, o princípio por trás das novas rubricas é praticamente faça como quiser. Pode-se escolher entre tantos ritos iniciais, posso escolher entre tantos ritos penitenciais, posso escolher entre tantas orações universais, posso escolher entre tantas orações eucarísticas… No fundo, é praticamente como se fosse dito, faça como quiser. E a psicologia humana funciona dessa forma. Acostumados a fazermos sempre as nossas vontades nas coisas lícitas, passaremos facilmente a fazer as coisas ilícitas. É regra de ouro na vida espiritual mortificar-se mesmo nas coisas lícitas para evitar mais facilmente as ilícitas. Quem faz sempre a própria vontade nas coisas lícitas, passará facilmente às ilícitas. Assim, das inúmeras opções permitidas pelas rubricas se passou rapidamente aos abusos, pois as inúmeras opções favorecem a nossa vontade própria e dão a impressão de que a liturgia é obra nossa e não de Deus, colocando-nos no centro. Além disso, tantas opções tiram a paz do sacerdote e dos fiéis, tiram o foco do sacrifício que se oferece no altar para nos focar nas opções, nas novidades. Daí, dessa grande liberdade nas rubricas, entre outras razões, o caos litúrgico que vivemos hoje, com tantos e tantos abusos, muitos deles graves.

O Livro dos Reis nos relata um exemplo interessante de abuso litúrgico. Heli era o sumo sacerdote naqueles tempos e ele tinha dois filhos que a Sagrada Escritura chama de filhos de Belial, dada a impiedade deles nos sacrifícios. Esses filhos de Heli pegavam indevidamente para si parte dos sacrifícios que os israelitas ofereciam, pegavam para si indevidamente a carnes dos animais oferecidos. Ou seja, colocavam-se no centro, no lugar de Deus. Grandes foram as consequências desses abusos dos filhos de Heli. A primeira dessas consequências que o povo se afastou dos sacrifícios, a segunda foi a morte dos filhos de Heli e a terceira foi a derrota de Israel para os filisteus e a conquista da Arca da Aliança pelos filisteus. E tão graves consequências por abusos nos sacrifícios que eram tão somente prefigurações do sacrifício imaculado de Cristo. Os abusos litúrgicos na Missa têm consequências semelhantes, caros católicos: eles afastam o povo devoto do sacrifício (até porque ninguém é obrigado a assistir a uma Missa em que ocorrem abusos litúrgicos sérios), fazendo que o povo perca o respeito pelo sacrifício, pelo que há de mais sagrado. Em seguida, os abusos litúrgicos prejudicam gravemente o povo, matando muitas almas espiritualmente, a começar pela alma do próprio sacerdote que o comete conscientemente. Finalmente, os abusos litúrgicos abrem largamente o flanco para que os inimigos da Igreja alcancem vitórias sobre ela e a humilhem. A negligência no que há de mais sagrado tem consequências gravíssimas e prejudica a salvação das almas. Tendo isso em vista, a Igreja sempre considerou que o sacerdote que não cumpre voluntariamente uma rubrica comete um pecado. Um pecado venial, se é uma rubrica sem maior importância, ou um pecado mortal, se é uma rubrica importante.

As rubricas bem precisas e bem determinadas da liturgia tradicional são um grande bem e um grande auxílio para a nossa vida espiritual e para a Santa Igreja. Elas são como as muralhas de um castelo, defendendo o tesouro da liturgia, do nosso maior tesouro.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Sermão] A orientação do sacerdote e o silêncio na Missa

Sermão para o 14º Domingo depois de Pentecostes
25 de agosto de 2013 – Padre Daniel Pinheiro

 

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave Maria…

“Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de aborrecer a um, e amar ao outro; ou há de afeiçoar-se a este, e desprezar aquele.”

Faz quase um mês consideramos brevemente a importância do Latim na Liturgia. Consideramos sua importância para a nossa vida espiritual, importância para o bem da Igreja. Hoje, consideraremos também brevemente os outros dois aspectos mais sensíveis quando se fala da Santa Missa no Rito Tradicional: a orientação do padre com relação a Deus e aos fiéis e o silêncio. Lembro que esses aspectos, embora sejam os mais visíveis, não são, porém, os mais importantes. São aspectos fundamentais e de grandíssima importância, mas não são os mais importantes. Os aspectos mais importantes da Missa Tradicional são suas orações riquíssimas doutrinariamente e espiritualmente, com todos os ritos que acompanham essas orações, que são também sacramentais que glorificam a Deus e imploram a sua misericórdia para conosco, pobres pecadores. Consideremos, então, a orientação do sacerdote, voltado para Deus, e o silêncio da Missa Tradicional.

É muito comum ouvirmos as pessoas se referirem à Missa Tradicional – muitas vezes com certo desprezo – como aquela Missa em que o Padre está de costas para o povo, como se fosse uma grande injúria ao povo, um crime de lesa-povo. Na verdade, o sacerdote não se encontra de costas para o povo, mas de frente para Deus, como é evidente. O sacerdote e fiéis estão olhando para o mesmo sentido, para Cristo, para Deus. Originalmente, sacerdote e fiéis se voltavam para o oriente, voltados para Cristo, chamado na liturgia de Oriens (Antífona “O”,por exemplo) de sol que nasce, de sol de justiça. Com o passar do tempo, muitas vezes já não se voltavam para o oriente geográfico, mas simplesmente para o mesmo sentido, para o mesmo lugar, para um oriente espiritual. É quase certo que, mesmo na última ceia, Cristo não estava de frente para os apóstolos. O modo de se dispor à mesa naquela época era bem distinto do nosso. Com o corpo reclinado, ficavam, em geral, todos do mesmo lado, segundo os estudos mais recentes. Tratava-se também de uma ceia ritual (páscoa judaica) e não de uma simples refeição. E mesmo se tivesse Cristo rezado a primeira Missa de frente para os apóstolos, nada mudaria em nossa argumentação, já que ao longo do tempo – e muito rapidamente, segundo atestações históricas, a Igreja estabeleceu a celebração voltada para Deus e não para o povo. Diz Bento XVI, no primeiro volume de suas obras completas (citado por Dom Athanasius Schneider em seu artigo sobre as cinco chagas da liturgia – Les cinq plaies de la liturgie) que “a ideia de que o sacerdote e a assembleia devem se olhar durante a oração nasceu com os modernos e – continua o papa – essa ideia é totalmente estranha à cristandade tradicional. O Padre e assembleia não se dirigem mutuamente uma oração, mas é ao Senhor que eles se dirigem. Por isso, na oração eles olham para a mesma direção: seja para o leste, como símbolo cósmico do retorno do Senhor, ou então, onde isso não é possível, olham para uma imagem de Cristo situada na abside, para uma cruz ou simplesmente olham juntos para o alto.”

