[Sermão] A exaltação da Santa Cruz e o sentido do sacrifício e do sofrimento para os cristãos

Sermão para Festa da Exaltação da Santa Cruz
14 de setembro de 2014 – Padre Daniel Pinheiro

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave Maria.

“Cristo fez-se obediente por nós até à morte e morte de cruz.”

Exaltation-de-la-sainte-croix-par-heracliusA Festa de hoje nos lembra do fato histórico ocorrido em 628, ano em que o Imperador Heráclio conseguiu tomar de volta a Cruz de Cristo, que havia sido levada de Jerusalém pelos Persas, que a profanaram enormemente. Tendo recuperado a Santa Cruz, Heráclio quis entrar em Jerusalém carregando ele mesmo o Santo Lenho em ação de graças pela vitória. Todavia, vestido com todas as insígnias imperiais, não pôde entrar em Jerusalém, detido por uma força invisível. O Patriarca de Jerusalém assinalou ao Imperador que não convinha carregar com tanto aparato a Cruz que Nosso Senhor carregou com tanta humildade. Despojado de todo o aparato imperial, Heráclio conseguiu entrar em Jerusalém carregando a Cruz.

Exalta-se, hoje, a Santa Cruz, da qual pendeu a salvação do mundo. Ó bem-aventurado lenho e benditos cravos que tão suave peso sustentastes, só vós fostes dignos de sustentar o Rei e Senhor dos céus. Foi pela Cruz que Nosso Senhor lançou fora o príncipe desse mundo. A cruz está tão profundamente associada que as relíquias da verdadeira cruz devemos prestar um culto relativo de latria, pois essas relíquias da verdadeira cruz representam o próprio Cristo e pelo contato que tiveram com Ele. É um culto de latria, quer dizer, um culto que se deve unicamente a Deus. É um culto relativo, isto é, não adoramos a cruz por si mesma, mas pela sua ordem a Nosso Senhor Jesus Cristo, pela sua relação com Nosso Senhor Jesus Cristo.

Nosso Senhor, para nos salvar, morreu na cruz. Ele ofereceu à Santíssima Trindade um verdadeiro sacrifício. O sacrifício é justamente o oferecimento de uma coisa sensível a Deus, com mudança ou destruição da mesma, realizada pelo sacerdote em honra de Deus, para testemunhar seu supremo domínio e nossa completa sujeição a Ele. Na paixão e morte de Cristo estão, em grau excelente, todas as condições que se requerem para um verdadeiro sacrifício. Nós temos a coisa externa que é o corpo, a vida de Nosso Senhor. Esse corpo vai ser imolado voluntariamente por Ele na cruz, por sua infinita caridade. Cristo é o Sumo Sacerdote que se oferece a si mesmo. Ele é sacerdote e vítima. E finalidade de Cristo não pode ser outra: dar honra a Deus, reparando pelo pecado e nos obtendo graças para nos convertermos a Ele. Nosso Senhor, na cruz, ofereceu-se em verdadeiro sacrifício. E o sacrifício de Cristo na cruz é o único, depois da sua vinda na terra, que pode oferecer a Deus.

Nosso Senhor se ofereceu voluntariamente por caridade, para honrar a Deus, para satisfazer por nossos pecados, para nos alcançar as graças que precisamos para nos salvar. Que grande o amor de Cristo, que vai até a morte e morte de cruz. Nosso Senhor, inocente e sumamente santo, sofreu, e sofreu mais do que todos nós juntos, para fazer a vontade perfeita de Deus e para nos salvar. Nós, se queremos nos salvar, se queremos seguir Nosso Salvador, deveremos tomar a nossa própria cruz e oferecer nossos sacrifícios, em sentido largo, em união com o sacrifício de Cristo. Nós precisamos saber sofrer, caros católicos, se quisermos chegar ao céu.

Nossa sociedade, neopagã, hedonista, tornou-se incapaz, como acontecia na antiguidade pagã, de compreender o sentido de sacrifício e de sofrimento. Nossos contemporâneos e nós mesmos temos horror ao sofrimento. Muitas vezes pensamos: tudo, menos o sofrimento. E, com razão, se perdeu em nossa sociedade o sentido do sofrimento, porque nós só podemos compreender o sentido pleno do sofrimento ao considerar os sofrimentos de Cristo. É somente com o exemplo de Cristo, com sua doutrina e com as graças que Ele nos dá que poderemos sofrer bem. Precisamos recuperar a noção de sacrifício em nossas vidas, em união com o sacrifício de Cristo.

Precisamos compreender que devemos deixar de lado nossa vontade própria, nossas más inclinações, nossos caprichos, para fazer a vontade de Deus. Devemos compreender que é preciso renunciar a muitas coisas para cumprir bem os deveres de estado. Precisaremos suportar a zombaria do mundo ou suas perseguições, ou a sua indiferença. Precisaremos suportar a eventual perda de amizades quando começamos a praticar mais seriamente a vontade de Deus. Precisaremos suportar eventualmente a perda da estima do mundo, quando nos convertemos a Cristo. A vida conjugal é uma vida de sacrifícios, a vida sacerdotal é uma vida de sacrifícios. Em todo estado de vida nós deveremos oferecer nossos pequenos sacrifícios do dia-a-dia, suportando com paciência as contrariedades e as provações. Nada impede que procuremos corrigir e melhorar as coisas, mas será preciso fazê-lo sempre com caridade.

O horror ao sofrimento é um dos maiores impedimentos contra a santificação. Nós precisamos deixar esse horror de lado. É preciso compreender que o sofrimento é necessário para reparar pelo pecado. O pecado que nos leva a uma satisfação ilícita deve ser reparado com uma pena. Ele é necessário para a santificação da alma. Se a santidade é se assemelhar a Cristo, devemos lembrar que Cristo é Cristo crucificado para depois ressuscitar. Santificação é igual a cristificação. Cristificação é igual a sacrificação, se assim podemos dizer. Não há outro caminho para chegar ao céu, a não ser pela cruz.

Nós sofremos todos, em maior ou menor grau, conforme à disposição divina, que dispõe tudo com sabedoria e caridade. O importante é sofrer bem, sem murmurar, sem revolta, mas com paciência e mansidão, procurando melhorar as coisas, mas sempre se submetendo à vontade de Deus. Se sofremos murmurando ou com impaciências, acrescentaremos um segundo mal ao primeiro e esse segundo mal será pior porque será um mal maior. Devemos sofrer bem. Sofrer passa, mas sofrer bem não passa nunca. O sofrimento cristãmente suportado expia nossos pecados, submete a carne ao espírito, nos desprende das coisas da terra, nos purifica e embeleza a nossa alma porque tira dela as desordens. Pelo sofrimento bem suportado e oferecido a Deus poderemos alcançar tudo dele. O sofrimento faz de nós também apóstolos. Quantas graças podemos alcançar para os outros por meio de nossos sofrimentos. Os sofrimentos nos assemelham a Nosso Senhor e a Nossa Senhora.

Precisamos, caros católicos, retomar o verdadeiro sentido do sofrimento, e saber que podemos tirar dele um grande bem. Essa noção de sacrifício, de oferecer nossos pequenos sacrifícios no dia-a-dia em união com Cristo precisa ser retomada por nós católicos. Precisamos exaltar a cruz de Cristo e nos unir a Ele.

O Papa bento XVI escolheu a Festa da exaltação da Santa Cruz para a entrada em vigor do Motu Proprio Summorum Pontificum, que confirmou para todos os fiéis o direito de assistir à Missa no Rito Romano Tradicional, como a celebramos aqui. O objetivo do Papa é que essa Missa seja conhecida por todos, como tesouro espiritual e monumento da fé católica que é. Ele associou a Missa Tradicional à Cruz. Ele fez isso porque nesse Rito Tradiional, na Missa Tridentina, a cruz de Cristo se renova de maneira clara. O caráter sacrificial da Missa está perfeitamente expresso na liturgia tradicional, sem receio, sem atenuações, sem respeito humano. Se queremos resgatar a noção de sacrifício entre os católicos e na sociedade, noção própria da doutrina de Cristo, é necessária uma liturgia que exprima claramente o sacrifício de Cristo.

Saibamos sofrer, caros católicos, inspirando-nos no sacrifício de Cristo no Calvário, sacrifício renovado no altar. Saibamos sofrer unidos ao sacrifício de Cristo.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Sermão] Os princípios não negociáveis para os católicos na política

Sermão para o XIII Domingo depois de Pentecostes
07 de setembro de 2014 – Padre Daniel Pinheiro

 

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave Maria.

Caros católicos, hoje é dia 7 de setembro. Devemos procurar rezar de modo particular pelo nosso país.

Estamos às portas de mais uma eleição em nosso país. Surgem, então, as propostas de cada um dos candidatos, com relação aos mais variados temas. É doloroso, porém, constatar que os temas de capital importância para nosso país são deixados de lado ou rapidamente descartados sem muita discussão quando surgem. Como se fôssemos seres puramente materiais, o tema que mais ocupa o noticiário e os debates é o da economia, em uma visão reducionista do ser humano e da sociedade. A economia tem, claro, sua relevância, mas ela é bem inferior aos temas que dizem respeito aos fundamentos da nossa sociedade e que moldam o nosso país agora e no futuro.

Entre esses temas fundamentais estão os que o Papa Bento XVI havia chamado no seu pontificado de princípios não negociáveis para os católicos na política. O Papa mencionou três princípios não negociáveis, quer dizer, princípios que um católico não pode desconsiderar quando se trata de eleger um candidato, de votar. O primeiro deles é a proteção da vida inocente em todas as suas fases, desde o primeiro momento da concepção até sua morte natural. Nesse primeiro princípio, está claro que o Papa se refere ao aborto, à eutanásia e a outros assuntos conexos, como a pesquisa com células-tronco embrionárias. O aborto, como sabemos, é o assassinato do bebê ainda no ventre materno. A eutanásia é o assassinato de um doente, tirando dele os meios ordinários de sobrevivência ou matando-o simplesmente, com uma injeção ou algo do gênero. A pesquisa com células-tronco embrionárias é aquela que usa e mata os embriões, em geral fruto de inseminação artificial – inseminação artificial que é gravemente proibida pela Igreja Católica – para pesquisas nas mais diversas áreas ou simplesmente para se fazerem cosméticos. As pesquisas com células-tronco embrionárias são completamente ilícitas porque matam uma vida humana, e, além disso, têm mostrado pouquíssimos resultados. As pesquisas com células-tronco adultas, tiradas de órgãos de pessoas adultas não é ilícita e, essa sim, tem mostrado resultados. Deus faz as coisas bem feitas, caros católicos. Portanto, o primeiro ponto não negociável é a proteção da vida inocente em todas as suas fases, desde a concepção até sua morte natural.

O segundo ponto não negociável é a promoção da família natural, na verdade o único tipo de família que existe, com a união entre um só homem e uma só mulher pelo matrimônio indissolúvel. De modo particular, o católico deve defender a família diante das tentativas do reconhecimento legal de uniões de pessoa do mesmo sexo. Diz a nota doutrinal da Congregação para a Doutrina da Fé de 2003 sobre os projetos de reconhecimento legal das uniões entre pessoas homossexuais: “Em presença do reconhecimento legal das uniões homossexuais ou da equiparação legal das mesmas ao matrimónio, com acesso aos direitos próprios deste último, é um dever opor-se-lhe de modo claro e incisivo. Há que se abster de qualquer forma de cooperação formal na promulgação ou aplicação de leis tão gravemente injustas e, na medida do possível, abster-se também da cooperação material no plano da aplicação. Nesta matéria, cada qual pode reivindicar o direito à objecção de consciência.” Portanto, não se trata de se opor simplesmente ao “casamento” homossexual, mas trata-se de se opor a qualquer reconhecimento legal dessas uniões. No Brasil, um reconhecimento legal foi feito insidiosamente no Supremo Tribunal Federal e sua aplicação foi forçada pelo Conselho Nacional de Jusitça, à revelia da população majoritariamente contra.

