[Sermão] Todo bem vem pelos sacerdotes: a solução para a crise

Sermão para o Segundo Domingo depois da Páscoa
04 de maio de 2014 – Padre Daniel Pinheiro

ÁUDIO: Sermão para o Domingo do Bom Pastor (2º Domingo depois da Páscoa)

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave Maria…

“Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a vida pelas suas ovelhas.”

Caros Católicos, no Evangelho de hoje, Nosso Senhor se dá o título de Pastor e de Bom Pastor. Nosso Senhor é o pastor que conhece perfeitamente suas ovelhas, que guia seu rebanho, que vai à frente de suas ovelhas, que guarda e defende suas ovelhas, que as alimenta e que dá a vida por elas. Onde já se ouviu falar do pastor que dá a vida pelas suas pobres ovelhas? Somente Nosso Senhor Jesus Cristo é tão bom Pastor ao ponto de dar a vida pelas suas ovelhas, pecadoras. Que grande a bondade e a misericórdia divinas ao nos dar um Pastor como Nosso Senhor. E Nosso Senhor foi venerado como o Bom Pastor desde o início, desde o tempo dos primeiros cristãos. Já São Pedro, no final da Epístola de hoje, menciona Cristo como Pastor. Nas catacumbas em Roma, onde os cristãos muitas vezes se reuniam para o culto e para venerar os mártires lá sepultadosdos, encontramos pinturas de Jesus, o Bom Pastor.

Nosso Senhor, o nosso pastor eterno, subiu aos céus, que é o seu lugar próprio após a ressurreição, com seu corpo glorioso. Antes de subir aos céus, porém, na Quinta-Feira Santa, durante a Última Ceia – a primeira Missa -, Nosso Senhor nos deixou pastores, seus representantes na terra, para guiarem os homens ao pasto eterno do céu. Ele instituiu o sacerdócio. Nosso Senhor fundou a sua Igreja, a Igreja Católica Apostólica Romana, como uma sociedade hierárquica, com o Papa como chefe supremo, com os bispos, responsáveis por uma parte do rebanho, sempre em dependência do papa, e com os padres, que cooperam com os bispos. Nosso Senhor, na sua bondade infinita, instituiu o sacerdócio, Ele instituiu o sacramento da ordem, Ele instituiu pastores para as suas ovelhas.

São Bernardo nos diz que todas as graças nos vem pelas mãos de Maria. E não só ele, mas vários santos e a própria Igreja. Podemos dizer também, repetindo as palavras do Santo Cura d’Ars, que tudo nos vem também pelas mãos do sacerdote. Todas as graças, todos os dons celestiais. É muito conhecida a passagem da Sagrada Escritura em que o profeta diz que todos os males vêm dos maus sacerdotes. Mas o contrário também é verdade: todos os bens vêm pelas mãos dos sacerdotes. É pelas mãos do padre que o sacrifício de Cristo na Cruz é renovado sobre os altares durante a Missa. E é pela Missa que os méritos de Cristo nos são aplicados. É pelas mãos do padre que Nosso Senhor desce do céu em corpo, sangue, alma e divindade sob as aparências do pão e do vinho. Nem Nossa Senhora nem os anjos podem fazer tal coisa. Quem deu a vida da graça para a nossa alma pelo batismo, tirando-a do pecado original? Ordinariamente, o Padre. Quem purifica a nossa alma dos seus pecados atuais? O Padre, pela confissão. Quem alimenta nossa alma, dando-lhe o Corpo de Cristo? O padre. Quem prepara a nossa alma para a morte pela extrema-unção, fortalecendo-nos para o último combate no momento da morte? O Padre. Quem nos presta o auxílio das bênçãos e dos sacramentais, para podermos viver bem em bons cristãos? O Padre. Quem tem o dever de nos instruir naquilo que Nosso Senhor veio nos transmitir e nos revelar? O Padre. Em última instância, caros católicos, como nos diz o Santo Cura d’Ars, todas as graças vêm ao mundo pelo sacerdote.

O padre se torna tal ao receber o sacramento da ordem. O sacramento da ordem, como o próprio nome sugere, ordena o padre inteiramente para o próximo e para Deus. O sacerdote não é sacerdote para si mesmo, mas para os outros e para Deus. O sacerdote não pode confessar a si mesmo, ele não pode administrar a si mesmo os sacramentos, com exceção da eucaristia. O sacerdócio é inteiramente para Deus e para o bem das almas. Que grande graça Nosso Senhor nos deu com o sacerdócio. O sacerdócio católico é participação no sacerdócio de Cristo. E o que Nosso Salvador veio fazer no mundo? Dar testemunho do pai e nos salvar. O mesmo deve fazer o sacerdote: fazer que Deus seja mais conhecido, amado e servido, e deve trabalhar para a salvação as almas.

