[Sermão] A fé e as obras

IMPORTANTE: Ver abaixo a programação para os próximos sábado e domingo

 

Sermão para o V Domingo depois da Páscoa
25 de maio de 2014 – Padre Daniel Pinheiro

ÁUDIO: Sermão para 5º Domingo depois da Páscoa 25.05.2014

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave Maria…

“Irmãos, sede realizadores da palavra e não vos contenteis apenas de a ouvir, iludindo-vos a vós mesmos.”

Essa frase da Epístola de São Thiago nos traz um ponto essencial de nossa religião católica. Não basta ouvir a Palavra de Deus, que nos foi dada por Cristo. É preciso realizar o que Cristo nos ensinou. A mesma doutrina está contida na coleta, em que pedimos a Deus não só o bem de pensar no que é reto, mas pedimos igualmente o bem de poder realizar o que é reto. Em outras palavras, caros católicos, não basta ter a fé, que nos vem pelos ouvidos, não basta acreditar. Continuar lendo

[Sermão] O que faz na terra o Espírito Santo?

Sermão para o IV Domingo depois da Páscoa
18 de maio de 2014 – Padre Daniel Pinheiro

 

ÁUDIO: Sermão para o 4º Domingo depois da Páscoa 18.05.2014

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave Maria…

“Quando vier, porém, o Espírito de verdade, ele vos ensinará toda a verdade.”

Caros católicos, a liturgia da Santa Igreja começa já a nos preparar para a Ascensão de Nosso Senhor. E, juntamente com a Ascensão de Nosso Senhor, ela nos prepara também para a Festa de Pentecostes. Quando Cristo diz que deve voltar ao Pai, que o enviou, a alma dos discípulos fica repleta de tristeza. Ele promete, então, enviar o Espírito Santo, o Consolador, e diz o que o Espírito Santo fará. E não está dito que o Espírito Santo virá primeiramente para dar os dons carismáticos. Não, a essência da vinda do Espírito Santo, não é o dom de línguas, nem o dom de cura ou outro dom extraordinário. O Espírito Santo tem sua vinda partilhada em três aspectos: quanto ao mundo, quanto a nós e quanto a Nosso Senhor Jesus Cristo.

Quanto ao mundo, o Espírito Santo vem convencê-lo do pecado, da justiça e do juízo. O Espírito Santo vem reprovar ao mundo todos os seus pecados, sobretudo o da incredulidade, da falta de fé naquilo que NS ensinou. O Espírito Santo condena a incredulidade pela sua ação na história, em particular pela história da Igreja. Vendo como a Igreja se desenvolveu, desde os apóstolos até hoje, guardando intactos os ensinamentos de Cristo, apesar de todas as perseguições violentas e de todas as heresias, podemos constatar a verdade dos ensinamentos de NSJC. Tantos motivos para crer em Nosso Senhor e na sua Igreja, mas os homens preferem crer irracionalmente em mestres criados por eles mesmos, ou preferem acreditar na própria vontade. O Espírito Santo reprova ao mundo também os outros pecados, toda classe de pecados, servindo-se, para tanto, da pregação dos apóstolos e dos sucessores deles, servindo-se da fortaleza heroica dos mártires, da ciência dos doutores da Igreja, do exemplo dos santos. Muitas vezes, o Espírito Santo reprova ao mundo o pecado, servindo-se de castigos, como, por exemplo, a destruição de Jerusalém pelo imperador Tito no ano 70, ou pela tomada de Constantinopla pelos maometanos em 1453, ou ainda pela infiltração de algum erro entre os católicos.