Quando o sacerdote celebra a Missa virado para o povo, existe uma grande tendência de que o povo se torne o centro da Missa. Parece muitas vezes que a Missa é um diálogo do sacerdote com o povo, e a Missa permanece num plano quase exclusivamente horizontal – entre homens -, sem elevar-se a Deus, num plano vertical. A posição do padre virado para o povo é mais condizente com uma aula, com uma refeição, ou com uma situação de palco. Fazer da Missa uma pura catequese, fazer dela uma simples refeição ou um show são coisas que, consequentemente e infelizmente, vemos com frequência. Além disso, o Padre voltado para o povo e vendo a reação dos fiéis ao que está sendo feito e dito, tenderá fortemente a adaptar sua ação e seu discurso para agradar aos fiéis presentes, gerando inúmeros abusos.

Assim, a Missa em que o sacerdote dá as costas ao povo para voltar-se unicamente para Deus, coloca Deus no centro da liturgia e deixa claro que aquela ação é um ato de culto para Deus e não uma mera catequese ou reunião social. Deixa claro que não se trata de uma mera refeição e muito menos de um show para agradar aos fiéis presentes. Com o Padre voltado para Deus, ele conduz o povo a Deus e não vai no sentido oposto ao dos fiéis. Ele é o Pastor que conduz os fiéis ao Calvário e ao Céu, à Jerusalém Celeste. Sacerdote e fiel devem se dirigir ao mesmo lugar. O Padre voltado para Deus está na posição que convém ao mediador entre Deus e os homens: o sacerdote está diante de Deus, suplicando diante d’Ele em favor dos homens. O Padre está, dessa forma, voltado para o tabernáculo, onde está NSJC realmente e substancialmente presente e que convém muitíssimo que esteja no centro da Igreja e não em uma capela à parte. Ele está também voltado para a Cruz, colocada no centro do altar. É preciso ter bem presente na nossa inteligência que as nossas disposições espirituais mudam conforme nossa posição, conforme a arquitetura do lugar, etc., pois somos não só alma, mas também corpo. Assim, rezar ajoelhado, em pé ou sentado nos dispõe de maneira distinta para a oração, por exemplo. Consequentemente, por mais que se diga que espiritualmente estão todos voltados para Deus quando o Padre celebra a Missa voltado para o povo, os resultados são bem distintos, pois estão, de fato, voltados uns para os outros, olhando uns para os outros, dirigindo-se uns aos outros. Dessa forma, a posição do sacerdote, voltado para Deus é de importância enorme para uma boa liturgia, para colocar Deus no centro, para evitar fazer da Missa uma mera refeição ou um mero espetáculo. A posição do Padre na Missa Tradicional diminui a importância dos fiéis e diminui a importância do Padre. Todos diminuem para que Cristo possa crescer, como fazia São João Batista. Vale destacar que, teoricamente, o padre voltado para Deus não é exclusivo da Missa Tradicional. Seria possível fazê-lo também na liturgia oriunda da reforma litúrgica de 1969 do Papa Paulo VI. Na prática, todavia, é algo quase exclusivo da Missa Tradicional. A mudança na orientação dos padres foi talvez o que mais chocou os fiéis no processo de reforma da liturgia, pois a sensação foi de que o povo passava a ser o centro e não mais Deus.

O silêncio, ao contrário do latim e da orientação do padre, é próprio da Missa Tradicional. Falamos aqui do silêncio que advém do fato de muitas orações serem rezadas em voz baixa pelo sacerdote e que não é um silêncio artificial. Falamos do silêncio da própria Missa e não de um silêncio inserido na Missa. O silêncio na Missa Tradicional traz um grande benefício para a nossa vida espiritual. Antes de tudo, o silêncio permite que deixemos, mais uma vez, de ser o centro da Missa. Ora, aquele que fala é o centro das atenções. Se as pessoas falam constantemente durante a Missa elas terão grande tendência a achar que a Missa diz respeito, em primeiro lugar, a elas e não a Deus. As orações do Padre em voz baixa deixam claro também para o padre que não é a sua pessoa particular o centro da Missa. Não é ele que precisa aparecer. Essas orações em voz baixa e o consequente silêncio da Missa Tradicional deixam claro que o centro da Missa é Deus, é Cristo que renova o seu Sacrifício oferecendo-o à Santíssima Trindade. O Padre que fala em voz baixa é o centro da liturgia, mas não enquanto padre tal ou padre fulano, e, sim, enquanto instrumento de Cristo Sacerdote, de forma que o centro é claramente Cristo. Assim, colocando Deus como o centro, o silêncio nos ensina a caridade, que nos inclina a fazer tudo a partir de Deus, por amor a Deus.

O silêncio nos ensina também a mortificação. Pelo nosso orgulho, temos muitas vezes tendência a falar, a querer ser o centro das atenções. Pelo silêncio, negamo-nos a nós mesmos, às nossas inclinações, mortificamos os nossos sentidos e deixamos que Deus aja. Muitas pessoas que assistem à Missa Tradicional pela primeira vez se queixam do silêncio ou de não terem participado da Missa, etc. (Trataremos em outra ocasião da questão da autêntica participação na Missa). Na verdade, essas queixas se devem muitas vezes à simples repulsa por essa mortificação imposta pelo silêncio e pelo fato de não ser o centro da liturgia. O homem moderno tem grande dificuldade em deixar de ser o centro em livrar-se do antropocentrismo. Como sabemos, porém, a mortificação é indispensável para uma vida espiritual ordenada. O silêncio ajuda bastante nesse ponto: negação de si. O silêncio mostra que não precisamos ser o centro das atenções para que a Missa tenha sentido, mas que é justamente o oposto. A Missa tem sentido quando Deus é o centro.

O silêncio na Santa Missa coloca Deus no centro e nos mortifica. Ele também nos ensina a rezar. O fato é que, durante o silêncio, não há alternativa: ou a pessoa reza ou ela se distrai. Aceitar a distração seria um pecado, ainda que leve muitas vezes. A pessoa precisa, então, rezar, e rezar sozinha. O silêncio nos ensina o valor da oração individual, nos ensina a rezar e nos faz buscar o melhor meio para nos unirmos ao Sacrifício de Cristo, renovado diante de nós.

