[Sermão] Advento: alegria

Sermão para o Terceiro Domingo do Advento (Gaudete)
16 de dezembro de 2012 – Padre Daniel Pinheiro

 

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…

Gaudete semper in Domino. Iterum dico: gaudete. Alegrai-vos sempre no Senhor. Digo de novo: alegrai-vos.

O apóstolo São Paulo nos pede hoje a alegria. E mais do que nos pedir a alegria, suas palavras são uma ordem para que nos alegremos. É, porém, possível obrigar alguém a ser alegre? É possível dar uma ordem a alguém para que a pessoa seja alegre? Para responder a essa questão, devemos saber o que é a alegria. A alegria consiste no fato de possuirmos um bem que desejamos. Quando desejamos algo, alegramo-nos quando conseguimos essa coisa. Aquele que procura um emprego, por exemplo, alegra-se ao alcançá-lo.

A alegria consiste, então, em possuir um bem que desejamos. Essa alegria será verdadeira se o bem que possuímos é um verdadeiro bem e será falsa se possuímos um falso bem, se possuímos um bem aparente. O bem de cada coisa consiste em agir segundo a sua natureza. Assim, cada ser será verdadeiramente alegre na medida em que segue as leis dadas por Deus ao ser criada. Uma alegria fora da lei de Deus será uma alegria aparente, será uma alegria falsa que terminará necessariamente em tristeza. Claro que somente os animais e os seres espirituais podem ser alegres. A alegria dos animais será uma alegria sensível. A alegria do homem será, sobretudo, espiritual. Dessa forma, o cachorro será alegre na medida em que age como cachorro, na medida em que come, dorme, brinca, faz companhia a seu dono etc. O homem será alegre na medida em que agir segundo a sua natureza. Ora, o homem não tem uma natureza puramente animal. Ele tem uma natureza que é também espiritual. O homem é um animal racional. O bem do homem é agir conforme à sua natureza racional. Assim, a alegria do homem consistirá em agir segundo a sua natureza racional.

A natureza racional significa a inteligência e a vontade. A inteligência foi feita para conhecer a verdade. A vontade foi feita para amar o bem. O homem será verdadeiramente alegre na medida em que conhecer a verdade, na medida em que amar essa verdade, na medida em que colocar em prática essa verdade. Todavia, não basta ao homem qualquer verdade ou qualquer bem. O homem só será verdadeiramente alegre no conhecimento da verdade suprema e no amor ao bem infinito. Claro que essa verdade e esse bem só podem ser Deus. A verdadeira felicidade do homem é Deus. Por isso São Paulo diz: alegrai-vos não com qualquer coisa, mas no Senhor. No Senhor, ele diz. A felicidade do homem é conhecer a Deus e amar a Deus. E conhecê-lo e amá-lo tal como Ele se revelou a nós, conhecendo e aderindo ao que Ele nos ensinou e colocando em prática os seus ensinamentos. Eis, então, a alegria do homem: servir a Deus nessa terra para ser eternamente feliz no céu, pois no céu nós conheceremos perfeitamente a Verdade e amaremos a Verdade plenamente: seremos, portanto, infinitamente alegres.

São Paulo pode, então, nos dar a ordem de sermos felizes no Senhor, pois a felicidade é mera consequência da nossa obrigação de conhecer, amar e servir a Nosso Senhor Jesus Cristo, que é a Verdade, o Caminho, a Vida. Se somos obrigados a vivir em estado de graça, somos obrigados a ser felizes. Se seguimos Nosso Senhor, estando em estado de graça, em amizade com Ele, sem pecado mortal, devemos ser verdadeiramente alegres, o máximo possível nesse vale de lágrimas, pois possuiremos o maior bem que podemos possuir. O cristão é, portanto, necessariamente alegre. E sua alegria consiste justamente em praticar com seriedade a religião. Uma das grandes tentações do demônio é tentar nos convencer de que a prática da religião é algo triste e melancólico, como se tivéssemos de deixar de lado os maiores bens para poder servir a Deus. Isso é uma mentira… Ao servir a Deus nós abandonamos bens aparentes, falsas alegrias, quer dizer, abandonamos tudo aquilo que pode nos afastar de Deus e ofendê-lo. O cristão é o homem mais feliz já aqui nessa terra. É preciso ter consciência disso.