Quanto ao mundo também, o Espírito Santo vem convencê-lo da justiça. Nosso Senhor foi basicamente acusado de duas coisas: de ser um pecador, e de ter blasfemado ao declarar-se Deus, afirmando ser verdadeiramente Filho de Deus. O Espírito Santo vem para estabelecer a santidade de Nosso Senhor Jesus Cristo e a sua divindade. E isso já desde Pentecostes, em que São Pedro, pela sua pregação, restabelece a justiça e a verdade quanto a Nosso Senhor Jesus Cristo. E são esses os dois pilares da pregação da Igreja: a santidade de Cristo e a sua divindade. O Espírito Santo mostra, pelos santos, como aquele que se assemelha e imita Nosso Senhor se torna verdadeiramente bom. O Espírito Santo mostra ao longo da história, como uma sociedade que se baseia em Nosso Senhor Jesus Cristo e nos preceitos de sua Igreja floresce em todos os aspectos, mas sobretudo na virtude, onde se encontra o bem do homem. Ele mostra como uma sociedade que não se baseia em Cristo tende ao caos. Portanto, o Espírito Santo reprova ao mundo sua injustiça e mostra a esse mesmo mundo a santidade e a divindade de Nosso Senhor. Nosso Senhor está hoje no lugar que lhe é devido em justiça: a direita do Pai.

Ainda quanto ao mundo, o Espírito Santo o convencerá do juízo, isto é, da condenação do príncipe do mundo, o demônio. Pela morte na cruz e pela ressurreição de NS, o demônio foi derrotado. Qualquer alma, unindo-se a Cristo pela fé e caridade, pode derrotar o demônio e o pecado. O Espírito Santo vem para nos mostrar que a vitória está com Cristo e com seus seguidores, para mostrar que Cristo venceu o mundo. Ele vem para mostrar que o demônio e o pecado já estão condenados.

Quanto aos homens, o Espírito Santo vem para ensinar toda a verdade, para consolar e para fortalecer. Ele vem para ensinar toda a verdade. Toda a verdade foi revelada pelo Espírito Santo aos Apóstolos. A Revelação termina com o último apóstolo, que foi São João Evangelista. A Igreja não foi instituída para inventar ou ensinar novidades, mas para defender, guardar, explicitar e propagar as verdades Reveladas por Cristo e pelo Espírito Santo aos apóstolos. O Espírito Santo, com sua assistência, assegura a fidelidade da Igreja à verdade revelada, garantindo assim que o ensinamento de Cristo chegue até o final dos tempos. Foi o Espírito Santo que deu a coragem e o zelo missionário aos apóstolos em Pentecostes, para que eles propagassem a boa-nova do Evangelho até os confins da terra. O Espírito Santo nos ensina a verdade iluminando as nossas inteligências, para que possamos conhecer e aderir às verdades reveladas por Cristo e por Ele.

Também quanto aos homens, o Espírito Santo vem para consolá-los. Ele vem sustentar os justos nas provações da vida cristã, para ajudá-los nas desgraças. Ele vem para nos fazer ver Jesus e a alegria no meio das cruzes. Ele vem para nos encorajar no bom caminho, neste vale de lágrimas em que vivemos. O Espírito Santo vem para nos unir em tudo a Nosso Senhor Jesus Cristo. E Ele vem consolar não só os pecadores, mas também os justos, ferindo-os com o remorso, estimulando-os ao arrependimento, fazendo-os ver que o perdão dos pecados e a conversão da vida é perfeitamente possível.

Ainda quanto aos homens, o Espírito Santo vem fortalecê-los, para que possam resistir a todas as adversidades desse mundo que já podemos chamar, com toda exatidão, de completamente pagão. Os ataques do demônio e dos outros espíritos malignos que vagueiam pelo mundo para perder as almas são inúmeros. Nesse combate, contra esse ambiente anticatólico em que as pessoas vivem totalmente esquecidas de Deus e entregues por completo às coisas da terra, é necessária essa fortaleza dada pelo Espírito Santo. Precisamos dessa fortaleza para resistir às falsas máximas do mundo : “Deus é bom e compreensivo, não vai nos condenar por nos divertirmos um pouco; comer bem, vestir-se segundo a moda, divertir-se muito, é isso que se deve procurar; o principal é a saúde e uma vida longa” e assim por diante. Precisamos do Espírito Santo para resistir às zombarias e perseguições do mundo contra a vida de piedade, contra os vestidos honestos e decentes, contra a delicadeza de consciência na profissão e em todas as ações. Precisamos dessa fortaleza dada pelo Espírito Santo para resistir às zombarias contra as leis santas do matrimônio, leis que o mundo julga antiquadas ou impossíveis de serem praticadas, leis que o mundo subverte completamente. É preciso dessa fortaleza para resistir aos escândalos e maus exemplos praticamente onipresentes, bastando sair às ruas para vê-los, ou abrir um jornal, ou mesmo escutar uma conversa por acaso… Precisamos dessa fortaleza para resistir às diversões cada vez mais abundantes e refinadas e imorais: teatros, músicas, filmes, danças, praias, piscinas, jornais, revistas, modas indecentes, conversas torpes, piadas provocadoras, frases de duplo sentido. O mundo parece nos indicar que para se divertir é preciso pecar. Tal força dada pelo Espírito Santo nos vem primeiramente e principalmente do sacramento da crisma.