O silêncio, mortificando os sentidos, nos ajuda muito a considerar com a inteligência o que realmente importa durante a Santa Missa. O silêncio favorece o progresso na oração, nos conduzindo além da oração simplesmente oral. O silêncio nos permite considerar as verdades eternas e tomar a resolução, com o auxílio divino, de ajustar nossa vida a essas verdades. Em resumo, o silêncio favorece a meditação, meditação católica. Cada vez mais no mundo o silêncio é raro. Aonde vamos há alguma espécie de barulho de música, de televisão, de rádio, ou algo para ocupar nossa imaginação e inteligência com coisas sem importância. Todo mundo anda com seu fone de ouvido. Ora, sem silêncio não pensamos devidamente e, se não pensamos, não podemos aderir com firmeza a Deus. Esse barulho entrou também na Igreja, no centro da vida da Igreja que é a liturgia, infelizmente. O silêncio é necessário para a nossa vida espiritual e a Missa tradicional o favorece.

Ademais, o fato de a pessoa ter de rezar sozinha durante a Missa favorece a oração fora do contexto litúrgico e favorece, em particular, a oração individual, tão em desuso atualmente. Há uma tendência de muitos a considerar que a única oração que tem importância é a oração comunitária.  Assim, diante do silêncio, a pessoa tem de rezar, do contrário, ela se distrai. O silêncio favorece uma oração mais elevada, nos faz considerar o que realmente importa na Missa: o sacrifício de Cristo renovado para a glória de Deus, para o perdão dos nossos pecados.

Estamos falando aqui do silêncio litúrgico, que tira a pessoa do centro das atenções, que a mortifica, que a obriga – em certo sentido – a rezar. Muitas pessoas dizem que gostam muito do silêncio da Missa, apesar da presença de uma ou várias crianças na Capela ou próxima da Capela chorando, fazendo barulho. Esse silêncio litúrgico não é necessariamente um silêncio absoluto.  O silêncio litúrgico favorece, então, a oração e, consequentemente, a devoção, a prontidão no serviço de Deus.

Finalmente, o silêncio na Missa explicita o fato de que é o sacerdote que age na pessoa de Cristo e que é o sacerdote que renova o sacrifício do Calvário ao dizer as palavras da consagração. Não é o povo que consagra, não é o povo que celebra a Missa. É o sacerdote. Para deixar clara a diferença de papéis, o Padre reza as orações mais profundamente sacerdotais em silêncio: o ofertório, o cânon, as palavras da consagração. Um dia estava ensinando um padre a celebrar a Missa. Durante o treino ele falou as palavras da consagração em voz alta. Eu disse, então, que deveriam ser ditas em voz baixa. Ele disse que pensava que pelo menos as palavras da consagração eram ditas em voz alta. Na verdade, justamente as palavras da consagração são as que mais devem ser ditas em voz baixa, para deixar claro que quem realiza o mistério da Missa é o sacerdote agindo na pessoa de Cristo, independentemente dos fiéis, contra a concepção protestante da igualdade completa entre sacerdote e fiel. As orações em voz baixa, portanto, têm também um profundo sentido doutrinário.

Temos aqui, caros católicos, alguns aspectos que ilustram a importância da orientação do sacerdote e a importância do silêncio durante a Santa Missa. É uma importância grande para nossa vida espiritual e para a vida da Igreja. O silêncio, a orientação do Padre, voltado para Deus e o latim, de que já falamos em outra oportunidade, nos ajudam bastante a servir um só Senhor – a Santíssima Trindade – e a buscar em primeiro lugar o reino de Deus.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Sermão] Sobre o uso do latim na Liturgia

Sermão para o Décimo Domingo depois de Pentecostes
28 de julho de 2013 – Padre Daniel Pinheiro

 

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…

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Peço mais uma vez que rezemos pelo Santo Padre, o Papa Francisco, pelo Brasil, e para que haja bons frutos da visita do Papa ao nosso País, sobretudo quanto ao jovens.

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Gostaria de aproveitar a Missa Solene celebrada aqui hoje para tratar de um dos aspectos mais visíveis quando se fala da liturgia no Rito Romano Tradicional, em particular quando se fala da Missa Tradicional. Trata-se do latim. O Latim jamais foi abolido da liturgia católica, mesmo com a reforma litúrgica feita em 1969. Infelizmente, todavia, caiu em desuso em praticamente todo o mundo. Bento XVI, quando Papa, constatando o estado das coisas trabalhou para restaurar um maior uso do latim entre os católicos, inclusive fundando a Pontifícia Academia de Latinidade. O latim não é, ao menos em teoria, algo exclusivo da Missa Tradicional, embora na prática seja raro, infelizmente, encontrar o latim fora da liturgia tradicional. Evidentemente, o latim não é o aspecto mais importante da Missa Tradicional, pois o mais importante são as orações e os gestos, mas o latim tem também a sua importância e grande importância, que consideraremos brevemente hoje. O Latim favorece nossa vida espiritual, pois ele favorece a caridade, favorece a reverência e o temor devido a Deus, aumenta a eficácia de nossas orações e nos inclina à mortificação. O Latim favorece também a vida da Igreja dando segurança doutrinária, fomentando a unidade e a catolicidade.

Vejamos alguns bens para nossa vida espiritual. Quando falamos de liturgia da Missa, devemos ter bem presente, antes de tudo, o fato de que a Missa não é, em primeiro lugar, uma catequese. A Missa é, antes de tudo, um ato de culto a Deus, é o Corpo e o Sangue de Cristo oferecidos à Santíssima Trindade, renovando o Sacrifício de Cristo no Calvário. A Missa é primeiramente para cultuar Deus, para adorá-lo, para aplacar a ira divina diante de nossos pecados, bem como para agradecer a Deus pelos seus benefícios e pedir-lhe as graças de que precisamos para a nossa salvação.

Se a Missa é, antes de tudo, um ato de culto a Deus, é evidente que Deus deve ser o centro da Santa Missa. E o latim nos ajuda muito bem a compreender e a realizar isso. O fato de não ser uma língua vulgar diferencia a liturgia dos atos cotidianos e nos mostra claramente que assistimos à Missa primeiramente para cultuar Deus, colocando-o claramente no centro. Dessa forma, o latim favorece a virtude da caridade, pois a virtude da caridade coloca Deus no centro e nos faz agir sempre tendo Deus como causa de nossas ações. O Latim colocando Deus claramente no centro, nos ajuda a agir sempre por amor a Deus em todas as coisas.

