[Sermão] O combate pela virtude da castidade

Sermão para o 25º Domingo depois de Pentecostes

10.11.2013 – Padre Daniel Pinheiro

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

Ave Maria…

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ÁUDIO: Sermão para o 25º Domingo depois de Pentecostes – O combate pela virtude da castidade

“Tudo o que fizerdes, em palavras ou por obras, fazei tudo em nome do Senhor Jesus Cristo, dando por Ele graças a Deus Pai.”

Na parábola de hoje, NS diz que, enquanto os homens dormiam, veio o inimigo e semeou cizânia no meio do trigo e foi-se. Entre a cizânia semeada, podemos destacar o pecado da impureza, que tão grande mal faz às almas e à sociedade e que abunda na sociedade, em todos os meios. Diz o Santo Cura d’Ars que nenhum pecado destrói tão rapidamente a alma quanto esse pecado vergonhoso que nos tira da mão de Deus e nos joga na lama. São Tomás de Aquino diz algo semelhante: pela luxúria ou impureza somos afastados ao máximo de Deus. Os santos não estão dizendo aqui que o pecado da impureza é, em si mesmo, o pecado mais grave. O pecado de ódio a Deus ou um pecado contra a fé são em si mais graves, por exemplo. Todavia, os santos dizem que a impureza afasta mais de Deus que outros pecados em virtude da dificuldade em emendar-se quando se contrai o mau hábito de cair nesses pecados vergonhosos. Levado pela ferida do pecado original, o ser humano se deixa escravizar facilmente por esse pecado. E daí vêm consequências gravíssimas. Sobre as consequências drásticas desse pecado para uma alma e para a sociedade, sobre as filhas da luxúria ou impureza, falamos em um importante sermão nos dias do carnaval. Não custa enumerar essas consequências novamente. O vício da impureza gera: cegueira de espírito, precipitação, inconsideração, inconstância, amor desordenado de si mesmo, ódio a Deus, apego à vida presente, desespero com relação à salvação. A luxúria, por tudo isso, leva também a pessoa a perder a fé, a desprezar as verdades reveladas e a se obstinar no pecado, esquecida do juízo e do inferno. Para fazer uma alma perder a fé, é muitas vezes mais eficaz fazê-la se afundar na luxúria do que combater a fé diretamente. As músicas sensuais pelas letras e ritmos, filmes, roupas indecentes, etc., contribuem muitíssimo para a perda da fé sem atacá-la diretamente. Os que combatem a Igreja sabem muito bem disso. Podemos citar ainda, entre as filhas da luxúria, o aborto, que é assassinato, e a eutanásia, que é suicídio ou assassinato. A luxúria leva ao aborto porque as pessoas querem satisfazer suas paixões desordenadas sem responsabilidade. Leva à eutanásia porque se a pessoa já não pode aproveitar a vida, melhor que morra. Quantos males gravíssimos e quantas calamidades espirituais são causados pela busca de um prazer desordenado instantâneo, passageiro. Se de nada vale ao homem ganhar o mundo inteiro, se ele vier a perder a sua alma, o quanto vale ao homem cometer tão vergonhoso e torpe pecado, que lhe faz perder o céu e merecer o inferno? Diz Santo Afonso que, entre os adultos, poucos se salvam por causa desse pecado. Ele dizia isso no século XVIII. Podemos imaginar a situação em nossos dias… Por tão pouca e vergonhosa coisa.

Tendo, então, uma breve ideia das consequências desse pecado, procuremos os meios para adquirir ou avançar na virtude oposta a esse vício, quer dizer, na virtude da castidade. A virtude da castidade é a virtude derivada da virtude de temperança que nos faz ordenar o apetite venéreo conforme a razão iluminada pela fé, que reconhece que isso se reserva aos cônjuges no bom uso do matrimônio, isto é, sem que a procriação seja impedida, podendo, nesse caso, ser verdadeiramente um ato meritório diante Deus. Nossa razão reconhece que esse ato é ordenado à procriação e subsequente educação dos filhos, que se deve fazer dentro de um matrimônio indissolúvel.

Para que possa haver castidade, é preciso que haja primeiro, nos diz São Tomás, a vergonha e a honestidade. A vergonha é o sentimento louvável de temer a desonra e a confusão que são consequência de um pecado torpe. A honestidade é o amor à beleza que provém da prática da virtude. Devemos ter essa vergonha e essa honestidade. Outra raiz da pureza é a modéstia no nosso exterior, no falar, nos modos, no vestir, etc. Sem a modéstia, a pureza será impossível para nós e seremos também causa da queda dos outros.

Colocadas essas bases, para alcançar a castidade, é preciso também rezar muitíssimo, pedindo essa graça. Rezar, sobretudo, para Nossa Senhora, Mãe Castíssima, que sabe ensinar a seus filhos a castidade. A devoção das três Ave-Marias quando se acorda e antes de dormir, pedindo a graça da pureza é muito eficaz para se adquirir a pureza ou para perseverar nela. Também a devoção a São José é muito eficaz no combate pela pureza, pela castidade, sobretudo para os homens. São José ensina aos homens a verdadeira virilidade, que consiste em ter o domínio sobre suas paixões. O homem que se deixa levar pelas paixões, pela impureza é considerado em nossa sociedade decadente como viril. Ora, esse homem é, ao contrário, efeminado, pois efeminado, tecnicamente, é aquele que se deixa levar pelas paixões, pelas más inclinações, que não tem força para combatê-las e vencê-las, em virtude da tristeza e das dificuldades que existem na prática da virtude. Portanto, a devoção a São José vai nos ensinar a verdadeira virilidade, que consiste na castidade. Como diz o Salmo (30, 25): Agi com virilidade e fortalecei o vosso coração, vós que esperais no Senhor. Viriliter agite et confortetur cor vestrum qui speratis in Domino.  Invocar o nome de Jesus, Maria e José é de uma eficácia particular para se obter a pureza.