Finalmente, com relação a Nosso Senhor Jesus Cristo, o Espírito Santo vem para glorificá-lo. Jesus, com sua vinda à terra, glorificou Deus Pai, com sua obediência, com sua doutrina com seus milagres. Deus Filho glorificou o Pai, dando testemunho do Pai. Deus Espírito Santo vem para que Deus Filho seja glorificado, isto é, para que Nosso Senhor seja conhecido, amado e servido. O Espírito Santo assistindo a Igreja, propagou por toda a terra a verdade sobre Deus e sobre seu amor por nós.

Que grande graça é para nós a vinda do Espírito Santo, afastando-nos do pecado, da injustiça, do juízo de condenação e levando-nos a Jesus Cristo ao nos ensinar a verdade, ao nos consolar e nos fortalecer.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Sermão] Qual é a paz de Cristo?

Sermão para o Domingo da Oitava de Páscoa
28 de abril de 2014 – Padre Daniel Pinheiro

 

ÁUDIO: Sermão para o Domingo in Albis

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave Maria…

“Veio Jesus, estando as portas fechadas, e pôs-se no meio e disse: a paz seja convosco.”

Caros católicos, três vezes no Evangelho de hoje Nosso Senhor deseja a paz aos discípulos. É bem sabido que os judeus se saudavam desejando a paz uns aos outro. Todavia, o desejo de paz de Jesus não se reduz aqui a uma mera saudação de formalidade. As palavras de Jesus são um desejo de verdadeira paz, verdadeira paz que só é possível porque Ele ressuscitou dos mortos ao terceiro dia após a sua morte. Nosso Senhor é o Príncipe da paz.

Entre as profecias do Antigo Testamento sobre o Salvador, um dos nomes dados pelo profeta Isaías a Nosso Senhor é justamente o de Príncipe da Paz. E o profeta continua dizendo: “seu império será grande e a paz sem fim sobre o trono de Davi e em seu reino.” (Isaías IX,7). Zacarias, pai de São João Batista, diz no canto do Benedictus que Nosso Senhor “há de iluminar os que jazem nas trevas e na sombra da morte e que Ele há de dirigir os nossos passos no caminho da paz.” (Luacs I, 79) Assim que Nosso Senhor nasce, os anjos entoam as palavras: Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade. (Lucas II, 14). E São Paulo diz que Cristo veio para anunciar a paz aos que estavam longe, e a paz também àqueles que estavam perto, ou seja, aos pagãos e aos judeus. O mesmo apóstolo diz que Cristo é a nossa paz. (Efésios II, 14 e 17). Ainda São Paulo nos diz que Cristo restabeleceu a paz a tudo quanto existe na terra e nos céus ao preço do próprio sangue na cruz. (Colossenses I, 20). E durante a sua vida pública Nosso Senhor também nos fala da paz muitas vezes. Ele envia os apóstolos dizendo que ao entrar em uma casa devem desejar a ela paz (Mateus X, 12). À mulher curada do fluxo de sangue, Nosso Senhor diz: “Filha, a tua fé te salvou. Vai em paz e sê curada do teu mal.” (Marcos V, 34). Ao contemplar Jerusalém e a sua incredulidade, Cristo lamenta: “Oh! Se também tu, ao menos neste dia que te é dado, conhecesses o que te pode trazer a paz!” (Lucas XIX, 42). Aos díscipulos, na última ceia, o Salvador diz: “falo-vos essas coisas para que tenhais a paz em mim.” (João XVI, 33) E temos ainda os três desejos de paz que o Santo Evangelho de hoje menciona. Não há dúvida, caros católicos: Nosso Senhor é o Príncipe da Paz.