Muitas pessoas que frequentam a Missa Tradicional pela primeira vez reclamam que não entendem o latim, não entendem o que está sendo dito. De fato, não compreendemos tudo o que está sendo dito e nem é esse o objetivo da Missa, mas com o latim compreendemos o mais importante, quer dizer, compreendemos que aquilo que está sendo feito, está sendo feito para Deus. Ao contrário, quando se usa o vernáculo as pessoas podem até compreender literalmente o que está sendo dito – o que é raro – mas dificilmente penetram verdadeiramente no mistério. O latim nos faz compreender que se trata de um mistério, que se trata de algo que está sendo feito para Deus. E tudo isso favorece também a nossa reverência para com Deus, favorece o temor de Deus – temor que é o início da sabedoria. E diante desse mistério, podemos ficar a vida inteira contemplando-o sem tédio, sem precisar buscar novidades, invenções litúrgicas ou músicas superficiais. Quando pensamos que compreendemos o mistério – tendência facilitada pelo uso da língua vernácula – começamos a procurar outras coisas que possam nos prender a atenção durante a Missa, gerando os abusos litúrgicos.

Além disso, a língua latina é uma língua sagrada. São três as línguas consideradas sagradas: o hebreu, o grego, o latim. O hebreu e o grego são as línguas da Sagrada Escritura. O hebreu era também a língua sagrada no templo e na sinagoga. Os judeus utilizavam o hebreu em seus ofícios Sagrados, enquanto a língua vulgar era o aramaico. O latim é uma língua Sagrada porque Deus escolheu o latim, desde o tempo de São Pedro, como meio pelo qual o governo e a instrução são realizados na Igreja Católica. Pouco a pouco o latim tornou-se a principal língua do culto da Igreja Católica. Foi também nessas três línguas que Pilatos escreveu o motivo da condenação de Cristo, para que todos pudessem ler: “Jesus Nazareno, Rei dos Judeus” estava escrito em hebreu, em grego e em latim. Nada mais conveniente, então, do que usar o latim na Missa, que é a renovação da Cruz de Cristo, e nos outros sacramentos, que são a aplicação das graças obtidas na Cruz. Como língua sagrada, escolhida pela providência divina, é forçoso dizer que a língua latina agrada mais a Deus do que a língua vulgar e que, agradando mais a Deus, ela é mais eficaz (vide: Padre Chad Ripperger, sermão Learning prayers in latin). Nesse sentido, podemos considerar a língua latina até mesmo como um sacramental, quer dizer, como algo que nos traz graças quando usado com devoção. O latim é uma língua sagrada e é a língua de nossa Mãe, a Igreja. Convém que nós conheçamos, como diz São Francisco de Sales, ao menos as orações básicas em latim, tal como o Pai Nosso, a Ave Maria, a Salve Rainha, a fim de honrar nossa Mãe e agradá-la.

O latim, não sendo uma língua vulgar, favorece também a mortificação, ou a negação de si mesmo. O latim dificulta que ajamos segundo nossos gostos por meio de improvisações litúrgicas, mudando uma ou outra palavra para agradar às pessoas ou por outro motivo qualquer. Também o fato de não compreendermos perfeitamente o latim é uma espécie de mortificação e de submissão de nossa inteligência a Deus. Muitos têm aversão à liturgia em latim por que não a compreendem. Na verdade, muitas vezes o que existe é uma aversão à mortificação, à negação de si mesmo, a não ter domínio sobre a liturgia.

O latim é, então, uma grande arma para a nossa vida espiritual, favorecendo a caridade, favorecendo a reverência e o temor devido a Deus, aumentado a eficácia de nossas orações e nos inclinado à mortificação.

Se as únicas consequências do latim fossem essas, já seria algo muito considerável, pelo qual deveríamos buscar a volta do latim na liturgia romana. Todavia, os benefícios do latim vão muito além do simples benefício para a vida espiritual individual. Eles atingem a vida da própria Igreja no que toca à exatidão doutrinária, à unidade, à catolicidade.

O latim é garantia de precisão, exatidão, clareza doutrinária.  O Papa João XXIII, na Constituição Apostólica Veterum Sapientia, diz que a língua latina tem “um estilo conciso, rico, harmonioso, cheio de majestade e de dignidade, que singularmente contribui à clareza e à seriedade”. E continua o Papa João XXIII, citando Pio XI: «De fato, a Igreja, como mantém unidos no seu conjunto todos os povos e durará até a consumação dos séculos… exige, pela sua natureza, uma linguagem universal, imutável, não vulgar.» A língua latina na liturgia contribui, então, para garantir a doutrina pela precisão dos seus termos e pela sua imutabilidade. A tradução da liturgia para uma língua vernácula traz sempre consigo uma diminuição na precisão doutrinária e dá ocasião para que na tradução se introduza uma teologia ou uma visão particular das coisas. Por exemplo, na tradução portuguesa da Missa, traduziu-se Dominus Deus Sabaoth como “Senhor Deus do universo”, em vez de Senhor Deus dos exércitos, em virtude, talvez, de um pacifismo ingênuo. Além disso, as línguas vernáculas são línguas vivas, com palavras que mudam de sentido o tempo todo, ou que se tornam mais nobres ou mais populares conforme os usos e costumes. Daí surge a necessidade de uma revisão regular das traduções, tanto para corrigir erros quanto para encontrar palavras mais condizentes com a situação concreta da língua. Recentemente houve uma profunda revisão da tradução inglesa e está em curso a revisão para a língua portuguesa. Portanto, a língua vernácula não favorece a precisão e segurança doutrinária. O latim, sendo uma língua morta, portanto praticamente sem mudanças, corresponde perfeitamente à doutrina da Igreja, que é uma doutrina imutável.  A precisão da língua latina, a precisão dos termos forjados ao longo dos séculos de tradição, são garantias de acerto quanto à doutrina. Além do mais, o simbolismo é extraordinário: a religião do Deus feito homem que morreu e ressuscitou usa uma língua morta, mas que é ressuscitada para dar maior glória a Deus.

Também a unidade da Igreja é favorecida pelo uso do latim, pois assegurando a precisão e exatidão doutrinárias se assegura com maior facilidade a unidade da fé, que é o principal fator de unidade.

O latim na liturgia favorece também sobremaneira a universalidade da Igreja. São Francisco de Sales diz: “(…) como nossa Igreja é universal no tempo e no espaço, ela deve celebrar os ofícios públicos numa língua universal no tempo e no espaço, como no Ocidente é o Latim e no Oriente, o Grego; de outra forma, nossos padres não poderiam rezar Missa nem outros entendê-los fora dos respectivos países. A unidade e grande extensão de nossos irmãos requer que digamos nossas preces públicas em uma língua comum a todos os povos.” (The Catholic Controversy, 128). É uma língua que favorece a universalidade da Igreja porque, como diz o Papa João XXIII (Veterum Sapientia), ela “não suscita inveja e se apresenta imparcial para todos os povos, não favorece a nenhum em particular, e, enfim, é agradável e amigável a todos.”

