[Sermão] A circuncisão de Nosso Senhor

Sermão para a Oitava de Natal / Circuncisão de Nosso Senhor Jesus Cristo
1º de janeiro de 2013 – Padre Daniel Pinheiro

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…

“Depois que se completaram os oito dias para ser circuncidado o Menino, foi-lhe dado o nome de Jesus.”

Hoje é o dia da Oitava do Natal e da circuncisão do Menino Jesus, no rito tradicional. A aliança divina feita com Abraão mandava que seus descendentes homens fossem circuncidados. A lei de Moisés ordenava que ela fosse feita no oitavo dia. Como vimos no domingo passado, Nosso Senhor Jesus Cristo se submeteu inteiramente à lei mosaica para o nosso bem. Dessa forma, no oitavo dia de seu nascimento, o Menino Deus foi circuncidado e recebeu o nome de Jesus. A festa do Santíssimo nome de Jesus será celebrada amanhã.

Hoje, cumpre entender o que era a circuncisão e qual é a circuncisão da nova e eterna aliança instituída por Deus Nosso Senhor.

Fra Angelico, 1451/1452

Fra Angelico, 1451/1452

A circuncisão foi dada por Deus a Abraão como sinal de fé na promessa que havia sido feita ao Santo Patriarca, promessa que de sua descendência viria o Messias, o Salvador. Era, portanto, um ato de fé na promessa divina, além de ser um símbolo da consagração a Deus e do reconhecimento de sua soberania, e também um sinal de reconhecimento do pecado e da satisfação que é devida pelo pecado. A circuncisão, significando a fé na promessa divina, significando a consagração a Deus e o reconhecimento do pecado, era a ocasião para que Deus purificasse a alma das crianças judaicas de sexo masculino do pecado original. Como sabemos, todos os que vêm ao mundo – com exceção de Nosso Senhor e Nossa Senhora, claro – possuem o pecado original, que nada mais é que a ausência da graça, o afastamento de Deus.  Uma criança até os seus sete anos não pode livrar-se do pecado original a não ser por um rito instituído por Deus, pois é incapaz de um ato voluntário pelo qual poderia arrepender-se de seus pecados e unir-se a Deus. Uma criança não pode salvar-se por um batismo de desejo. Assim, é necessário um rito que manifesta a fé no Messias e pelo qual Deus purifica a alma da criança para que essa possa se salvar, caso venha a morrer antes da idade da razão, antes dos sete anos. Antes da circuncisão, na época da lei natural, havia um rito instituído por Deus para apagar o pecado original e que não sabemos mais em que consistia. Com a promessa feita a Abraão, esse rito de purificação do pecado original passou a ser a circuncisão para as crianças judias de sexo masculino. Para as crianças judias de sexo feminino e para as crianças pagãs, persistia o rito instituído na época da lei natural, anterior a Abraão. A prática da circuncisão era, portanto, o único modo de salvar os meninos judeus, caso viessem a morrer antes da idade da razão. E, por isso, Deus ordenou que fossem circuncidados no oitavo dia e não mais tarde.

Nós vemos, então, claramente, que a circuncisão era uma prefiguração do batismo. O Batismo é, evidentemente, muito mais perfeito que a circuncisão, sendo um rito muito mais espiritual e profundo. O Batismo, ao contrário da circuncisão, não é só uma ocasião na qual Deus confere a graça. O Batismo é causa da graça, pois nele Deus usa a água e as palavras para transmitir a graça.  Após a morte de Nosso Senhor Jesus Cristo, o único meio pelo qual uma criança sem o uso da razão pode se salvar é pelo batismo (excetuando o martírio, como foi o caso dos santos inocentes). Não há outro meio. Por isso Nosso Senhor disse aos seus apóstolos “ide e ensinai todas as gentes, batizando-as em nome do Pai e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.” Daí a importância de batizar as crianças rapidamente, a fim de lhes assegurar o céu, em caso de morte prematura. Uma criança que não tem o uso da razão e que falecesse iria para o limbo, onde elas estão isentas de sofrimento e gozam de uma felicidade natural, que é incomparavelmente inferior à felicidade no céu, que é uma felicidade sobrenatural. É, assim, de suma importância batizar as crianças o quanto antes. Os moralistas dizem que adiar o batizado por mais de um mês é falta grave dos pais, colocando em risco a salvação da criança. Portanto, caros pais, não batizar a criança dentro de um mês após seu nascimento é pecado mortal. E que não se diga que a saúde da criança durante esse período é frágil. Ora, Deus mandou que fosse feita a circuncisão, que é muito mais perigosa para a saúde do bebê, no oitavo dia, em um tempo em que a medicina era precária, e nós adiaríamos o batismo por mais de um mês por motivos de saúde? Chegando próximo o momento do nascimento, os pais devem já tomar todas as providências para que o batismo seja feito, no máximo, dentro de um mês, cumprindo os trâmites necessários, realizando os cursos necessários, etc., escolhendo os padrinhos por suas qualidades espirituais e não por mero parentesco ou motivo social. Os padrinhos serão necessários não para dar presentes, mas para auxiliar os pais e talvez para supri-los na educação religiosa da criança.