Para sermos castos, é preciso também mortificar os sentidos, sobretudo os olhos. Jó fez um pacto com seus olhos para não olhar para as moças e, assim, se manteve casto. Evitar a vã curiosidade, não parar os olhos em algo que possa suscitar maus pensamentos ou imaginações. E, justamente, é preciso mortificar nossa imaginação, controlando-a, ordenando-a.

É preciso evitar também as ocasiões de pecado, isto é, os ambientes, as pessoas, as coisas, as circunstâncias que podem levar a pecados contra a pureza. Muito cuidado é necessário no namoro ou no noivado. Namorados e noivos devem estar sempre em locais públicos que lhes impeçam de cometer pecados contra a pureza. Devem evitar andar de carro sozinhos, por exemplo. Namoro e noivado devem durar entre um e dois anos, tempo suficiente para conhecer a alma do outro, e que impede o surgimento de familiaridades indevidas. Bastaria um beijo apaixonado para haver um pecado grave entre namorados e noivos (conforme decreto do Santo Ofício de 1666, sob o Papa Alexandre VII). Os pecados contra a pureza aqui prejudicam também o correto juízo que se deve fazer da alma do outro, de suas qualidades e defeitos, a fim de saber se é possível ou não viver uma vida inteira com a pessoa… Levada pelos sentimentos e paixões, o julgamento será falseado.

Outra ocasião de pecado muito séria hoje é o computador, a internet. Deve-se usar a internet com um objetivo preciso, definido, fazendo uma oração antes ou depois. Quem navega à toa na internet dificilmente se preserva de pecado nessa matéria. Redes sociais também são grande fonte de perigo. Se uma pessoa já caiu várias vezes por meio de internet, reze antes de usá-la, coloque uma imagem de Nosso Senhor ou Nossa Senhora perto, para lembrar a presença de Deus, utilize o computador em local público, a que outras pessoas têm acesso. Se nada disso adianta, a solução é simples: renunciar à internet, ao menos temporariamente: mais vale entrar no céu sem internet do que com a internet ser condenado eternamente. O mesmo vale para TV, filmes e coisas do gênero. É preciso lembrar-se sempre de que o mais oculto dos pecados são conhecidos por Deus e serão conhecidos por todos no dia do juízo. É preciso fugir das ocasiões de pecado. Como diz São Felipe Neri, na guerra contra esse vício, os vitoriosos são os covardes, quer dizer, aqueles que fogem das ocasiões de pecado.

Além da oração, da mortificação dos sentidos e da fuga das ocasiões, é preciso evitar a ociosidade. A ociosidade é mãe de inúmeros pecados, a começar pela impureza. O Rei Davi pecou cometendo adultério e homicídio porque em um momento de ociosidade olhou para a mulher do próximo.

É preciso também mortificar-se, fazendo penitências, jejuns, abstinência de carne. Devemos começar observando a penitência da sexta-feira imposta pela Igreja, procurando fazê-la do modo tradicional, quer dizer, nos abstendo de carne. As mortificações facilitam o domínio da razão e da vontade sobre as paixões. É preciso mortificar-se em coisas lícitas para aprender a vencer a si mesmo na hora da tentação. É preciso, de modo particular, ter muita sobriedade no beber álcool.

No combate pela castidade, é preciso se aproximar dos sacramentos com assiduidade. É preciso se confessar com frequência não só depois da queda, mas também para evitá-la. Aqueles que têm o vício da luxúria ou impureza devem procurar a confissão uma vez por semana, ou pelo menos uma vez a cada duas semanas. É preciso comungar com frequência, estando em estado de graça, para evitar quedas futuras. Com o método preventivo e não só curativo, se impede que o pecado lance raízes mais profundas.

É preciso também pensar no inferno, na condenação eterna que se merece por tão pouca coisa, por algo tão passageiro e instantâneo. Perde-se o céu, se merece o inferno, se crucifica NS novamente por pecado tão torpe. Usar dessa faculdade fora do matrimônio, nos assemelha aos animais brutos, irracionais. Como diz São Tomás, o impuro não vive segundo a razão. Portanto, é preciso pensar no inferno e na nossa morte, da qual não sabemos o dia nem a hora. Não devemos adiar nossa conversão. Pode ser que Deus não nos dê a graça da conversão depois. É preciso aproveitá-la agora.

Na hora da tentação propriamente dita, é preciso rezar, em particular invocando o nome de Jesus, Maria e José e pensar em outra coisa, distrair o pensamento com algo bom, lícito, ainda que sem importância, como enumerar as capitais dos estados, por exemplo. O importante é que ocupemos a imaginação e o pensamento com outra coisa. É preciso cortar a tentação imediatamente. Se cair, procurar levantar-se imediatamente, buscando a confissão com verdadeiro arrependimento e propósito de emenda. Existe uma tendência em desmoronar depois da primeira queda, cometendo outros pecados. Isso agrava muitíssimo as coisas, multiplicando os pecados, as penas, solidificando o mau hábito, dificultando tremendamente a conversão.

Quem tem o vício da impureza não deve desesperar, mas deve se apoiar em Deus, em Nossa Senhora, nos anjos e santos e aplicar os meios que mencionamos com muita determinação. Não basta um eu quisera, um eu gostaria. Não, tem que ser um eu quero firme, disposto a empregar os meios necessários para atingir o fim buscado, que é a pureza.  Ao ser humano pode parecer impossível livrar-se de tal pecado uma vez que se contraiu o vício e, de fato, não é fácil. Mas com Deus é perfeitamente possível. Quem realmente quer se livrar desse vício e se apoia em Deus, consegue ter uma vida pura. Aqueles que não têm o vício devem continuar vigiando e orando, desconfiando de si, pois se acharem que estão imunes a tais pecados, cairão.