Finalmente, o terceiro princípio não negociável mencionado por Bento XVI é o direito dos pais de educarem os filhos. A família antecede o Estado. Portanto, por direito natural cabe aos pais educar os filhos e não cabe ao Estado impor o que ele bem entende, como a ideologia do gênero ou o indiferentismo religioso, por exemplo. O Estado, com seus planos nacionais de educação, tem querido cada vez mais monopolizar a educação de nossas crianças e jovens, querendo obrigar a entrada na escola cada vez mais cedo, estendendo os horários, etc. A educação é direito e dever primeiramente dos pais, por lei natural.

Deve ser para todos evidente que uma sociedade em que os pais matam os filhos, em que os filhos matam os pais idosos, ou em que se mata uma vida inocente simplesmente para se poder viver com mais tranquilidade e sem ter tanto trabalho, é uma sociedade corrompida no seu fundamento. Uma sociedade que reconhece e legitima as uniões homossexuais, uniões que não se voltam para a perpetuação da espécie humana, uniões que não podem dar frutos, que não podem gerar vida, uniões que se opõem ao mais elementar dado da realidade, que é a complementaridade entre um homem e uma mulher – uma sociedade que reconhece e legitima essas uniões está corrompida no seu fundamento. Uma sociedade em que a família não é a principal educadora das crianças e dos jovens é também uma sociedade corrompida no seu fundamento. Pode até ser que tenha durante certo tempo uma prosperidade econômica, mas aquela prosperidade que realmente importa, que é a da virtude, já não existe. E uma sociedade corrompida moralmente a tal ponto está fadada a desaparecer e a ser castigada por Deus.

São esses os três princípios não negociáveis de que nos falava o Papa Bento XVI. É claro que os outros princípios da lei natural e da lei divina não podem ser negociados. Não se pode negociar o princípio, sempre afirmado pela Igreja, da impossibilidade de ser católico e socialista ou comunista ao mesmo tempo. Ou se é uma coisa ou outra. Não se pode negociar o princípio de que a Igreja católica é a verdadeira religião revelada por Deus e que, consequentemente, ela deva ser reconhecida como tal pelo Estado. E assim por diante. Nenhum princípio da fé, da Revelação ou da lei natural pode ser negociado. O que devemos destacar é que esses três princípios não negociáveis mencionados pelo Papa bento XVI estão realmente no fundamento de tudo, não só da sociedade civil, mas também da Igreja. Se uma sociedade cede em um desses três pontos, todo o resto automaticamente desmorona.

E esses três pontos de fundamental importância são completamente negligenciados pelos mais diversos candidatos. Os temas que realmente importam para a sociedade são silenciados, pois pode ser que a sociedade se dê conta desses gravíssimos erros e do suicídio que significam. Esses temas são silenciados porque os principais candidatos são favoráveis em maior ou menor escala a esses erros. Quando alguém ousa levantar algum desses temas e tratar deles devidamente, apontando os problemas e perigos gravíssimos, é logo tratado de fundamentalista religioso. De fundamentalismo religioso não há nada. Primeiro, são temas que dizem respeito à lei natural, independentemente da religião. Nossa razão compreende que não se pode matar um bebê, compreende que não se pode matar um doente. Nossa razão compreende que a união entre duas pessoas é em vista da procriação, da geração dos filhos. Nossa razão compreende que a família é a primeira sociedade onde se educam os filhos. E, ainda que fosse um tema estritamente religioso, é preciso dizer que a Igreja poderia afirmar e deveria reafirmar a sua doutrina, para, com a luz do Evangelho, evitar um grande mal para a sociedade.

Corremos o risco, caros católicos, de ver nosso país se afundar cada vez mais em um socialismo difuso – cada vez menos difuso e mais palpável -, em um relativismo moral ainda mais drástico e pernicioso, em um esquecimento completo da lei natural e da lei de Deus. Nós precisamos fazer a nossa parte. E nossa parte começa pelas nossas famílias, por famílias católicas, em que os filhos são bem educados, em que os membros buscam, cooperando entre si, cumprir a vontade de Deus em todas as coisas e chegar ao céu. Fazer nossa parte com famílias católica numerosas, de onde saíram bons padres, bons religiosos e religiosas. Famílias católicas de onde saíram futuros maridos e esposas católicas que terão famílias católicas numerosas, com vocações e assim por diante. É assim que faremos nossa parte para restaurar tudo em Cristo. Devemos também professar publicamente a nossa fé, sem respeito humano, nos ambientes em que vivemos e agir na esfera pública na medida de nossas possibilidades e sempre em conformidade com a doutrina católica.

Rezemos e façamos a nossa parte por nosso país, para que ele não seja como esses dez leprosos ingratos do Evangelho de hoje. As terras brasileiras receberam de Deus um grande favor, que foi a colonização feita pelos católicos portugueses, que nos trouxe a luz do Evangelho, que nos trouxe Nosso Senhor Jesus Cristo. Se renegarmos essa graça, corremos sérios riscos de cairmos em paganismo pior que o dos índios. Peçamos, nessa novena de Nossa Senhora das Dores, também pelo Brasil, e que Deus tenha piedade de nós.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Sermão] O católico e as eleições

Sermão para o 8º Domingo depois de Pentecostes

03.08.2014 – Padre Daniel Pinheiro, IBP

 

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

Ave Maria…

 “Os filhos desse século são mais hábeis que os filhos da luz.”

No ano passado, caros católicos, fiz a explicação dessa parábola de que fala Nosso Senhor no Santo Evangelho desse 8º Domingo depois de Pentecostes. Hoje, gostaria de tratar de um tema importante para nós, nossas famílias, nossa religião, nossa pátria. Gostaria de falar das eleições que em breve ocorrerão em nosso país. Vejamos qual é a melhor conduta diante da realidade que se apresenta diante de nós nessas eleições.

Antes de tudo, gostaria de relembrar um ponto do 4º mandamento da lei de Deus. O quarto mandamento nos manda honrar pai e mãe. Já tivemos oportunidade de falar que esse mandamento não se resume, porém, às nossas obrigações para com nossos progenitores, mas se estende também a outras autoridades, civis e eclesiásticas, e se estende igualmente à nossa pátria.

Entre as obrigações para com a pátria, está a obrigação de votar para eleger bons candidatos. Essa obrigação pode ser leve ou grave dependendo das circunstâncias. Ela vai ser mais grave quanto mais dependerem das eleições os interesses religiosos, morais e sociais da nação e quanto mais incerta for a eleição. É preciso ter presente que os legisladores e os governantes podem produzir um grande bem ou um grande mal à Igreja, ao clero, à família cristã e à família em geral, à moralidade pública, etc. Nós temos visto o grande mal que nos faz o governo atual no plano da família, da moralidade pública, da religião católica, ao facilitar o acesso ao aborto, ao legalizar uniões homossexuais, ao tornar obrigatória a educação sexual para as crianças, ao querer impor a ideologia do gênero nas escolas, etc Portanto, é um dever importante eleger bons candidatos. Todo católico sincero deve dar o próprio voto aos candidatos que oferecem garantias verdadeiramente suficientes para a tutela dos direitos de Deus e das almas, para o verdadeiro bem dos indivíduos, das famílias e da sociedade, segundo a lei de Deus e a moral cristã. Por outro lado, votar em um candidato indigno é, a princípio, ilícito.

Todavia, surge uma dificuldade em nossos tempos. Nas supostas democracias em que vivemos, e nesse sistema moderno corrompido desde a sua raiz – pois nega os direitos de Deus e de sua verdadeira Igreja desde o princípio – devemos votar entre dois, três, quatro candidatos, que não escolhemos, mas que nos são impostos. Habitualmente, esses candidatos têm, em linhas gerais, os mesmos objetivos, que são, no fundo, descoroar Nosso Senhor Jesus Cristo, estabelecer uma sociedade completamente alheia aos mandamentos de Deus, completamente alheia à Igreja. Uma sociedade hostil à família cristã. Ou, olhando pelo outro lado, o objetivo deles é estabelecer a cultura de morte, isto é, uma cultura, com leis e facilidades, que nos afastam de Deus, nos levando ao pecado e às maiores abominações, tal como o aborto, a eutanásia, a união homossexual. Diante dessa realidade em que todos os candidatos são indignos, nos surge, então, a dúvida: se podemos votar em um deles ou se devemos nos abster. A resposta dos teólogos moralistas diz que é lícito escolher um candidato ruim para evitar o pior. Para poder votar em um candidato indigno, quando não temos a opção de votar em um bom candidato, devemos ter um fim honesto e uma gravíssima causa para votar nesse candidato indigno. Devemos ter um fim honesto, isto é, podemos votar em um candidato indigno, ruim, mas não porque ele é ruim, nem desejando que ele aplique coisas ruins, mas dando-lhe um mandato para que ele possa fazer o que é sua obrigação como governante ou legislador: legislar ou governar conforme as leis de Deus. Além disso, devemos ter uma causa gravíssima para eleger um candidato indigno. Uma dessas causas gravíssimas é justamente impedir a eleição do pior candidato. Nesse caso, é preciso deixar claro que votamos unicamente para excluir o candidato mais indigno e não porque aprovamos o outro. Com essas ressalvas, isto é, com um fim honesto e para impedir a eleição do pior, o católico pode votar no menos pior. Não há unanimidade entre os teólogos se existe obrigação de votar no menos pior nesse caso. Parece, todavia, que convém votar no menos pior, pois, embora o objetivo seja o mesmo, o ritmo de implantação da cultura de morte é mais lento, permitindo, talvez, a organização de uma melhor resistência. A abstenção dos bons ou a anulação do voto pelos bons, desiludidos, pode determinar a eleição do pior dos candidatos, o que não é, evidentemente, bom. Claro, falamos tudo isso considerando que não há fraudes nas eleições.

Concretamente, caros católicos, não se pode em consciência votar no partido que atualmente governa o Brasil nem em outros mais à esquerda, no nome ou na prática. Se nenhum candidato é bom, convém mais escolher o candidato menos pior do que se abster ou anular o voto. Assim parece pensar a maior parte dos teólogos moralistas. O governo atual tem demonstrado uma grande hostilidade à lei de Deus e da Igreja: tenta de todas as formas impor a cultura de morte, e tem conseguido, muitas vezes de maneira sorrateira, ampliar o aborto, legalizar as uniões homossexuais, impor a ideologia do gênero, a eutanásia e outros crimes semelhantes, que ofendem de modo gravíssimo a Deus e destroem a sociedade na sua raiz.

A política não diz respeito diretamente à Igreja, a não ser quando a política começa a tocar no bem das almas, no bem comum da sociedade (de maneira mais grave) e no bem da Igreja, o que é o caso. E quando isso ocorre, os pastores precisam orientar as ovelhas e denunciar o lobo.

Não podemos nos esquecer, caros católicos, de que entre nossos deveres para com a nossa pátria está também o de rezar por ela, em particular nesse ano eleitoral. Rezemos a Nossa Senhora Aparecida para que ela afaste do Brasil o comunismo, o socialismo, o liberalismo e traga ao Brasil o cetro doce e suave de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo. Amém.

 

[Sermão] As lições da Transfiguração (antecedido por um aviso prático e circunstancial aos pais e por um aviso doutrinal)

Sermão para o 2º Domingo da Quaresma

16.03.2014 – Padre Daniel Pinheiro, IBP

ÁUDIO: Sermão para o 2º Domingo da Quaresma: Lições da Transfiguração

Em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo. Amém.

Ave Maria…

(Aviso prático)

                Gostaria de pedir aos pais que não deixem os filhos soltos e que não transformem o claustro das irmãs em parquinho. Não deixem os filhos correndo ou simplesmente brincando o tempo todo durante a Missa. Peço também que não alimentem as crianças durante a Missa. Se houver realmente necessidade, é preciso sair da Capela e alimentá-la rapidamente. Peço também aos pais e mães que às vezes ficam fora da Capela que não conversem, mas que busquem prestar atenção na Santa Missa. Estou consciente de que tudo isso exige um grande esforço, mas é necessário, para o bem da criança, para acostumá-la pouco a pouco a como se comportar em uma Igreja e durante a Missa, é necessário para os pais, para poderem prestar atenção melhor na Missa e para educar bem os filhos e é necessário para as outras pessoas que assistem à Missa. Sei que não é fácil, sobretudo que devemos ter aqui a maior proporção da cidade no que toca ao número de crianças em relação à quantidade de pessoas que assistem à Missa. É uma grande graça e sinal que existe fidelidade à lei natural e à lei de Deus. Mas precisamos ordenar um pouco as coisas. Nosso Senhor diz Sinite parvulos venire ad me (Deixai vir a mim as criancinhas). É preciso, então, que elas venham, mas os pais precisam redobrar o esforço, esforço que será recompensado.