Se é tão grande e importante o sacerdócio, é imperioso que haja padres e bom padres. Ainda para citar São João Maria Vianney, se uma região é deixada 20 anos sem padre, as pessoas irão adorar os animais. O mesmo se pode dizer no caso em que o pastor, em vez de ser um bom pastor, é um mercenário, preocupado com seu próprio bem e conforto, preocupado em propagar suas próprias ideias ou em agradar ao mundo, em vez de se preocupar coma a glória de Deus e com a salvação das almas. O mesmo santo nos diz que quando se quer destruir a religião, se começa por atacar o sacerdote, pois sem o sacerdote não há mais sacrifício e, se não tem mais sacrifício, não tem mais religião. Ataca-se o sacerdócio porque é dele que vem todo o bem, pelo sacrifício, pelos sacramentos, pela recitação do ofício divino e por tantos outros meios. O demônio, porém, sabe que não pode destruir o sacerdócio católico, pois Nosso Senhor nos assegurou que as portas do inferno não haveriam de prevalecer. Sabendo que não pode destruir o sacerdócio católico enquanto tal, o inimigo tenta desvirtuar o exercício desse sacerdócio, de forma que o sacerdote já não seja mais o homem do sacrifício da Missa e do culto a Deus, de forma que o sacerdote se preocupe mais com os aspectos sociais do que com o bem das almas, de forma que o sacerdote se torne um filantropo mais do que um pastor, de forma que o sacerdote busque os seus interesses e não os de Deus e o da salvação das almas. Infelizmente, esse desvirtuamento do sacerdócio católico está bem presente atualmente. Se nossa sociedade vive na grande confusão atual, é, em grandíssima parte, devido à crise que há no sacerdócio. Ainda não chegamos talvez a adorar os animais, todavia, já temos o aborto e a união homossexual e tantas outras coisas que destroem o próprio fundamento da sociedade. O sacerdote tem que ser o homem da Missa, o homem do Sacrifício, o homem da eucaristia. Ele tem que ser o homem da fidelidade aos ensinamentos de Cristo. Ele tem que ser o pastor que aponta e denuncia o lobo. Ele tem que ser o homem que aponta para o céu, que nos faz lembrar que fomos criados para o céu, para a vida eterna para Deus. Ele tem que ser o homem que reflete a caridade do Coração de Jesus, conduzindo com bondade e firmeza as pessoas para a glória eterna.

É dever de todos nós, caros católicos, contido no 4º mandamento, rezar pelos pastores da Igreja. Rezemos a Deus pelo Papa, pelos Bispos, pelos sacerdotes. Peçamos a Deus pelas vocações sacerdotais e para que Ele nos dê sacerdotes santos. Não há outra solução para a crise a não ser famílias santas, para que dessas famílias possam sair sacerdotes santos, para que possam converter as almas. Façamos, então, a nossa parte, sendo bons cristãos, pois Deus dá ao povo os pastores que o povo merece. Nosso Senhor é o Bom Pastor, que dá a vida pelas suas ovelhas. Se rezarmos, pedindo-Lhe que nos dê pastores segundo o seu Coração e nos esforçamos para viver em bons cristãos, Ele há de ouvir as nossas preces.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Escrito dos Santos] Santa Catarina de Sena dá recado aos maus padres…

 [Republicação] Texto publicado originalmente em 30 de abril de 2010.

Nota: em tempos de padres excomungados… ainda melhor circunstância para a republicação.

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Hoje, segundo o calendário litúrgico do Missal Romano de 1962, celebra-se a festa de Santa Catarina de Sena, essa que foi uma santa admirável do séc. XIV, uma brava religiosa que teve influência fundamental para a resolução do Grande Cisma do Ocidente. Fazendo uma leitura de uma de suas cartas, que segue abaixo, achei que valeria a pena lembrar com que coragem e fervor agia essa eloquente santa em suas cartas, não hesitando em condenar e dizer poucas e boas àqueles que agiam mal, especialmente os próprios sacerdotes. Quanto ela não diria hoje a esse clero que causa tanto escândalo e humilhação à Santa Madre Igreja e ao Papa Bento XVI?.

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Os males do egoísmo

(Carta 2, para o padre André Vitroni)

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“(…) Ao contrário, o cristão que usa a razão torna-se um anjo na terra. Sobretudo os sacerdotes, que Deus chama de “ungidos”, devem ser anjos, não homens! E realmente o são, quando não recusam a iluminação divina. O sacerdote desempenha o ofício dos anjos! (…) Assim, os sacerdotes na hierarquia dão-nos o corpo e o sangue de Cristo crucificado, Deus e homem pela união da natureza divina com a humana; em Jesus a alma estava unida ao corpo; a alma e o corpo estavam unidos à divindade, em natureza igual à de Deus Pai. Mas o sangue e o corpo de Jesus devem ser ministrados por pessoas retamente iluminadas por Deus na ardente chama da caridade, para suas almas não serem devoradas pelo lobo infernal. Sacerdotes assim alimentam-se de virtudes, que depois são dadas às almas para a vida na graça, como frutos de uma caridade perfeita e verdadeira.

Como dissemos antes, agem diversamente os que cultivam na alma a árvore do egoísmo. Toda sua vida é corrompida, uma vez que corrompida está a raiz principal, a afeição da alma. (…) Tratando-se de religiosos ou sacerdotes, suas vidas não imitam a vida dos anjos, nem a dos homens, mas a dos animais, que rolam na lama. Às vezes são piores que leigos! De que ruína e castigo são dignos! A linguagem humana é incapaz de os descrever. No dia do juízo, a alma experimentará! Tais pessoas desempenham o papel dos demônios, que procuram afastar as almas de Deus para levá-las consigo ao falso descanso. Também eles abandonaram a vida reta e santa, perderam a iluminação divina, vivem na maldade.

Vós (padre André, a quem S. Catarina escreve) e os demais sacerdotes sabeis disso e o vedes! Há padres e religiosos cruéis consigo mesmos, amigos do demônio e companheiros dele antes da hora. São cruéis também com os outros, pois não amam o próximo na caridade. Não protegem as almas; devoram-nas. Põem-se a si mesmos nas mãos do lobo infernal. Ó homem infeliz! Quantas coisas te pedirá o supremo juiz e tu não as poderás dar. Por isso cairás na morte eterna. Não percebes o castigo futuro, porque estás sem a iluminação divina, não tens consciência da missão que Deus te deu.