Todavia, Jesus Cristo diz também: “Não julgueis que vim trazer a paz à terra. Vim trazer não a paz, mas a espada.” (Mateus X, 34) Ou ainda, conforme São Lucas: Julgais que vim trazer paz à terra? Não, mas a separação.” Haveria, então, contradição nas palavras de Nosso Senhor? Ele veio trazer a paz ou a espada e a separação? É claro que não pode haver contradição nas palavras de Nosso Senhor, sendo Ele a própria Verdade, sendo Ele Deus. O próprio Cristo nos explica, quando na última ceia diz aos discípulos: “deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz. Não vô-la dou como o mundo a dá.” (João XIV, 27) Portanto, caros católicos, Nosso Senhor veio trazer a paz ao mundo, mas essa paz não é a paz como o mundo a entende. Qual é, então, a paz de Cristo?

A paz que nos trouxe Cristo é, antes de tudo, a paz com Deus. Com sua paixão e morte de cruz, pela nossa redenção, operada com seu sangue, Nosso Senhor nos traz a reconciliação com Deus, com a Santíssima Trindade. Com o seu sacrifício na Cruz, Cristo restabelece entre Deus e os homens a paz. Deus é aplacado pela caridade infinita de Nosso Senhor Jesus Cristo. A justiça divina é satisfeita pelos sofrimentos de Cristo suportados com tamanha caridade. O Homem-Deus estabelece a paz. Ele estabelece a paz para aqueles que desejam viver em união com Ele, pela fé, acreditando e aderindo incondicionalmente aos seus ensinamentos. Ele estabelece a paz para aqueles que desejam viver em união com Ele, pela caridade, praticando os seus mandamentos. Ele estabelece a paz para aqueles que desejam viver em união com Ele, pela fidelidade à Igreja e à sua doutrina perene. Ele estabelece a paz para aqueles que desejam viver em união com Ele, pela frequência aos sacramentos da confissão e da eucaristia. Ele estabelece a paz para aqueles que desejam se arrepender de seus pecados e que desejam se voltar para Deus. Tudo isso nos ordena a Deus. E a estabilidade, a tranquilidade nessa ordenação a Deus é justamente a paz. A verdadeira paz está fundada em Cristo. Nosso Senhor não veio trazer a paz no mundo, nem a paz do mundo. Ele veio trazer a paz entre Deus e os homens. Ele insiste, sobretudo, depois da sua ressurreição, mostrando que a plenitude dessa paz será alcançada com a vida eterna.

Além da paz entre Deus e os homens, a paz de Cristo é também uma paz do homem consigo mesmo. Aquele que adere aos ensinamentos de Cristo e pratica seus mandamentos, estabelece a devida ordem em sua vida. Essa ordem estável é a paz. Aquele que vive em estado de graça ordena e submete a inteligência e a vontade a Deus. Aquele que vive em estado de graça ordena os sentimentos, as emoções, as paixões, à inteligência e à vontade. Aquele que vive em estado de graça ordena os bens materiais para o bem da sua alma. Cristo, pelos seus méritos, nos dá a graça de ter uma vida ordenada, ordenada a Deus: bens materiais ordenados à alma, sentimentos ordenados à inteligência e à vontade, inteligência e vontade ordenadas a Deus.