(Aviso doutrinal)

                Muito se tem falado, mesmo no Vaticano, da possibilidade de dar a comunhão aos católicos casados na Igreja, em seguida divorciados e, depois, recasados. Se por acaso isso vier a acontecer, será a destruição completa da moral sexual católica, pois será a autorização de uma relação extraconjugal. Além disso, com essa comunhão aos divorciados recasados, se destroem três sacramentos: o matrimônio, a comunhão e a confissão. A comunhão aos divorciados recasados nunca foi, não pode ser, nem nunca será condizente com a doutrina de Cristo sobre o matrimônio. Não se pode servir a dois senhores, a Cristo e ao mundo. É preciso servir a Cristo.

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Sermão

“Este é o meu Filho dileto, em quem pus toda a minha complacência; ouvi-o”

                Caros católicos, nesse segundo domingo da Quaresma, a Santa Igreja nos apresenta o Evangelho da Transfiguração. Se todas as passagens da sagrada Escritura e do Evangelho em particular são importantes, o episódio da Transfiguração tem especial importância. Tanto é assim que três vezes durante o ano a Transfiguração é lida no Evangelho da Missa. Ontem, hoje e no dia 6 de agosto, Festa da Transfiguração de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Na Transfiguração, nós temos um pequeno resumo de todo o Evangelho, prezados católicos, o que é importante nesse tempo da Quaresma, em que buscamos realmente nos converter a Cristo, a aderir ao Evangelho. Nós temos, então, na Transfiguração, um resumo das verdades de fé mais necessárias e profundas e temos um resumo de como age a providência divina.

Eis que temos, então, no Monte Tabor, Jesus Transfigurado, seu rosto refulgindo como o sol e suas vestes mais brancas que a neve. Antes de tudo, precisamos entender o que ocorreu na Transfiguração. Ora, como sabemos, Jesus é verdadeiramente homem e verdadeiramente Deus. A união das naturezas divina e humana em Cristo é tão profunda e íntima que há uma só pessoa em Nosso Senhor Jesus Cristo, a pessoa divina, a pessoa do Verbo. A humanidade de Cristo está o mais unida possível à divindade, e desde o momento de sua concepção no seio de Maria. Sabemos que quanto mais algo está próximo da causa, mais ele se assemelha à causa. Portanto, a humanidade de Cristo, mesmo quando Ele estava ainda na terra, entre nós, se aproximava ao máximo da santidade divina. Assim, a alma de Cristo, desde o momento de sua concepção possui o mais alto grau de graça, de virtude, de dons… Mas, além disso, a alma de Cristo, desde o momento de sua concepção, possuía a visão beatífica. A alma de Cristo via desde o início Deus face a face. A consequência da visão beatífica na alma é a glorificação do corpo. E em Jesus, a glória do seu corpo é não somente consequência da visão beatífica, mas também de sua divindade. Dessa forma, Jesus deveria ter sempre seu corpo como ele apareceu aos três apóstolos no momento da Transfiguração, Ele deveria ter sempre um corpo glorioso. Deveria, mas não tinha. E não tinha porque não quis ter. E não quis ter para poder sofrer por nós, para poder satisfazer pelos nossos pecados, para poder mostrar seu amor por nós pelos seus sofrimentos, para nos salvar, para nos redimir, enfim. Portanto, prezados católicos, a primeira lição do evangelho de hoje, é a perfeição sem medida da alma de Cristo e sua divindade, em outras palavras, a Encarnação do Verbo.

No Evangelho, vemos também que apareceu uma nuvem e que uma voz falou. A nuvem é um símbolo de Deus. No deserto, no êxodo do Egito, Deus guiava o seu povo com uma nuvem durante o dia e de noite com uma coluna de fogo. Essa nuvem luminosa que vemos aqui no Evangelho é o Espírito Santo, caros católicos. E a voz que sai da nuvem e se dirige a Jesus Cristo, chamando-o de Filho, é Deus Pai, que coloca todas as suas complacências nEle. Temos aqui a Santíssima Trindade, caros católicos: um só Deus em três pessoas: Pai, Filho, e Espírito Santo.

Ao lado de Cristo temos Moisés e Elias. Neles está resumido todo o Antigo Testamento: a lei e os profetas. É a comprovação de que Jesus Cristo é o Messias, é o Salvador, é o Profeta, é o novo legislador anunciado no Antigo Testamento. Os dois personagens do AT estão a nos dizer que, com a vinda de Cristo, cessa o AT, a salvação já não pode ser encontrada no Antigo Testamento, mas somente em Jesus Cristo. Outra verdade de fé, prezados católicos: só pode haver salvação em Nosso Senhor Jesus Cristo, o Messias anunciado pelo Antigo Testamento. Só é verdadeira e só pode salvar a religião fundada por Nosso Senhor Jesus Cristo, que é a católica. No Evangelho, se diz que Elias e Moisés falavam com Jesus. Certamente, falavam da obra de redenção de Cristo, de sua morte na Cruz, de seu amor pelos homens.

A Transfiguração ocorre em um monte, no monte Tabor. A elevação do monte indica que o que está ocorrendo ali é algo sobrenatural. Na verdade, a Transfiguração no Monte Tabor, nada mais é do que uma fresta pela qual podemos ver como será o céu. No céu, teremos Nosso Senhor em toda a sua glória, depois de seus sofrimentos sobre a terra. Teremos a Santíssima Trindade, que será eternamente contemplada, adorada, amada. Teremos os santos. Poderemos conhecer as comunicações a vida íntima de Deus, como vemos na Transfiguração a comunicação entre as pessoas divinas. Lá poderemos fazer a nossa tenda e sermos eternamente felizes. Aqui, na terra, temos que combater. Aqui está colocada a Transfiguração para mostrar qual o objetivo que devemos buscar. Devemos ter sempre diante de nós o fim que buscamos: o céu, a vida eterna.  Aqui está colocada a Transfiguração para que penetremos o prêmio que mereceremos se conhecermos, amarmos e servirmos Nosso Senhor Jesus Cristo.

Nesse tempo de Quaresma, é importante nos lembrarmos que é o céu a nossa felicidade. Todos os nossos sacrifícios, todos os nossos sofrimentos, todas as nossas obras, todas as nossas orações, tudo deve ser orientado para alcançarmos o céu. Na Transfiguração, temos algumas indicações do caminho a ser percorrido. Antes de tudo, é preciso subir o monte. A subida demanda esforço, trabalho. Todavia, sozinho não podemos subir. É Jesus quem nos leva. Para subir o monte que leva ao céu, para passar por esse vale de lágrimas e chegar ao céu, é preciso que Jesus nos leve, como ele levou os três apóstolos. Sem Jesus, nada podemos fazer. E se queremos que Jesus nos leve, devemos nos dispor para isso, rezando e procurando praticar com seriedade a sua vontade em todas coisas. Vemos Moisés e Elias. Moisés e Elias jejuaram ambos quarenta dias e quarenta noites, para cumprir melhor a vontade de Deus. Para subir o monte que leva ao céu, é preciso mortificação, como falamos domingo passado. Jesus levou São Pedro, São Thiago Maior e São João Evangelista com ele. São Pedro nos diz que é preciso prontidão no serviço de Deus, se queremos chegar ao monte Tabor celeste. São João nos diz que é preciso a pureza se queremos chegar ao monte Tabor celeste. São Thiago diz que devemos estar prontos, se for necessário, a dar a própria vida, para chegar ao monte Tabor celeste, pois São Thiago Maior foi o primeiro apóstolo mártir. A Transfiguração também está colocada aqui para mostrar que Deus sempre nos dá as graças diante das provações. Nosso Senhor quis aparecer glorioso diante desses apóstolos para que eles não se escandalizassem diante da provação que seria para eles a morte de Cristo na Cruz. Deus, na sua bondade infinita, sempre nos dá as graças para superarmos as provações. Com a cruz, Deus sempre nos manda a transfiguração, por mais que, às vezes, essa transfiguração não seja tão clara. Eis aqui algumas indicações importantes na Quaresma para chegarmos ao monte Tabor.

Todavia, mais importante que essas belas indicações, nós temos as palavras de Deus Pai. “Este é o meu Filho bem amado em quem eu coloquei todas as minhas complacências.” Todo o agrado de Deus está em Nosso Senhor Jesus Cristo. Assim, só será agradável a Deus e só encontrará a salvação aquele que está unido a Nosso Senhor Jesus Cristo. E, para estar unido a Nosso Senhor, é preciso, como diz Deus Pai, ouvir o que Nosso Senhor nos diz. É preciso ouvir os seus ensinamentos e colocá-los em prática, reconhecendo nesse ensinamento palavras de vida eterna. Assim, como está dito no Evangelho de São João (3, 36): “Aquele que crê no Filho tem a vida eterna; quem não crê no Filho não verá a vida, mas sobre ele pesa a ira de Deus.” Também Nossa Senhora nos diz a mesma coisa. Aos serviçais das bodas de Caná, ela diz:  Fazei tudo o que Ele, Cristo, vos disser. Está aqui o caminho para chegar ao Monte Tabor celeste, está aqui o objetivo desses quarenta dias de misericórdia e de graça que é a Quaresma: ouvir Nosso Senhor Jesus Cristo e fazer tudo o que Ele nos manda.

Que belo resumo do Santo Evangelho, caros católicos, temos diante de nós na Transfiguração. As verdades de fé mais importantes, o anúncio do céu e os meios para chegar até lá.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Sermão] A importância e necessidade do jejum

Sermão para o 1º Domingo da Quaresma

09.03.2014 – Padre Daniel Pinheiro, IBP

ÁUDIO: Sermão para o 1º Domingo da Quaresma: Importância e necessidade do jejum

Em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo. Amém.

Ave Maria…

O Santo Evangelho desse primeiro domingo da Quaresma nos traz o exemplo de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ele jejuou 40 dias no deserto. Esse jejum de Cristo é importante para nós. Esse jejum de 40 dias, sem comer nada, de Nosso Salvador mostra, primeiramente, a sua divindade. Ninguém consegue passar 40 dias sem comer. Por outro lado, a fome de Cristo ao final dos 40 dias nos mostra a sua humanidade. Cristo é verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem, nos diz constantemente o Evangelho. E por que Nosso Senhor jejuou? Para reparar pelos seus pecados? Não, Ele não os tinha nem podia ter. Para assegurar o domínio de sua razão e vontade sobre as paixões desordenadas? Não, Nosso Senhor não tinha paixão desordenada: todos os seus sentimentos e emoções estavam perfeitamente subordinados à sua razão e à sua vontade, e estas completamente submissas à vontade de Deus. Para que, então, Nosso Senhor jejuou durante 40 dias? Ele jejuou para nos dar o exemplo e mostrar a importância dessa prática.

Convém compreender melhor a importância do jejum. O jejum, prezados católicos, é ato da virtude da abstinência. O que é uma virtude? Uma virtude nada mais é do que uma disposição bem enraizada nas faculdades da nossa alma que nos inclina a agir em conformidade com a reta razão iluminada pela fé. A virtude da abstinência é, então, a virtude que nos inclina a usar moderadamente dos alimentos corporais em conformidade com os preceitos da reta razão iluminada pela fé. Estamos falando da virtude de abstinência, a não ser confundida com a abstinência de carne, que prescreve a Igreja em todas as sextas-feiras do ano e na quarta-feira de cinzas. A virtude da abstinência nos inclina, então, a usar moderadamente dos alimentos, de acordo com a reta razão iluminada pela fé. O jejum nada mais é do que um ato da virtude da abstinência. O jejum é uma forma de praticar a virtude da abstinência.