Alguém assim não leva vida de religioso, porque tudo nele está desordenado. Nem leva a vida de clérigo, fiel ao Ofício Divino, como é seu dever, cuidando dos pobres, zelando pela Igreja. Ao contrário, tais pessoas vivem como senhores, no luxo e nos prazeres, com muitos ornatos, muita comida, muito orgulho e empáfia. Parecem insaciáveis. Se possuem um benefício, querem dois; se possuem dois, querem três. Jamais se dão por satisfeitos. No lugar da Ofício Divino – oxalá não fosse verdade! – põem prostitutas, armas e espadas, como para se defenderem de Deus contra quem estão em guerra. Mas como lhes será difícil, quando o Senhor estender para eles a vara da justiça divina. Com seus bens, tais infelizes alimentam filhos e outros demônios encarnados, amigos seus.

[Sermão] O Bom Pastor

Sermão para o Segundo Domingo depois da Páscoa
14 de abril de 2013 – Padre Daniel Pinheiro

 

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…

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Estamos hoje no Domingo do Bom Pastor. É a festa Patronal do Instituto de que faço parte, Instituto Bom Pastor. Peço que rezem pelo Instituto e por seus membros, padres e seminaristas, em particular pelo vosso servo que está aqui diante de vós.

Peço que rezem também na intenção de nosso apostolado aqui em Brasília.

E como estamos no Domingo do Bom Pastor, gostaria de lembrar que as Missas dominicais são cantadas pelo apostolado em Brasília, o que significa que elas são rezadas antes de tudo pelo bem das ovelhas, pelo bem da alma dos senhores, pelo bem da alma dos que têm ligação com esse apostolado. E isso desde o primeiro domingo que celebrei aqui.

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Ego sum Pastor Bonus.

PC-Shepherd

Eu sou o Bom Pastor. O Bom Pastor dá a sua vida pelas suas ovelhas.

Nosso Senhor Jesus Cristo recebe nas Sagradas Escrituras vários títulos. Ele é chamado de Deus, Senhor, Senhor dos senhores, Salvador, Rei, Mestre… No Evangelho de hoje Nosso Senhor se designa como o Bom Pastor. A figura do pastor sempre foi tida como nobre entre os judeus. E muitos foram os pastores no Antigo Testamento que prefiguraram Nosso Senhor, o Bom Pastor. O primeiro dos pastores foi Abel, que oferecia um sacrifício agradável a Deus.  Abraão também foi pastor, assim como Jacó e seus filhos. Moisés, sendo pastor do rebanho de seu sogro, viu Deus no monte Sinai. Também David antes de ser rei havia sido pastor e foi com as armas de um pastor que ele derrotou o gigante Golias. Mas pastor significa não somente aqueles que tomam conta dos animais, dando-lhes de comer, guiando-os e defendendo-os, mas também aqueles que governam o povo, quer dizer, os sacerdotes e os reis. O Senhor havia dito ao Rei David: “És tu que apascentarás meu povo e serás o chefe de Israel.”  E  do pagão Ciro, libertador dos judeus, o Senhor disse: “É meu pastor, executará em tudo a minha vontade.” Finalmente, o próprio Deus se designa como Pastor de seu povo, quando diz, por exemplo: “E vós, minhas ovelhas, o rebanho que apascento, vós sois homens. E eu sou o Senhor seu Deus.”

Nosso Senhor Jesus Cristo se designa, então, o Bom Pastor. O texto grego, literalmente traduzido nos diz o seguinte: Eu sou o Pastor, o Bom. Isso significa que Jesus Cristo afirma ser o pastor por excelência, o único pastor, do qual alguns são uma figura – os pastores do Antigo Testamento – e os outros uma participação – os pastores da nova e eterna aliança. Ao se afirmar como o pastor por excelência, Nosso Senhor atribui a si mesmo as boas qualidades próprias dos pastores do Antigo Testamento que acabamos de citar, mas também o sacerdócio supremo e a realeza suprema. E ao afirmar ser o pastor por excelência, Ele afirma a sua divindade, porque somente Deus é o Pastor por excelência, supremo, único, que governa todas as coisas. E Ele é o Bom Pastor, que dá a sua vida pelas suas ovelhas.

Não somente nos guiou ensinando-nos uma doutrina celestial e dando-nos o exemplo. Não somente nos defendeu contra os falsos pastores e doutores, contra os mercenários. Não somente nos alimentou, dando-nos graça em abundância. Não. A bondade de Nosso Senhor Jesus Cristo foi tanta que ele entregou sua própria vida para nos salvar, e a entregou quando ainda éramos pecadores. Ninguém a tirou, mas foi Ele quem deu a sua vida pelas ovelhas. Nosso Senhor poderia ter resistido aos seus inimigos e vencido com um sopro de sua boca, como mostrou no Jardim das Oliveiras, momentos antes de sua prisão pelos fariseus: Ele fez que seus inimigos caíssem por terra pela força de sua palavra. O Bom Pastor, porém, dá a vida pelas suas ovelhas, para salvá-las. Evidentemente, o pastor que cuida de animais, deve alimentá-los, guiá-los, defendê-los dos predadores, mas não deve jamais dar a sua vida por esses animais, pois a vida de um homem é muito superior ao bem de alguns animais. Todavia, o pastor de homens, os bispos, os padres, os governantes, os chefes de família, seguindo o exemplo de Cristo, devem dar a sua vida física pelo bem espiritual de seus súditos, porque o bem espiritual deles está muito acima do bem físico que é a vida do pastor.

