[Sermão] Advento: o pecado original, o motivo da encarnação e a salvação de Deus

Sermão para o Quarto Domingo do Advento
23 de dezembro de 2012 – Padre Daniel Pinheiro

 

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…

Todo homem verá a salvação de Deus. (Lc, III, 6)

A Salvação de Deus é Jesus Cristo. E a Salvação de Deus está próxima. Faltam dois dias para seu nascimento. Para compreender bem a salvação de Deus e toda a bondade da Santíssima Trindade, precisamos voltar ao começo da história, ao pecado original e ao motivo da encarnação.

Deus nos criou gratuitamente, sem nenhum benefício para si e sem que tivéssemos qualquer direito a existir. E Deus não só nos criou como elevou também gratuitamente a nossa natureza para que, sendo fiéis na terra, pudéssemos ir para o céu participar de sua própria vida, uma vida perfeita, vida de felicidade plena. Deus criou Adão e Eva – dos quais todos somos descendentes sem exceção – em estado de graça, em amizade com Ele. E todos nós deveríamos nascer nesse mesmo estado. Todavia, nossos primeiros pais cometeram o pecado original – que foi um pecado de orgulho – ao desejarem se tornar semelhantes a Deus por meio do fruto proibido. Com o pecado de Adão e Eva, perdemos não só a graça divina, como também os outros dons que Deus tinha dado a nossos primeiros pais e que se transmitiriam a nós: perdemos a imortalidade; perdemos a impassibilidade, que é a ausência de sofrimentos; e perdemos a integralidade, que é a submissão perfeita das paixões / dos sentimentos à razão e à vontade. Ao nos tirar isso, Deus não cometeu conosco nenhuma injustiça, pois Adão era o chefe e o representante de todo o gênero humano. Além disso, todos esses bens não eram devidos a nossa natureza, mas eram dados gratuitamente por Deus.

O pecado original foi, portanto, uma aversão a Deus e uma conversão à criatura. Nossos pais abandonaram a Deus e voltaram-se para si mesmos, buscando assemelhar-se a Deus sem a ajuda divina.

O pecado original foi, então, uma ofensa grave a Deus. E foi, na realidade, uma ofensa infinita, pois a ofensa se mede a partir da dignidade da pessoa ofendida. Quanto mais digna for a pessoa ofendida, maior será a ofensa. Uma ofensa contra um cidadão comum é menos grave do que a ofensa feita ao Presidente da República. A ofensa feita ao Presidente é menos grave do que a ofensa feita ao Papa. Ora, Deus tem uma dignidade infinita. A ofensa feita a ele pelo pecado original foi, então, uma ofensa infinita. Como reparar, porém, uma ofensa infinita? Como satisfazer por tal ofensa e recuperar a graça perdida?  A satisfação consiste em dar ao ofendido algo que lhe seja mais agradável do que a ofensa lhe foi desagradável. O homem pode oferecer todo o seu ser, todas as suas faculdades, tudo… ainda assim sua satisfação será finita, limitada, incapaz de agradar mais a Deus do que o pecado o ofendeu, pois o pecado o ofendeu infinitamente. O homem sozinho não poderia satisfazer nem merecer a graça.

Deus poderia ter abandonado o pecador sem cometer uma injustiça… Mas Deus é infinitamente misericordioso e vendo o homem na miséria do pecado, quis redimi-lo, quis salvá-lo. Deus poderia simplesmente ter perdoado o pecado dos homens, contentando-se de suas satisfações limitadas. Deus poderia ter encarregado um anjo…  Mas Deus decidiu encarnar-se, assumir um corpo humano para nos salvar. E fez isso livremente.

A Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, o Verbo, se fez carne e habitou entre nós. E porque Deus escolheu e preferiu essa solução, a solução da encarnação? Deus preferiu a encarnação por que é a maneira mais perfeita de nos salvar, conciliando a justiça com a caridade divina. O Verbo Divino quis se encarnar por causa da justiça, mas, sobretudo, para mostrar a caridade que tem pelos homens.