A necessidade do batismo é tanta que Nosso Senhor Jesus Cristo quis que a matéria do batismo fosse a água, que é muito fácil de ser encontrada em praticamente qualquer lugar, diferentemente do pão e do vinho – necessários para a eucaristia – ou do óleo – necessário para a crisma e extrema-unção. O Batismo é tão necessário que, em caso de urgência, qualquer um pode batizar. É preciso que todo católico saiba como se faz o batismo, a fim de realizá-lo em caso de urgência: basta derramar água na testa da pessoa dizendo “Eu te batizo em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo.” Se a cabeça não estiver acessível, por uma razão ou outra, a água pode ser derramada em outro membro do corpo, dizendo as palavras acima mencionadas.

Pe. Edgardo Mortara com a mãe judia; ele fora educado pelo Papa Pio IX por ter sido batizado

Pe. Edgardo Mortara com a mãe judia; ele foi educado pelo Papa Pio IX após ter sido batizado criança e sobrevivido ao perigo de morte.

O Batismo é tão necessário que em perigo de morte de uma criança, ela deve ser batizada ainda que seus pais não sejam cristãos. Houve um caso famoso na época de Pio IX em que uma babá batizou um menino judeu em perigo de morte. O menino sobreviveu e Pio IX passou a cuidar de sua educação cristã, para a revolta dos liberais da época. Ao menino foi dada a liberdade de voltar a viver com os pais durante a adolescência. Dada a incompatibilidade com a fé, ele deixou os pais e tornou-se sacerdote, adotando o nome de Pio na vida religiosa.

O Batismo não é um mero rito de introdução na sociedade ou na Igreja, não se trata de mero evento social de apresentação da criança. O Batismo é um sacramento instituído por Cristo, para que a pessoa receba a sua graça, para que tenha o pecado original apagado. Pelo Batismo, se imprime na alma uma marca que nunca mais poderá ser apagada, o caráter batismal, que nos incorpora a Cristo e que nos torna aptos a receber os outros sacramentos e aptos a participar da liturgia, em particular da Santa Missa. Eis a importância capital do batismo, sem o qual as criancinhas não podem se salvar. Resta claro que a circuncisão enquanto rito religioso está abolida e praticá-la com sentido religioso seria negar a vinda de Cristo e a instituição do Batismo, que é falta grave contra a fé.

No dia de sua circuncisão Nosso Senhor nos ensina, então, a importância de receber logo o batismo. É também nesse dia que Cristo, ainda criança, oferece as primeiras gotas de sangue para a nossa redenção, manifestando, mais uma vez, sua caridade ardente para conosco. Cristo mostra também a sua humildade. Ele não precisava ser circuncidado, pois não tinha qualquer pecado e já estava inteiramente consagrado a Deus. Se o fez foi porque tomou sobre si todos os nossos pecados e sofreu por eles, a fim de nos obter a misericórdia divina. Além dos motivos gerais que mencionamos no domingo passado para observar a lei (mostrar que a lei de Moisés era boa, impedir as calúnias dos judeus, nos livrar do jugo pesado da lei mosaica, consumá-la e dar exemplo de obediência), Cristo quis hoje mostrar que ele possuía um corpo verdadeiramente humano, capaz de sofrer até o sangue e quis mostrar, cumprindo as profecias, que descendia de Abraão, se submetendo ao rito imposto por Deus ao patriarca e seus descendentes. Submetendo-se à circuncisão, Cristo nos lembra de que devemos todos ser espiritualmente circuncisos. Já no Antigo Testamento estava dito. “O senhor circuncide o teu coração, para que ames a Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, a fim de que possas viver” (Deut. XXX). Assim como não bastava aos judeus serem circuncidados na carne, devendo ser também na alma, devemos ser batizados e cumprir as promessas feitas em nosso batismo. Promessas de servir a Deus e de renunciar ao demônio e suas pompas, que são os pecados.

