Sermão para o Segundo Domingo do Advento
9 de dezembro de 2012 – Padre Daniel Pinheiro
Em nome do Pai, e do Filho, e do espírito Santo. Amém. Ave-Maria…
No domingo passado, caros católicos, dissemos que o Advento é um tempo litúrgico em que a penitência se mistura com a alegria. A perspectiva da vinda de Nosso Senhor ao mundo, de seu nascimento nos enche de esperança e de alegria, mas, ao mesmo tempo, nos leva a preparar adequadamente a nossa alma para que o Salvador possa encontrar lugar nela, o que se faz pela penitência.
Quando falamos aqui em penitência, temos em vista duas coisas distintas. A primeira delas é a mortificação. A segunda é a virtude da penitência. As duas são fundamentais para uma boa preparação de nossa alma para receber a graça do Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo.
A mortificação consiste em abster-se de coisas agradáveis e suportar e impor-se coisas desagradáveis. Claro que estamos falando aqui de abster-se de coisas agradáveis e que são lícitas. Pois abster-se de coisas agradáveis e que são pecaminosas não é, propriamente, mortificação e sim obrigação básica de quem quer se salvar. Entendida, então, como a abstenção de algo agradável e em si lícito, a mortificação parece, à primeira vista, uma prática desordenada e perversa. Mas, ao contrário, devemos dizer que a mortificação é boa.
Primeiramente, porque é mandada pela Igreja, que impõe a abstinência de carne ou a substituição eventual dessa abstinência por outra mortificação em todas as sextas-feiras do ano, por exemplo. Não faz muito tempo, cinquenta anos, a quaresma tinha vários dias de abstinência e jejum, as sextas-feiras do ano eram levadas a sério, havia quatro vezes durante o ano as chamadas têmporas em preparação para as estações do ano e as quatro têmporas também eram dias de penitência. Havias as vigílias das grandes festas que também eram dias de penitência e mortificação. A mortificação era muito mais favorecida pelos preceitos da Igreja do que atualmente.
A mortificação é boa porque ela é necessária para frear nossas paixões. E não precisaríamos nem da Revelação para compreender isso. Basta saber como funcionam as faculdades humanas. Se satisfazemos nossas inclinações em tudo o que é lícito, elas ganham cada vez mais força. E ganharão tanta força e se acostumarão tanto a fazer o que lhes é agradável que terminarão arrastando a nossa inteligência e a nossa vontade para o que é pecaminoso. E isso se agrava com o pecado original, pois, como consequência dele, nos encontramos inclinados ao mal. Se não nos abstivermos, em certa medida, daquilo que nos agrada, por mais que seja lícito, caminharemos para o precipício. É preciso praticar a mortificação, assim, mesmo em coisas lícitas para evitar o pecado.
A mortificação cristã não é um fim em si mesmo, mas um meio absolutamente necessário para evitar o pecado e para desenvolver a vida sobrenatural. A mortificação se inspira no amor a Deus e no ódio ao pecado e deve afastar todo orgulho e todo pessimismo. Trata-se de rejeitar algumas coisas que nos agradam a fim de poder manter ordenadas nossas paixões para a prática do bem, das virtudes. Trata-se de recusar um bem e aceitar ou infligir-se um mal, a fim de alcançar um bem muito superior que é a manutenção e o progresso na graça.
Todavia, a mortificação não consiste em evitar tudo o que é agradável e lícito. Isso seria, inclusive, contra a natureza. A mortificação concerne em primeiro lugar aos sentidos externos.
É preciso mortificar os olhos, evitando a curiosidade, por exemplo. Essa mortificação facilitará muito o combate a olhares e pensamentos impuros.
É preciso mortificar o paladar, comendo às vezes o que nos é desagradável ou comendo o que nos é menos agradável, evitando comer fora de hora ou com ardor. Isso evitará a gula e a embriaguez e diminuirá a tendência a pecados contra o sexto mandamento.
É preciso mortificar a língua, por exemplo, não falando sempre o que temos vontade. Isso tornará mais eficaz o combate contra os pecados da língua: calúnia, difamação, etc.