Deus quis nascer no estábulo de Belém por causa da justiça. Com efeito, só o Verbo Encarnado, Nosso Senhor Jesus Cristo, poderia satisfazer perfeitamente a justiça divina, pois Cristo é homem e Deus. Outros modos de salvar o homem sem a encarnação do Verbo não seriam contra a justiça, mas também não seriam perfeitamente justos. Em Cristo, as naturezas humana e divina estão unidas. As duas naturezas estão unidas, mas sem confusão. A duas naturezas permanecem distintas uma da outra, mas sem separação. União sem confusão. Distinção sem separação. Em Cristo, as duas naturezas, divina e humana, estão unidas na pessoa divina, na Segunda Pessoa da Santíssima Trindade. É um mistério, claro.

Por causa dessa união das naturezas humana e divina em Nosso Senhor, qualquer ação sua, por menor que seja, tem um valor infinito, pois as ações pertencem à pessoa e em Cristo a Pessoa é divina. Assim, se minha mão derruba esse púlpito, é minha pessoa que derruba o púlpito e não simplesmente minha mão. Quando Cristo age, é a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade que age. Portanto, Nosso Senhor, sendo Deus e homem, é capaz de satisfazer plenamente pelo pecado original e por todos os pecados do mundo inteiro. As suas ações, sendo Ele homem e Deus, são feitas com caridade infinita e são, consequentemente, infinitamente agradáveis a Deus. Uma só ação de Cristo satisfaz por todos os pecados do mundo inteiro, desde o pecado original até o final dos tempos. Assim, com a vinda de Cristo ao mundo, com sua encarnação e nascimento, paixão e morte, a justiça é perfeitamente observada.

Todavia, por excelente que seja a justiça divina, o Verbo quis vir ao mundo, sobretudo para mostrar aos homens a sua caridade. Deus quis se encarnar para mostrar aos homens o seu amor infinito para com eles. Ora, uma das maneiras de se medir o amor que se tem por alguma coisa, é o quanto nós estamos dispostos a sofrer para conseguir essa coisa, ou para guardá-la. Os sofrimentos de Nosso Senhor Jesus Cristo em seu nascimento, durante sua vida escondida, durante sua vida pública, sua paixão e morte nos mostram, portanto, o quanto Ele nos quer bem e o quanto Ele age para o nosso bem, quer dizer, para a nossa salvação.

Se Cristo quis vir ao mundo como uma criança, incapaz de falar, incapaz de alimentar-se sozinho, esquecido do mundo, rejeitado pelos seus, foi por amor dos homens. Se Cristo quis vir ao mundo em um estábulo, sobre uma manjedoura, no frio da noite, e ser coberto com alguns poucos panos, foi por amor dos homens. Se Cristo quis depender de sua mãe, Maria Santíssima, e de São José foi para mostrar seu amor por nós. Desde o primeiro instante de seu nascimento o Menino Jesus sofre por nós, para nos mostrar o seu amor infinito por nós, que visa somente uma coisa: a nossa salvação.

E que quer o Menino Deus, caros católicos, mostrando o amor infinito de Deus por nós, ao vir mundo e ao sofrer desde o momento de sua encarnação e nascimento?

Ele quer uma só coisa: ele quer que o amemos em troca. Ele mesmo o diz: “Eu vim trazer o fogo (do amor divino) à terra e que quero eu, senão que ele acenda?” (Lc XII, 49) Que quer o Menino Jesus no estábulo, senão que o amemos? É esse, portanto, o objetivo da encarnação e de tantos sofrimentos suportados por Nosso Senhor: mostrar o amor divino por nós para que o amemos em troca.

O Salvador falou qual é esse amor que espera de nós: “aquele que retém os meus mandamentos e os guarda, é esse que me ama” (Jo XIV, 21). Portanto, devemos considerar o amor de Deus por nós e amá-lo em troca, retendo seus mandamentos, quer dizer, conhecendo-os e guardando-os, quer dizer, praticando-os. Portanto, não se trata de um amor sentimental, mas de um amor que se encontra na vontade. Amar a Deus é querer bem a Deus e fazer o bem a Deus, o que se realiza pela generosa prática de seus mandamentos.