Santo Ano de 2013 a todos. É muito comum ouvirmos nesses dias de começo de ano o desejo de muita saúde e paz. É o que desejo a todos. Desejo saúde, antes de tudo a da alma, e também a do corpo, se for conveniente para a alma. E desejo a paz, mas a paz de Cristo, que não é como a do mundo. A paz de Cristo é feita de combate para defender as nossas almas, a fé e a Igreja dos ataques dos inimigos. Santo Ano de 2013.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito santo. Amém.

[Sermão] A apresentação ao Templo e a lei mosaica

Sermão para o Domigo da Oitava de Natal
30 de dezembro de 2012 – Padre Daniel Pinheiro

 

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…

Nós estamos, caros católicos, na oitava do Natal. Isso significa que a alegria e as graças próprias do Natal se prolongam durante oito dias, ou uma semana, do dia 25 ao dia 1º de janeiro. As oitavas na Igreja Católica encontram sua origem no Antigo Testamento: a festa dos tabernáculos durava oito dias, havendo no oitavo uma grande solenidade; a festa de consagração do templo, na época de Salomão, também foi feita no oitavo dia. No Rito Tradicional, ainda restam três oitavas, a oitava de Natal – na qual estamos -, a oitava de Páscoa e a de Pentecostes. As três principais festas litúrgicas se prolongam, assim, durante oito dias, a fim de que durante os oito dias a Igreja possa comunicar de modo mais pleno as graças e os ensinamentos relativos a esses mistérios, que não podem ser esgotados em um único dia.

O Evangelho de hoje nos narra a apresentação de Nosso Senhor ao Templo. Segundo a lei mosaica, os primogênitos dos homens e dos animais deveriam ser consagrados ao Senhor. Os primogênitos dos homens deveriam ser resgatados em troca de um cordeiro ou, se a família fosse pobre, por um par de rolas ou dois pombinhos. A Santa Família, claro, fez a oferenda dos pobres, embora tivessem recebido pouco antes os presentes caros dos Reis Magos. Podemos supor que, movidos pela caridade, já haviam dado o valor de tais presentes aos que eram mais pobres que eles. Tal exigência da parte de Deus – de consagrar os primogênitos – decorria da liberação do povo Judeu da escravidão do Egito. Nessa ocasião, dado que o Faraó, com o coração endurecido, não deixava os judeus partirem, Deus fez que a morte atingisse todos os primogênitos do Egito, homens e animais, poupando os primogênitos dos judeus. Poupou-os, mas pediu que lhe fossem consagrados e resgatados por animais. Dessa forma, ao consagrarem os primogênitos, os judeus reconheciam que Deus é o soberano Senhor de todas as coisas, mesmo da vida dos homens. Cristo, sendo o primogênito de Nossa Senhora, deveria ser consagrado a Deus. Bom, vale notar que dizer que Cristo foi o primogênito não significa que ela teve outros filhos. Nunca é demais lembrar: Cristo não tinha irmãos em sentido estrito. Na Sagrada escritura, também os primos e parentes próximos são chamados de irmãos. Primogênito é um termo jurídico da lei mosaica, empregado mesmo quando é o único filho. Nosso Senhor, no Evangelho de hoje, é apresentado ao templo, segundo a lei de Moisés.

Nosso Senhor se submete, então, à lei mosaica. Ora, Jesus Cristo, sendo homem e Deus desde o primeiro instante de sua concepção, já estava plenamente consagrado a Deus pela união com a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade desde o momento da encarnação. Ele não precisava ser consagrado a Deus por meio da lei mosaica. Todavia, Cristo quis praticar e observar esse e todos os outros pontos da lei mosaica. Ele quis fazê-lo não porque estivesse submetido à essa lei – pois era Deus -, mas por quatro motivos.

Primeiro, para mostrar que a lei mosaica era boa. A lei mosaica levava à salvação, se fosse praticada em virtude da fé no Messias vindouro e por amor a Deus. A lei mosaica era imperfeita, mas boa.

Segundo, Ele quis praticar a lei mosaica para consumá-la, mostrando que a lei estava ordenada a Ele, mostrando que a lei era uma preparação para a sua vinda, e para mostrar que ela deveria cessar com a sua vinda. Claro, a parte da lei que deve cessar diz respeito às práticas rituais e cerimoniais, dado que os dez mandamentos permanecem plenamente válidos mesmo depois da vinda de Cristo.

Em terceiro lugar, Nosso Senhor Jesus Cristo quis observar a lei para que os judeus não tivessem uma desculpa para caluniá-lo, acusando-o de pecado por não praticar a lei.