Claro que essa alegria é, antes de tudo, uma alegria espiritual e não necessariamente uma alegria sentimental. Estamos aqui nessa terra em verdadeiro vale de lágrimas. Portanto, a tristeza também é natural e boa quando perdemos verdadeiros bens: a saúde, um familiar, um bem material… A tristeza que surge desses males é perfeitamente legítima, mas deve ser uma tristeza moderada, pois a saúde, os entes queridos não são o maior bem. O maior bem é Deus e enquanto estamos unidos a Ele pela graça, devemos ser profundamente felizes. Muitas vezes, na verdade, a perda desses bens inferiores nos permite uma união maior com Deus, aumentado a nossa alegria no futuro. É por isso que os santos sofrem tanto, mas continuam profundamente alegres. Eles entendem que esses sofrimentos permitem uma maior união com Nosso Senhor Jesus Cristo e eles sabem que isso é a verdadeira alegria. Quanto mais uma pessoa for santa, mais ela será verdadeiramente alegre. Se a união com Deus é o bem supremo e causa da verdadeira alegria, o maior mal que existe é a perda de Deus pelo pecado grave. Se o pecado grave é o maior mal, ele deve ser também o motivo de maior tristeza, mas uma tristeza sem desespero, pois a tristeza de um pecado cometido deve nos levar, justamente, a recobrar a felicidade pelo perdão desse pecado.

Venhamos, porém, à alegria do Advento e, em particular, desse terceiro domingo do Advento. A alegria se manifesta hoje na liturgia pela mudança da cor dos paramentos (de roxo para rosa), se manifesta no órgão que soa, nas flores que decoram o altar. Nos textos da Santa Missa, sobretudo nas primeiras palavras do Intróito que dão o tom para toda a liturgia.

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Como vimos, a alegria consiste na posse do verdadeiro bem que é Deus, que é Nosso Senhor Jesus Cristo. Ora, é pela vinda de Nosso Senhor ao mundo que nós fomos redimidos, é pela vinda de Nosso Senhor ao mundo que nós podemos nos unir a Deus, deixando de lado o pecado. O nascimento de Nosso Senhor é a própria alegria que vem sobre a terra. O homem, pelo pecado de Adão, não tinha mais os meios para ser verdadeiramente alegre. O homem não podia reparar pelo pecado original, pois esse é uma ofensa infinita a Deus e o homem é uma pobre criatura finita. Deus Pai mandou, então, o seu Filho, que também é Deus, para nos salvar, para nos trazer de volta a alegria.

O Santo Evangelho nos mostra a alegria pela vinda de Cristo. Até a vinda de São João Batista, precursor de Cristo, é motivo de grande alegria, pois anuncia a encarnação. O anjo diz a São Zacarias, pai de São João Batista: ele será para ti motivo de gozo e de alegria e muitos se alegrarão nasceu nascimento (Lc I, 14). Os Reis Magos, vendo novamente a estrela que os conduzia, ficaram possuídos de grandíssima alegria (Mt II, 10). A estrela que nos conduz até Belém é o tempo do advento. Com a voz de Maria, São João Batista, ainda no seio de Santa Isabel se alegra ao reconhecer Nosso Senhor Jesus Cristo: a criança estremeceu de alegria no meu seio (Lc I, 44), diz a prima de Nossa Senhora. E Maria responde: meu espírito exulta de alegria em Deus, meu Salvador (Lc I, 47). O anjo diz aos pastores: O anjo disse-lhes: Não temais, eis que vos anuncio uma boa nova que será alegria para todo o povo (Lc II, 10). Os anjos cantam Glória a Deus nas alturas (Lc II, 14).

No advento, portanto, nossa alegria é imensa. Eis que o Salvador já está próximo, ele está próximo de vir ao mundo para operar a redenção, para nos trazer a superabundância da graça. Sem Cristo, sem a sua encarnação, sem o seu nascimento no estábulo de Belém, sem sua paixão e morte, estaríamos condenados à tristeza eterna.

Com o nascimento de Nosso Senhor, é a felicidade que deve começar a brotar em nossas almas. A expectativa do nascimento do Menino Jesus, do Menino Deus, já é para nós motivo de grande alegria.  A expectativa dos justos causa alegria (Prov X, 28), nos diz a Sagrada Escritura no Livro dos Provérbios.

Alegria porque recordamos esse fato histórico e a bondade infinita de Deus contida na vinda de Cristo ao mundo. Alegria porque assim como Cristo nasceu no estábulo de Belém, trazendo ao mundo a verdadeira felicidade, Ele quer agora trazer a felicidade em nossas almas. Ele quer que as almas reencontrem essa verdadeira felicidade que consiste em conhecê-lo, amá-lo e servi-lo.

Não façamos como os fariseus que foram interrogar São João Batista: Nosso Senhor Jesus Cristo estava no meio deles, e eles o desconheciam. O mundo hoje está, nessa época do Natal, cheio de alegria, mas na maior parte das vezes é uma alegria aparente, uma alegria falsa, porque é uma alegria sem o Menino Jesus. O Menino está no mundo, mas o mundo o ignora. Para que nossas almas reencontrem a verdadeira felicidade, é preciso que nos convertamos, abandonemos o velho homem a fim de que um novo homem possa nascer com o nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo. Um novo homem alegre, verdadeiramente alegre. Alegre no Senhor.

Alegrai-vos sempre no Senhor. Repito: alegrai-vos.