Olhemos, então, para a nossa Salvação, que está no presépio em Belém. Para vê-lo, no entanto, é preciso seguir a voz que clama no deserto, a voz do precursor, São João Batista. Na Antiguidade, quando um grande rei era recebido, era preciso preparar os caminhos pelos quais ia passar, retificando-os, endireitando-os, nivelando o terreno, preenchendo os buracos e aplanando as elevações. O Tempo do Advento e esses dois dias que nos restam servem para preparar a nossa alma para receber o Rei dos Reis. Todo vale será terraplanado, i.e., devemos deixar de lado nossa vida espiritualmente estéril e rebaixada, para preenchê-la com a graça de Deus e elevá-la com a prática das virtudes. Todo monte e colina será arrasado, quer dizer, precisamos combater o nosso orgulho, reconhecendo que somos pouca coisa e que todo o bem que temos e fazemos vem de Deus, e devemos arrasar montes e colinas porque Deus resiste aos soberbos, mas dá sua graça aos humildes como diz a Sagrada Escritura (Tiago, IV, 6). Os caminhos tortuosos serão endireitados, i.e., devemos ordenar tudo a Deus, submetendo nossas paixões à razão, e submetendo a razão e à vontade a Deus. Os caminhos escabrosos serão nivelados, quer dizer, as dificuldades da vida vividas em união aos sofrimentos de Cristo tornar-se-ão bem mais suaves. Tendo preparado os caminhos para o Reis dos reis, podemos olhar para a nossa salvação que está no presépio em Belém.

No Menino Deus colocado na manjedoura está, junto com a paixão e morte na Cruz, a maior prova de caridade divina para conosco, pobres pecadores. Essa criança que está na manjedoura – verdadeiro Deus e verdadeiro homem – nasceu para nós e nos foi dada para a nossa salvação. O principal motivo de sua vinda ao mundo e de todos os seus sofrimentos é esse: suscitar em nós o amor a Deus para que possamos nos salvar. Que os céus derramem – do alto – o orvalho e que as nuvens chovam o Justo. Abra-se a terra e brote o Salvador. Se os céus e todas as criaturas narram a glória de Deus e nos mostram as suas perfeições, o nascimento do Salvador nos mostra limpidamente o amor infinito de Deus por nós. O Verbo se fez carne para nos salvar … E nós? Continuaremos com um coração de pedra, incapaz de nos converter diante da caridade infinita de Deus mostrada no nascimento do Salvador? Prostremo-nos diante do presépio e peçamos ao Menino Jesus a graça de amá-lo e de perseverar nesse amor até o final de nossas vidas. Um pequenino nos nasceu, o Filho de Deus nos foi dado.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Sermão] Advento: alegria

Sermão para o Terceiro Domingo do Advento (Gaudete)
16 de dezembro de 2012 – Padre Daniel Pinheiro

 

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…

Gaudete semper in Domino. Iterum dico: gaudete. Alegrai-vos sempre no Senhor. Digo de novo: alegrai-vos.

O apóstolo São Paulo nos pede hoje a alegria. E mais do que nos pedir a alegria, suas palavras são uma ordem para que nos alegremos. É, porém, possível obrigar alguém a ser alegre? É possível dar uma ordem a alguém para que a pessoa seja alegre? Para responder a essa questão, devemos saber o que é a alegria. A alegria consiste no fato de possuirmos um bem que desejamos. Quando desejamos algo, alegramo-nos quando conseguimos essa coisa. Aquele que procura um emprego, por exemplo, alegra-se ao alcançá-lo.

A alegria consiste, então, em possuir um bem que desejamos. Essa alegria será verdadeira se o bem que possuímos é um verdadeiro bem e será falsa se possuímos um falso bem, se possuímos um bem aparente. O bem de cada coisa consiste em agir segundo a sua natureza. Assim, cada ser será verdadeiramente alegre na medida em que segue as leis dadas por Deus ao ser criada. Uma alegria fora da lei de Deus será uma alegria aparente, será uma alegria falsa que terminará necessariamente em tristeza. Claro que somente os animais e os seres espirituais podem ser alegres. A alegria dos animais será uma alegria sensível. A alegria do homem será, sobretudo, espiritual. Dessa forma, o cachorro será alegre na medida em que age como cachorro, na medida em que come, dorme, brinca, faz companhia a seu dono etc. O homem será alegre na medida em que agir segundo a sua natureza. Ora, o homem não tem uma natureza puramente animal. Ele tem uma natureza que é também espiritual. O homem é um animal racional. O bem do homem é agir conforme à sua natureza racional. Assim, a alegria do homem consistirá em agir segundo a sua natureza racional.

