Na Véspera de Natal, em Roma, o Papa celebrou a Missa do Galo por ocasião da Solenidade do Nascimento do Senhor. Poucos notaram as ponderosas e proféticas passagens no coração desta homilia…
Por Robert Moynihan
Fonte: http://insidethevatican.com
Tradução: Missa Tridentina em Brasília
“Senhor, realizai totalmente a vossa promessa. Quebrai o bastão dos opressores. Queimai o calçado ruidoso. Fazei com que o tempo das vestes manchadas de sangue acabe. Realizai a promessa de «uma paz sem fim» (Is 9, 6).“ – Papa Bento XVI, Homilia da Missa do Galo na Véspera de Natal na Basílica de São Pedro em Roma.
“Quebrai o bastão dos opressores”
Poucos notaram a mensagem ponderosa, apaixonada e política no cerne da homilia da Véspera de Natal do Papa este ano.
Na verdade, esta homilia de Natal é essencialmente política, naquilo em que diz respeito a correta ordenação da “polis”, a comunidade humana, e é um poderoso clamor contra a injustiça política e a opressão.
É política no mesmo sentido em que o Rei Herodes compreendeu como político o nascimento de Jesus. Herodes interpretou o nascimento do verdadeiro e tão esperado Rei de Israel como um questionamento ao seu próprio e deficiente reino e que teria que entregar o seu poder. Ele procurou conter este resultado político matando os inocentes – bebês da região do sexo masculino abaixo de dois anos de idade.
A homilia papal em 2010 – 2010 anos depois do nascimento de Jesus, 2010 anos após Herodes ordenar a matança dos inocentes por temer por seu reino e poder – é uma homilia que fala do nascimento de Cristo como a resposta às orações e às esperanças de Israel por um rei que governará com justiça e criará um reino de paz universal.
O Papa toma esta mensagem fundamentalmente política, essa esperança fundamental de todos os profetas e do povo de Israel – de todos os judeus de todos os tempos, através de século de exílio e vergonha – e se apossa dela, em nossos dias atuais, e clama a Deus “Senhor, realizai totalmente a vossa promessa.”
Tais palavras são um tanto perigosas. Elas podem sugerir que a promessa de Deus não foi, na verdade, ainda “totalmente realizada”.
Mas o Papa pronuncia essas palavras arriscadas por estar tomado de uma esperança de que não haverá mais qualquer opressão, qualquer matança de inocentes, qualquer “tirania do poder”, como ele assim se expressa.
Duas coisas sobressaem nesse clamor do Papa.
Primeiro, a noção de que a ação de Deus na história – que causa a tão desejada “paz na terra” – não alcançou sua conclusão última, que nós ainda estamos no meio do caminho.
Há um profundo anseio nas palavras do Papa, um desejo ardente, um sentido de incompletude, de algo a ser concluído para a total vitória de Deus. Nesse sentido, essas palavras são “apocalípticas”, elas contêm um desejo pela revelação completa do plano de Deus, em termos claros pelo retorno a este mundo do próprio Cristo em Sua Glória, para completar o que ele iniciou no estábulo em Belém, nas estradas empoeiradas da Galiléia e sobre a Cruz no Gólgota.
O Papa está aqui claramente tomado do desejo profético pela “parousia” — o retorno de Cristo.
“Parousia” é uma palavra grega antiga que significa “presença, chegada, visita oficial”. O uso principal é quando da presença física de uma pessoa. Quando aquela pessoa ainda não está presente, “parousia” refere-se a perspectiva da chegada física daquela pessoa, especialmente a visita de um personagem real ou oficial.
A palavra é usada 24 vezes no Novo Testamento. Dessas, cinco usos referem-se à vinda de indivíduos: uma vez à Estéfanas, Fortunato e Acaico (1 Coríntios 16:17), uma vez à Tito (2 Coríntios 7:6), e três vezes à “presença” física do próprio Paulo (2 Coríntios 10:10, Filipenses 1:26, 2:12).
Um sexto uso para a “A vinda do ímpio” (2Tessalonisenses 2:9).
As demais 18 vezes, todas, exceto uma, referem-se a Segunda Vinda de Cristo e, em um caso, a vinda do “Dia do Senhor” (2 Pedro 3:12) – o Dia do Julgamento, o último dia.
Assim, torna-se claro que o clamor do Papa clamar, no centro da homilia da Véspera de Natal deste ano, é para que a presença física do Rei mais uma vez aconteça em nosso meio.
O Papa diz que isso já acontece em cada celebração da Eucaristia: o Senhor está presente e cria um pequeno espaço de paz, uma pequena parte de seu Reino realmente existe no tempo e no espaço, um tipo de “início” daquele Reino que se tornará universal com o retorno do Senhor, com a sua “parousia.”