É muito comum se pensar que o jejum é uma prática de devoção suplementar, que, na verdade, o jejum está longe de ser necessário, etc. Na verdade, o jejum é uma prática necessária para quem quer alcançar a perfeição. NS nos dá o exemplo no Evangelho de hoje (Mt 4,2), Ele diz que certos demônios só podem ser expulsos com jejum e oração (Mt 17, 21). Ele anunciou que seus discípulos praticariam o jejum (Mt 9, 15), como efetivamente se fez desde os tempos apostólicos. Os Santos Padres escreveram, por vezes, livros inteiros recomendando o jejum.  Santo Agostinho diz que o jejum “purifica a alma, eleva o espírito, sujeita a carne ao espírito, dá ao coração contrição e humildade, dissipa as trevas da concupiscência, extingue os ardores do prazer e acende a luz da castidade.”

O Prefácio do Tempo da Quaresma diz algo semelhante, de maneira resumida. Diz O Prefácio que o jejum corporal reprime os vícios, eleva a mente, se concede a virtude e o prêmio da virtude. São Tomás acrescenta que o jejum satisfaz pelos pecados. Assim, prezados católicos, temos no jejum algo que diz respeito ao passado, pois satisfaz por nossos pecados passados, e algo que diz respeito ao presente, pois ele reprime os vícios, favorece a virtude e eleva a nossa mente.

Pelo jejum, prezados católicos, comemos menos do que nos seria necessário. Nossa razão compreende facilmente que se faça um jejum de vez em quando em virtude de uma doença corporal ou para evitar uma doença. Muito mais facilmente se compreende, então, que se faça jejum para evitar males espirituais e para alcançar bens espirituais.

Vejamos como o jejum reprime os vícios, favorece a virtude, eleva a mente e satisfaz pelo pecado. Primeiramente, o jejum satisfaz pelo pecado porque ele é uma obra de penitência, ele é uma pena que nos infligimos, tendo assim um caráter de reparação pela satisfação ilícita alcançada em qualquer pecado. Em segundo lugar, o jejum reprime os vícios. O que é um vício? O vício nada mais é do que agir em desacordo com a reta razão. Um dos principais fatores que nos leva a agir de modo contrário à reta razão são as paixões desordenadas, que buscam um bem sensível independentemente da verdadeira bondade desse bem ou não. O jejum assegura justamente que essas paixões não serão satisfeitas e que elas se submeterão à razão e à vontade iluminadas pela fé. Portanto, o jejum reprime os vícios ao tirar o império das paixões sobre a razão e a vontade. Não se trata de suprimir as paixões, mas de não consentir nas paixões desordenadas e de orientar as paixões, isto é, nossas emoções e sentimentos em conformidade com a razão iluminada pela fé. O jejum ajuda muitíssimo a restabelecer a devida ordem na nossa alma. Em terceiro lugar, ao restabelecer a devida ordem em nossa alma, reprimindo o vício, o jejum favorece necessariamente a virtude, que nada mais é do que a disposição para agir em conformidade com a reta razão iluminada pela fé. Com o jejum bem praticado, nossas paixões se submeterão à nossa razão, e a nossa razão se submeterá a Deus. Em quarto lugar, o jejum eleva a mente. Isso é claro. Menos apegado às coisas sensíveis, não sofrendo mais a tirania das paixões, nossa inteligência poderá se elevar às coisas celestes, poderá considerá-las com tranquilidade e, consequentemente, amá-las mais profundamente. Isso ocorre, prezados católicos, porque nossa alma é una. Dessa forma, quando ela se aplica com veemência a uma coisa não pode se aplicar a outra coisa com profundidade. O jejum diminui a aplicação da nossa alma das coisas materiais, permitindo que nos elevemos às espirituais.  Assim, ao nos fazer reparar pelo pecado, ao reprimir os vícios, ao favorecer as virtudes, ao elevar a nossa mente para as coisas do alto, o jejum nos ajudará muitíssimo a alcançar o prêmio da vida eterna. O jejum, como podemos constatar, caros católicos, é de suma importância. Mesmo se não houvesse religião, nossa razão compreenderia a importância do jejum para poder viver de modo ordenado. O jejum é um preceito da lei natural tão importante que Deus quis também nos instruir a respeito dele e mostrar a importância dele na sua Revelação, como, por exemplo, nos quarenta dias em que Cristo jejuou.

Portanto, o jejum é necessário. Atualmente, a disciplina da Igreja ordena somente dois dias de jejum: na quarta-feira de cinzas e na sexta-feira santa, para os fiéis entre 18 e 60 anos. Esses dois dias no ano são insuficientes, para que desenvolvamos a virtude da moderação nos alimentos. Há 60 anos, o jejum se fazia durante a quaresma em vários dias da semana, em 3 ou 4 dias, por exemplo. Além disso, havia as Vigílias das grandes festas, que também eram dia de jejum. E, finalmente, havia quatro vezes ao ano, correspondendo aproximadamente às estações do ano, as chamadas quatro têmporas, que eram três dias de jejum. Eram, então, mais doze dias de jejum no ano. E os dias eram bem escolhidos. A Quaresma como preparação para a Páscoa. As vigílias em preparação para a festa de grandes mistérios e as quatro têmporas eram o período em que se faziam as ordenações. O jejum permitia, então, a reparação pelos pecados, a repressão do vício, a elevação da mente, para considerar a grandeza da páscoa, dos outros mistérios e para que fossem ordenados dignos pastores. Com a antiga disciplina, seguindo simplesmente o que mandava a Igreja, era possível adquirir a virtude que nos modera nos alimentos. Atualmente, embora a lei da Igreja seja em si boa, pois comanda o jejum, não é suficiente para desenvolver em nós a virtude. Precisamos, portanto, caros católicos, ir além daquilo que pede a disciplina atual da Igreja.

Todavia, para praticar bem o jejum é preciso praticá-lo com prudência. Não é bom o jejum que prejudica a saúde. Não é bom o jejum que nos impede de cumprir os nossos deveres de estado. Assim, não precisam jejuar a mulher grávida, ou alguém que tenha um problema de saúde que pode ser agravado pelo jejum, ou o que tem um trabalho árduo. Não é bom o jejum que se transforma em um fim em si mesmo. Não, o fim do jejum é a união com Deus, a virtude, a perfeição, a caridade. Não é bom o jejum feito por orgulho. O jejum deve ser humilde e feito com muita simplicidade e por amor a Deus. Não é bom o jejum que nos deixa irritados e que nos faz descontar essa irritação nos outros. O bom jejum deve aumentar a nossa caridade fraterna. Enfim, o jejum deve ser prudente e ordenado realmente a Deus.

Lembramos que o jejum é comer uma refeição normal no dia e fazer duas colações que, juntas, não chegam a uma refeição normal. Diante da importância do jejum, caros católicos, procuremos praticá-lo ao menos uma ou duas vezes por semana durante a quaresma e escolhamos alguns dias para praticá-lo durante o ano.

O jejum bem praticado reprime os vícios, eleva a mente, dá a virtude, satisfaz pelo pecado e nos faz merecer o prêmio da vida eterna porque nos conduzirá a praticar o amor a Deus e o amor ao próximo por amor a Deus. Eis, então, prezados católicos, a importância desse ato de virtude que é o jejum, tão recomendado pela Sagrada Escritura, tão recomendado por Nosso Senhor, tão recomendado pelos apóstolos, pela Igreja e pelos Santos.

Em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo.

[Sermão] O combate pela virtude da castidade

Sermão para o 25º Domingo depois de Pentecostes

10.11.2013 – Padre Daniel Pinheiro

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

Ave Maria…

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[Sermão/Carnaval] Consideração sobre as consequências da luxúria

[Sermão] Tentações, razões, fases, modos de vencê-las

[Sermão] A modéstia no vestir

[Sermão] Contracepção, métodos naturais e cultura de morte

ÁUDIO: Sermão para o 25º Domingo depois de Pentecostes – O combate pela virtude da castidade

“Tudo o que fizerdes, em palavras ou por obras, fazei tudo em nome do Senhor Jesus Cristo, dando por Ele graças a Deus Pai.”

Na parábola de hoje, NS diz que, enquanto os homens dormiam, veio o inimigo e semeou cizânia no meio do trigo e foi-se. Entre a cizânia semeada, podemos destacar o pecado da impureza, que tão grande mal faz às almas e à sociedade e que abunda na sociedade, em todos os meios. Diz o Santo Cura d’Ars que nenhum pecado destrói tão rapidamente a alma quanto esse pecado vergonhoso que nos tira da mão de Deus e nos joga na lama. São Tomás de Aquino diz algo semelhante: pela luxúria ou impureza somos afastados ao máximo de Deus. Os santos não estão dizendo aqui que o pecado da impureza é, em si mesmo, o pecado mais grave. O pecado de ódio a Deus ou um pecado contra a fé são em si mais graves, por exemplo. Todavia, os santos dizem que a impureza afasta mais de Deus que outros pecados em virtude da dificuldade em emendar-se quando se contrai o mau hábito de cair nesses pecados vergonhosos. Levado pela ferida do pecado original, o ser humano se deixa escravizar facilmente por esse pecado. E daí vêm consequências gravíssimas. Sobre as consequências drásticas desse pecado para uma alma e para a sociedade, sobre as filhas da luxúria ou impureza, falamos em um importante sermão nos dias do carnaval. Não custa enumerar essas consequências novamente. O vício da impureza gera: cegueira de espírito, precipitação, inconsideração, inconstância, amor desordenado de si mesmo, ódio a Deus, apego à vida presente, desespero com relação à salvação. A luxúria, por tudo isso, leva também a pessoa a perder a fé, a desprezar as verdades reveladas e a se obstinar no pecado, esquecida do juízo e do inferno. Para fazer uma alma perder a fé, é muitas vezes mais eficaz fazê-la se afundar na luxúria do que combater a fé diretamente. As músicas sensuais pelas letras e ritmos, filmes, roupas indecentes, etc., contribuem muitíssimo para a perda da fé sem atacá-la diretamente. Os que combatem a Igreja sabem muito bem disso. Podemos citar ainda, entre as filhas da luxúria, o aborto, que é assassinato, e a eutanásia, que é suicídio ou assassinato. A luxúria leva ao aborto porque as pessoas querem satisfazer suas paixões desordenadas sem responsabilidade. Leva à eutanásia porque se a pessoa já não pode aproveitar a vida, melhor que morra. Quantos males gravíssimos e quantas calamidades espirituais são causados pela busca de um prazer desordenado instantâneo, passageiro. Se de nada vale ao homem ganhar o mundo inteiro, se ele vier a perder a sua alma, o quanto vale ao homem cometer tão vergonhoso e torpe pecado, que lhe faz perder o céu e merecer o inferno? Diz Santo Afonso que, entre os adultos, poucos se salvam por causa desse pecado. Ele dizia isso no século XVIII. Podemos imaginar a situação em nossos dias… Por tão pouca e vergonhosa coisa.

Tendo, então, uma breve ideia das consequências desse pecado, procuremos os meios para adquirir ou avançar na virtude oposta a esse vício, quer dizer, na virtude da castidade. A virtude da castidade é a virtude derivada da virtude de temperança que nos faz ordenar o apetite venéreo conforme a razão iluminada pela fé, que reconhece que isso se reserva aos cônjuges no bom uso do matrimônio, isto é, sem que a procriação seja impedida, podendo, nesse caso, ser verdadeiramente um ato meritório diante Deus. Nossa razão reconhece que esse ato é ordenado à procriação e subsequente educação dos filhos, que se deve fazer dentro de um matrimônio indissolúvel.

Para que possa haver castidade, é preciso que haja primeiro, nos diz São Tomás, a vergonha e a honestidade. A vergonha é o sentimento louvável de temer a desonra e a confusão que são consequência de um pecado torpe. A honestidade é o amor à beleza que provém da prática da virtude. Devemos ter essa vergonha e essa honestidade. Outra raiz da pureza é a modéstia no nosso exterior, no falar, nos modos, no vestir, etc. Sem a modéstia, a pureza será impossível para nós e seremos também causa da queda dos outros.