Em quarto lugar, Ele quis submeter-se à lei mosaica, justamente, para nos liberar dela, e nos dar uma lei muito mais perfeita que é a lei da graça.

Portanto, após a vinda de Cristo, os ritos e as cerimônias mosaicas devem cessar, sob pena de falta grave, pois continuar a praticá-las significa negar que o Messias já veio e que nos deu uma lei muito mais perfeita. Antes da vinda de Cristo e durante a sua vida na Terra, a lei mosaica estava viva e vivificava as almas dando a graça. Depois da morte de Cristo até o ano 70, aproximadamente, a lei já estava morta, pois Cristo já havia instituído a nova aliança em seu sangue na Cruz, mas ela ainda não era mortífera. Isto significa que entre a morte de Cristo e a destruição do templo no ano 70, a lei mosaica estava morta, mas sua prática não era, ainda, um pecado, e por isso os Apóstolos continuaram a frequentar o Templo até essa data. A lei estava morta, mas sua prática não matava a alma. Após a destruição de Jerusalém e do Templo no ano 70, a lei mosaica torna-se morta e mortífera, quer dizer, praticá-la é um pecado grave, pois significa dizer que o Messias ainda não veio ou que não instituiu uma nova aliança, o que vai contra a fé.

Claro que, ao obedecer às cerimônias e ritos da lei de Moisés sem estar minimamente obrigado a isso, Nosso Senhor Jesus Cristo nos ensina uma obediência perfeita ao mandamentos, às leis da Igreja e aos superiores quando os superiores nos dão ordens legítimas. Vale destacar que mesmo o repouso do sábado nunca foi violado pela Salvador quando Ele realizava milagres, apesar das acusações dos fariseus. O repouso sabático não proibia as obras divinas e os milagres são, evidentemente, uma obra divina. No sétimo dia, Deus cessou a criação, mas não parou de agir na conservação e no governo do mundo. Portanto, o milagre, sendo obra divina, era perfeitamente possível e lícito no sábado. Segundo, não eram proibidas as obras necessárias para a saúde do corpo no repouso sabático. A lei permitia até que se libertasse um jumento que tivesse caído no poço e não permitiria a cura de uma pessoa doente? Além disso, os milagres realizados por Cristo tinham por objetivo não só o bem do corpo, mas também o da alma. Finalmente, o repouso sabático não proibia os atos de culto. Quando Nosso Senhor pede para que o paralítico carregue seu leito no dia de sábado, por exemplo, Ele ordena ao homem que faça um ato de culto a Deus, pois o ex-paralítico ao carregar seu leito proclama o milagre, a misericórdia e a onipotência divinas, o que é um ato de culto a Deus. Portanto, Nosso Senhor está longe de ser o primeiro revolucionário como querem alguns. Quem adulterava o sábado, querendo proibir o que era permitido, eram os fariseus. E nisso consiste a revolução: em adulterar as leis divina e natural ajustando-as aos nossos próprios gostos. Os revolucionários eram, portanto, os fariseus. Nosso Senhor é para nós, no Evangelho de hoje, exemplo de perfeita obediência e submissão à vontade de Deus. E mais uma vez Ele mostra toda a sua caridade por nós ao se submeter à lei para o nosso bem, para que possamos ter uma lei muito mais perfeita.

Gostaria de fazer também um breve comentário a respeito da Epístola e do que hoje muitos chamam de fé adulta. Hoje se ouve com frequência dizer que devemos ter uma fé adulta e, no mais das vezes, isso significa que não devemos aceitar tudo o que a Igreja sempre ensinou. Uma fé adulta significa, então, recusar o que não nos agrada ou recusar aquilo que não estamos dispostos a acreditar, embora a Igreja o tenha ensinado sempre. Assim, muitos políticos, por exemplo, se dizem católicos de fé adulta, e, como tal, são favoráveis ao aborto, ao divórcio, ao casamento homossexual. Essa fé chamada de adulta é exatamente o que São Paulo chama de meninice e de escravidão aos rudimentos do mundo na Epístola de hoje. Portanto, a fé adulta, entendida como essa liberdade diante do que a Igreja sempre ensinou, é na verdade uma escravidão aos rudimentos do mundo, uma escravidão que impede de ver a Verdade e de amá-la.

Se queremos que Deus mande aos nossos corações o Espírito do seu Filho, para fazer de nós seus filhos adotivos, devemos ter uma obediência perfeita à vontade de Deus, aos mandamentos e às leis da Igreja. Devemos também ter uma fé que aceita tudo aquilo que está contido no depósito da revelação confiado à Igreja Católica Apostólica Romana.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.