Além da paz entre Deus e os homens, além da paz do homem consigo mesmo, Nosso Senhor traz também a paz entre os homens. Essa paz, no entanto, só será verdadeira quando for fundada na fé e na caridade, isto é, na adesão aos ensinamentos de Cristo e na prática da sua lei. Nunca se falou tanto em paz e nunca se viu tanta desordem. Isso ocorre porque se busca uma paz sem o Príncipe da Paz, que é Cristo. A verdadeira paz entre os homens existe quando eles cooperam mutuamente para ordenar a sociedade, para ordenar uns aos outros a Cristo. Muitos acham que a paz de Cristo é simplesmente unir as pessoas, um viver junto, evitando problemas, aceitando tudo o que o outro faz, mesmo os pecados. Muitos acham que a paz de Cristo é achar que todas as religiões são boas. Muitos acham que a paz de Cristo é evitar todo conflito. Muitos acham que a paz de Cristo é a união a qualquer custo. Essa é a paz do mundo, uma falsa paz. Não é a paz de Cristo. A paz de Cristo, baseada na fé e nos mandamentos, termina gerando, como Ele mesmo disse, a separação, porque nem todos desejam a verdadeira paz, mas se contentam com uma paz aparente e superficial. A paz de Cristo, nesse mundo que se opõe a Ele, é também uma espada de combate. A paz não é a mera ausência de conflitos, não é o políticamente correto, não é o simples bom mocismo. A paz não é a indiferença diante dos acontecimentos de nossa vida. Muita gente associa a paz hoje a um estado em que a alma já não deseja nada ou em que a alma não se preocupa com nada, procurando evitar assim todo sofrimento. Essa paz é própria de religiões esotéricas ou orientais. É uma paz pagã, ilusória, uma paz contrária à natureza humana e que causa enormes sofrimentos. É uma paz que destrói a nossa alma, alma que é feita justamente para amar o bem e sofrer pelo bem aqui nesse mundo. A paz do catolicismo é amar a Deus, o Bem, a Verdade e sofrer por Deus, pelo Bem, pela Verdade. A paz de Cristo é uma paz heróica. A paz é a tranquilidade, a estabilidade na ordem, na ordem a Deus. Portanto, a verdadeira paz entre os homens, na medida em que ela pode existir entre os homens, só pode ser uma paz fundada na fé e na caridade. A paz entre os povos e nações só será verdadeiramente uma paz quando povos e nações se subemterem a Cristo, Príncipe da Paz.

Para alcançar, então, a paz nesses três níveis, com Deus, consigo mesmo, com o próximo, é necessário combater. Conforme o antigo ditado latino: si vis pacem, para bellum, se queres a paz, prepara a guerra. Para alcançar a paz da graça será preciso separar-se do demônio, do pecado, do mundo. Para alcançar a paz será preciso separar-se das nossas paixões desordenadas. Para alcançar a paz será preciso, com frequência, desagradar às pessoas, pois é preciso agradar a Deus antes que aos homens. Cristo ressussistado passou antes pela cruz. Nesse mundo, a paz vai acompanhada da Cruz, do combate, da separação. A paz de Cristo é a vida da graça, a vida de união com a Santíssima Trindade.

Na Santa Missa, o padre saúda inúmeras vezes os fiéis com a saudação Dominus Vobiscum, o Senhor esteja convosco. O Bispo, nas Missas festivas, ao se dirigir aos fiéis pela primeira vez diz Pax vobis, a paz esteja convosco. As duas saudações, Dominus Vobiscum e Pax Vobis, têm o mesmo significado: que os fiéis estejam na graça de Deus, que ordenem as suas vidas a Deus. E os fiéis desejam a mesma coisa para o sacerdote: et cum spiritu tuo, e com o teu espírito, isto é, que a tua alma também esteja na graça do Senhor. Contemplemos Nosso Senhor Jesus Cristo ressuscitado e aceitemos a paz que ele nos dá. Paz que começa nesse mundo acompanhada da cruz e que será plena no céu.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Sermão] A importância das rubricas na liturgia

Missal Rubricas

Sermão para o 21º Domingo depois de Pentecostes

13.10.2013 – Padre Daniel Pinheiro

ÁUDIO: Sermão para o 21º Domingo depois de Pentecostes Importância das Rubricas 13.10.2013

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

Ave Maria…

“Todas as coisas dependem, Senhor, da vossa vontade e nada há que possa lhe resistir.” (Intróito)

Já tratamos, caros católicos, de alguns aspectos da Missa no Rito Romano Tradicional. Já tratamos do latim na liturgia, já tratamos da orientação do Padre, voltado para Deus e não para o povo, já tratamos do silêncio. E vimos a importância fundamental de todas essas coisas. Consideraremos, hoje, os benefícios, para nós e para a Igreja, que advêm das rubricas precisas e bem determinadas do Rito Romano Tradicional.