Colocadas essas bases, para alcançar a castidade, é preciso também rezar muitíssimo, pedindo essa graça. Rezar, sobretudo, para Nossa Senhora, Mãe Castíssima, que sabe ensinar a seus filhos a castidade. A devoção das três Ave-Marias quando se acorda e antes de dormir, pedindo a graça da pureza é muito eficaz para se adquirir a pureza ou para perseverar nela. Também a devoção a São José é muito eficaz no combate pela pureza, pela castidade, sobretudo para os homens. São José ensina aos homens a verdadeira virilidade, que consiste em ter o domínio sobre suas paixões. O homem que se deixa levar pelas paixões, pela impureza é considerado em nossa sociedade decadente como viril. Ora, esse homem é, ao contrário, efeminado, pois efeminado, tecnicamente, é aquele que se deixa levar pelas paixões, pelas más inclinações, que não tem força para combatê-las e vencê-las, em virtude da tristeza e das dificuldades que existem na prática da virtude. Portanto, a devoção a São José vai nos ensinar a verdadeira virilidade, que consiste na castidade. Como diz o Salmo (30, 25): Agi com virilidade e fortalecei o vosso coração, vós que esperais no Senhor. Viriliter agite et confortetur cor vestrum qui speratis in Domino.  Invocar o nome de Jesus, Maria e José é de uma eficácia particular para se obter a pureza.

Para sermos castos, é preciso também mortificar os sentidos, sobretudo os olhos. Jó fez um pacto com seus olhos para não olhar para as moças e, assim, se manteve casto. Evitar a vã curiosidade, não parar os olhos em algo que possa suscitar maus pensamentos ou imaginações. E, justamente, é preciso mortificar nossa imaginação, controlando-a, ordenando-a.

É preciso evitar também as ocasiões de pecado, isto é, os ambientes, as pessoas, as coisas, as circunstâncias que podem levar a pecados contra a pureza. Muito cuidado é necessário no namoro ou no noivado. Namorados e noivos devem estar sempre em locais públicos que lhes impeçam de cometer pecados contra a pureza. Devem evitar andar de carro sozinhos, por exemplo. Namoro e noivado devem durar entre um e dois anos, tempo suficiente para conhecer a alma do outro, e que impede o surgimento de familiaridades indevidas. Bastaria um beijo apaixonado para haver um pecado grave entre namorados e noivos (conforme decreto do Santo Ofício de 1666, sob o Papa Alexandre VII). Os pecados contra a pureza aqui prejudicam também o correto juízo que se deve fazer da alma do outro, de suas qualidades e defeitos, a fim de saber se é possível ou não viver uma vida inteira com a pessoa… Levada pelos sentimentos e paixões, o julgamento será falseado.

Outra ocasião de pecado muito séria hoje é o computador, a internet. Deve-se usar a internet com um objetivo preciso, definido, fazendo uma oração antes ou depois. Quem navega à toa na internet dificilmente se preserva de pecado nessa matéria. Redes sociais também são grande fonte de perigo. Se uma pessoa já caiu várias vezes por meio de internet, reze antes de usá-la, coloque uma imagem de Nosso Senhor ou Nossa Senhora perto, para lembrar a presença de Deus, utilize o computador em local público, a que outras pessoas têm acesso. Se nada disso adianta, a solução é simples: renunciar à internet, ao menos temporariamente: mais vale entrar no céu sem internet do que com a internet ser condenado eternamente. O mesmo vale para TV, filmes e coisas do gênero. É preciso lembrar-se sempre de que o mais oculto dos pecados são conhecidos por Deus e serão conhecidos por todos no dia do juízo. É preciso fugir das ocasiões de pecado. Como diz São Felipe Neri, na guerra contra esse vício, os vitoriosos são os covardes, quer dizer, aqueles que fogem das ocasiões de pecado.

Além da oração, da mortificação dos sentidos e da fuga das ocasiões, é preciso evitar a ociosidade. A ociosidade é mãe de inúmeros pecados, a começar pela impureza. O Rei Davi pecou cometendo adultério e homicídio porque em um momento de ociosidade olhou para a mulher do próximo.

É preciso também mortificar-se, fazendo penitências, jejuns, abstinência de carne. Devemos começar observando a penitência da sexta-feira imposta pela Igreja, procurando fazê-la do modo tradicional, quer dizer, nos abstendo de carne. As mortificações facilitam o domínio da razão e da vontade sobre as paixões. É preciso mortificar-se em coisas lícitas para aprender a vencer a si mesmo na hora da tentação. É preciso, de modo particular, ter muita sobriedade no beber álcool.

No combate pela castidade, é preciso se aproximar dos sacramentos com assiduidade. É preciso se confessar com frequência não só depois da queda, mas também para evitá-la. Aqueles que têm o vício da luxúria ou impureza devem procurar a confissão uma vez por semana, ou pelo menos uma vez a cada duas semanas. É preciso comungar com frequência, estando em estado de graça, para evitar quedas futuras. Com o método preventivo e não só curativo, se impede que o pecado lance raízes mais profundas.

É preciso também pensar no inferno, na condenação eterna que se merece por tão pouca coisa, por algo tão passageiro e instantâneo. Perde-se o céu, se merece o inferno, se crucifica NS novamente por pecado tão torpe. Usar dessa faculdade fora do matrimônio, nos assemelha aos animais brutos, irracionais. Como diz São Tomás, o impuro não vive segundo a razão. Portanto, é preciso pensar no inferno e na nossa morte, da qual não sabemos o dia nem a hora. Não devemos adiar nossa conversão. Pode ser que Deus não nos dê a graça da conversão depois. É preciso aproveitá-la agora.

Na hora da tentação propriamente dita, é preciso rezar, em particular invocando o nome de Jesus, Maria e José e pensar em outra coisa, distrair o pensamento com algo bom, lícito, ainda que sem importância, como enumerar as capitais dos estados, por exemplo. O importante é que ocupemos a imaginação e o pensamento com outra coisa. É preciso cortar a tentação imediatamente. Se cair, procurar levantar-se imediatamente, buscando a confissão com verdadeiro arrependimento e propósito de emenda. Existe uma tendência em desmoronar depois da primeira queda, cometendo outros pecados. Isso agrava muitíssimo as coisas, multiplicando os pecados, as penas, solidificando o mau hábito, dificultando tremendamente a conversão.

Quem tem o vício da impureza não deve desesperar, mas deve se apoiar em Deus, em Nossa Senhora, nos anjos e santos e aplicar os meios que mencionamos com muita determinação. Não basta um eu quisera, um eu gostaria. Não, tem que ser um eu quero firme, disposto a empregar os meios necessários para atingir o fim buscado, que é a pureza.  Ao ser humano pode parecer impossível livrar-se de tal pecado uma vez que se contraiu o vício e, de fato, não é fácil. Mas com Deus é perfeitamente possível. Quem realmente quer se livrar desse vício e se apoia em Deus, consegue ter uma vida pura. Aqueles que não têm o vício devem continuar vigiando e orando, desconfiando de si, pois se acharem que estão imunes a tais pecados, cairão.

Combater pela pureza é necessário. Devemos fazê-lo com determinação e rezando muito. Diz Santo Agostinho que nessa espécie de pecado a batalha é onipresente, mas que a vitória é rara. Mas bem determinados, vigiando, rezando, empregando os meios que citamos, é plenamente possível. E que grande liberdade nos dá a castidade, que grande alegria viver segundo a razão e a fé.

Dirijo-me agora aos pais e aos que ajudam na educação das crianças. Os pais devem vigiar e favorecer a pureza dos filhos desde a mais tenra idade, para que adquiram a vergonha e a honestidade, para que sejam modestos no falar, nos modos, nas vestes… Cabe aos pais evitar que os filhos adquiram maus hábitos nesse campo, ainda que os filhos não entendam a malícia do que estão fazendo, pois depois não conseguirão se livrar do vício. Cuidado pais, cuidado com as crianças. Vejamos o que diz Pio XII: “Por desgraça, diz o Papa, às vezes acontece que pais cristãos com tantos cuidados na educação de um filho ou de uma filha, que são mantidos sempre longe dos perigosos prazeres e das más companhias, de repente vêem os filhos, com a idade de 18 ou 20 anos, vítimas de miseráveis e escandalosas quedas: o bom grão que semearam foi arruinado pela cizânia. Quem foi o inimigo do homem que fez tanto mal? O que ocorreu, continua o Papa, foi que no próprio lar, nesse pequeno paraíso, se introduziu furtivamente o tentador, o inimigo astuto, e encontrou ali o fruto corruptor para oferecer a mãos inocentes. Um livro deixado por acaso na mesa do pai foi o que destruiu no filho a fé de seu batismo, um romance abandonado no sofá ou no quarto pela mãe foi o que ofuscou na filha a pureza de sua primeira comunhão.” Até aqui o Papa. A cizânia pode entrar ao se folhearem revistas de notícias ou jornais largados na casa. A cizânia pode entrar pela televisão por um trecho do jornal televiso a que a criança assistiu por acaso. Vigiem, pais, vigiem pela alma dos filhos. Por favor, mantenham-nos longe da internet e de tablets e ipads, em que podem acessar verdadeiramente qualquer coisa. Eles já vêem tanta coisa ruim fora de casa. Que ao menos dentro dela eles possam encontrar a pureza e a virtude, a começar pelo exemplo dos pais.

De que vale ganhar o mundo inteiro se viermos a perder a nossa alma? De que vale uma satisfação instantânea, fugaz, e que nos faz perder o céu, merecer o inferno e que crucifica novamente NS? Confiando em Deus, desconfiando de nós mesmos, com uma determinação muito determinada, sejamos castos e puros conforme o nosso estado de vida.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo Amém.

[Sermão] São Miguel, o demônio e o combate espiritual.

Sermão para a Festa da dedicação de São Miguel Arcanjo / 19º Domingo depois de Pentecostes

 29.09.2013 – Padre Daniel Pinheiro

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

Ave Maria…

“São Miguel Arcanjo, defendei-nos no combate para não perecermos no dia do juízo terrível.” (Aleluia da Missa da Festa Dedicação de São Miguel Arcanjo)

A Festa que nós celebramos hoje não é simplesmente a Festa de São Miguel Arcanjo, mas é a Festa da Dedicação de São Miguel Arcanjo. Que dedicação é essa? Originalmente, se trata, provavelmente, da dedicação a São Miguel Arcanjo, feita nos primeiros séculos, nos subúrbios de Roma, de uma Igreja que ficava próxima à Via Salaria. Esse é, talvez, o significado original da Festa. Todavia, ela significa, hoje, a dedicação da Igreja Católica a São Miguel Arcanjo, que é, então, defensor da Santa Igreja.

A doutrina comum dos teólogos admite que há anjos da guarda não só dos homens, mas também de sociedades, de países, de dioceses, de paróquias, etc. São Miguel é como o anjo da guarda da Santa Madre Igreja, como o foi do povo judeu. E como anjo da guarda ele defende a Igreja constantemente dos males e perigos. Ele combate os demônios para que não façam tanto dano quanto gostariam de fazer. Ele favorece e inspira boas decisões aos membros da hierarquia. Ele oferece a Deus nossas orações: no momento da incensação no ofertório se invoca especificamente a intercessão de São Miguel Arcanjo. O incenso representa nossa oração e São Miguel a apresenta diante de Deus. São Miguel Arcanjo nos assiste também na hora de nossa morte e, por isso, se pede a ele, na Missa de Réquiem (de Defuntos), que leve as almas à santa luz. Eis algumas das funções de São Miguel a quem a Santa Igreja se dedica.

Todavia, São Miguel é o príncipe da milícia celeste, ele nos defende no combate. E creio que seja esse o principal fruto que podemos tirar hoje dessa festa: “a vida do homem sobre a terra é um combate (militia est vita hominis super terram)”, como nos diz o livro de Jó (7, 1). E, como nos diz São Paulo, não é somente contra a carne e o sangue que temos de lutar, mas contra os principados e potestades do inferno, contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra os espíritos malignos espalhados nos ares (Efésios 6, 12). E Nosso Senhor diz: “Não julgueis que vim trazer a paz à terra. Vim trazer não a paz, mas a espada” (Mateus 10, 34). E, assim, poderíamos multiplicar as passagens da Sagrada Escritura que nos mostram que estamos em combate, em combate pela glória e honra do Deus altíssimo, pelo bem e liberdade da Igreja e em combate pela salvação de nossas almas. E, por isso, a Igreja que está no mundo se chama Igreja Militante.