Combater pela pureza é necessário. Devemos fazê-lo com determinação e rezando muito. Diz Santo Agostinho que nessa espécie de pecado a batalha é onipresente, mas que a vitória é rara. Mas bem determinados, vigiando, rezando, empregando os meios que citamos, é plenamente possível. E que grande liberdade nos dá a castidade, que grande alegria viver segundo a razão e a fé.

Dirijo-me agora aos pais e aos que ajudam na educação das crianças. Os pais devem vigiar e favorecer a pureza dos filhos desde a mais tenra idade, para que adquiram a vergonha e a honestidade, para que sejam modestos no falar, nos modos, nas vestes… Cabe aos pais evitar que os filhos adquiram maus hábitos nesse campo, ainda que os filhos não entendam a malícia do que estão fazendo, pois depois não conseguirão se livrar do vício. Cuidado pais, cuidado com as crianças. Vejamos o que diz Pio XII: “Por desgraça, diz o Papa, às vezes acontece que pais cristãos com tantos cuidados na educação de um filho ou de uma filha, que são mantidos sempre longe dos perigosos prazeres e das más companhias, de repente vêem os filhos, com a idade de 18 ou 20 anos, vítimas de miseráveis e escandalosas quedas: o bom grão que semearam foi arruinado pela cizânia. Quem foi o inimigo do homem que fez tanto mal? O que ocorreu, continua o Papa, foi que no próprio lar, nesse pequeno paraíso, se introduziu furtivamente o tentador, o inimigo astuto, e encontrou ali o fruto corruptor para oferecer a mãos inocentes. Um livro deixado por acaso na mesa do pai foi o que destruiu no filho a fé de seu batismo, um romance abandonado no sofá ou no quarto pela mãe foi o que ofuscou na filha a pureza de sua primeira comunhão.” Até aqui o Papa. A cizânia pode entrar ao se folhearem revistas de notícias ou jornais largados na casa. A cizânia pode entrar pela televisão por um trecho do jornal televiso a que a criança assistiu por acaso. Vigiem, pais, vigiem pela alma dos filhos. Por favor, mantenham-nos longe da internet e de tablets e ipads, em que podem acessar verdadeiramente qualquer coisa. Eles já vêem tanta coisa ruim fora de casa. Que ao menos dentro dela eles possam encontrar a pureza e a virtude, a começar pelo exemplo dos pais.

De que vale ganhar o mundo inteiro se viermos a perder a nossa alma? De que vale uma satisfação instantânea, fugaz, e que nos faz perder o céu, merecer o inferno e que crucifica novamente NS? Confiando em Deus, desconfiando de nós mesmos, com uma determinação muito determinada, sejamos castos e puros conforme o nosso estado de vida.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo Amém.

[Sermão]: O Santo Rosário: arma espiritual para alma, a Igreja e a sociedade

Sermão para a Solenidade da Festa de Nossa Senhora do Rosário – 20º Domingo depois de Pentecostes

06.10.2013 – Padre Daniel Pinheiro

ÁUDIO: Sermão para o 20º Domingo depois de Pentecostes – N. Sra. do Rosário 6.10.2013

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

Ave Maria…

 “Fazei-nos, Senhor, pelos mistérios do Sacratíssimo Rosário, meditar na vida, paixão e glória de Vosso Filho Unigênito, para que sejamos dignos das promessas d’Ele.” (Secreta da Festa de Nossa senhora do Rosário).

Como sabemos, caros católicos, a festa de Nossa Senhora do Rosário foi instituída pelo Papa São Pio V em 1571, após a vitória dos católicos na batalha naval de Lepanto, contra os mulçumanos turcos. O primeiro nome da festa foi o de Nossa Senhora da Vitória. Logo em seguida, o Papa Gregório XIII mandou que a festa fosse em honra de Nossa Senhora do Rosário. Provavelmente, o Papa Gregório XIII queria não somente lembrar a vitória alcançada por Nossa Senhora, mas também a principal arma empregada para que a vitória ocorresse: o Santo Rosário, pois o Papa São Pio V pedira a todos os católicos que rezassem o Terço, para que os católicos vencessem a batalha naval. Ao mesmo tempo, todos os que estavam a bordo das galés também levavam consigo o Rosário. E o estandarte da nau capitânia de Dom João de Áustria, o chefe dos cristãos, era Cristo crucificado. E, além da cruz, ele levava também uma cópia de uma misteriosa imagem de Nossa Senhora que havia aparecido no manto de um índio no México. A bordo da nau de Dom João de Áustria, estava, então, a imagem de Nossa Senhora de Guadalupe. Os Missionários, graças a Deus, nos trouxeram a verdadeira religião, nos trouxeram Jesus Cristo. O continente americano ajudava agora, com Nossa Senhora de Guadalupe, na preservação do Velho Continente, a Europa. A festa de Nossa Senhora do Rosário foi assim instituída, por gratidão a tão boa Mãe e para favorecer a prática dessa excelente devoção que é o Terço. Em Lepanto, a civilização cristã foi salva contra a barbárie dos turcos mulçumanos pelo Rosário.