A ovelha é o animal que mais requer a proteção do homem, tanto por seu instinto fraco quanto por sua incapacidade de se defender dos muitos inimigos a que está exposta. Para compensar tais deficiências ela é, por outro lado, extremamente dócil às ordens dadas pelo pastor. Se vemos hoje uma quantidade enorme de ovelhas mortas, que se perderam no caminho, ou que abandonaram o único rebanho de Cristo, isso se deve à falta de bons pastores, que não se espelham em Nosso Senhor, Bom Pastor por excelência, mas que agem como mercenários e ladrões. As ovelhas, abandonadas sem um bom pastor, terminam seguindo os lobos, seguindo qualquer ideologia, qualquer partido, qualquer seita, qualquer aparição. Daí a importância do pastor ser um bom pastor, porque as ovelhas vão segui-lo para o bem ou para o mal. O Bom Pastor dá a vida por suas ovelhas. E se ele não tem a oportunidade de morrer de fato por suas ovelhas, ele deve dar a sua vida por elas consagrando-se inteiramente ao serviço delas, ao bem delas. Para tanto, o Bom Pastor deve guiar suas ovelhas, ir adiante delas, defendê-las e alimentá-las.

Ele deve guiar as ovelhas ensinando com fidelidade extrema a verdade revelada por Deus, a exemplo de Cristo, que nos falou unicamente daquilo que Ele ouviu do Pai. Os pastores devem, então, guardar e transmitir com fidelidade extrema o depósito da fé, confiado por Nosso Senhor à sua Igreja. Os pastores devem transmitir aquilo que receberam de Cristo, dos Apóstolos e dos sucessores dos Apóstolos, sem novidades e desvios, sem alterar um só jota. É o mercenário, buscando seu bem próprio e não o bem das ovelhas, que as guia por caminhos tortuosos, ensinando não aquilo que recebeu de Deus, mas suas próprias invenções, vãs filosofias e ideologias. O Bom Pastor renuncia a si mesmo, para ser porta-voz fiel do ensinamento de Cristo e da Igreja.

O bom pastor, além de guiar as ovelhas, vai adiante delas. Porque ele não é como os fariseus mercenários que dizem e não fazem, impondo aos outros uma carga pesada que eles mesmos não suportam. O bom pastor, ao contrário, coloca sobre si mesmo e sobre suas ovelhas o jugo leve e suave da lei de Cristo, e ele vai adiante delas, praticando aquilo que ensina, assim como Nosso Senhor começou a fazer antes de ensinar e como nos diz São Pedro na Epístola de hoje: Ele nos deixou o exemplo para que sigamos seus passos. O bom pastor nos guia não somente pelas palavras, mas mostra o caminho a ser seguido também pelo seu exemplo.

O bom pastor, além de guiar a ovelhas e ir adiante delas, as defende, vigiando dia e noite para afastar os animais ferozes e os predadores, a exemplo de Davi, que defendia as ovelhas do rebanho de seu pai: quando vinha um leão ou um urso roubar uma ovelha do rebanho, diz Davi, eu o perseguia e o matava, tirando-lhe a ovelha da boca. E se ele se levantava contra mim, agarrava-o pela goela e estrangulava-o. Assim devem os pastores agir face ao inimigo, face ao mundo que quer tirar as ovelhas do único rebanho de Cristo, que é a Igreja Católica. Assim devem os pastores agir face aos falsos profetas que ensinam uma doutrina alheia à doutrina de Cristo, face aos mercenários que procuram unicamente o próprio bem e não o bem das ovelhas. O mercenário, preocupado unicamente com seu lucro, vendo os predadores e os inimigos, foge, deixando as ovelhas à mercê do lobo que as arrebata e as desgarra, quer dizer, que as conduz para fora do rebanho de Cristo ou lhe tira a vida da graça. Face ào mundo, face às falsas doutrinas, face ao aparicionismo, o mercenário foge, sem combater, ou fica, mas para aderir ao mundo.

Finalmente, o bom pastor alimenta suas ovelhas pela transmissão da graça, que se faz antes de tudo pela administração dos sacramentos, em particular pela eucaristia. Para tanto, o bom pastor deve ser instrumento agradável a Deus e dócil. Guiando, indo adiante de suas ovelhas, defendendo-as e alimentando-as, o bom pastor entregará inteiramente sua vida por suas ovelhas, buscando unicamente o bem espiritual delas. As ovelhas reconhecerão nesse bom pastor a voz de Nosso Senhor Jesus Cristo, assim como João Batista reconheceu Cristo pela voz de Nossa Senhora e como Maria Madalena reconheceu Cristo ressuscitado pela sua voz. As ovelhas de Cristo reconhecem a voz dEle.

O bom pastor tem o dever, além de cuidar das ovelhas que já pertencem ao rebanho de Cristo, de buscar as ovelhas que ainda não pertencem a tal aprisco, a fim de que haja um só rebanho e um só pastor. Ele deve então buscar essas ovelhas desgarradas, sem medir esforços, convertendo-as ao único rebanho de Cristo, que é a Igreja, una pela unidade da fé, de governo e de culto.

A tantas obrigações dos pastores corresponde a docilidade dos fiéis para com o bom pastor, a exemplo da docilidade das ovelhas quando são apascentadas. Nosso Senhor diz: eu conheço as minhas ovelhas e as minhas ovelhas me conhecem. As boas ovelhas devem, então, reconhecendo a voz de Cristo na boca dos bons pastores, conhecer o Salvador cada vez mais perfeitamente, e conhecê-Lo de um conhecimento não somente teórico, mas também prático, conhecendo sua doutrina, seu espírito, suas virtudes, unindo-se a Ele, imitando-o e estando pronto para sofrer por Ele.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

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24 de fevereiro de 2013 – Padre Daniel Pinheiro

 

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…

“Que cada um de vós saiba possuir o seu corpo em santidade e honra.”

