Sermão para o Quarto Domingo do Advento
23 de dezembro de 2012 – Padre Daniel Pinheiro
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…
Todo homem verá a salvação de Deus. (Lc, III, 6)
A Salvação de Deus é Jesus Cristo. E a Salvação de Deus está próxima. Faltam dois dias para seu nascimento. Para compreender bem a salvação de Deus e toda a bondade da Santíssima Trindade, precisamos voltar ao começo da história, ao pecado original e ao motivo da encarnação.
Deus nos criou gratuitamente, sem nenhum benefício para si e sem que tivéssemos qualquer direito a existir. E Deus não só nos criou como elevou também gratuitamente a nossa natureza para que, sendo fiéis na terra, pudéssemos ir para o céu participar de sua própria vida, uma vida perfeita, vida de felicidade plena. Deus criou Adão e Eva – dos quais todos somos descendentes sem exceção – em estado de graça, em amizade com Ele. E todos nós deveríamos nascer nesse mesmo estado. Todavia, nossos primeiros pais cometeram o pecado original – que foi um pecado de orgulho – ao desejarem se tornar semelhantes a Deus por meio do fruto proibido. Com o pecado de Adão e Eva, perdemos não só a graça divina, como também os outros dons que Deus tinha dado a nossos primeiros pais e que se transmitiriam a nós: perdemos a imortalidade; perdemos a impassibilidade, que é a ausência de sofrimentos; e perdemos a integralidade, que é a submissão perfeita das paixões / dos sentimentos à razão e à vontade. Ao nos tirar isso, Deus não cometeu conosco nenhuma injustiça, pois Adão era o chefe e o representante de todo o gênero humano. Além disso, todos esses bens não eram devidos a nossa natureza, mas eram dados gratuitamente por Deus.
O pecado original foi, portanto, uma aversão a Deus e uma conversão à criatura. Nossos pais abandonaram a Deus e voltaram-se para si mesmos, buscando assemelhar-se a Deus sem a ajuda divina.
O pecado original foi, então, uma ofensa grave a Deus. E foi, na realidade, uma ofensa infinita, pois a ofensa se mede a partir da dignidade da pessoa ofendida. Quanto mais digna for a pessoa ofendida, maior será a ofensa. Uma ofensa contra um cidadão comum é menos grave do que a ofensa feita ao Presidente da República. A ofensa feita ao Presidente é menos grave do que a ofensa feita ao Papa. Ora, Deus tem uma dignidade infinita. A ofensa feita a ele pelo pecado original foi, então, uma ofensa infinita. Como reparar, porém, uma ofensa infinita? Como satisfazer por tal ofensa e recuperar a graça perdida? A satisfação consiste em dar ao ofendido algo que lhe seja mais agradável do que a ofensa lhe foi desagradável. O homem pode oferecer todo o seu ser, todas as suas faculdades, tudo… ainda assim sua satisfação será finita, limitada, incapaz de agradar mais a Deus do que o pecado o ofendeu, pois o pecado o ofendeu infinitamente. O homem sozinho não poderia satisfazer nem merecer a graça.
Deus poderia ter abandonado o pecador sem cometer uma injustiça… Mas Deus é infinitamente misericordioso e vendo o homem na miséria do pecado, quis redimi-lo, quis salvá-lo. Deus poderia simplesmente ter perdoado o pecado dos homens, contentando-se de suas satisfações limitadas. Deus poderia ter encarregado um anjo… Mas Deus decidiu encarnar-se, assumir um corpo humano para nos salvar. E fez isso livremente.
A Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, o Verbo, se fez carne e habitou entre nós. E porque Deus escolheu e preferiu essa solução, a solução da encarnação? Deus preferiu a encarnação por que é a maneira mais perfeita de nos salvar, conciliando a justiça com a caridade divina. O Verbo Divino quis se encarnar por causa da justiça, mas, sobretudo, para mostrar a caridade que tem pelos homens.
Deus quis nascer no estábulo de Belém por causa da justiça. Com efeito, só o Verbo Encarnado, Nosso Senhor Jesus Cristo, poderia satisfazer perfeitamente a justiça divina, pois Cristo é homem e Deus. Outros modos de salvar o homem sem a encarnação do Verbo não seriam contra a justiça, mas também não seriam perfeitamente justos. Em Cristo, as naturezas humana e divina estão unidas. As duas naturezas estão unidas, mas sem confusão. A duas naturezas permanecem distintas uma da outra, mas sem separação. União sem confusão. Distinção sem separação. Em Cristo, as duas naturezas, divina e humana, estão unidas na pessoa divina, na Segunda Pessoa da Santíssima Trindade. É um mistério, claro.
Por causa dessa união das naturezas humana e divina em Nosso Senhor, qualquer ação sua, por menor que seja, tem um valor infinito, pois as ações pertencem à pessoa e em Cristo a Pessoa é divina. Assim, se minha mão derruba esse púlpito, é minha pessoa que derruba o púlpito e não simplesmente minha mão. Quando Cristo age, é a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade que age. Portanto, Nosso Senhor, sendo Deus e homem, é capaz de satisfazer plenamente pelo pecado original e por todos os pecados do mundo inteiro. As suas ações, sendo Ele homem e Deus, são feitas com caridade infinita e são, consequentemente, infinitamente agradáveis a Deus. Uma só ação de Cristo satisfaz por todos os pecados do mundo inteiro, desde o pecado original até o final dos tempos. Assim, com a vinda de Cristo ao mundo, com sua encarnação e nascimento, paixão e morte, a justiça é perfeitamente observada.