A natureza racional significa a inteligência e a vontade. A inteligência foi feita para conhecer a verdade. A vontade foi feita para amar o bem. O homem será verdadeiramente alegre na medida em que conhecer a verdade, na medida em que amar essa verdade, na medida em que colocar em prática essa verdade. Todavia, não basta ao homem qualquer verdade ou qualquer bem. O homem só será verdadeiramente alegre no conhecimento da verdade suprema e no amor ao bem infinito. Claro que essa verdade e esse bem só podem ser Deus. A verdadeira felicidade do homem é Deus. Por isso São Paulo diz: alegrai-vos não com qualquer coisa, mas no Senhor. No Senhor, ele diz. A felicidade do homem é conhecer a Deus e amar a Deus. E conhecê-lo e amá-lo tal como Ele se revelou a nós, conhecendo e aderindo ao que Ele nos ensinou e colocando em prática os seus ensinamentos. Eis, então, a alegria do homem: servir a Deus nessa terra para ser eternamente feliz no céu, pois no céu nós conheceremos perfeitamente a Verdade e amaremos a Verdade plenamente: seremos, portanto, infinitamente alegres.

São Paulo pode, então, nos dar a ordem de sermos felizes no Senhor, pois a felicidade é mera consequência da nossa obrigação de conhecer, amar e servir a Nosso Senhor Jesus Cristo, que é a Verdade, o Caminho, a Vida. Se somos obrigados a vivir em estado de graça, somos obrigados a ser felizes. Se seguimos Nosso Senhor, estando em estado de graça, em amizade com Ele, sem pecado mortal, devemos ser verdadeiramente alegres, o máximo possível nesse vale de lágrimas, pois possuiremos o maior bem que podemos possuir. O cristão é, portanto, necessariamente alegre. E sua alegria consiste justamente em praticar com seriedade a religião. Uma das grandes tentações do demônio é tentar nos convencer de que a prática da religião é algo triste e melancólico, como se tivéssemos de deixar de lado os maiores bens para poder servir a Deus. Isso é uma mentira… Ao servir a Deus nós abandonamos bens aparentes, falsas alegrias, quer dizer, abandonamos tudo aquilo que pode nos afastar de Deus e ofendê-lo. O cristão é o homem mais feliz já aqui nessa terra. É preciso ter consciência disso.

Claro que essa alegria é, antes de tudo, uma alegria espiritual e não necessariamente uma alegria sentimental. Estamos aqui nessa terra em verdadeiro vale de lágrimas. Portanto, a tristeza também é natural e boa quando perdemos verdadeiros bens: a saúde, um familiar, um bem material… A tristeza que surge desses males é perfeitamente legítima, mas deve ser uma tristeza moderada, pois a saúde, os entes queridos não são o maior bem. O maior bem é Deus e enquanto estamos unidos a Ele pela graça, devemos ser profundamente felizes. Muitas vezes, na verdade, a perda desses bens inferiores nos permite uma união maior com Deus, aumentado a nossa alegria no futuro. É por isso que os santos sofrem tanto, mas continuam profundamente alegres. Eles entendem que esses sofrimentos permitem uma maior união com Nosso Senhor Jesus Cristo e eles sabem que isso é a verdadeira alegria. Quanto mais uma pessoa for santa, mais ela será verdadeiramente alegre. Se a união com Deus é o bem supremo e causa da verdadeira alegria, o maior mal que existe é a perda de Deus pelo pecado grave. Se o pecado grave é o maior mal, ele deve ser também o motivo de maior tristeza, mas uma tristeza sem desespero, pois a tristeza de um pecado cometido deve nos levar, justamente, a recobrar a felicidade pelo perdão desse pecado.

Venhamos, porém, à alegria do Advento e, em particular, desse terceiro domingo do Advento. A alegria se manifesta hoje na liturgia pela mudança da cor dos paramentos (de roxo para rosa), se manifesta no órgão que soa, nas flores que decoram o altar. Nos textos da Santa Missa, sobretudo nas primeiras palavras do Intróito que dão o tom para toda a liturgia.