Como sabemos também, caros católicos, o Santo Rosário foi a arma dada por Nossa Senhora a São Domingos de Gusmão, fundador da Ordem dos Dominicanos, para ele vencer a heresia albigense ou cátara, heresia descendente do maniqueísmo, e que atingia, particularmente, o sul da França. Tratava-se de uma heresia monstruosa, que considerava a matéria como um mal. Assim, havia a prática do suicídio, eles se opunham ao matrimônio, pois o matrimônio, pela procriação, geraria almas presas a corpos. Por outro lado, favoreciam qualquer outro ato de luxúria, desde que se evitasse a concepção, e não viam com maus olhos a união entre pessoas do mesmo sexo. Destruíam, portanto, a família e combatiam muitas outras instituições sociais: eram contra a pena de morte, contra qualquer tipo de guerra, ainda que defensivas. Era uma heresia que conduzia ao caos social. Eles negavam, evidentemente, a ressurreição da carne, mas acreditavam na reencarnação, negavam o livre-arbítrio, etc. Muitas coisas que vemos amplamente espalhadas em nossa sociedade, não por acaso. Tratava-se, então, de uma heresia que se opunha à fé e que trazia grandes prejuízos à sociedade civil. São Domingos com suas pregações, com suas virtudes, conseguiu pouca coisa diante desses hereges. Foi com o Rosário dado por Nossa Senhora que ele conseguiu tirar as almas desse erro tremendo. O Rosário, na forma em que o conhecemos hoje, foi dado por Nossa Senhora a São Domingos nessa ocasião. O Rosário é o protetor da civilização católica, como vimos na batalha de Lepanto. O Rosário é também arma contra as heresias, como visto no caso dos albigenses.

Caros católicos, se a oração do Rosário pode fazer tanto bem em coisas de tal importância, quanto bem ele não faz para a nossa alma? O terço é também oração eficaz, muito eficaz para a nossa santificação, para que nos convertamos inteiramente a Nosso Senhor Jesus Cristo. Se rezássemos bem o terço, a heresia do modernismo já teria desaparecido. Essa heresia que, simplificando e resumindo, consiste em afirmar que podemos acreditar no que quisermos e que podemos fazer o que quisermos, desde que nos sintamos bem, desprezando aquilo que nos foi dito por Deus. “Acredite no que quiser, siga a moral que quiser, o importante é você se sentir bem, pois se se sente bem está com Deus”, ouvimos com frequência. Se rezássemos bem o terço, nosso país não estaria se afastando cada vez mais das leis de Deus. Se rezássemos bem o terço, nos afastaríamos definitivamente dos pecados mortais e dos pecados veniais deliberados, nos tornaríamos santos.

Se rezássemos bem o Terço… Mas o que é rezar bem o Terço? Como rezá-lo bem? O Terço é uma oração vocal e mental, caros católicos. Isso significa que devemos rezá-lo com todas as condições necessárias para uma boa oração vocal: estar em estado de graça, ou, ao menos, desejar verdadeiramente sair do estado de pecado mortal, se nos encontramos nele. Em seguida, devemos pedir coisas úteis para a nossa salvação, bens espirituais, antes de tudo. Devemos rezar com recolhimento, com atenção, evitando as distrações voluntárias, combatendo as involuntárias. Devemos rezá-lo com humildade, sabendo que não somos dignos de sermos atendidos. Devemos rezar com resignação, aceitando a vontade de Deus, que conhece perfeitamente o que é o melhor para nós. Devemos rezar com perseverança e grande confiança de sermos atendidos, se pedimos o que é bom para nossa alma. Se deixarmos uma dessas coisas de lado, nosso Terço já não será muito eficaz, perderá muito de sua potência. Mas o Terço é também oração mental, caros católicos. Isso significa que, ao rezar o terço, devemos considerar os mistérios da vida de Cristo e de Nossa Senhora e devemos tirar frutos, resoluções práticas, para a nossa vida, para nos corrigirmos em tal erro, para progredirmos em tal virtude, etc. O Terço bem rezado supõe essa oração mental, essa consideração dos mistérios do Terço e a resolução prática para progredirmos na prática do bem. Nessa união de oração vocal e mental está a profunda riqueza do Terço. Ao rezarmos bem as mais excelentes e perfeitas orações – Pai Nosso e Ave Maria – e considerarmos os mistérios gozosos, dolorosos e gloriosos de Nosso Senhor e Nossa Senhora, nos fixaremos no bem, nos tornaremos santos, nos dirigiremos para o céu, trabalharemos para o bem da Igreja e da sociedade.

Não é, porém, tarefa fácil conciliar a oração vocal e mental no Santo Terço. Cada um pode procurar uma maneira de conjugar a oração vocal e mental no Terço. Todavia, o Padre Antonio Royo Marín nos indica um método eficaz e simples. Ele diz que devemos, nas três primeiras Ave Marias de uma dezena, prestar atenção nas palavras que estão sendo ditas. Aqui está a oração vocal. Nas três Ave Marias seguintes, ele diz que devemos considerar o mistério em questão: a encarnação, a agonia de Jesus, a coroação de Nossa senhora, etc. Nas quatro últimas Ave Marias, devemos fazer uma pequena resolução para nossa vida espiritual, de acordo com o mistério considerado. A humildade para a encarnação, por exemplo. No começo, talvez tenhamos dificuldade, mas o importante é não desistirmos nem desanimarmos, mas perseverarmos e avançarmos, ainda que lentamente.