Nosso combate é, então, principalmente contra o demônio, o pai do pecado. Os demônios, os anjos caídos, têm por finalidade conduzir o homem à separação de Deus. Os demônios odeiam profundamente a Deus e odeiam a imagem e semelhança que os homens em estado de graça têm com Deus. Os demônios trabalham, portanto, para destruir a vida da graça em nós. Fazem isso por ódio a Deus e por inveja a nós, que ainda temos a possibilidade de nos salvarmos. O desejo íntimo deles é que a adoração devida a Deus seja prestada a eles. Se te prostrares a meus pés, adorando-me, eu te darei tudo isso, diz o demônio a Nosso Senhor. E, para atingir o seu propósito, satanás e seus asseclas têm armas poderosas. Evidentemente, eles tentam as pessoas individualmente, sugerindo o pecado, colocando coisas na nossa imaginação, por exemplo, tentando nos fazer consentir no mal. Lembro, porém, que os demônios não podem agir sobre nossa inteligência nem sobre a nossa vontade. Aqui, somente nós e Deus podemos agir. Mas os demônios vão além dessa tentação individual. Querendo ser como Deus, eles imitam a ação de Deus. Deus faz que todas as coisas se dirijam ao bem daqueles que o amam. Os demônios, ao contrário, tentam dirigir tudo para o mal. Eles potencializam ao máximo os pecados individuais para formar, a partir deles, estruturas de pecado, quer dizer, o demônio usa esses pecados pessoais para organizar e sistematizar uma cultura que favoreça o pecado, para organizar sociedades, grupos que favoreçam o pecado, etc. Podemos ver isso no caso das falsas religiões, que, às vezes, começam com um pecado pessoal – pensemos no caso de Lutero, por exemplo, que, com seus escrúpulos, dividiu a cristandade ao meio, criando o protestantismo para justificar a sua consciência. Podemos ver essa estrutura de pecado nas sociedades secretas, na maçonaria, verdadeira anti-Igreja. Essas estruturas de pecado estão muito bem instaladas hoje, caros católicos. Às vezes, elas são evidentes, como nos casos que acabamos de mencionar e outros: falsas religiões, sociedades secretas, indústria pornográfica, o sistema político que não leva em conta Deus e sua Igreja, etc. Muitas vezes, porém, essas estruturas são mais discretas, menos perceptíveis. É o caso de muitas das diversões de nossos dias. Quantos filmes que introduzem sorrateiramente um ponto contra a fé ou que introduzem por uma única cena a impureza em nossa alma. E a televisão, então? E quantas músicas, seja pela letra seja pelo ritmo também não favorecem o pecado, a desordem nos nossos apetites. E também os livros ruins… São João Bosco, em uma de suas visões, via a barca da Igreja sendo atacada por livros… por livros ruins. Agora, há meios bem mais eficientes de atacá-la: os filmes ruins, a televisão, internet. Não estou dizendo que essas coisas são necessariamente ruins. Podem ser boas. Mas quão raramente podemos encontrar filmes que de nenhum modo prejudiquem a nossa alma ou programas de TV que de nenhum modo prejudiquem a nossa alma. Temos também as modas ofensivas a Nosso Senhor, as máximas do mundo, jogos de computador. Em algumas coisas, o demônio se manifesta mais claramente, como na série Harry Potter, por exemplo, ou como em um jogo de computador em que o objetivo é matar o Papa. A diversão moderada é legítima, mas não é lícita a diversão quando se ofende a Deus ou quando se prejudica a nossa alma. É o demônio o principal autor da cultura de morte em que vivemos hoje, uma cultura que favorece e facilita tanto o pecado e mesmo pecados gravíssimos como o aborto, a prática homossexual, etc. Quão grande deve ser o nosso cuidado com tudo isso, para evitarmos em tudo a ofensa a Deus.

O demônio é insidioso, ele arma ciladas para nos perder, e, como nos diz São Pedro, “o demônio, nosso adversário, anda ao redor de nós como um leão que ruge, buscando a quem devorar” (1 Pedro 5, 8). O demônio ataca. Suas armas são poderosíssimas. No mais das vezes, ele é sutil, tentando fazer com que sirvamos a dois senhores, a Deus e ao mundo, mundo entendido aqui como tudo o que conduz ao pecado. O demônio nos sugere: “você pode servir a Deus, mas não precisa abandonar aquela série de TV de que você tanto gosta só porque lá se fala um pouquinho mal da Igreja ou porque lá se faz uma apologia do amor livre”; “você pode servir a Deus, mas não precisa abandonar aquela roupa de que você gosta e que atrai olhares indevidos.” “você pode servir a Deus, mas não precisa abandonar aqueles lugares mundanos que você frequenta”; “isso aqui é só um pecado leve, não pode fazer tão mal, não precisa abandoná-lo…”

O demônio ataca… e nós, nos defendemos ou nos deixamos levar por essas ciladas, caros católicos? Devemos combater o bom combate. Se as armas do demônio são poderosas, elas não são nada comparadas às armas que Deus nos dá, pois o demônio é como um nada diante de Deus. Auxiliados pela graça e apoiados em NSJC, em Nossa Senhora, nos anjos e santos, os ataques do demônio serão vãos. Para nos defender e atacar, algumas de nossas principais armas são: a fé viva, a oração, os sacramentos (confissão, comunhão e crisma, para quem ainda não é crismado), a meditação da paixão de Cristo, a devoção a Nossa Senhora, os sacramentais (em particular água benta, a bênção do lar), a fuga das ocasiões de pecado, a mortificação, etc… E, importantíssimo, caros católicos, é preciso ter um desejo profundo da santidade, de amar a Deus com todo o nosso ser e ao próximo por amor a Deus. Devemos ter esse desejo profundo de servir unicamente a Nosso Senhor Jesus Cristo. Devemos considerar com frequência a bondade de Deus, suas perfeições. Devemos considerar com frequência a alegria que é servi-lo aqui na terra e a alegria que teremos no céu, se servimos a um só Senhor aqui na terra.

O demônio, como não poderia deixar de ser, ataca também a Igreja. A tentação é clara e, mais uma vez, é, no fundo, aquela terceira tentação de Cristo no deserto: “Igreja, se te prostrares diante de mim, adorando-me e adaptando a tua doutrina e a tua moral, te darei tudo: a aceitação do mundo, maior número de fiéis, não haverá mais perseguições, etc.” Quão mentiroso é o demônio. Se a Igreja não pode sucumbir, caros católicos, pois as portas do inferno não prevalecerão, conforme as promessas de Cristo, essa tentação é bem real e bem presente para os homens da Igreja. Nós devemos, então, rezar a São Miguel para que defenda a Igreja, ele que é seu protetor. Na liturgia tradicional, após a Missa rezada, o padre diz as chamadas orações leoninas, introduzidas pelo Papa Leão XIII, e depois complementadas por São Pio X. Depois da Missa rezada, o padre se ajoelha diante do altar e recita com os fiéis três Ave-Marias, uma Salve Rainha, uma oração para Nossa Senhora na qual se pede a exaltação e a liberdade para a Igreja. Em seguida, recita a oração a São Miguel Arcanjo, contra o demônio e os outros espíritos malignos. E se concluem as orações leoninas com a invocação ao Sagrado Coração de Jesus, repetida três vezes. Assim, todos os padres no mundo inteiro imploravam diariamente e diante do altar, logo após a Missa, a intercessão de São Miguel contra as ciladas do demônio. Isso se perdeu com reforma litúrgica. Não é de se espantar que a influência do demônio tenha aumentado. Devemos recitar diariamente essa oração a São Miguel Arcanjo, caros católicos, pela Igreja e por nós mesmos, para que sejamos preservados das insídias e ciladas do demônio. E devemos usar as armas que mencionamos há pouco.

O demônio é um anjo caído, extremamente inteligente e muito capaz no mal, mas ele é uma mera criatura. O demônio não é um deus do mal, mas ele é uma pura criatura, infinitamente inferior a Deus, a Nosso Senhor Jesus Cristo. E inferior aos anjos, que possuem a graça de Deus. Em particular, ele é muito inferior a São Miguel. O nome Miguel indica justamente isso, pois Miguel quer dizer: quem é como Deus? Ninguém é como Deus, soberano Senhor e criador de todas as coisas.  Sendo uma mera criatura, o demônio só age no mundo na medida em que Deus o permite, segundo os desígnios da sua divina providência. A ação do demônio também entra nos planos da divina providência e Deus permite que ele aja para tirar da ação do demônio um bem muito superior. Vemos isso claramente durante a vida de Nosso Senhor. O demônio incitou a paixão e a morte de Nosso Senhor, pensando vencer definitivamente o Messias. Mas sem saber e sem querer, ele trabalhou para a salvação do mundo e para a sua própria derrota. Deus não quer a ação do demônio, mas ele não a impede, para tirar dela um bem superior. Como nos diz Santo Agostinho: “O Deus todo poderoso […], sendo sumamente bom, não deixaria de nenhum modo que existisse o mal, se Ele não fosse suficientemente poderoso e bom para tirar do mal um bem” (Enchiridion III, 11) e um bem maior. O demônio é uma mera criatura, e Deus, não impedindo o mal realizado pelo demônio, tira desse mal, das tentações, um bem maior, para sua glória e para nós, se buscamos em todas as coisas a vontade de Deus.

Estamos em um grande combate, caros católicos, um combate espiritual. Não só contra a nossa carne ferida pelo pecado original, não só contra o mundo, mas contra os espíritos malignos. Nesse combate, devemos recorrer aos anjos, a São Miguel em primeiro lugar, aos nossos anjos da guarda. E devemos fazer isso de forma correta, pois existem hoje várias devoções aos anjos que não estão de acordo com a prática católica. Em particular, a prática de dar nome aos anjos e de lhes atribuir determinadas funções específicas. Só conhecemos o nome de três anjos: Gabriel, Rafael, Miguel. Portanto, não se deve falar de Uriel e outros. Não se deve comparar a ação dos anjos a algo parecido com a astrologia, determinando-se um mapa astral dos anjos ou outras práticas que beiram a superstição ou o esoterismo. Em particular, a Santa Sé diz (decreto de 1992 da Congregação para a doutrina da Fé) que as “teorias (da senhora Gabriele Bitterlich, fundadora da Obra dos Santos Anjos) acerca do mundo dos anjos, dos seus nomes pessoais, dos seus grupos e funções”, são “estranhas à Sagrada Escritura e à Tradição”, e que essas teorias “não podem servir como base para a espiritualidade e atividade de associações aprovadas pela Igreja.” A Igreja só admite os três nomes conhecidos na Sagrada Escritura – Gabriel, Rafael, Miguel – como afirmam os Capítulos de Carlos Magno e o Concílio Romano realizado sob o Papa Zacarias. Na Igreja de Santa Maria dos Anjos em Roma, nos conta Bento XIV, havia uma pintura com nomes de outros anjos. Foi mandado que esses nomes fossem apagados (Bento XIV, L. IV, Cap. XXX). Sigamos a doutrina tradicional da Igreja na devoção aos anjos e não revelações privadas proibidas ou duvidosas.

Devemos rezar a São Miguel Arcanjo e ao nosso anjo da guarda. A oração “Santo Anjo do Senhor”, para o anjo da guarda, não é uma oração para crianças, mas uma oração para todos, crianças e adultos, que deve ser feita diariamente, principalmente pela manhã e em momentos de necessidade, para que nosso anjo da guarda nos ajude.

Estamos em um grande combate. Combate pela glória do Deus altíssimo.  Combate pela vida eterna. Nós fazemos parte da Igreja Militante, caros católicos, e não simplesmente da Igreja peregrina. Devemos nos armar com as armas espirituais, para que possamos dizer ao fim de nossas vidas, como São Paulo, em uma das mais belas frases da Sagrada Escritura: “combati o bom combati, guardei a fé”. Que nós possamos combater o bom combate contra a carne, o mundo, o demônio, e possamos guardar a fé, e uma fé viva, animada pela caridade. “Tende confiança, nos diz Nosso senhor, eu venci o mundo.” (Jo XVI, 33). Ânimo, coragem. Para Deus, nada é impossível.