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Como vimos, a alegria consiste na posse do verdadeiro bem que é Deus, que é Nosso Senhor Jesus Cristo. Ora, é pela vinda de Nosso Senhor ao mundo que nós fomos redimidos, é pela vinda de Nosso Senhor ao mundo que nós podemos nos unir a Deus, deixando de lado o pecado. O nascimento de Nosso Senhor é a própria alegria que vem sobre a terra. O homem, pelo pecado de Adão, não tinha mais os meios para ser verdadeiramente alegre. O homem não podia reparar pelo pecado original, pois esse é uma ofensa infinita a Deus e o homem é uma pobre criatura finita. Deus Pai mandou, então, o seu Filho, que também é Deus, para nos salvar, para nos trazer de volta a alegria.

O Santo Evangelho nos mostra a alegria pela vinda de Cristo. Até a vinda de São João Batista, precursor de Cristo, é motivo de grande alegria, pois anuncia a encarnação. O anjo diz a São Zacarias, pai de São João Batista: ele será para ti motivo de gozo e de alegria e muitos se alegrarão nasceu nascimento (Lc I, 14). Os Reis Magos, vendo novamente a estrela que os conduzia, ficaram possuídos de grandíssima alegria (Mt II, 10). A estrela que nos conduz até Belém é o tempo do advento. Com a voz de Maria, São João Batista, ainda no seio de Santa Isabel se alegra ao reconhecer Nosso Senhor Jesus Cristo: a criança estremeceu de alegria no meu seio (Lc I, 44), diz a prima de Nossa Senhora. E Maria responde: meu espírito exulta de alegria em Deus, meu Salvador (Lc I, 47). O anjo diz aos pastores: O anjo disse-lhes: Não temais, eis que vos anuncio uma boa nova que será alegria para todo o povo (Lc II, 10). Os anjos cantam Glória a Deus nas alturas (Lc II, 14).

No advento, portanto, nossa alegria é imensa. Eis que o Salvador já está próximo, ele está próximo de vir ao mundo para operar a redenção, para nos trazer a superabundância da graça. Sem Cristo, sem a sua encarnação, sem o seu nascimento no estábulo de Belém, sem sua paixão e morte, estaríamos condenados à tristeza eterna.

Com o nascimento de Nosso Senhor, é a felicidade que deve começar a brotar em nossas almas. A expectativa do nascimento do Menino Jesus, do Menino Deus, já é para nós motivo de grande alegria.  A expectativa dos justos causa alegria (Prov X, 28), nos diz a Sagrada Escritura no Livro dos Provérbios.

Alegria porque recordamos esse fato histórico e a bondade infinita de Deus contida na vinda de Cristo ao mundo. Alegria porque assim como Cristo nasceu no estábulo de Belém, trazendo ao mundo a verdadeira felicidade, Ele quer agora trazer a felicidade em nossas almas. Ele quer que as almas reencontrem essa verdadeira felicidade que consiste em conhecê-lo, amá-lo e servi-lo.

Não façamos como os fariseus que foram interrogar São João Batista: Nosso Senhor Jesus Cristo estava no meio deles, e eles o desconheciam. O mundo hoje está, nessa época do Natal, cheio de alegria, mas na maior parte das vezes é uma alegria aparente, uma alegria falsa, porque é uma alegria sem o Menino Jesus. O Menino está no mundo, mas o mundo o ignora. Para que nossas almas reencontrem a verdadeira felicidade, é preciso que nos convertamos, abandonemos o velho homem a fim de que um novo homem possa nascer com o nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo. Um novo homem alegre, verdadeiramente alegre. Alegre no Senhor.

Alegrai-vos sempre no Senhor. Repito: alegrai-vos.

[Sermão] Advento: mortificação e penitência

Sermão para o Segundo Domingo do Advento
9 de dezembro de 2012 – Padre Daniel Pinheiro

Em nome do Pai, e do Filho, e do espírito Santo. Amém. Ave-Maria…

No domingo passado, caros católicos, dissemos que o Advento é um tempo litúrgico em que a penitência se mistura com a alegria. A perspectiva da vinda de Nosso Senhor ao mundo, de seu nascimento nos enche de esperança e de alegria, mas, ao mesmo tempo, nos leva a preparar adequadamente a nossa alma para que o Salvador possa encontrar lugar nela, o que se faz pela penitência.