Rezar bem o Terço é uma grande arma no combate espiritual. É uma arma tão importante que Nossa senhora veio até nós insistir para que o rezássemos todos os dias. Em Fátima, Nossa Senhora insiste para que se reze o terço todos os dias. Em cinco das seis aparições, ela pede para que as crianças rezem o terço diário, para que se alcance a paz e o fim da guerra, da 1ª Guerra Mundial, no caso. Se nós queremos a verdadeira paz, que é a paz da graça, a paz do verdadeiro amor a Deus, devemos rezar o terço. O Terço, quando bem rezado, opera grandes prodígios, caros católicos. O maior deles é a conversão de nossa alma. Quem reza bem o Terço vai deixar o pecado grave. O terço e o pecado não podem coexistir durante muito tempo. Ou se abandona um ou se abandona o outro. Aqueles que ainda não o rezam diariamente, aproveitem essa festa de Nossa Senhora do Rosário e o mês do Rosário – outubro – para tomar a resolução de rezá-lo diariamente. Isso é fundamental. Rezemos o Terço e façamos isso em família, caros católicos, na medida do possível. Infundam nos filhos um grande amor ao Terço. Comecem a rezar com eles pequenos, pouco a pouco, com uma dezena, depois duas, e assim por diante, na medida em que for possível para a criança. As crianças de Fátima eram justamente crianças e rezavam o Terço. Lúcia tinha 10 anos. Francisco, 9. Jacinta, 7. Se vocês ensinarem os filhos a rezar o Terço, estarão lhes dando um grande tesouro.

No Evangelho de São João, nos é narrado que, após a ressurreição de Cristo, houve mais uma pesca milagrosa em que os apóstolos pescaram 153 peixes, sem que a rede se rompesse. O Rosário completo é composto de 153 Ave Marias. O Rosário e a terça parte dele – o nosso Terço – é como uma rede que captura graças abundantes sem se romper. O Terço é a devoção que mais agrada a Nossa Senhora. Quantas graças para aqueles que praticam e amam essa devoção. Se rezássemos bem o terço, nossa alma seria outra, a situação da Igreja seria outra, a condição da sociedade seria outra. Ficar se lamentando e reclamando, não adianta nada. Tomemos nosso Terço e rezemos. Se queremos nos tornar santos, se queremos destruir a heresia, se queremos construir uma sociedade cristã, rezemos o Santo Terço.

[Primeira Comunhão] Fotos e texto da exortação

 

Continuação do sermão para o 2º Domingo depois da Epifania (Pe. Daniel Pinheiro)

“(…) Gostaria de dirigir agora algumas palavras à prezada Maria Clara, que vai receber o Corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo pela primeira vez.

Prezada Maria Clara, hoje é o dia mais importante de sua vida, pois é hoje o dia em que você vai receber o maior tesouro que você poderia desejar.

Não se trata de um bem criado, passageiro. Não se trata de riquezas ou de brinquedo. Trata-se do próprio Deus.

Receba-o com grande devoção, com disposição de tornar-se santa. É o próprio Cristo, homem e Deus, que quer habitar em sua alma de maneira cada vez mais profunda.

Uma só comunhão basta para nos tornar santos, se nós nos preparamos bem. Lembre-se de que hoje não é o fim, mas o começo. A partir de hoje, você deve transformar a sua vida de água em vinho, como fez Nosso Senhor nas Bodas de Caná.

Para transformar sua água em vinho você deve recorrer a Nossa Senhora. No Evangelho de hoje nós vemos como ela ajuda os noivos sem que eles tenham pedido. Podemos imaginar o quanto ela nos ajuda quando imploramos o seu auxílio. Você deve agora procurar imitar Nossa Senhora na sua fé, no seu amor a Deus e ao próximo, na sua obediência, na sua pureza, na sua devoção à Santa Eucaristia. Você deve abandonar tudo aquilo que ofende a Deus e viver unicamente para conhecê-lo, amá-lo e servi-lo.

Para tanto, é preciso rezar muito, principalmente o terço. É preciso assistir à Santa Missa com devoção. É preciso confessar-se com frequência, é preciso comungar com frequência, sempre com a alma pura de pecados graves, claro.

Receba hoje a sagrada comunhão, e peça ao Menino Jesus a graça de perseverar até o final de sua vida sem perder a amizade com Deus.

Receba a santa comunhão com o vivo desejo de tornar-se santa. Isso vale também para cada um de nós que se dispõe a comungar.”

[Sermão] Advento: alegria

Sermão para o Terceiro Domingo do Advento (Gaudete)
16 de dezembro de 2012 – Padre Daniel Pinheiro

 

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…

Gaudete semper in Domino. Iterum dico: gaudete. Alegrai-vos sempre no Senhor. Digo de novo: alegrai-vos.

O apóstolo São Paulo nos pede hoje a alegria. E mais do que nos pedir a alegria, suas palavras são uma ordem para que nos alegremos. É, porém, possível obrigar alguém a ser alegre? É possível dar uma ordem a alguém para que a pessoa seja alegre? Para responder a essa questão, devemos saber o que é a alegria. A alegria consiste no fato de possuirmos um bem que desejamos. Quando desejamos algo, alegramo-nos quando conseguimos essa coisa. Aquele que procura um emprego, por exemplo, alegra-se ao alcançá-lo.

A alegria consiste, então, em possuir um bem que desejamos. Essa alegria será verdadeira se o bem que possuímos é um verdadeiro bem e será falsa se possuímos um falso bem, se possuímos um bem aparente. O bem de cada coisa consiste em agir segundo a sua natureza. Assim, cada ser será verdadeiramente alegre na medida em que segue as leis dadas por Deus ao ser criada. Uma alegria fora da lei de Deus será uma alegria aparente, será uma alegria falsa que terminará necessariamente em tristeza. Claro que somente os animais e os seres espirituais podem ser alegres. A alegria dos animais será uma alegria sensível. A alegria do homem será, sobretudo, espiritual. Dessa forma, o cachorro será alegre na medida em que age como cachorro, na medida em que come, dorme, brinca, faz companhia a seu dono etc. O homem será alegre na medida em que agir segundo a sua natureza. Ora, o homem não tem uma natureza puramente animal. Ele tem uma natureza que é também espiritual. O homem é um animal racional. O bem do homem é agir conforme à sua natureza racional. Assim, a alegria do homem consistirá em agir segundo a sua natureza racional.