Todavia, por excelente que seja a justiça divina, o Verbo quis vir ao mundo, sobretudo para mostrar aos homens a sua caridade. Deus quis se encarnar para mostrar aos homens o seu amor infinito para com eles. Ora, uma das maneiras de se medir o amor que se tem por alguma coisa, é o quanto nós estamos dispostos a sofrer para conseguir essa coisa, ou para guardá-la. Os sofrimentos de Nosso Senhor Jesus Cristo em seu nascimento, durante sua vida escondida, durante sua vida pública, sua paixão e morte nos mostram, portanto, o quanto Ele nos quer bem e o quanto Ele age para o nosso bem, quer dizer, para a nossa salvação.
Se Cristo quis vir ao mundo como uma criança, incapaz de falar, incapaz de alimentar-se sozinho, esquecido do mundo, rejeitado pelos seus, foi por amor dos homens. Se Cristo quis vir ao mundo em um estábulo, sobre uma manjedoura, no frio da noite, e ser coberto com alguns poucos panos, foi por amor dos homens. Se Cristo quis depender de sua mãe, Maria Santíssima, e de São José foi para mostrar seu amor por nós. Desde o primeiro instante de seu nascimento o Menino Jesus sofre por nós, para nos mostrar o seu amor infinito por nós, que visa somente uma coisa: a nossa salvação.
E que quer o Menino Deus, caros católicos, mostrando o amor infinito de Deus por nós, ao vir mundo e ao sofrer desde o momento de sua encarnação e nascimento?
Ele quer uma só coisa: ele quer que o amemos em troca. Ele mesmo o diz: “Eu vim trazer o fogo (do amor divino) à terra e que quero eu, senão que ele acenda?” (Lc XII, 49) Que quer o Menino Jesus no estábulo, senão que o amemos? É esse, portanto, o objetivo da encarnação e de tantos sofrimentos suportados por Nosso Senhor: mostrar o amor divino por nós para que o amemos em troca.
O Salvador falou qual é esse amor que espera de nós: “aquele que retém os meus mandamentos e os guarda, é esse que me ama” (Jo XIV, 21). Portanto, devemos considerar o amor de Deus por nós e amá-lo em troca, retendo seus mandamentos, quer dizer, conhecendo-os e guardando-os, quer dizer, praticando-os. Portanto, não se trata de um amor sentimental, mas de um amor que se encontra na vontade. Amar a Deus é querer bem a Deus e fazer o bem a Deus, o que se realiza pela generosa prática de seus mandamentos.
Olhemos, então, para a nossa Salvação, que está no presépio em Belém. Para vê-lo, no entanto, é preciso seguir a voz que clama no deserto, a voz do precursor, São João Batista. Na Antiguidade, quando um grande rei era recebido, era preciso preparar os caminhos pelos quais ia passar, retificando-os, endireitando-os, nivelando o terreno, preenchendo os buracos e aplanando as elevações. O Tempo do Advento e esses dois dias que nos restam servem para preparar a nossa alma para receber o Rei dos Reis. Todo vale será terraplanado, i.e., devemos deixar de lado nossa vida espiritualmente estéril e rebaixada, para preenchê-la com a graça de Deus e elevá-la com a prática das virtudes. Todo monte e colina será arrasado, quer dizer, precisamos combater o nosso orgulho, reconhecendo que somos pouca coisa e que todo o bem que temos e fazemos vem de Deus, e devemos arrasar montes e colinas porque Deus resiste aos soberbos, mas dá sua graça aos humildes como diz a Sagrada Escritura (Tiago, IV, 6). Os caminhos tortuosos serão endireitados, i.e., devemos ordenar tudo a Deus, submetendo nossas paixões à razão, e submetendo a razão e à vontade a Deus. Os caminhos escabrosos serão nivelados, quer dizer, as dificuldades da vida vividas em união aos sofrimentos de Cristo tornar-se-ão bem mais suaves. Tendo preparado os caminhos para o Reis dos reis, podemos olhar para a nossa salvação que está no presépio em Belém.
No Menino Deus colocado na manjedoura está, junto com a paixão e morte na Cruz, a maior prova de caridade divina para conosco, pobres pecadores. Essa criança que está na manjedoura – verdadeiro Deus e verdadeiro homem – nasceu para nós e nos foi dada para a nossa salvação. O principal motivo de sua vinda ao mundo e de todos os seus sofrimentos é esse: suscitar em nós o amor a Deus para que possamos nos salvar. Que os céus derramem – do alto – o orvalho e que as nuvens chovam o Justo. Abra-se a terra e brote o Salvador. Se os céus e todas as criaturas narram a glória de Deus e nos mostram as suas perfeições, o nascimento do Salvador nos mostra limpidamente o amor infinito de Deus por nós. O Verbo se fez carne para nos salvar … E nós? Continuaremos com um coração de pedra, incapaz de nos converter diante da caridade infinita de Deus mostrada no nascimento do Salvador? Prostremo-nos diante do presépio e peçamos ao Menino Jesus a graça de amá-lo e de perseverar nesse amor até o final de nossas vidas. Um pequenino nos nasceu, o Filho de Deus nos foi dado.
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.