É preciso mortificar o olfato, suportando os maus odores, evitando, por exemplo, ao menos o excesso de perfume.
É preciso mortificar o tato, evitando a comodidade excessiva, por exemplo.
A mortificação diz respeito também às faculdades internas: privar-se da memória e da imaginação de certas coisas, afastar a mente de pensamentos inúteis, reprimir imediatamente os movimentos de afeto desordenados, etc.
Eis aí alguns exemplos de mortificações necessárias de serem praticadas, a fim de fortalecer a alma. A mortificação deve ser praticada com generosidade, mas também com discernimento. Não bastam as mortificações e penitências impostas pela Igreja e que hoje são tão escassas. São necessárias práticas pessoais de mortificação. Sempre, todavia, com discernimento e prudência. De nada adiantaria, por exemplo, dormir numa cama dura, se no dia seguinte e por causa disso, a pessoa não tiver forças para trabalhar. Portanto, quando a mortificação for maior, é necessário o conselho de um bom sacerdote.
A mortificação também inclui a aceitação com paciência das contrariedades e das penas da vida, como doenças, mortes, etc. É preciso aceitar essas mortificações involuntárias com generosidade, pois só há duas possibilidades. Ou se aceita com paciência e transformamos um mal em bem, adquirindo méritos, ou transformamos o mal em um mal muito pior ao resmungar, revoltar-se ou impacientar-se, pois haveria aí um mal moral, recusando-nos a nos conformar à providência divina.
A repulsa a qualquer tipo de sofrimento, seja voluntário ou involuntário, e a falta de generosidade diante das contrariedades são hoje um dos grandes impedimentos para a santidade.
Sem sofrimento não há santidade. Sem Cruz não há Ressurreição. Sem o frio e o desconforto da manjedoura não há a alegria dos anjos e pastores.
Essa é a mortificação que devemos começar a praticar durante o Advento para nos preparar para o nascimento de Cristo. E depois do nascimento de Cristo, é preciso continuar esse esforço espiritual a fim de que Cristo permaneça em nossas almas.
Mas a penitência do Advento diz respeito também, como falamos, à virtude da penitência que está intimamente relacionada ao Sacramento da Confissão. A virtude da penitência é a virtude que nos inclina a detestar o próprio pecado enquanto é uma ofensa feita a Deus e a virtude da penitência nos inclina também ao firme propósito de correção e de satisfação. A virtude da penitência no tempo do Advento deve nos levar, principalmente, a duas coisas.
Primeiramente, a penitência no Advento deve nos levar a práticas que, unidas aos sofrimentos de Cristo, unidas aos sofrimentos do Menino Jesus, possam reparar a ordem que foi lesada pelos nossos pecados. Nesse caso, as mortificações passarão a ser não somente um meio de evitar o pecado, mas serão também satisfação pelos pecados cometidos. A virtude da penitência sob esse aspecto tem sido muito negligenciada nesses últimos pontos. Não bastam as práticas de penitência impostas atualmente pela Igreja, que são muito raras. Atualmente, como falamos, só as sextas-feiras são dia de penitência e só há dois dias de jejum no ano: sexta-feira santa e quarta-feira de cinzas. A satisfação não é, atualmente, muito favorecida. É, então, preciso praticar a virtude da penitência, satisfazendo por nossos pecados com práticas pessoais, sempre com discernimento.
Em segundo lugar a penitência no Advento deve nos levar à confissão. Claro que não há obrigação estrita de confessar-se durante o advento. A obrigação da confissão é confessar-se uma vez por ano. Todavia, é muito conveniente que um tempo litúrgico de penitência culmine num ato perfeito da virtude de penitência que é uma boa confissão, uma confissão que seja, de fato, uma vida nova.
Advento é tempo de penitência. Tempo de mortificação para evitar o pecado. Tempo de reparação pelo pecado. E tudo isso para ter um real valor deve ser feito em união com as mortificações e satisfações de Nosso Senhor Jesus Cristo. E tudo deve ser feito com humildade. Advento é tempo extremamente propício para uma boa confissão. Próximo domingo, domingo Gaudete, falaremos da alegria do Advento.
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito santo. Amém.