Nós, seres humanos, somos formados por corpo e alma. Estamos colocados entre os anjos, que são puro espírito e os seres puramente materiais. No homem, a alma e o corpo estão unidos, formando a própria essência dele. Evidentemente, essa união natural entre a alma e o corpo, querida por Deus, é algo bom. A alma precisa do corpo para realizar suas operações de maneira mais conveniente. A alma, para conhecer as coisas, precisa dos sentidos, da imaginação. São Tomás diz que nada está no nosso intelecto, a não ser que tenha passado antes pelos sentidos. Todo o nosso conhecimento vem pelos sentidos. O corpo é, portanto, um bem para a nossa alma, um bem para o ser humano. A alma separada age de modo menos perfeito do que quando se encontra unida ao corpo e, por isso, ela deseja a ressurreição do corpo, após a morte.

Todavia, é claro que a parte mais nobre do composto humano é a alma, parte espiritual, e que pode conhecer a verdade e amar o bem. É pela parte espiritual ou racional, quer dizer, pela inteligência e pela vontade, que nos distinguimos dos animais brutos. E no homem, como em todas as coisas, o inferior deve estar subordinado ao superior. Portanto, é a razão que deve dirigir as ações do nosso corpo, é a razão que, reconhecendo a nossa natureza e reconhecendo a natureza e a finalidade das nossas faculdades, deve ordenar todas as nossas ações. A ordenação dos nossos atos segundo a razão constitui a virtude. A virtude é, então, a ordenação dos nossos atos, de forma que eles sejam conformes à nossa natureza de animais racionais.

Entre esses atos que devem ser ordenados pela razão estão os atos exteriores: as palavras, os gestos e também o vestir. A razão nos mostra com relação ao vestir que ele tem uma finalidade básica e principal, que nos é dada pela própria Revelação. Essa finalidade é a decência.

Quando Deus criou Adão e Eva, os dois estavam em estado de graça e haviam recebido da bondade divina o dom da integridade. Isso significa que todas as suas paixões estavam plenamente subordinadas à razão. Não havia em Adão e Eva nenhuma desordem no campo da concupiscência e, por isso, não precisavam se vestir. A exposição do corpo entre eles, portanto, não era motivo para nenhum pensamento, desejo ou ato desordenado. Assim, a Sagrada Escritura diz que eles não se envergonhavam.

Deus fez, Ele mesmo, umas túnicas de pele e os vestiu.

Deus fez, Ele mesmo, umas túnicas de pele e os vestiu.

Todavia, nossos pais cometeram o pecado original, que foi um pecado de orgulho – que não teve nenhuma relação com o sexto mandamento, deixo claro. Ao cometerem o pecado original, a razão e a inteligência se revoltaram contra Deus e a faculdades inferiores e as paixões, que se encontravam plenamente submissas à razão, revoltaram-se contra ela. A Sagrada Escritura nos mostra claramente isso com relação ao corpo: os olhos de ambos se abriram e tendo conhecido que estavam nus, coseram folhas de figueira e fizeram para si cinturas. Todavia, essas poucas folhas de figueira não eram suficientes para evitar a desordem e Deus fez, Ele mesmo, umas túnicas de pele e os vestiu.

Então, caros católicos, o corpo é em si mesmo bom e é a obra material mais perfeita que saiu das mãos do criador. A Igreja Católica reconhece a excelência do corpo e é a maior defensora da honra e da dignidade do corpo, pois ela reconhece o devido lugar do corpo, subordinado à alma. A Igreja reconhece a excelência do corpo ao ponto de não favorecer a cremação do corpo. Quem odeia o corpo são aqueles que não reconhecem o seu devido lugar, subordinado à alma. Quem odeia o corpo são aqueles que o colocam acima da razão e submetem a razão às paixões e usam o corpo de forma indevida. Ao longo da história, vemos que os que mais permitem desordens com o corpo são os que o odeiam. Assim foi com os gnósticos e os cátaros, por exemplo. Essas heresias consideravam o corpo como intrinsecamente mau e, portanto, o entregavam a todo tipo de desordem, com a condição de que se impedisse a geração de uma nova vida, de um novo corpo.

Hoje, é exatamente o que vemos em nossa sociedade. Ela exalta tanto o corpo porque o odeia. Ela não reconhece o lugar do corpo. Ela permite tudo ao corpo e todas as desordens, desde que uma nova vida não seja gerada. As pessoas passam a vida inteira submetendo-se ao corpo para, no final, queimá-lo, cremando-o, com esse costume pagão que tem cada vez mais força entre nós. A Igreja respeita o corpo durante a vida da pessoa e reconhecendo a sua dignidade não vê com olhos favoráveis a cremação. Portanto, caros católicos, se alguém reconhece a bondade e a dignidade do corpo é a Igreja, que chega a proclamá-lo Templo do Espírito Santo, pois nossa alma, em que pode habitar o Espírito Santo, está unida ao corpo intimamente.