Porém, ao mesmo tempo, diz Bento, “Mas é verdade também que «o bastão do opressor» não foi quebrado. Também hoje marcha o calçado ruidoso dos soldados e temos ainda incessantemente a «veste manchada de sangue» (Is 9, 3-4).”
E é esta a razão pela qual Bento coloca sua oração a Deus no centro mesmo de seu sermão: “Nós Vos agradecemos pela vossa bondade, mas pedimos-Vos também: mostrai a vossa força. Instituí no mundo o domínio da vossa verdade, do vosso amor – o «reino da justiça, do amor e da paz».”
A segunda coisa que sobressai nesse clamor do Papa é a dor que ele sente frente a injustiça que marca o nosso tempo.
Uma vez que a vitória completa do Rei ainda não ocorreu – não obstante que Ele mesmo já tenha chegado por meio de Maria, em Belém – o nosso mundo, tal como o conhecemos, não é ainda totalmente governado por aquele bom, justo e santo Rei, mas por outras forças, não boas, não justas e não santas.
Isso aparece claramente na homilia do Papa: a percepção de que o mundo ainda geme sob a tirania de opressores cruéis, que os povos do mundo são ainda vítimas de matança e opressão que não ocorreriam sob o governo amoroso e justo do Senhor Jesus Cristo.
Neste sentido, a homilia é uma profunda acusação política de todas as forças de nosso tempo que arquitetam matanças, que exercem a opressão, que justificam o que é injustificável – todas aquelas forças que se engajam naquilo que o Papa denomina de “tirania do poder”
Isto é um clamor político do líder da Cristandade para o mundo, para todos os cristãos, para todos os judeus, para todos os homens e mulheres de boa vontade. É um clamor para que se volte Àquele que está por vir de tal forma que – quando Aquele que estava no estábulo, que pregou na Galileia, que morreu em Jerusalém, que ressuscitou e prometeu que retornaria (e retornará) – possamos recebê-lo com júbilo e não envergonhados ao comparecermos na Sua presença.
É um clamor para que se prepare para o Seu retorno.
A segunda metade da homilia é uma reflexão sobre o que o nascimento de Cristo significou para a humanidade. Essa parte vale a pena ser lida com atenção. Porém gostaria de rapidamente levantar aqui um ponto: que o Papa conclui esta breve, porém profunda reflexão, observando que os homens desempenham um papel em sua salvação. Não que eles possam agir sem a graça de Deus, assim como, a graça de Deus sem o assentimento do homem, não pode, por si mesma, instaurar o Reino, a redenção do mundo decaído.
“Seria errada uma interpretação que reconhecesse apenas o agir exclusivo de Deus, como se Ele não tivesse chamado o homem a uma resposta livre e amorosa, “ diz Bento.
“Mas seria errada também uma resposta moralizante, segundo a qual o homem com a sua boa vontade poder-se-ia, por assim dizer, redimir a si próprio.”
“As duas coisas andam juntas: graça e liberdade; o amor de Deus, que nos precede e sem o qual não O poderemos amar, e a nossa resposta, que Ele espera e até no-la suplica no nascimento do seu Filho.”
“O entrelaçamento de graça e liberdade, o entrelaçamento de apelo e resposta não podemos dividi-lo em partes separadas uma da outra. Ambas estão indivisivelmente entrançadas entre si.”
E assim termina a homilia, apropriadamente com música e canto – um tema sempre presente na mente e nos escritos do Papa Bento.
Refletindo sobre o “Gloria” cantado pelos anjos em Belém no nascimento do tão esperado Rei, o Papa diz: “Mas desde sempre os homens souberam que o falar dos anjos é diverso do dos homens; e que, precisamente nesta noite da jubilosa mensagem, tal falar foi um canto no qual brilhou a glória sublime de Deus. Assim, desde o início, este canto dos anjos foi entendido como música vinda de Deus, mais ainda, como convite a unirmo-nos ao canto com o coração em júbilo pelo fato de sermos amados por Deus. Diz Santo Agostinho: Cantare amantis est – cantar é próprio de quem ama.”
E assim que essa homilia tão “política” do Papa Bento sobre o nascimento de um Rei que trará a paz e a justiça ao fazer humano termina com o apelo o mais despolitizado possível: que nós, movidos pela gratidão e pelo amor, associemo-nos “a este cantar de todos os séculos, que une céu e terra, anjos e homens. Sim, Senhor, nós Vos damos graças por vossa imensa glória. Nós Vos damos graças pelo vosso amor. Fazei que nos tornemos cada vez mais pessoas que amam juntamente convosco e, conseqüentemente, pessoas de paz”
É o programa político de Bento, enquanto aguardamos o retorno iminente de Cristo.
Acessar a homilia do Papa Bento XVI no link: http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/homilies/2010/documents/hf_ben-xvi_hom_20101224_christmas_po.html