[Sermão] A Ociosidade e a Preguiça Espiritual

Sermão para o Domingo da Septuagésima
27 de janeiro de 2013 – Padre Daniel Pinheiro

 

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…

Gostaria de fazer um breve comentário sobre o tempo da Septuagésima, antes de passar ao Evangelho. Caros católicos, entramos hoje no tempo da Septuagésima, que compreende os domingos da Septuagésima, da Sexagésima e da Quinquagésima, precedendo a Quaresma. O ano litúrgico começou com o Advento, depois passamos pelo tempo do Natal, que se estende até o dia 13 de janeiro, antiga oitava da Epifania. Em seguida, vem o tempo depois da Epifania, que pode ser mais ou menos longo em função da data da Páscoa. A brevidade do tempo depois da Epifania será recompensada no final do ano litúrgico, em que alguns dos domingos depois da Epifania omitidos no início do ano são retomados, como vimos em novembro. A septuagésima manifesta a bondade da Igreja para com os homens e sua sabedoria. Esse tempo litúrgico que começamos hoje é a transição para a quaresma, a fim de que a passagem para as austeridades não se faça de forma brusca, mas de modo calmo e sereno. São, portanto, duas semanas e meia para que possamos nos dispor bem para o tempo da quaresma. Essa transição está bem marcada na liturgia tradicional, sempre mestra de espiritualidade e doutrina. Assim, os paramentos são da cor roxa, cor penitencial. O Gloria já não é mais cantado, o Alleluia também não. Por outro lado, o órgão ainda é permitido, as flores também são permitidas (embora não as tenhamos hoje). Trata-se, portanto, de preparar, desde já, nosso espírito para a prática mais perfeita e intensa da penitência, da oração e das boas obras que devemos fazer na Quaresma. É o que veremos no Evangelho de hoje que nos prepara para a quaresma ao nos prevenir contra a ociosidade e o mau emprego de nosso tempo.

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Por que estais aqui todo o dia ociosos? … Ide vós também para a minha vinha.

O Santo Evangelho de hoje nos apresenta uma pequena dificuldade, que levou os protestantes à uma falsa noção de predestinação, quer dizer, a afirmar que a salvação ou a condenação independem dos méritos, das obras. Dizem eles que se Deus pagou o mesmo salário ao que trabalhou o dia todo e ao que trabalhou só uma hora, é porque Deus não considera nossas obras, não considera a cooperação com a graça, bastando a fé, ou nem isso. Evidentemente, essa interpretação derivada do livre exame, desapegada da Tradição e do Magistério, se opõe à fé e à razão, pois Deus é justo e sendo justo ele dá a cada um o que lhe é devido: ao pecador obstinado, o castigo, ao que coopera com a sua graça, a vida eterna. Na parábola, o Pai de Família, que é Deus, dá a todos um denário. Parece, à primeira vista, de fato, uma injustiça. Ora, é preciso compreender o que é a vinha, os trabalhadores e o denário, se quisermos interpretar da melhor maneira a parábola.

 A vinha é, ao mesmo tempo, a Igreja e a nossa alma.

Os trabalhadores somos nós, claro. Somos chamados por Deus a trabalhar na Santa Igreja e a trabalhar nela para o bem da nossa alma e para o bem da alma do nosso próximo. Ele nos chama constantemente, ao longo de toda a nossa vida. Ao romper da manhã, à terceira hora, à sexta, à nona, à undécima. Desde nossa infância até o final de nossa vida, Deus nos chama, para deixarmos a ociosidade da praça pública, que é o mundo sob todas as suas formas: todo tipo de pecado, o neo-paganismo, o relativismo, o indiferentismo religioso, o erro, as diversões do mundo, a mentalidade mundana, etc. Se não respondemos ao chamado de Deus no momento em que nos chama, e permanecemos ociosos, não podemos estar certos de que seremos chamados mais tarde, pois não sabemos se estamos já perto da morte, quer dizer, da décima primeira hora de nossas vidas. É preciso responder ao chamado imediatamente, sem tardar.

O denário é a recompensa que recebemos. O denário era a moeda romana, em que vinha impressa a figura do imperador, do soberano. E é esse o nosso prêmio: ver a face de Deus diretamente. Deus dá a todos os que trabalham verdadeiramente na Igreja – observando os mandamentos e guardando a fé – o mesmo prêmio, independentemente da hora da conversão, pois todos estão em estado de graça. Os primeiros não podem reclamar da salvação dos últimos. Ao contrário, devem alegrar-se. Deus dá a todos o denário, a visão beatífica, o céu. Todavia, não há nisso nenhuma injustiça, pois os que recebem um denário aproveitam desse dinheiro de forma diferente: uns o aplicam melhor do que os outros. Da mesma forma, no céu, todos verão Deus face a face, mas com perfeição diferente. Assim, quanto maior a santidade nessa vida, quer dizer, quanto maior a caridade – independentemente da hora da conversão – mais perfeita será a visão beatífica no céu.  Portanto, Deus recompensa com justiça, dando a cada um o que lhe é devido.