Quando falamos aqui em penitência, temos em vista duas coisas distintas. A primeira delas é a mortificação. A segunda é a virtude da penitência. As duas são fundamentais para uma boa preparação de nossa alma para receber a graça do Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo.

A mortificação consiste em abster-se de coisas agradáveis e suportar e impor-se coisas desagradáveis. Claro que estamos falando aqui de abster-se de coisas agradáveis e que são lícitas. Pois abster-se de coisas agradáveis e que são pecaminosas não é, propriamente, mortificação e sim obrigação básica de quem quer se salvar. Entendida, então, como a abstenção de algo agradável e em si lícito, a mortificação parece, à primeira vista, uma prática desordenada e perversa. Mas, ao contrário, devemos dizer que a mortificação é boa.

Primeiramente, porque é mandada pela Igreja, que impõe a abstinência de carne ou a substituição eventual dessa abstinência por outra mortificação em todas as sextas-feiras do ano, por exemplo. Não faz muito tempo, cinquenta anos, a quaresma tinha vários dias de abstinência e jejum, as sextas-feiras do ano eram levadas a sério, havia quatro vezes durante o ano as chamadas têmporas em preparação para as estações do ano e as quatro têmporas também eram dias de penitência. Havias as vigílias das grandes festas que também eram dias de penitência e mortificação. A mortificação era muito mais favorecida pelos preceitos da Igreja do que atualmente.

A mortificação é boa porque ela é necessária para frear nossas paixões. E não precisaríamos nem da Revelação para compreender isso. Basta saber como funcionam as faculdades humanas. Se satisfazemos nossas inclinações em tudo o que é lícito, elas ganham cada vez mais força. E ganharão tanta força e se acostumarão tanto a fazer o que lhes é agradável que terminarão arrastando a nossa inteligência e a nossa vontade para o que é pecaminoso. E isso se agrava com o pecado original, pois, como consequência dele, nos encontramos inclinados ao mal. Se não nos abstivermos, em certa medida, daquilo que nos agrada, por mais que seja lícito, caminharemos para o precipício. É preciso praticar a mortificação, assim, mesmo em coisas lícitas para evitar o pecado.

A mortificação cristã não é um fim em si mesmo, mas um meio absolutamente necessário para evitar o pecado e para desenvolver a vida sobrenatural. A mortificação se inspira no amor a Deus e no ódio ao pecado e deve afastar todo orgulho e todo pessimismo. Trata-se de rejeitar algumas coisas que nos agradam a fim de poder manter ordenadas nossas paixões para a prática do bem, das virtudes. Trata-se de recusar um bem e aceitar ou infligir-se um mal, a fim de alcançar um bem muito superior que é a manutenção e o progresso na graça.

Todavia, a mortificação não consiste em evitar tudo o que é agradável e lícito. Isso seria, inclusive, contra a natureza. A mortificação concerne em primeiro lugar aos sentidos externos.

É preciso mortificar os olhos, evitando a curiosidade, por exemplo. Essa mortificação facilitará muito o combate a olhares e pensamentos impuros.

É preciso mortificar o paladar, comendo às vezes o que nos é desagradável ou comendo o que nos é menos agradável, evitando comer fora de hora ou com ardor. Isso evitará a gula e a embriaguez e diminuirá a tendência a pecados contra o sexto mandamento.

É preciso mortificar a língua, por exemplo, não falando sempre o que temos vontade. Isso tornará mais eficaz o combate contra os pecados da língua: calúnia, difamação, etc.

É preciso mortificar o olfato, suportando os maus odores, evitando, por exemplo, ao menos o excesso de perfume.

É preciso mortificar o tato, evitando a comodidade excessiva, por exemplo.

A mortificação diz respeito também às faculdades internas: privar-se da memória e da imaginação de certas coisas, afastar a mente de pensamentos inúteis, reprimir imediatamente os movimentos de afeto desordenados, etc.