Recorramos sempre com grande confiança a São Miguel nesse combate, ele que é o Príncipe das milícias celestes, ele que porta o estandarte da Cruz. São Miguel Arcanjo, defendei-nos nesse combate, sede nossa guarda contra a maldade e ciladas do demônio. Instantemente e humildemente pedimos que Deus sobre ele impere; e vós, príncipe da milícia celeste, com o poder divino, precipitai no inferno a Satanás e aos outros espíritos malignos, que vagueiam pelo mundo para a perdição das almas.

Em nome do pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Sermão] As três ressurreições e os três tipos de morte da alma

Sermão para o 15º Domingo depois de Pentecostes
1º de setembro de 2013 – Padre Daniel Pinheiro

 

ÁUDIO: Sermão para o 15º Domingo depois de Pentecostes Viúva de Naim Três Ressurreições e três mortes da alma 1.09.2013

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave Maria…

“Jovem eu te digo: levanta-te.”

São Lucas é o único Evangelista a narrar essa ressurreição, a ressurreição do único filho de uma viúva de uma cidade chamada Naim. Uma grande multidão seguia Nosso Senhor em virtude da belíssima doutrina que Ele ensinava – o sermão da montanha ainda estava impresso nas almas – e em virtude dos milagres que ele operava para confirmar a origem divina da sua doutrina, fazendo ao mesmo tempo um grande bem ao povo com esses milagres. Além dessa grande multidão que seguia Cristo, havia também uma grande quantidade de pessoas que seguia, por compaixão pela pobre mãe viúva, o cortejo fúnebre desse jovem. São Lucas nos diz ainda que o milagre ocorreu próximo da porta da cidade. Ora, na porta das cidades dos judeus havia grande quantidade de pessoas também, pois era nas portas que os judeus faziam os mercados e os tribunais (Salmo 68,13). Esse encontro entre a multidão que seguia Nosso Senhor Jesus Cristo, a multidão que seguia o cortejo fúnebre e a multidão que se encontrava na porta da cidade não é um acaso, mas é disposto pela vontade divina de Cristo, a fim de que o milagre seja conhecido por muitos, a fim de que muitos possam crer nEle e naquilo que Ele diz, para que muitos possam se salvar.

E Nosso Senhor ressuscita esse jovem diante de uma multidão imensa de pessoas com uma grande facilidade. Ele simplesmente diz ao jovem: Eu te digo, levanta-te. E para provar a ressurreição, o jovem não somente se levantou e se sentou, como começou a falar. Cristo mostra, então, seu domínio absoluto sobre a vida e a morte, domínio que só pode ser divino. Essa ressurreição é bem diferente das ressurreições feitas por Elias e Eliseu no Antigo Testamento, também em favor de viúvas. Os dois tiveram que fazer vários gestos, várias orações, implorando a Deus a ressurreição, enquanto Cristo ressuscita o jovem com uma simples ordem, que se cumpre imediatamente. O bom senso da multidão reconhece que aí está o dedo de Deus e essa multidão se enche de um bom temor de Deus. Digo de um bom temor porque é um temor reverencial e de respeito pela onipotência divina, e temor que leva os presentes a glorificarem a Deus. Se ainda não reconhecem em Cristo o Verbo de Deus humanado, ao menos o reconhecem como um profeta, como alguém enviado por Deus para dizer a verdade. Também nós reconhecemos Cristo como um profeta e muito mais do que um profeta, pois afirmamos que Cristo é Deus. Por que não crer, então, em tudo aquilo que nos ensinou e nos ensina pela sua santa Igreja? Por que não praticar aquilo que Ele nos ordena fazer, se é para a glória de Deus e para o nosso bem, para a nossa salvação?

Mas não devemos esquecer um detalhe importante do Evangelho de hoje. Cristo opera o milagre da ressurreição do jovem por compaixão pela mãe viúva. São as lágrimas da mãe, no fundo, que moveram Cristo a realizar esse milagre, como as lágrimas de santa Mônica moveram Cristo a converter seu filho, Santo Agostinho. As lágrimas, as orações, as súplicas das mães pelos seus filhos – as dos pais também, mas sobretudo as das mães – têm um grande valor e eficácia diante de Deus. Que os pais não negligenciem as orações fervorosas pelos filhos. Essas orações são parte integrante do dever dos pais em relação aos filhos.

Todavia, é outra a lição principal do Evangelho de hoje. Nós sabemos que a ressurreição do jovem filho da viúva de Naim não é a única ressurreição que Cristo fez. Pelos Evangelhos, sabemos que Cristo fez pelo menos três ressurreições. Mas é bem provável que tenha feito muitas outras, pois nem tudo o que Ele fez está escrito. Se se escrevesse tudo o que Cristo fez nem no mundo todo poderiam caber os livros que seria preciso escrever, como nos diz São João (Jo 21,25). Longe esteja de nós, portanto, limitar-nos à Sagrada Escritura, desprezando a Tradição. Dizíamos, então, que são três as ressurreições narradas nos Evangelhos. A ressurreição da filha de Jairo, chefe de uma Sinagoga, a ressurreição do jovem filho da viúva de Naim que acabamos de ouvir, e a ressurreição de Lázaro. A filha de Jairo foi ressuscitada quando ainda se encontrava dentro da casa. O jovem foi ressuscitado no caminho para ser enterrado. Lázaro foi ressuscitado depois de 4 dias já sepultado. Cada um desses três mortos representa as três classes de mortos que Nosso Senhor ressuscita diariamente. A morte da filha de Jairo, ressuscitada ainda dentro de casa, representa o pecado grave cometido por pensamento seguido de consentimento, mas que não se traduziu em nenhum ato exterior. Pensar no mal voluntariamente, alegrar-se com o mal cometido ou desejar fazer o mal são pecados interiores que nos valem a morte se dizem respeito à matéria grave. Nosso Senhor diz, por exemplo, que aquele que olha uma mulher para desejá-la já adulterou em seu coração. A filha de Jairo representa, assim, o pecado interno. O jovem filho da viúva de Naim, ressuscitado no caminho para o cemitério, representa o pecado grave cometido também exteriormente e que tem, portanto, maior intensidade que o pecado cometido só interiormente. Lázaro, ressuscitado depois de quatro dias enterrado, representa o pecado grave que já se tornou uma inclinação arraigada na alma e que a pessoa muitas vezes já nem consegue reconhecer como um mal. Ora, é mais difícil curar o pecado que já se tornou um hábito do que o simples pecado exterior, assim como é mais difícil curar o pecado que se traduziu em obras ruins do que o pecado que é só interior. O pecado puramente interior é mais fácil de ser abandonado e perdoado: Cristo ressuscitou a menina ainda na casa. O pecado que é também exterior já é mais difícil de ser abandonado e perdoado, dada a sua maior intensidade: Cristo ressuscitou o jovem já no caminho para o cemitério, cemitério que simboliza, nesse caso, a morte eterna causada pela separação eterna de Deus. O pecado habitual, aquele que já é para nós quase uma segunda natureza é muito difícil de ser abandonado e, portanto, de ser perdoado: Cristo ressuscitou Lázaro somente após 4 dias de sepultura, quer dizer, já muito perto da morte eterna. E depois de ressuscitado, Lázaro ainda estava amarrado, mostrando que mesmo depois do perdão de um pecado habitual a tendência, a inclinação para voltar a cometê-lo é grande.

Todavia, Cristo ressuscitou cada um desses três mortos, quer dizer, Cristo perdoa todos esses pecados que esses mortos representam, mesmo os mais graves, mesmo os mais arraigados, desde que estejamos dispostos a receber o perdão, quer dizer, desde que (1) detestemos o pecado, desde que (2) tenhamos o firme propósito de não mais cometê-lo, desde que (3) confessemos todos os nossos pecados graves ao padre com sinceridade e simplicidade e desde que (4) estejamos dispostos a cumprir a penitência dada por ele. A confissão é o meio pelo qual a misericórdia divina ressuscita as nossas almas. A confissão foi criada pelo Sagrado Coração de Jesus, que deseja ardentemente a nossa salvação até o ponto de ser transpassado pela lança. Todo pecado é perdoável, mas é preciso buscar logo esse perdão, para não morrermos em pecado mortal. Lembremo-nos de que o filho da viúva era jovem. Busquemos a confissão com confiança e rapidamente.

Devemos também tirar do Evangelho de hoje a lição de que devemos cortar o mal imediatamente na raiz, quer dizer, devemos combater a tentação, cortando-a quando ela começa a aparecer na nossa imaginação e na nossa inteligência. Para combater a tentação devemos fazer o ato de virtude contrário, devemos desviar o nosso pensamento para algo lícito, bom e, se possível, santo. Devemos fugir das ocasiões de pecado, nos mortificar. Se não cortamos esses maus pensamentos imediatamente, terminaremos consentindo, depois passando para as obras e criando um vício, um costume ruim.  É mais fácil evitar que uma árvore seja plantada do que cortar uma árvore já plantada ou que tenha raízes profundas. É preciso, assim, evitar o plantio das árvores más e arrancar as já plantadas. Mas isso não basta. É preciso ocupar o terreno com as árvores boas da virtude, da obediência total à lei de Deus. Nosso Senhor Jesus Cristo na sua imensa compaixão diante de nossas misérias, compaixão tal como a vimos relatada hoje no Evangelho, quer ressuscitar a nossa alma. Mas ele pede também a nossa cooperação. Não recusemos cooperar com um Deus que quer nos salvar.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Instrução] Exame de Consciência para Adultos

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 (Atualizado em 06/09/2013)

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EXAME DE CONSCIÊNCIA PARA ADULTOS

 A PARTIR DOS DEZ MANDAMENTOS DE DEUS E DOS PRECEITOS DA SANTA IGREJA

Para os que depois do Batismo caem em pecados, instituiu Jesus Cristo o Sacramento da Penitência com as palavras “Recebei o Espírito Santo; àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados, e àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos” (Jo 20, 22-23).

Esse Sacramento é a “segunda tábua da salvação depois do naufrágio da graça perdida” (Concílio de Trento)

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Esse exame de consciência tem como objetivo ajudar os fiéis a fazer uma boa confissão. Ele é indicado Continuar lendo

O bom samaritano e a virtude da esperança diante do desânimo na prática da religião

Sermão para o 12º Domingo depois de Pentecostes

11 de agosto de 2013 – Padre Daniel Pinheiro

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

Ave Maria…

“Mestre, que devo fazer para alcançar a vida eterna?”

A pergunta do doutor da lei deve ser a pergunta das nossas vidas, caros católicos: “Mestre, o que devo fazer para alcançar a vida eterna?” Não basta perguntá-la, mas é preciso colocar a resposta em prática.

O doutor da lei chama NSJC de Mestre e lhe faz a pergunta para tentá-lo, para ver se NSJC se opõe à lei mosaica, e poder, assim, condená-lo, ou para ver se NSJC cai em alguma contradição, a fim de desacreditá-lo diante do povo. Nosso Senhor, conhecendo a malícia desse doutor da lei, deixa que o próprio doutor da lei responda. E ele o faz muito bem, mostrando conhecimento do que se deve fazer para alcançar a vida eterna, embora não pareça colocar o que sabe em prática. O doutor da lei diz que se deve amar o Senhor Deus com todo o coração, com toda a alma, com todas as forças, com todo o entendimento.