Dessa forma, caros católicos, são inúmeros os benefícios do latim na liturgia, tanto para nossa vida espiritual individual quanto para a própria vida da Igreja. Tenhamos um grande amor pelo latim litúrgico, que nos aumenta a caridade, a reverência, o temor de Deus. Tenhamos um grande amor pelo latim litúrgico que favorece a mortificação, que diminui os abusos litúrgicos, que torna nossas orações mais eficazes. Tenhamos um grande apreço pelo latim litúrgico, que favorece a clareza e precisão na doutrina, que favorece a unidade da fé e a universalidade da Igreja. Amemos a língua latina, que é a nossa língua materna, a língua de nossa Mãe, que é a Igreja. Amemos nossa língua materna e trabalhemos para que ela volte a encontrar o lugar que é o seu dentro da liturgia católica. Não se trata de simples nostalgia ou de simples apego às coisas do passado. Trata-se de uma solução para os problemas de hoje.

[Sermão] Eucaristia: o Santíssimo Sacramento do Altar

Sermão para a Festa de Corpus Christi
30 de maio de 2013 – Padre Daniel Pinheiro

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…

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A minha carne é verdadeiramente alimento e o meu sangue é verdadeiramente bebida. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue fica em Mim e Eu nele.

A Festa de Corpus Christi, prezados católicos, deve ser muito cara aos nossos corações. O que há de mais belo, de mais sublime, de mais divino do que a Santíssima Eucaristia? Nosso Senhor prometeu aos Apóstolos que estaria com eles todos os dias, até à consumação dos séculos. Nosso Senhor poderia ter se contentado em cumprir a sua promessa por sua presença espiritual, pelos auxílios da graça derivados de seus méritos infinitos obtidos, de modo particular, na cruz. Nosso Salvador quis, porém, permanecer entre nós em Corpo, Sangue, Alma e Divindade, sob as aparências do pão e do vinho. Após seu sacrifício na Cruz, não poderia haver modo mais eficaz, mais sublime de Nosso Senhor mostrar a sua caridade para conosco. A Eucaristia é o fruto do Sagrado Coração de Jesus que transborda de caridade para conosco.

Para que nós pudéssemos considerar em toda a sua plenitude essa caridade, foi instituída a festa de Corpus Christi. Na Quinta-Feira Santa, nós comemoramos e relembramos a instituição da Eucaristia, da Missa, do sacerdócio, mas nossa alma está muito ocupada com o pensamento da paixão e morte de Nosso Senhor. A Igreja quis, então, no séc. XIII, acrescentar um segundo dia em que festejamos e consideramos o triunfo de Nosso Senhor Jesus Cristo presente em Corpo, Sangue, Alma e Divindade. Um segundo dia em que festejamos o triunfo da caridade de Nosso Senhor para conosco.

A Eucaristia é um Mistério de nossa Santa Religião e é um dogma, quer dizer, uma verdade em que somos obrigados a acreditar com toda certeza, pois Deus nos revelou e a Igreja nos ensina como tal. É somente pela fé que acreditamos que, após as palavras do sacerdote, encontram-se o Corpo e o Sangue de Cristo realmente e substancialmente presentes sob as aparências de pão e de vinho. Após as palavras da consagração, ocorre, portanto, a transubstanciação: toda a substância do pão e toda a substância do vinho se convertem no Corpo e no Sangue de Cristo. Ora, como o Corpo e o Sangue de Cristo estão unidos à sua Alma e à sua Divindade, temos sob as espécies do pão e do vinho, o Corpo, a Alma, o Sangue e a Divindade de Cristo. A visão, o tato, o paladar todos os sentidos nos dizem que estamos diante de um pouco de pão e de um pouco de vinho. Todavia, sabemos pela fé e com certeza absoluta que estamos diante do Corpo, Sangue, Alma e Divindade do Senhor. Cremos porque Nosso Senhor nos falou claramente: “a minha carne é verdadeiramente alimento e o meu sangue é verdadeiramente bebida. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue fica em Mim e Eu nele.” (Jo 6, 56,57) Como o mistério da Santíssima Trindade de que tratamos domingo passado, só podemos reconhecer que Nosso Senhor está realmente presente na hóstia consagrada e no cálice consagrado pela fé. Fé que não contradiz a razão, mas a eleva.

A Eucaristia, instituída por Nosso Senhor, é ao mesmo tempo sacrifício e sacramento. A Eucaristia é um sacramento. A Eucaristia, como os outros seis sacramentos, foi instituída por Cristo para nos transmitir a graça de modo eficaz. Todavia, a Eucaristia não é simplesmente um sacramento, mas ela é o Santíssimo Sacramento. Ela é o Santíssimo Sacramento porque, além de transmitir a graça, como os outros sacramentos, ela contém o autor da graça, ela contém Nosso Senhor Jesus Cristo, homem e Deus. É o próprio Deus que se encontra na Eucaristia. É o próprio Deus que, no excesso de sua caridade, se entrega a nós como alimento na Eucaristia. Cristo se entrega a nós pela Eucaristia para que nos unamos intimamente a Ele, a fim de que sejamos transformados em outros Cristos, em almas que tenham as mesmas virtudes de Cristo. Esse pão vivo e celestial, esse pão dos anjos, conserva e aumenta a vida da alma, que é a graça. Ela obtém o perdão dos pecados veniais, se estamos arrependidos, e nos preserva dos mortais. Ela aumenta o fervor da caridade, nos dispondo a agir cada vez mais por amor a Deus.

A Eucaristia é também chamada de Santíssimo Sacramento do Altar. Do altar. O altar é o local onde se oferece o sacrifício. A Eucaristia é denominada Santíssimo Sacramento do Altar porque é pela Eucaristia, no momento da consagração, que se perpetua o Sacrifício de Cristo, oferecido no Calvário na Sexta-feira Santa. É a Missa o sacrifício da Nova Lei. As prefigurações e sombras do Antigo Testamento cedem lugar à realidade e à luz. O sacrifício de Melquisedeque, o sacrifício de Isaac, o sacrifício do cordeiro pascal, os sacrifícios do Templo anunciavam o sacrifício perfeito e imaculado de Cristo. Trata-se do único e mesmo sacrifício do Calvário que é renovado nos altares. É a mesma vítima: Cristo. É o mesmo sacerdote principal: Cristo, que na Missa age por meio do padre. Entre a Missa e o Calvário muda somente o modo em que o Corpo e o Sangue de Cristo são oferecidos à Santíssima Trindade. No Calvário, Cristo ofereceu sua humanidade derramando sangue, com sofrimento. No altar, ele se oferece, no momento da consagração, de modo incruento e sem sacramental, sem derramamento de sangue, sem sofrimento, sem morrer. Todas as graças que Cristo mereceu e adquiriu no Calvário são aplicadas pela Missa. É pela Missa que nos vêm todas graças. A Missa é um tesouro infinito. Nosso Senhor morreu na Cruz para nos salvar e instituiu a Missa como sacrifício perfeito da Nova Aliança, para renovar o sacrifício do seu Corpo e do seu Sangue, para aplicar seus méritos infinitos adquiridos no Calvário.