Eis aí alguns exemplos de mortificações necessárias de serem praticadas, a fim de fortalecer a alma. A mortificação deve ser praticada com generosidade, mas também com discernimento. Não bastam as mortificações e penitências impostas pela Igreja e que hoje são tão escassas. São necessárias práticas pessoais de mortificação. Sempre, todavia, com discernimento e prudência.  De nada adiantaria, por exemplo, dormir numa cama dura, se no dia seguinte e por causa disso, a pessoa não tiver forças para trabalhar. Portanto, quando a mortificação for maior, é necessário o conselho de um bom sacerdote.

A mortificação também inclui a aceitação com paciência das contrariedades e das penas da vida, como doenças, mortes, etc. É preciso aceitar essas mortificações involuntárias com generosidade, pois só há duas possibilidades. Ou se aceita com paciência e transformamos um mal em bem, adquirindo méritos, ou transformamos o mal em um mal muito pior ao resmungar, revoltar-se ou impacientar-se, pois haveria aí um mal moral, recusando-nos a nos conformar à providência divina.

A repulsa a qualquer tipo de sofrimento, seja voluntário ou involuntário, e a falta de generosidade diante das contrariedades são hoje um dos grandes impedimentos para a santidade.

Sem sofrimento não há santidade. Sem Cruz não há Ressurreição. Sem o frio e o desconforto da manjedoura não há a alegria dos anjos e pastores.

Essa é a mortificação que devemos começar a praticar durante o Advento para nos preparar para o nascimento de Cristo. E depois do nascimento de Cristo, é preciso continuar esse esforço espiritual a fim de que Cristo permaneça em nossas almas.

Mas a penitência do Advento diz respeito também, como falamos, à virtude da penitência que está intimamente relacionada ao Sacramento da Confissão. A virtude da penitência é a virtude que nos inclina a detestar o próprio pecado enquanto é uma ofensa feita a Deus e a virtude da penitência nos inclina também ao firme propósito de correção e de satisfação. A virtude da penitência no tempo do Advento deve nos levar, principalmente, a duas coisas.

Primeiramente, a penitência no Advento deve nos levar a práticas que, unidas aos sofrimentos de Cristo, unidas aos sofrimentos do Menino Jesus, possam reparar a ordem que foi lesada pelos nossos pecados. Nesse caso, as mortificações passarão a ser não somente um meio de evitar o pecado, mas serão também satisfação pelos pecados cometidos. A virtude da penitência sob esse aspecto tem sido muito negligenciada nesses últimos pontos. Não bastam as práticas de penitência impostas atualmente pela Igreja, que são muito raras. Atualmente, como falamos, só as sextas-feiras são dia de penitência e só há dois dias de jejum no ano: sexta-feira santa e quarta-feira de cinzas. A satisfação não é, atualmente, muito favorecida. É, então, preciso praticar a virtude da penitência, satisfazendo por nossos pecados com práticas pessoais, sempre com discernimento.

Em segundo lugar a penitência no Advento deve nos levar à confissão. Claro que não há obrigação estrita de confessar-se durante o advento. A obrigação da confissão é confessar-se uma vez por ano. Todavia, é muito conveniente que um tempo litúrgico de penitência culmine num ato perfeito da virtude de penitência que é uma boa confissão, uma confissão que seja, de fato, uma vida nova.

Advento é tempo de penitência. Tempo de mortificação para evitar o pecado. Tempo de reparação pelo pecado. E tudo isso para ter um real valor deve ser feito em união com as mortificações e satisfações de Nosso Senhor Jesus Cristo. E tudo deve ser feito com humildade. Advento é tempo extremamente propício para uma boa confissão. Próximo domingo, domingo Gaudete, falaremos da alegria do Advento.

 Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito santo. Amém.

[Sermão] O Tempo do Advento

Sermão para o Primeiro Domingo do Advento
2 de dezembro de 2012 – Padre Daniel Pinheiro

 

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave Maria. […] Ó Maria concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a vós.

Entramos hoje, caros católicos, no Tempo do Advento, que como todos sabem é o tempo de preparação para a festa do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, a segunda festa mais importante no calendário litúrgico após a Páscoa. O Natal, todavia, não é simplesmente a comemoração de um acontecimento histórico, ocorrido há mais de dois mil anos. O Natal, como toda festa litúrgica, traz consigo uma graça particular. Continuar lendo