Se quisermos receber o denário com a efígie da Santíssima Trindade, temos que trabalhar na vinha do Senhor, temos que trabalhar na Santa Igreja para o bem da nossa alma e para a glória de Deus. Para tanto é preciso empregar os meios adequados. Um meio indispensável é evitar a ociosidade. Não devemos deixar que nosso espírito se ocupe com coisas inúteis e vãs, como podem ser, por exemplo, permanecer na internet sem ter um objetivo específico, leituras fúteis, conversas vãs. Quando percebermos que nosso espírito começa a ocupar-se com coisas vãs, é preciso trazê-lo de volta ao que é útil para nossa salvação. É preciso também muita moderação nas diversões, ainda que lícitas. As diversões devem ter por finalidade unicamente restabelecer as forças de nossa alma, para que ela continue a se aplicar, em seguida, ao que realmente importa. Também é ociosidade cumprir com negligência os próprios deveres. Evitar a ociosidade e combate-la com vigor é um ponto essencial na vida espiritual. Não pode haver verdadeiro progresso no caminho da perfeição, se permanecemos ociosos. Uma vida ociosa, sem aplicação aos deveres de estado, sem trabalho sério segundo o estado de cada um ou com excessivas diversões é uma desordem séria diante de Deus e expõe nossas almas a um grande número de perigos, conduzindo-nos a ofender a Deus.  Diz a Sagrada Escritura que “a ociosidade ensina muitas maldades” (Ecl. 33, 29). E ela dá como exemplo Sodoma: “Olhai qual foi a iniquidade de Sodoma, vossa irmã. Teve grande soberba, fartura de pão e muita ociosidade.” (Ez. 16, 49) Se nosso sociedade se assemelha cada vez mais a Sodoma, é em grande parte por causa da ociosidade, que favorece a concupiscência. A queda de Davi também foi devida ao ócio. Enquanto ele combatia no exército, permaneceu em estado de graça. Quando ficou no palácio, porém, sem aplicar sua alma a coisas boas, lícitas e santas, ele caiu em adultério, pois olhou para a mulher do próximo. Também a perda de sabedoria de Salomão pode ser atribuída ao ócio que o conduziu à luxúria, que o levou, finalmente, a permitir o culto de ídolos em Israel. O não fazer nada é, portanto, um mal. A ociosidade conduz à preguiça espiritual que é o tédio e o desgosto pelas coisas espirituais em virtude das dificuldades anexas e leva consequentemente ao império das paixões desordenadas, à luxúria, principalmente.

Ficar desocupado, permanecer ocioso, é perder duas coisas que têm um valor infinito: o tempo e a graça. Como ganhar o céu sem o tempo e sem a graça? Ficar ocioso é expor-se à morte espiritual. Dizia São Francisco de Sales: “Quando penso como empreguei o tempo de Deus, temo muito que Ele não queira me dar a eternidade, pois Ele quer dá-la unicamente aos que usaram bem o seu tempo.” É um Santo e Doutor da Igreja que diz isso. Podemos também pensar quanto custou para Cristo o tempo do homem ocioso. Enquanto estamos ociosos, Cristo padecia na Cruz e sofria, a fim alcançar tempo para a nossa conversão. E se teremos que prestar contas de uma palavra vã, ociosa, como nos diz Nosso Senhor, quanto mais teremos que prestar contas de tantas horas perdidas durante toda a nossa vida com a preguiça, com ocupações sem importância e até mesmo perigosas.

Para combater a ociosidade, é preciso ver o exemplo do Salvador. Nosso Senhor trabalhou durante toda a sua vida escondida em Nazaré, com São José, e durante sua vida pública, empenhando-se no labor apostólico, na salvação das almas e na glória de Deus. Não há, é evidente, um só momento em que Nosso Senhor se ocupa com coisas vãs, sem importância. Tudo nele está orientado para o bem das almas, para fazer a vontade de Deus. Para combater a ociosidade, é preciso ter muito claro que estamos sempre na presença de Deus. Ele criou os olhos e os ouvidos, e não saberia tudo o que fazemos? Um escravo não ousa ficar desocupado na presença de seu Senhor. Devemos fazer o mesmo diante de Deus, que está sempre presente. Para combater a ociosidade, convém muito ter um plano de vida, estabelecendo as atividades do dia-a-dia, para não dar margem a uma criatividade ruim. E devemos, com frequência, examinar como temos empregado o nosso tempo. Finalmente, devemos considerar os novíssimos, devemos considerar a morte, o juízo particular e universal, o inferno, o paraíso.

Deus deu a Adão o dever de trabalhar antes do pecado original, embora esse trabalho não fosse para Adão cansativo ou penoso: “Deus colocou o homem no paraíso de delícias para que o cultivasse e o guardasse”, diz a Sagrada Escritura (Gen. II, 15). São João Crisóstomo diz que Deus assim o fez porque o repouso prolongado teria levado o homem à preguiça, à negligência, enquanto o trabalho, mesmo isento de sofrimento, lhe ajudaria a cumprir o seu dever. Para nós, filhos de Adão, o trabalho, segundo o estado de cada um, tem não só essa finalidade de evitar o mal, mas também de pena e de expiação pelos nossos pecados. Devemos, portanto, cumprir bem os nossos deveres, ter o coração elevado, o espírito ocupado com coisas boas e santas e devemos divertir-nos moderadamente com coisas lícitas, sabendo que a finalidade dessas diversões é retomar com maior vigor os trabalhos.

Ocupando-nos dessa forma e evitando a ociosidade poderemos receber o denário que nos é prometido pelo Pai de Família. Não percamos tempo. Não sabemos se estamos na terceira hora ou na undécima hora. Não sabemos quanto tempo nos resta para conquistar o céu. Peçamos a Deus e a Nossa Senhora a graça de ocupar sempre o nosso tempo com coisas que nos levem a Nosso Senhor Jesus Cristo.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.