A Eucaristia, como falamos no início, é um Mistério da fé. Ela é também um Mistério da esperança. É Nosso Senhor que o diz: “o que come deste pão viverá eternamente”. Todavia, é preciso aproximar-se do Corpo de Cristo com as disposições corretas, pois quem come desse Pão ou bebe desse Cálice indignamente será réu do Corpo e do Sangue de Cristo, bebendo a própria condenação, como nos diz São Paulo. Devemos nos aproximar da comunhão com as disposições corretas, disposições de que tratamos não faz muito tempo (ver sermão sobre o milagre da multiplicação dos pães): necessidade de ser católico, batizado, estar em estado de graça, estar em jejum de pelo menos uma hora, aproximar-se da comunhão com devoção e vestido modestamente. Recebendo bem a Eucaristia, podemos esperar vencer nosso combate nesse vale de lágrimas e alcançar o céu. A Eucaristia nos dá forças para alcançar o céu como o maná deu força aos judeus para a travessia do deserto e como o pão que Deus deu a Santo Elias permitiu que o santo profeta andasse ainda mais 40 dias e 40 noites (I Reis, 5). A Eucaristia é um mistério de esperança.

A Eucaristia é também um mistério de caridade. Mistério da caridade porque nos é impossível compreender o amor infinito de Deus para com os homens. Não bastou à caridade de Nosso Senhor morrer na Cruz para nos salvar, pobres pecadores. Ele quis permanecer conosco e permanecer conosco real e substancialmente com seu Corpo, Sangue, Alma e Divindade. De fato, Nosso Senhor nos amou e nos amou até o fim, quer dizer, ao máximo, buscando a nossa salvação. A Eucaristia é mistério da caridade porque, como nenhum outro sacramento, ela nos transmite a graça e aumenta o fervor da caridade. Nós cremos na presença real de Nosso Senhor Jesus Cristo não somente porque Ele nos falou. Nós acreditamos na presença real porque nós cremos no amor de Deus (I Jo, 16) por nós. De fato, é preciso crer no amor infinito de Deus pelos homens para poder crer na Eucaristia. O que Deus não faz por nós, caros católicos? Não sejamos ingratos. Acreditemos no amor de Deus e deixemos que essa caridade guie as nossas vidas, para que façamos em todas as coisas a perfeita vontade divina.

Sendo o sacramento da Eucaristia um mistério de fé, de esperança e de caridade, ele é também o sacramento da nossa consolação. Diante da tristeza, quando nossa alma pergunta “por que, Deus, anda a minha alma triste, diante das aflições causadas pelo inimigo?” não deixemos nos abater. Podemos ficar triste diante de certos males, mas nunca abatidos, desesperados. Se a tristeza começa a crescer e a se apoderar de nosso coração, ela perturbará a nossa alma, perturbando o uso da razão, prejudicando a virtude. Diante da tristeza, olhemos para o Sacrário. Pensemos no amor divino. Busquemos consolo em Deus. Encontraremos consolos diante das misérias da vida na medida em que estivermos unidos a Deus. Nas criaturas, nos amigos, nas diversões lícitas, podemos até encontrar algum consolo, mas é passageiro. Deus deve ser nosso supremo e, na verdade, único consolo, pois é Ele o bem infinito. Por que está triste a minha alma, quando Deus fez tudo para me salvar? Enquanto sacrifício, a Eucaristia nos coloca diante dos olhos os sofrimentos de Cristo, para que possamos unir os nossos aos dEle, e somos consolados.  Enquanto sacramento, Nosso Senhor está conosco na Eucaristia como amigo, que quer o nosso bem disposto a nos ajudar a carregar o nosso jugo, para aliviá-lo, e, assim, somos consolados. Não deixemos a tristeza tomar conta de nossa alma. Dirijamos o nosso olhar e a nossa alma ao sacrário, onde Nosso Senhor quis ficar, humildemente e muitas vezes desprezado, para nos salvar e consolar.

A Festa de Corpus Christi é a festa do triunfo da fé e a festa do triunfo da caridade divina. Quão desprezado encontra-se Nosso Senhor na Eucaristia. Quanta irreverência na celebração das Missas, quantos sacrilégios cometidos naquilo que há de mais sagrado na face da terra. Quanta irreverência na recepção da Santa Eucaristia, quantos comungam sem pensar se estão em estado de graça ou não. Quantas partículas em que Nosso Senhor está realmente presente se perdem em comunhões feitas na mão. Quanta irreverência nos gestos e nos trajes diante do Altíssimo.   Devemos, então, com entusiasmo redobrado professar com muita solenidade a nossa fé na presença real e substancial de Nosso Senhor Jesus Cristo na Eucaristia. Devemos confessar com muita solenidade a caridade divina para conosco e agradecer por todos os seus inumeráveis benefícios. Não bastam, porém, os ritos e solenidades exteriores, caros católicos. Devemos afirmar nossa fé e expressar o nosso amor e gratidão para com Deus interiormente, antes de tudo, convertendo-nos inteiramente a Ele, tomando a firme decisão de servi-lo. Façamos isso comungando com grande devoção e assistindo piedosamente à Santa Missa. Ofereçamos essa Missa e a nossa comunhão nesse dia, em reparação pelos nossos próprios pecados, pelos pecados públicos, pelos pecados de nossa nação e de todos os povos. Olhando para a Eucaristia, devemos crer no amor de Deus para conosco e devemos responder a tão insistentes chamados de Nosso Senhor para que nos convertamos. Que Cristo Eucarístico possa reinar em nossas almas e nas nações.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Sermão] O mistério da Santíssima Trindade

Sermão para a Festa da Santíssima Trindade
(Primeiro Domingo depois de Pentecostes)
26 de maio de 2013 – Padre Daniel Pinheiro

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…

“Ide, pois, e ensinai todas as gentes, batizando-as em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo.”