A natureza racional significa a inteligência e a vontade. A inteligência foi feita para conhecer a verdade. A vontade foi feita para amar o bem. O homem será verdadeiramente alegre na medida em que conhecer a verdade, na medida em que amar essa verdade, na medida em que colocar em prática essa verdade. Todavia, não basta ao homem qualquer verdade ou qualquer bem. O homem só será verdadeiramente alegre no conhecimento da verdade suprema e no amor ao bem infinito. Claro que essa verdade e esse bem só podem ser Deus. A verdadeira felicidade do homem é Deus. Por isso São Paulo diz: alegrai-vos não com qualquer coisa, mas no Senhor. No Senhor, ele diz. A felicidade do homem é conhecer a Deus e amar a Deus. E conhecê-lo e amá-lo tal como Ele se revelou a nós, conhecendo e aderindo ao que Ele nos ensinou e colocando em prática os seus ensinamentos. Eis, então, a alegria do homem: servir a Deus nessa terra para ser eternamente feliz no céu, pois no céu nós conheceremos perfeitamente a Verdade e amaremos a Verdade plenamente: seremos, portanto, infinitamente alegres.

São Paulo pode, então, nos dar a ordem de sermos felizes no Senhor, pois a felicidade é mera consequência da nossa obrigação de conhecer, amar e servir a Nosso Senhor Jesus Cristo, que é a Verdade, o Caminho, a Vida. Se somos obrigados a vivir em estado de graça, somos obrigados a ser felizes. Se seguimos Nosso Senhor, estando em estado de graça, em amizade com Ele, sem pecado mortal, devemos ser verdadeiramente alegres, o máximo possível nesse vale de lágrimas, pois possuiremos o maior bem que podemos possuir. O cristão é, portanto, necessariamente alegre. E sua alegria consiste justamente em praticar com seriedade a religião. Uma das grandes tentações do demônio é tentar nos convencer de que a prática da religião é algo triste e melancólico, como se tivéssemos de deixar de lado os maiores bens para poder servir a Deus. Isso é uma mentira… Ao servir a Deus nós abandonamos bens aparentes, falsas alegrias, quer dizer, abandonamos tudo aquilo que pode nos afastar de Deus e ofendê-lo. O cristão é o homem mais feliz já aqui nessa terra. É preciso ter consciência disso.

Claro que essa alegria é, antes de tudo, uma alegria espiritual e não necessariamente uma alegria sentimental. Estamos aqui nessa terra em verdadeiro vale de lágrimas. Portanto, a tristeza também é natural e boa quando perdemos verdadeiros bens: a saúde, um familiar, um bem material… A tristeza que surge desses males é perfeitamente legítima, mas deve ser uma tristeza moderada, pois a saúde, os entes queridos não são o maior bem. O maior bem é Deus e enquanto estamos unidos a Ele pela graça, devemos ser profundamente felizes. Muitas vezes, na verdade, a perda desses bens inferiores nos permite uma união maior com Deus, aumentado a nossa alegria no futuro. É por isso que os santos sofrem tanto, mas continuam profundamente alegres. Eles entendem que esses sofrimentos permitem uma maior união com Nosso Senhor Jesus Cristo e eles sabem que isso é a verdadeira alegria. Quanto mais uma pessoa for santa, mais ela será verdadeiramente alegre. Se a união com Deus é o bem supremo e causa da verdadeira alegria, o maior mal que existe é a perda de Deus pelo pecado grave. Se o pecado grave é o maior mal, ele deve ser também o motivo de maior tristeza, mas uma tristeza sem desespero, pois a tristeza de um pecado cometido deve nos levar, justamente, a recobrar a felicidade pelo perdão desse pecado.

Venhamos, porém, à alegria do Advento e, em particular, desse terceiro domingo do Advento. A alegria se manifesta hoje na liturgia pela mudança da cor dos paramentos (de roxo para rosa), se manifesta no órgão que soa, nas flores que decoram o altar. Nos textos da Santa Missa, sobretudo nas primeiras palavras do Intróito que dão o tom para toda a liturgia.

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Como vimos, a alegria consiste na posse do verdadeiro bem que é Deus, que é Nosso Senhor Jesus Cristo. Ora, é pela vinda de Nosso Senhor ao mundo que nós fomos redimidos, é pela vinda de Nosso Senhor ao mundo que nós podemos nos unir a Deus, deixando de lado o pecado. O nascimento de Nosso Senhor é a própria alegria que vem sobre a terra. O homem, pelo pecado de Adão, não tinha mais os meios para ser verdadeiramente alegre. O homem não podia reparar pelo pecado original, pois esse é uma ofensa infinita a Deus e o homem é uma pobre criatura finita. Deus Pai mandou, então, o seu Filho, que também é Deus, para nos salvar, para nos trazer de volta a alegria.