Depois do pecado original, apesar de nosso corpo ser em si bom, devemos nos vestir, devemos esconder algumas partes do nosso corpo, a fim de não provocar nos outros maus pensamentos, maus desejos, maus atos em virtude das paixões desordenadas. Depois do pecado original, o pudor e a modéstia são indispensáveis. O pudor consiste na vergonha salutar no que toca ao sexto mandamento e que leva as pessoas a cobrirem as partes de seu corpo que podem levar outras pessoas a caírem na impureza. Foi o que Deus fez com Adão e Eva, cobrindo-os com túnicas. A modéstia é a virtude que nos leva a ordenar nosso aparato exterior, em particular as vestes, a fim de que elas cumpram bem a finalidade delas: esconder certas partes do corpo. A primeira dessas finalidades é a decência.  Para que uma veste seja chamada decente, ela deve cobrir aquelas partes do corpo que induzem o homem de virtude média ao pecado. Essas partes que devem ser absolutamente cobertas são aquelas que se encontram entre os joelhos e os ombros, incluindo os dois. Portanto, a roupa deve cobrir o joelho em todas as posições, inclusive quando se está sentado com as pernas cruzadas. As roupas devem ter mangas também e não basta cobrir os ombros com o véu quando se vem comungar.

O Cardeal Vigário de Roma na época do Papa Pio XI diz que “um vestido não pode ser chamado de decente se é cortado mais que a largura de dois dedos sob a cova da garganta, se não cobre os braços pelo menos até os cotovelos, e se mal chega até um pouco abaixo dos joelhos. Além disso, os vestidos de materiais transparentes são impróprios…” A única coisa que se permite alterar aqui, e que é admitido por todos os sacerdotes de doutrina moral séria, são as mangas até os cotovelos, mas não se pode admitir a ausência completa de mangas.

E para que vestir-se de modo diferente do que diz o Cardeal Vigário? Para que mostrar o nosso corpo? Para que atrair os olhares dos outros sobre nosso corpo? Isso só é lícito entre marido e mulher, em vista da procriação. Para que se mostrar para os outros? O que se ganha a expor o corpo aos outros? Isso lhe fará ganhar o céu? Ao contrário. Para que ser ocasião de pecado para os outros? E não adianta dizer que, se o outro tem pensamentos ruins, a culpa é dele. Não. Nós somos responsáveis pela salvação das almas dos nossos irmãos. Ai daquele que é causa de escândalos, nos diz Nosso Senhor Jesus Cristo.

Tudo isso aqui se aplica sobremaneira à mulher, pois a mulher tem uma inclinação natural a buscar agradar o homem pelo seu aspecto físico e o homem tem uma inclinação natural a deixar-se levar por isso. Vemos isso claramente no livro do Gênesis, em que Eva é apresentada a Adão, que encontra nela agrado. Se essa inclinação permanece sóbria e moderada, dentro da modéstia, ela é algo bom. Se ela se torna excessiva pela indecência, pelo excesso de ornato ou pelo luxo no ornato, ela se torna ruim. Desse modo, a modéstia não é sinônimo de deselegância. A modéstia não se opõe à elegância. A elegância é perfeitamente bem-vinda, desde que seja modesta e sem excessos, sem atrair para si os olhares.

Alguns pretendem dizer que a moda indecente já é tão comum que ela não provoca mais as paixões desordenadas. Isso é falso. A partir de certo ponto, dizem os moralistas, as vestes indecentes sempre trarão prejuízo para o pudor, para a pureza. Esse limite é justamente os ombros e os joelhos, que devem estar sempre cobertos. E ainda que as modas indecentes não conduzissem ao pecado contra o sexto mandamento, o cristão não deve se contentar com os padrões de uma sociedade decadente, corrompida e neo-pagã. Os jesuítas não se contentaram com a ausência de vestes dos índios, embora os índios estivessem habituados a isso. Eles mudaram a maneira de vestir dos indígenas.

Em virtude da união que existe entre a alma e o corpo que falamos mais acima, as vestes têm duas funções importantes. Primeiramente, a veste é reflexo da alma da pessoa. Portanto, se vestir mal reflete uma desordem espiritual, interior. Por outro lado, nossas ações exteriores e, consequentemente, nossas vestes têm uma influência em nossa alma. Assim, por exemplo, rezar de joelho ou rezar de pé criam disposições distintas em nossa alma. Roupas indecentes geram na alma consequências prejudiciais com relação à pureza e levará a um jeito de se comportar indecente: a um jeito de andar, de sentar, de falar que não convém. Por outro lado, roupas modestas levam a alma a se resguardar melhor contra os pecados opostos ao sexto mandamento. As roupas decentes criam na alma uma disposição que leva a pessoa a andar, a sentar, a falar de um modo que convém para cristãos.

Na segunda-feira de Carnaval falamos aqui da luxúria e de suas consequências graves para a sociedade. Em particular, vimos que a luxúria conduz ao amor de si mesmo, ao ódio a Deus. Vimos que a luxúria conduz ao apego à vida presente e ao desespero das coisas do alto. Vimos que a luxúria mata não só a alma daquele que a comete, mas destrói também a sociedade, como falamos na ocasião. Como chegamos nessa sociedade em que tudo, praticamente, se move pela luxúria? Uma das principais causas é a falta de modéstia no vestir. A modéstia é a guardiã da castidade. Sem a modéstia não há castidade. Sem castidade, não há amor a Deus. Por mais que a intenção da pessoa não seja ser objeto do olhar das outras pessoas, ela será e será ocasião de pecado, se ela se veste indecentemente. Uma boa intenção não é suficiente para tornar uma ação ruim, boa. Assim, vestir-se imodestamente por que está calor, por exemplo, não se justifica.