Caros católicos, a Igreja nos fez reviver, desde o Tempo do Advento até Pentecostes, a vida de Nosso Senhor Jesus Cristo. Preparamo-nos para o seu nascimento (Advento), comemoramos o seu nascimento (Natal), festejamos a sua circuncisão na oitava do Natal, comemoramos a visita dos reis magos na Epifania, festejamos a Purificação de Nossa Senhora e a Apresentação do Menino Jesus no Templo. Entramos na Quaresma (precedidos pela Septuagesima), com a tentação de Nosso Senhor no deserto, com sua pregação e a oposição mortal dos fariseus. Lembramos sua entrada triunfante em Jerusalém no Domingo de Ramos, a Instituição da Eucaristia, da Missa e do Sacerdócio na Quinta-Feira Santa. Sua Paixão e Morte na Cruz na Sexta-Feira Santa. Sua Ressurreição gloriosa, sua Ascensão, o envio do Espírito Santo sobre Nossa Senhora e os Apóstolos, encerrando o Tempo Pascal. Nós começamos agora o Tempo que, na liturgia tradicional, se chama Tempo depois de Pentecostes e que significa liturgicamente a aplicação aos homens dos méritos infinitos obtidos por Cristo durante toda a sua vida na terra. Essa aplicação se faz por obra do Espírito Santo, a quem se atribuem as obras de santificação. Esse Tempo depois de Pentecostes é justamente um prolongamento de Pentecostes, com o Espírito Santo que atua na Igreja e nas almas, para nos conduzir ao céu.

Nesse primeiro domingo depois de Pentecostes, festejamos a Santíssima Trindade. São dois os principais mistérios da religião revelada por Deus aos homens: o mistério da Encarnação do Verbo e o mistério da Santíssima Trindade. Se queremos ser agradáveis a Deus, devemos ter a fé, quer dizer, devemos acreditar – com nossa inteligência – firmemente e com toda certeza naquilo que Deus nos revelou. São Paulo diz que sem a fé não podemos agradar a Deus e, com o mesmo sentido, Santo Atanásio diz que se queremos nos salvar, devemos, antes de tudo, ter a fé e conservá-la íntegra e sem mancha. Assim, se queremos agradar a Deus, devemos crer e confessar que Deus é Uno e Trino. Se queremos nos salvar, devemos crer e confessar que existe um só Deus em três Pessoas, pois Deus, que não pode se enganar nem nos enganar, nos disse que Ele é um só Deus em três Pessoas. Portanto, caros católicos, quando cultuamos Deus, quando adoramos Deus e o servimos, não estamos cultuando uma entidade mais ou menos vaga, não estamos cultuando o supremo arquiteto do universo da maçonaria, não estamos cultuando a mãe natureza ou uma força, uma energia positiva. Não estamos cultuando um Deus que se confunde com o mundo. Cultuamos, isso sim, um Deus que é puro espírito, infinitamente bom e amável, onisciente, onipotente, eterno… Cultuamos um Deus que é distinto das criaturas, que mantém na existência tudo o que criou e que governa tudo com suprema bondade e misericórdia. Nós cultuamos um só Deus em três Pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo. Essas três Pessoas são um só Deus e não três deuses porque as três têm uma só substância, uma só natureza, uma só essência, uma só divindade; as três são igualmente eternas, igualmente poderosas, nenhuma das três é uma criatura. Um só Deus, um só Senhor em três Pessoas realmente distintas. A única diferença que existe entre as três Pessoas da Santíssima Trindade é o fato de uma proceder da outra. O filho procede do Pai desde toda a eternidade. O Espírito Santo procede do Pai e do Filho desde toda a eternidade. O Pai não procede de ninguém.

A Santíssima Trindade, como falamos, é um mistério. É um mistério pois nossa razão não pode sozinha chegar à conclusão de que Deus é um em três Pessoas. Precisamos da Revelação para conhecer isso. É famosa a história de Santo Agostinho, que buscava compreender a Santíssima Trindade quando escrevia seu livro sobre o assunto. Deus lhe mostrou como esse mistério é inacessível à pura razão comparando o seu desejo ao desejo de um menino que queria colocar toda a água do mar em um buraco cavado na areia da praia. Diante do mistério da Santíssima Trindade, muitos inimigos da religião pretendem combatê-la dizendo que a fé é irracional, pois não podemos compreender aquilo em que acreditamos. Caros católicos, a fé não é irracional. Ao contrário, ousaria dizer que não existe nada de mais conforme à razão  do que a fé. A fé supera a razão, mas a fé não contradiz a razão. Poderíamos comparar as verdades da fé com relação à nossa inteligência com uma equação do segundo grau para uma criança de cinco anos. A equação supera a inteligência da criança, mas nem por isso a equação contradiz a inteligência daquela criança ou se torna irracional. Da mesma forma, as verdades sobrenaturais não se tornam irracionais pelo fato de superarem nossa razão. Nossa inteligência não consegue compreender o mistério da Santíssima Trindade, mas ela consegue mostrar que não se trata de um absurdo, ela consegue responder às objeções contrárias à Santíssima Trindade, ela consegue mostrar que é possível a existência de um só Deus em três Pessoas. Ela consegue, por meio de analogias e comparações, entender melhor o mistério, embora não consiga demonstrá-lo ou explicá-lo completamente.

Podemos compreender um pouco o mistério da Santíssima Trindade fazendo, por exemplo, uma analogia com a nossa inteligência e com a nossa vontade. O Verbo é gerado – não criado – porque Deus conhece a si mesmo perfeitamente desde toda a eternidade. Esse conhecimento que Ele tem de si gera o Filho ou Verbo, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade. Esse Filho gerado é em tudo igual ao Pai, salvo justamente no fato de proceder do Pai. Do amor que existe entre o Pai e o Verbo – amor que existe desde toda a eternidade – procede o Espírito Santo. O Espírito Santo é em tudo igual ao Pai e ao Filho, salvo no fato de proceder de ambos. Essa geração do Filho e o proceder do Espírito Santo não diminuem em nada o Filho e o Espírito Santo com relação ao Pai. Os três são igualmente eternos, igualmente perfeitos. Os três são um só Deus. O mistério da Santíssima Trindade supera a nossa razão, mas não a contradiz.

Além disso, caros católicos, nossa razão é capaz de reconhecer a existência de Deus e ela reconhece que Deus é infinitamente perfeito. Diante disso, a nossa razão reconhece que se Deus nos falar, somos obrigados a aceitar porque Deus, infinitamente perfeito, não pode se enganar nem nos enganar. E aceitar aquilo que Deus nos falou não é humilhar a nossa inteligência, mas ao contrário, aceitar as verdades de fé é a maior exaltação a que pode chegar nesse mundo a nossa inteligência, pois a fé aumenta a capacidade de conhecimento da nossa razão e faz que nossa razão penetre na ordem sobrenatural. A fé não é contrária à razão. Deus é o autor da fé e da razão. Ele não pode se contradizer colocando as duas em oposição. A fé não diminui a razão. A fé aperfeiçoa e eleva a nossa razão, a nossa inteligência humana. É melhor ser mais perfeito com a ajuda de outro – no caso, Deus – do que permanecer sozinho na imperfeição ou na mediocridade.