O Santo Evangelho nos mostra a alegria pela vinda de Cristo. Até a vinda de São João Batista, precursor de Cristo, é motivo de grande alegria, pois anuncia a encarnação. O anjo diz a São Zacarias, pai de São João Batista: ele será para ti motivo de gozo e de alegria e muitos se alegrarão nasceu nascimento (Lc I, 14). Os Reis Magos, vendo novamente a estrela que os conduzia, ficaram possuídos de grandíssima alegria (Mt II, 10). A estrela que nos conduz até Belém é o tempo do advento. Com a voz de Maria, São João Batista, ainda no seio de Santa Isabel se alegra ao reconhecer Nosso Senhor Jesus Cristo: a criança estremeceu de alegria no meu seio (Lc I, 44), diz a prima de Nossa Senhora. E Maria responde: meu espírito exulta de alegria em Deus, meu Salvador (Lc I, 47). O anjo diz aos pastores: O anjo disse-lhes: Não temais, eis que vos anuncio uma boa nova que será alegria para todo o povo (Lc II, 10). Os anjos cantam Glória a Deus nas alturas (Lc II, 14).

No advento, portanto, nossa alegria é imensa. Eis que o Salvador já está próximo, ele está próximo de vir ao mundo para operar a redenção, para nos trazer a superabundância da graça. Sem Cristo, sem a sua encarnação, sem o seu nascimento no estábulo de Belém, sem sua paixão e morte, estaríamos condenados à tristeza eterna.

Com o nascimento de Nosso Senhor, é a felicidade que deve começar a brotar em nossas almas. A expectativa do nascimento do Menino Jesus, do Menino Deus, já é para nós motivo de grande alegria.  A expectativa dos justos causa alegria (Prov X, 28), nos diz a Sagrada Escritura no Livro dos Provérbios.

Alegria porque recordamos esse fato histórico e a bondade infinita de Deus contida na vinda de Cristo ao mundo. Alegria porque assim como Cristo nasceu no estábulo de Belém, trazendo ao mundo a verdadeira felicidade, Ele quer agora trazer a felicidade em nossas almas. Ele quer que as almas reencontrem essa verdadeira felicidade que consiste em conhecê-lo, amá-lo e servi-lo.

Não façamos como os fariseus que foram interrogar São João Batista: Nosso Senhor Jesus Cristo estava no meio deles, e eles o desconheciam. O mundo hoje está, nessa época do Natal, cheio de alegria, mas na maior parte das vezes é uma alegria aparente, uma alegria falsa, porque é uma alegria sem o Menino Jesus. O Menino está no mundo, mas o mundo o ignora. Para que nossas almas reencontrem a verdadeira felicidade, é preciso que nos convertamos, abandonemos o velho homem a fim de que um novo homem possa nascer com o nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo. Um novo homem alegre, verdadeiramente alegre. Alegre no Senhor.

Alegrai-vos sempre no Senhor. Repito: alegrai-vos.

[Sermão] Advento: mortificação e penitência

Sermão para o Segundo Domingo do Advento
9 de dezembro de 2012 – Padre Daniel Pinheiro

Em nome do Pai, e do Filho, e do espírito Santo. Amém. Ave-Maria…

No domingo passado, caros católicos, dissemos que o Advento é um tempo litúrgico em que a penitência se mistura com a alegria. A perspectiva da vinda de Nosso Senhor ao mundo, de seu nascimento nos enche de esperança e de alegria, mas, ao mesmo tempo, nos leva a preparar adequadamente a nossa alma para que o Salvador possa encontrar lugar nela, o que se faz pela penitência.

Quando falamos aqui em penitência, temos em vista duas coisas distintas. A primeira delas é a mortificação. A segunda é a virtude da penitência. As duas são fundamentais para uma boa preparação de nossa alma para receber a graça do Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo.

A mortificação consiste em abster-se de coisas agradáveis e suportar e impor-se coisas desagradáveis. Claro que estamos falando aqui de abster-se de coisas agradáveis e que são lícitas. Pois abster-se de coisas agradáveis e que são pecaminosas não é, propriamente, mortificação e sim obrigação básica de quem quer se salvar. Entendida, então, como a abstenção de algo agradável e em si lícito, a mortificação parece, à primeira vista, uma prática desordenada e perversa. Mas, ao contrário, devemos dizer que a mortificação é boa.

Primeiramente, porque é mandada pela Igreja, que impõe a abstinência de carne ou a substituição eventual dessa abstinência por outra mortificação em todas as sextas-feiras do ano, por exemplo. Não faz muito tempo, cinquenta anos, a quaresma tinha vários dias de abstinência e jejum, as sextas-feiras do ano eram levadas a sério, havia quatro vezes durante o ano as chamadas têmporas em preparação para as estações do ano e as quatro têmporas também eram dias de penitência. Havias as vigílias das grandes festas que também eram dias de penitência e mortificação. A mortificação era muito mais favorecida pelos preceitos da Igreja do que atualmente.

A mortificação é boa porque ela é necessária para frear nossas paixões. E não precisaríamos nem da Revelação para compreender isso. Basta saber como funcionam as faculdades humanas. Se satisfazemos nossas inclinações em tudo o que é lícito, elas ganham cada vez mais força. E ganharão tanta força e se acostumarão tanto a fazer o que lhes é agradável que terminarão arrastando a nossa inteligência e a nossa vontade para o que é pecaminoso. E isso se agrava com o pecado original, pois, como consequência dele, nos encontramos inclinados ao mal. Se não nos abstivermos, em certa medida, daquilo que nos agrada, por mais que seja lícito, caminharemos para o precipício. É preciso praticar a mortificação, assim, mesmo em coisas lícitas para evitar o pecado.

A mortificação cristã não é um fim em si mesmo, mas um meio absolutamente necessário para evitar o pecado e para desenvolver a vida sobrenatural. A mortificação se inspira no amor a Deus e no ódio ao pecado e deve afastar todo orgulho e todo pessimismo. Trata-se de rejeitar algumas coisas que nos agradam a fim de poder manter ordenadas nossas paixões para a prática do bem, das virtudes. Trata-se de recusar um bem e aceitar ou infligir-se um mal, a fim de alcançar um bem muito superior que é a manutenção e o progresso na graça.