Portanto, caros católicos, é preciso usar vestes modestas. Espero que todos tenham entendido e comecem agora a seguir plenamente esses ditames. Se não compreenderam, passem a seguir por obediência ao sacerdote. A obediência também é uma virtude excelente. E, para deixar claro, as regras de modéstia não se resumem à Igreja. Essas regras de modéstia devem ser observadas sempre e em todo lugar. Repitamos: As vestes devem cobrir tudo o que está entre os joelhos e os ombros, incluindo joelhos e ombros, e em qualquer posição (de pé, sentado, ajoelhado). As vestes devem, portanto, possuir mangas e devem ser sem decotes. 2) As vestes não devem ser transparentes nem em tom de pele e 3) não devem ser apertadas ou coladas ao corpo. Será necessário um grande esforço, um grande desapego. Mas ele é necessário. E Deus nos dá as graças para fazê-lo. E será grande a recompensa de quem praticar a virtude do pudor e da modéstia, tão esquecidas, mas tão essenciais para uma vida católica. Aproveitemos o tempo da quaresma. Ele é muito propício aos esforços. Deus saberá recompensar esse ato de caridade da pessoa para consigo mesma e para com o próximo.

A modéstia é também vestir-se em conformidade com o próprio estado, com as circunstâncias, com o grau de formalidade do lugar, da atividade e levando em conta a dignidade da pessoa com quem se está. Assim um sacerdote que aparece em público sem a batina ou o hábito clerical – contrariando, aliás, o Direito Canônico – comete uma falta contra a modéstia, pois não se veste conforme ao seu estado. Em geral, como católicos, devemos nos vestir conforme ao nosso estado de católicos. Portanto, como pessoas que levam a vida à sério, buscando agradar a Deus.

Evitem-se, então, as roupas desleixadas, com símbolos pagãos, com inscrições contrárias à religião, etc. Sobretudo na Igreja é indispensável observar a modéstia também nesse ponto. A roupa deve ser adequada àquilo que há de mais importante na face da Terra: a Casa de Deus, sobretudo quando nela se realiza o Santo Sacrifício da Missa.  A pessoa deve, então, vestir-se com dignidade para ir à Missa, evitando vestes demasiado informais. Particularmente, sejam abolidas as vestes que contenham desenhos (de animais, de pessoas etc) ou alguma mensagem escrita, mesmo para as crianças. Também não sejam usadas roupas com personagens de desenho, com frases escritas, camisetas de times de futebol, calças rasgadas, bermudas, moleton, etc. Nada disso condiz com a santidade e a dignidade do lugar. Não se deve, porém, cair no erro oposto. Dignidade com simplicidade e sem exageros.

É próprio da virtude da modéstia também que homens e mulheres se vistam de forma a diferenciar o sexo de cada um e de forma a exprimir o papel de cada um na sociedade. As vestes semelhantes de homens e mulheres causam muitos danos às próprias pessoas e à sociedade. Como disse, as vestes exprimem uma disposição da alma e terminam também influenciando o nosso comportamento. Se homens e mulheres se vestem igualmente, haverá um grande problema. E esse problema nós vivemos hoje. Os homens são cada vez mais efeminados. As mulheres cada vez mais masculinizadas. O homossexualismo se difunde. Portanto, é preciso haver diferença na maneira de vestir do homem e da mulher e que essa maneira seja clara e modesta. E isso  não só na Igreja, mas em todos os lugares.

As veste imodestas ofendem ao Sagrado Coração de Jesus e por isso dizemos no Ato de Desagravo ao Sagrado Coração: “queremos nós hoje desagravar-vos, particularmente da licença dos costumes e imodéstias do vestido, de tantos laços de corrupção armados à inocência […]. Nossa Senhora de Fátima também insiste na Modéstia, ao ponto de a letra da música de Nossa Senhora de Fátima nos lembrar disso. Diz a letra: “Vesti com modéstia, com muito pudor, olhai como veste a Mãe do Senhor!” Eis o nosso modelo para a modéstia no vestir: Nossa Senhora, para as mulheres, e São José, para os homens.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

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[Sermão] “A Parábola do Semeador” ou “Os deveres do sacerdote e dos fiéis”

Sermão para o Domingo da Sexagésima
03 de fevereiro de 2013 – Padre Daniel Pinheiro

 

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…

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“Saiu o semeador a semear a sua semente (…) e uma parte caiu em terra boa e, depois de nascer, deu fruto, a cem por um.”

No Domingo da Sexagésima temos a bem conhecida parábola do semeador e dos diferentes terrenos em que cai a semente. O semeador é, antes de tudo, Deus, e a semente é a sua Divina Palavra. Mas o semeador é também os sacerdotes, encarregados por Deu de ensinar todas as nações. Os diferentes terrenos são as almas diversamente dispostas a receber a pregação da Palavra Divina. No Domingo da Sexagésima, a Igreja continua a querer nos dispor para uma boa quaresma, para uma quaresma que dê frutos a cem por um. Para nos dispor todos a uma boa Quaresma, que possa realizar em nós uma profunda conversão, a Igreja lembra ao semeador o seu dever de pregar e lembra às almas o dever de serem uma terra boa.