É preciso que em nossas vidas, nas decisões que tomamos, nas situações em que nos encontramos, nas ações que fazemos… é preciso sempre que nos perguntemos o que devemos fazer para alcançar a vida eterna. Como nos diz o doutor da lei, confirmado por NS, devemos amar o Senhor nosso Deus de todo o coração, quer dizer, com toda a nossa vontade, querendo unicamente Deus em nossas vidas e querendo as outras coisas somente enquanto nos levam a Ele. Devemos amar o Senhor nosso Deus com toda a nossa alma, quer dizer, com todas as faculdades, com todos os sentimentos sempre ordenados para Deus, com toda nossa vida ordenada para Deus. Como nos diz São Paulo: “quer comais, quer bebais, fazei tudo para a glória de Deus.” E devemos amá-lo com todas as nossas forças, quer dizer, devemos amá-lo ao máximo. Como diz São Bernardo: a medida do amor a Deus é amá-lo sem medida. Finalmente, devemos amá-lo com todo o nosso entendimento, quer dizer, nosso amor deve ser guiado pela fé, pois para amar realmente a Deus sobrenaturalmente, a fim de alcançar a vida eterna, é preciso conhecê-lo pela fé verdadeira, pela fé católica. Amar a Deus, caros, católicos, não é algo vago, não é um sentimento mais ou menos beato, não é sentir-se em paz ou na presença de Deus. Já falamos disso várias vezes, mas insisto, pois é esse um dos principais erros dos nossos tempos, mesmo dentro da Igreja Católica. Ouvimos com muita frequência que se a pessoa se sente bem, ela ama Deus e é amada por Ele, não importando a religião. Deus está em todos os lugares, em todas as religiões, o importante é você sentir-se bem. Não, não é nada disso. Amar não é um vago sentimento, ainda que intenso. Amar é querer o bem do amado e fazer o bem para o amado. Queremos e fazemos o bem para Deus quando aderimos à religião que Ele nos revelou e quando guardamos os mandamentos de Deus e da Igreja.

Para alcançar a vida eterna, devemos amar o Senhor Nosso Deus de todo o coração, de toda a alma, com todas as nossas forças, com todo o nosso entendimento. Vejam, caros católicos, que se encontra sempre a palavra “todo” qualificando a vontade, o coração, o entendimento, as forças. Isso porque não devemos nos contentar em amar Deus pela metade ou em parte, fazendo uma partilha entre Deus e nossa vontade pessoal, entre Deus e nossos gostos pessoais, entre Deus e o mundo, entre Deus e nossos parentes. Não. Devemos, ao contrário, amar a Deus em primeiro lugar e devemos amar as outras coisas por amor a Deus, para levá-las para Deus ou porque nos levam para Deus. E, claro, se amamos a Deus, amaremos o nosso próximo para ajudá-lo em suas necessidades, sobretudo espirituais.  Amar a Deus partilhando-o com outras coisas pode ser impossível, se essa outra coisa nos faz ofender a Deus gravemente. Mas ainda que essa outra coisa não ofenda a Deus, se nosso coração está dividido, seremos tíbios, e seremos, então, presa relativamente fácil do pecado e do demônio. É preciso amar a Deus inteiramente, caros católicos, amá-lo com todo o nosso ser, e amá-lo cada vez mais.

Amar a Deus inteiramente significa esquecer as falsas máximas mundanas, significa deixar as más companhias. Amar inteiramente a Deus significa renunciar a certas diversões cada vez mais abundantes, refinadas e imorais ou anticatólicas também na doutrina. Quantos filmes, mesmo os mais acessíveis a jovens e crianças, se opõem à doutrina e moral católicas. Quantas danças pelo próprio modo de dançar ou pelas circunstâncias são ruínas para as almas. Quantas casas de diversão são verdadeiros centros de perdição. E praias e piscinas com imoral promiscuidade dos sexos e trajes sumários. Quantas revistas com tantas coisas mundanas e superficiais (as chamadas revistas femininas, por exemplo), contrárias à fé ou indecentes.  Novelas e seriados de televisão, modas indecentes, conversas ruins, brincadeiras de mau gosto, etc. (vide Royo Marín, Teología de la Perfección Cristiana, 2008, p. 297/298) Amar a Deus é renunciar a toda e qualquer diversão que de alguma forma ofenda a Deus. Amar a Deus inteiramente é suportar com paciência a zombaria e as perseguições por renunciar a tudo isso, por simplesmente fazer o bem e comportar-se cristãmente. Todavia, tudo isso é apenas o aspecto negativo de amar inteiramente a Deus, pois amar a Deus é reconhecer n’Ele a infinita bondade, a infinita misericórdia para conosco. Amar a Deus é conformar nossa vontade inteiramente à vontade d’Ele, sabendo que sua vontade é perfeitíssima. Amar a Deus inteiramente é buscar nos alegrar na prática da religião e da virtude. Amar a Deus é buscar sempre a sua maior glória. Devemos também nos lembrar daquelas palavras de NS: “aquele que ama a sua vida nesse mundo vai perdê-la, mas que aquele que aborrece a sua vida neste mundo vai conservá-la para a vida eterna” (Jo 12, 25).

Mas, padre, é impossível amar a Deus dessa forma, diriam muitos. Como renunciar a tantas coisas que quase todo mundo faz normalmente? Como conformar nossa vontade com a vontade de Deus, mesmo nas cruzes? Como educar meus filhos nesse mundo? Como eu, jovem, posso abandonar todas essas coisas que meus colegas fazem?  Nós estamos no mundo, padre, se renunciarmos a tantas coisas e buscarmos a conformidade em tudo com a vontade de Deus, seremos desprezados pelos outros, vamos sofrer muito, seremos tristes, vamos aborrecer a nossa vida. É impossível conseguir viver de modo verdadeiramente católico nesse mundo em que o pecado nos espera no nosso próximo passo. É impossível amar a Deus com todo o nosso ser. É impossível na sociedade em que vivemos e no momento de crise por que passa a Igreja. Temos que nos dividir entre Deus e o mundo. Se não o fizermos, será impossível viver. Eis aqui a tentação do desespero, caros católicos. Eis a tentação daquele que busca seguir a Cristo e que quer fazê-lo bem, mas que diante de tantas dificuldades e cruzes vai pouco a pouco desanimando, arrefecendo e tem a forte tentação de desistir. E quantos, de fato, terminam desistindo, dizendo que preferem abandonar tudo, já que não são capazes de amar a Deus inteiramente. Diante dessa tentação de desespero, é preciso reagir com a esperança sobrenatural, caros católicos.  Lembremo-nos, caros católicos, que em nenhum momento NS prometeu a paz – como o mundo a entende – aqui na terra. Ao contrário, ele prometeu a espada, ele disse que seus discípulos deveriam carregar a cruz. Mas ao mesmo tempo, Ele disse que estaria conosco até o final dos tempos e que estaria conosco todos os dias. Se Deus nos faz viver hoje, nessa sociedade, nesse momento de crise na Igreja, é porque podemos amá-lo inteiramente, é porque podemos alcançar a vida eterna. Podemos esperar com toda confiança e certeza que Deus nos dará os meios necessários para nos salvar e nos dará esses meios com abundância, se buscamos com sinceridade observar os seus mandamentos. E devemos esperar com firme confiança em Deus porque Ele é infinitamente bom e todo-poderoso. Ele é infinitamente bom. Isso significa que Deus quer que nos salvemos. Isso significa que Ele nos dará todas as graças, todos os meios para que nos salvemos. Isso significa que Ele não pode nos pedir o impossível. Deus é todo-poderoso. Isso significa que para ele nada é impossível. O que para nós sozinhos é impossível, com Deus se torna plenamente possível. É evidente que, sozinhos, nos é impossível amar inteiramente a Deus, não somente nos tempos em que vivemos, mas em qualquer tempo. Com Deus, podemos amá-lo inteiramente sempre em qualquer circunstância. Como diz Santo Agostinho: “Porque Deus não manda coisas impossíveis, mas quando manda, quer que façamos o que podemos e que peçamos o que não podemos, e Ele nos ajuda a poder”. E como diz São João: “os seus mandamentos não são pesados” (1Jo 5, 3).

Devemos ter grande e firme confiança porque Nosso Senhor Jesus Cristo é o Bom Samaritano da parábola de hoje. O homem despojado dos seus bens e ferido somos nós, a humanidade, despojada da graça pelo pecado e ferida com suas más inclinações, consequências do pecado. Aquele homem descia de Jerusalém para Jericó. Jerusalém simboliza a pátria celeste, a virtude, o bem. Esse homem deixava o caminho da virtude e viajando sozinho colocava-se em situação de perigo, pois era bem sabido que na estrada havia assaltantes. Esse homem somos nós que, seguindo muitas vezes a sugestão do mundo, da nossa vontade própria ou do demônio, deixamos muitas vezes a vida da graça, nos colocamos em ocasião de pecado e caímos, somos feridos pelo pecado, despojados da graça, da amizade com Deus. Esse homem, assaltado e ferido pela própria negligência somos nós, que por nossa culpa, por nossos descuidos nos afastamos de Deus, de Jerusalém, do céu e descemos para Jericó, para o pecado, para o inferno. Ainda assim, sabendo que esse homem era culpado de seus próprios males e sabendo que se tratava de um inimigo (Judeus e samaritanos eram inimigos e se assume que o ferido e despojado é um judeu, embora não esteja dito explicitamente), o bom samaritano o socorreu, colocando vinho e óleo nas suas feridas, levando-o para a estalagem e pagando as despesas. O Bom Samaritano é NSJC. É NSJC que, nos vendo em estado de pecado (por nossa própria culpa, como é claro), que nos vendo inimigos de Deus, portanto, inimigos d’Ele pelos nossos pecados, vem em socorro. Quanta bondade! Quanta misericórdia! Nosso Senhor coloca o vinho para purificar nossas feridas, fazendo-nos expiar por elas por meio dos sofrimentos, e das cruzes. Nosso Senhor coloca o azeite, nos restituindo a graça, nos auxiliando nas nossas provações, tornando nosso jugo suave e leve. Ele nos leva para a estalagem que é Igreja, em particular nos leva para a confissão. É Ele quem paga, em primeiro lugar, pelo nosso estado de pecador. Ele paga sofrendo e morrendo na cruz por nós. Bondade infinita! Misericórdia infinita! A parábola do Bom samaritano deve nos dar, caros católicos, grande esperança! Vejamos o que Cristo faz com aquele que ainda é seu inimigo. Muito mais fará com aquele que busca servi-lo com todo o seu ser. Cabe a nós implorar o socorro desse Bom Samaritano e deixar que Ele nos salve. E, quando por infelicidade cairmos, procuremos na Estalagem, que é a Igreja, o vinho e o azeite, que é a confissão dos nossos pecados. As quedas – que devemos procurar evitar a todo custo – não devem nos desanimar, ou nos fazer desesperar, ou diminuir nossas práticas religiosas. Devemos nos levantar para servir a Deus com maior vigor e afinco. Quando vier a tentação do desespero, de desistir, recitemos confiadamente o ato de esperança, praticando a virtude oposta a esse pecado. Não devemos arrefecer, não devemos abandonar nossas práticas devocionais, mas devemos mantê-las e até aumentá-las, se for possível.

Amar a Deus inteiramente, caros católicos, é, portanto, perfeitamente possível. Não sozinhos. Isso seria pelagianismo, quer dizer, seria acreditar que podemos nos salvar sem a ajuda divina, sem a graça. A coleta de hoje nos mostra que só podemos servir a Deus dignamente em virtude de um dom que Ele nos dá. Não podemos fazer nada de bom na ordem sobrenatural sem o auxílio da graça. As orações da Missa Tradicional são anti-pelagianas por excelência, pois invocam com ênfase o auxílio da graça. Aqueles que se deixam formar pelas orações da Missa Tradicional estarão vacinados contra qualquer tentação de pelagianismo ou autossuficiência. As orações da Missa Tradicional são a base para a doutrina da graça de Santo Agostinho, doutrina que é anti-pelagiana por excelência. E com o auxílio da graça, podemos correr ao céu, evitando as ofensas a Deus. Diante das dificuldades, não desanimemos, não nos desesperemos. Diante das dificuldades, devemos ter coragem! Diante das dificuldades, esperança na bondade e na onipotência divinas que nos dá todos os meios para nos salvarmos. Façamos a nossa parte rezando, pedindo o auxílio divino, nos esforçando para amar inteiramente a Deus, pois é isso que temos que fazer para alcançar a vida eterna.  “Mestre, que devo fazer para alcançar a vida eterna?” Ama o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todas as tuas forças, com todo o teu entendimento.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.