Todavia, a mortificação não consiste em evitar tudo o que é agradável e lícito. Isso seria, inclusive, contra a natureza. A mortificação concerne em primeiro lugar aos sentidos externos.

É preciso mortificar os olhos, evitando a curiosidade, por exemplo. Essa mortificação facilitará muito o combate a olhares e pensamentos impuros.

É preciso mortificar o paladar, comendo às vezes o que nos é desagradável ou comendo o que nos é menos agradável, evitando comer fora de hora ou com ardor. Isso evitará a gula e a embriaguez e diminuirá a tendência a pecados contra o sexto mandamento.

É preciso mortificar a língua, por exemplo, não falando sempre o que temos vontade. Isso tornará mais eficaz o combate contra os pecados da língua: calúnia, difamação, etc.

É preciso mortificar o olfato, suportando os maus odores, evitando, por exemplo, ao menos o excesso de perfume.

É preciso mortificar o tato, evitando a comodidade excessiva, por exemplo.

A mortificação diz respeito também às faculdades internas: privar-se da memória e da imaginação de certas coisas, afastar a mente de pensamentos inúteis, reprimir imediatamente os movimentos de afeto desordenados, etc.

Eis aí alguns exemplos de mortificações necessárias de serem praticadas, a fim de fortalecer a alma. A mortificação deve ser praticada com generosidade, mas também com discernimento. Não bastam as mortificações e penitências impostas pela Igreja e que hoje são tão escassas. São necessárias práticas pessoais de mortificação. Sempre, todavia, com discernimento e prudência.  De nada adiantaria, por exemplo, dormir numa cama dura, se no dia seguinte e por causa disso, a pessoa não tiver forças para trabalhar. Portanto, quando a mortificação for maior, é necessário o conselho de um bom sacerdote.

A mortificação também inclui a aceitação com paciência das contrariedades e das penas da vida, como doenças, mortes, etc. É preciso aceitar essas mortificações involuntárias com generosidade, pois só há duas possibilidades. Ou se aceita com paciência e transformamos um mal em bem, adquirindo méritos, ou transformamos o mal em um mal muito pior ao resmungar, revoltar-se ou impacientar-se, pois haveria aí um mal moral, recusando-nos a nos conformar à providência divina.

A repulsa a qualquer tipo de sofrimento, seja voluntário ou involuntário, e a falta de generosidade diante das contrariedades são hoje um dos grandes impedimentos para a santidade.

Sem sofrimento não há santidade. Sem Cruz não há Ressurreição. Sem o frio e o desconforto da manjedoura não há a alegria dos anjos e pastores.

Essa é a mortificação que devemos começar a praticar durante o Advento para nos preparar para o nascimento de Cristo. E depois do nascimento de Cristo, é preciso continuar esse esforço espiritual a fim de que Cristo permaneça em nossas almas.

Mas a penitência do Advento diz respeito também, como falamos, à virtude da penitência que está intimamente relacionada ao Sacramento da Confissão. A virtude da penitência é a virtude que nos inclina a detestar o próprio pecado enquanto é uma ofensa feita a Deus e a virtude da penitência nos inclina também ao firme propósito de correção e de satisfação. A virtude da penitência no tempo do Advento deve nos levar, principalmente, a duas coisas.

Primeiramente, a penitência no Advento deve nos levar a práticas que, unidas aos sofrimentos de Cristo, unidas aos sofrimentos do Menino Jesus, possam reparar a ordem que foi lesada pelos nossos pecados. Nesse caso, as mortificações passarão a ser não somente um meio de evitar o pecado, mas serão também satisfação pelos pecados cometidos. A virtude da penitência sob esse aspecto tem sido muito negligenciada nesses últimos pontos. Não bastam as práticas de penitência impostas atualmente pela Igreja, que são muito raras. Atualmente, como falamos, só as sextas-feiras são dia de penitência e só há dois dias de jejum no ano: sexta-feira santa e quarta-feira de cinzas. A satisfação não é, atualmente, muito favorecida. É, então, preciso praticar a virtude da penitência, satisfazendo por nossos pecados com práticas pessoais, sempre com discernimento.

Em segundo lugar a penitência no Advento deve nos levar à confissão. Claro que não há obrigação estrita de confessar-se durante o advento. A obrigação da confissão é confessar-se uma vez por ano. Todavia, é muito conveniente que um tempo litúrgico de penitência culmine num ato perfeito da virtude de penitência que é uma boa confissão, uma confissão que seja, de fato, uma vida nova.

Advento é tempo de penitência. Tempo de mortificação para evitar o pecado. Tempo de reparação pelo pecado. E tudo isso para ter um real valor deve ser feito em união com as mortificações e satisfações de Nosso Senhor Jesus Cristo. E tudo deve ser feito com humildade. Advento é tempo extremamente propício para uma boa confissão. Próximo domingo, domingo Gaudete, falaremos da alegria do Advento.

 Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito santo. Amém.

Sermão (X) – “Se eles podem, por que eu não posso ser santo?”

Sermão para a Solenidade de Todos os Santos (4 de novembro de 2012) 

Padre Daniel Pinheiro

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave Maria…

Depois disto vi uma multidão que ninguém podia contar, de todas as nações e tribos, povos e línguas, que estavam em pé diante do cordeiro. (Apoc., 7)

A festa de todos os santos pode ser resumida na oração Suscipe Sancta Trinitas do ofertório da Missa Tradicional: que sirva para a honra dos santos e para a nossa salvação e que aqueles que celebramos na Terra possam interceder por nós no Céu. Continuar lendo