[Os deveres do sacerdote]

O bom semeador deve, em primeiro lugar, pregar a Palavra de Deus e não a sua própria. É necessária fidelidade extrema ao que ensina a Igreja, ele deve transmitir aquilo que recebeu, sem corrupção, sem emenda. Um sacerdote que prega outra coisa que a doutrina de Cristo, prega ventania e colherá tempestade. É o que vemos hoje. Prega-se muita ventania e colhe-se tempestade e não uma primavera, como querem muitos. Diz o Livro dos Provérbios (XXX, 6) “não acrescentes nada às palavras de Deus para não serdes por isso repreendido e achado mentiroso”. O sacerdote deve ter verdadeira pureza de intenção: seu fim tem que ser dar testemunho da verdade, para que todos tenham vida. Não deve buscar fins menos honestos como o renome, os elogios, a glória desse mundo. O sacerdote, além disso, deve ter uma vida de oração profunda e deve pregar também com o exemplo. O exemplo é indispensável. Uma pregação que é contrariada por um mau exemplo será quase sempre vã. O sacerdote deve praticar penitências, a fim de que seus ouvintes se disponham bem.  O sacerdote, evidentemente, deve ter uma ciência adequada e uma caridade ardente, pois só pode acender aquele que arde, como dizia São Francisco de Sales. A eloquência do sacerdote é a sua caridade.

Ademais, o Sacerdote deve ter em mente que sua missão é ensinar e não agradar aos ouvintes. O pregador deve, então, perguntar-se com São Paulo: “é o favor dos homens que eu procuro ou o de Deus? Porventura é aos homens que eu pretendo agradar? Se agradasse aos homens, não seria servo de Cristo.” O Apóstolo diz também: “prega a Palavra, insiste a tempo e fora de tempo, repreende, suplica, admoesta com toda paciência e doutrina, porque virá tempo em que muitos não suportarão a sã doutrina, mas multiplicarão para si mestres conforme os seus desejos”. O semeador não deve temer as perseguições por ensinar a verdade divina, nem deve temer os sofrimentos e privações. São Paulo lhe dá o exemplo na Epístola de hoje: cárceres, açoites sem medida; muitas vezes viu a morte de perto; cinco vezes recebeu dos judeus os quarenta açoites menos um; três vezes foi flagelado com varas; uma vez apedrejado; três vezes naufragou, uma noite e um dia passou no abismo; viagens sem conta, exposto a perigos nos rios, perigos de salteadores, perigos da parte de seus concidadãos, perigos da parte dos pagãos, perigos na cidade, perigos no deserto, perigos no mar, perigos entre falsos irmãos! Trabalhos e fadigas, repetidas vigílias, com fome e sede, freqüentes jejuns, frio e nudez! Não é pouca coisa o que sofreu São Paulo para pregar o Evangelho.

Somente tendo isso em mente o pregador cumprirá devidamente o mandamento de Nosso Senhor Jesus Cristo: Ide e ensinai todos os povos. Pregai o Evangelho a toda a criatura. Se o pregador insiste a tempo e fora de tempo, repreende, suplica, admoesta com toda paciência e doutrina, muitas vezes de forma inconveniente, ele cumpre simplesmente seu dever. O pregador insiste e desagrada muitas vezes porque tem de salvar a sua alma, o que se faz unicamente pela pregação da verdade revelada.

O pregador deve lembrar-se de que não tem que prestar contas aos homens, mas a Deus. Os fiéis poderão, talvez, dizer que não ouviram a Palavra de Deus, mas o sacerdote não terá desculpa por não tê-la pregado. A Quaresma se aproxima e, nesse tempo, o sacerdote deve cumprir ainda melhor a missão que lhe foi dada pela Igreja: levar as almas ao amor a Deus e à detestação do pecado.

[Os deveres dos fiéis]

Se ao sacerdote cabe o grave dever de anunciar a Palavra de Deus e de anunciá-la continuamente, sem mescla de erro, mas com fortaleza, prudência e ciência, aos fiéis cabe ouvir essa Palavra. E não só ouvi-la, mas colocá-la em prática. Nosso Senhor o diz: “Bem-aventurados aqueles que ouvem a minha Palavra e a põem em prática” (Luc XI, 28). E o Salmista diz: “hoje, se ouvirdes a sua voz, não endureçais os vossos corações” (Sal XCIV, 8). E, finalmente, São João: “Quem é de Deus escuta as palavras de Deus” (Jo XIV, 24). Para ouvir a Palavra de Deus com fruto é preciso dispôr a alma pelo desejo de ouvi-la, pelo desejo de deixar o pecado, pela oração. Para ouvir a Palavra de Deus com fruto é preciso remover os obstáculos: é preciso sair do caminho aberto, é preciso remover as pedras e os espinhos. O caminho aberto é a alma que não se protege, não cerca o terreno. O caminho aberto é a alma em que qualquer coisa pode transitar. É a alma preguiçosa, que não reza e que não foge das ocasiões de pecado. Pode ser também a alma endurecida pelo pecado. O demônio a faz esquecer rapidamente a Palavra de Deus.  O pedregulho são as almas inconstantes. Recebem a doutrina com gosto e alegria, apreciam sua beleza e sua santidade, mas não tomaram a firme decisão de converter-se completamente e permanecem superficiais. Quando chegam as dificuldades, as tentações e as provações, voltam atrás. Os espinhos são as preocupações imoderadas da vida, os prazeres mundanos, o apego aos bens desse mundo. A alma cercada de espinhos recebe a Palavra de Deus, mas logo a esquece e a abandona, preocupada desordenadamente com as coisas desse mundo.

É preciso, caros católicos, ouvir a Palavra de Deus com docilidade e colocá-la em prática. Da fidelidade e da prontidão em recebê-la e em tomá-la por regra depende a nossa salvação. Como diz Nosso Senhor: “Em verdade, em verdade vos digo que quem ouve a minha Palavra… tem a vida eterna e não incorre no juízo, mas passou da morte para a vida” (Jo V, 24).

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

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Nota do Editor: os subtítulos foram acrescentados por nós e não pertencem ao texto original do padre.