Se Deus falou, devemos, então, acreditar. Lendo a Sagrada Escritura, aparece claramente que Deus revelou ser Uno e Trino. Ele revelou isso abertamente no Novo Testamento e deu indícios fortíssimos no Antigo Testamento.

Não convinha que a Santíssima Trindade fosse revelada plenamente aos judeus pelo risco que havia de eles caírem no politeísmo, sem compreender bem a Trindade das pessoas e pelo fato de estarem cercados de pagãos politeístas. Mas já a primeira frase da Sagrada Escritura indica a Santíssima Trindade: “No Princípio criou Deus o céu e a terra e o Espírito de Deus movia-se sobre a água”. Ora, “no Princípio” era o Verbo, quer dizer, Deus Filho, no diz São João no início de seu Evangelho. “Deus” é Deus Pai. O “Espírito de Deus que se move sobre a água” é o Espírito Santo. Além disso, nessa mesma frase, em hebreu, a palavra “Deus” é Elohim, que é uma forma plural, mas o verbo – “criou” – se encontra no singular. No plural da palavra Elohim, temos a pluralidade de pessoas. No singular do verbo “criou” temos a unidade da essência. Ainda no primeiro capítulo do Gênesis Deus disse: “façamos o homem à nossa imagem e semelhança”. O verbo “façamos” no plural indica a pluralidade de pessoas. “À nossa imagem e semelhança” no singular indica a unidade da essência. Davi diz no Salmo (LVI): “Abençoe-nos Deus, o nosso Deus, abençoe-nos Deus.” Invoca, assim, três vezes Deus: Deus Pai, Deus Filho, Deus Espírito Santo. E o que está no meio é chamado de maneira sublime nosso Deus, pois faz referência ao Filho, que assumiu nossa carne, veio ao mundo para nos salvar. O Profeta Isaías diz: “Sanctus, Sanctus, Sanctus”, referência ao Pai, ao Filho, ao Espírito Santo. E poderíamos ainda citar outras passagens do Antigo Testamento que fazem referência à Santíssima Trindade.

No Novo Testamento, Nosso Senhor ensina abertamente a Trindade das Pessoas em Deus. Temos o Evangelho de hoje: “Ide, pois, e ensinai todas as gentes, batizando-as em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo.” “Nome” está no singular, para significar a unidade de essência em Deus. Também quando Nosso Senhor diz: “Quando vier o Paráclito, que vos enviarei da parte do Pai, o Espírito da Verdade, que procede do Pai, ele dará testemunho de mim.” Há o Pai, o Filho e o Paráclito, que procede dos dois, que é enviado pelo Pai e pelo Filho. Podemos citar também o Batismo de Nosso Senhor e sua Transfiguração, em que tanto o Pai como o Espírito Santo se manifestam para glorificar o Filho. Também os Apóstolos ensinam a Santíssima Trindade. São João diz: “três são os que dão testemunha no céu: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. E esses três são um.” São Paulo na Epístola de hoje diz “dEle, por Ele e para Ele”, com referência à Santíssima Trindade. E, claro, poderíamos multiplicar os exemplos.

Também a Tradição exprime claramente a fé na Santíssima Trindade. Podemos mencionar o Credo de Santo Atanásio – que recomendo a todos que leiam – e poderíamos citar os outros Padres da Igreja. Basta, porém, considerarmos esse monumento da Tradição e da fé que é o Rito Tradicional da Missa, e que é, em particular, uma confissão clara da fé na Santíssima Trindade. No ofertório, pedimos à Santíssima Trindade que receba a oblação que oferecemos na Missa: Suscipe Sancta Trinitas hanc oblationem. Logo antes da Bênção final, exprimimos o nosso desejo de que o sacrifício que acabou de ser oferecido aplaque a Santíssima Trindade e lhe seja agradável: Placeat tibi Sancta Trinitas. Recitamos em todos os Domingos depois de Pentecostes o Prefácio da Santíssima Trindade. Peço que considerem atentamente as palavras desse Prefácio que será cantado logo mais e vejam que sublime síntese do Mistério da Santíssima Trindade está contida nessa bela oração.

Todas as nossas ações devem ser feitas em nome da Santíssima Trindade. Na Santa Missa, o primeiro rito é o sinal da Cruz, para indicar que o sacrifício da Cruz vai ser renovado e oferecido em honra da Santíssima Trindade. Permaneçamos firmes e inabaláveis na fé na Santíssima Trindade, caros católicos, sem a qual não podemos agradar a Deus, sem a qual não podemos nos salvar. E que, pela firmeza dessa fé, sejamos protegidos de toda a adversidade (Coleta). Peçamos à Santíssima Trindade que habite em nossas almas pela graça. Bendita seja a Santíssima Trindade e a Unidade Indivisa, como nos diz o Intróito da Missa de hoje.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Sermão] A Festa de Pentecostes

Sermão para o Domingo de Pentecostes
19 de maio de 2013 – Padre Daniel Pinheiro

 

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…

***

E ficaram todos cheios do Espírito Santo e falavam das grandezas de Deus (Communio).

Festejamos hoje, caros católicos, Pentecostes. Pentecostes é a descida do Espírito Santo sobre os Apóstolos e Nossa Senhora no cenáculo em Jerusalém. A descida do Espírito Santo em Pentecostes é importantíssima. Ela é a festa da promulgação da Igreja e a festa da promulgação da nova lei.

No Antigo Testamento, a festa de pentecostes comemorava a promulgação da lei mosaica, dada por Deus a Moisés no Monte Sinai, e que constituiu perfeitamente os judeus como o povo eleito. Podemos dizer que Pentecostes que nós comemoramos hoje foi a promulgação da Nova Lei, a promulgação da Igreja fundada por Nosso Senhor Jesus Cristo sobre a Cruz. Nosso Senhor começou a fundar a Igreja por sua pregação; Ele consumou a fundação quando estava pregado na Cruz e, finalmente, Ele promulgou a sua Igreja aos olhos de todos quando mandou o Espírito Santo aos apóstolos, para que anunciassem o Evangelho a toda a criatura. Portanto, Pentecostes é um acontecimento capital na vida da Igreja e um acontecimento único. Pentecostes é, praticamente, o começo da Igreja. Continuar lendo