Antes de tudo, precisamos compreender o que são as rubricas. Nos livros litúrgicos nós encontramos textos em duas cores. Existem textos em preto e textos em vermelho. Os textos em preto são aquelas coisas que o sacerdote deve falar – em voz alta ou baixa, mas que deve falar. Os textos em vermelho descrevem e explicam o que o Padre deve fazer. As coisas em vermelho são as regras litúrgicas. Da cor vermelha vem o nome de rubrica, que vem de rubro, vermelho. No Rito Tradicional, as rubricas são bem precisas, bem determinadas. São raríssimas as opções no Rito Romano Tradicional. Portanto, a Igreja, assistida pelo Espírito Santo e, sobretudo, por meio de Papas santos – como São Leão Magno, São Gregório Magno, São Pio V – estabeleceu, ao longo dos séculos e baseada no que recebeu de NS e dos apóstolos, com precisão como deveria ser o Rito da Missa. Os senhores, frequentando a Missa Tradicional há um certo tempo, já perceberam que variações são praticamente inexistentes.

É comum ouvirmos críticas com relação à liturgia tradicional afirmando que se trata de uma liturgia engessada, sem espontaneidade, sempre a mesma coisa… Essa determinação precisa dos ritos e cerimônias, caros católicos, é, ao contrário, fundamental e é um grande bem. Primeiramente, as rubricas precisas formadas ao longo dos séculos pelo Espírito Santo, como falamos, deixam claro que é Deus que determina como ele deve ser cultuado. Não somos nós que decidimos como Deus deve ser cultuado, não somos nós que decidimos em um escritório como deve ser o rito da Missa ou que decidimos pelo improviso como Deus deve ser cultuado. Se nós consideramos a Sagrada Escritura, no livro do Levítico nós vemos as inúmeras e precisas regras estabelecidas por Deus de como ele deveria ser cultuado. Ora, se Deus fez isso com os sacrifícios e ritos que eram mera prefiguração do sacrifício perfeito de Nosso Senhor Jesus Cristo, convinha muitíssimo que Ele estabelecesse regras precisas de como deve ser cultuado na nova e eterna aliança. Deus, infinitamente sábio, conhece a fraqueza humana e sabe que, deixando o culto ao arbítrio do homem, grandes abominações serão feitas. Portanto, as rubricas bem determinadas nos dizem que é Deus que estabelece como Ele deve ser cultuado, é Ele que determina o que o agrada. Não somos nós que determinamos como Deus deve ser cultuado.

Em seguida, as rubricas precisas, como consequência óbvia do que acabamos de dizer, deixam claro que a liturgia é teocêntrica, o centro é Deus e não nós, os homens. As rubricas bem determinadas manifestam que a liturgia é algo voltado para Deus e não para o homem. Se pudéssemos determinar como Deus deve ser cultuado, no fundo seríamos nós o centro da liturgia, pois escolheríamos o modo de cultuar Deus que mais nos agrada. A liturgia se tornaria algo para nos agradar e não para agradar a Deus. Assim, as rubricas bem precisas nos mostram que é Deus que determina como Ele deve ser cultuado e nos mostra que o centro da liturgia é Deus, que a finalidade da liturgia é agradar a Deus e não a nós mesmos. Se queremos chegar ao céu, devemos agradar a Deus e não a nós mesmos. O rito bem determinado, com rubricas precisas, nos dá essa grande lição. Achar que estamos agradando a Deus, quando agradamos a nós mesmos, é um dos grandes erros dos nossos tempos.

As rubricas bem determinadas tiram, então, a liturgia do nosso controle e domínio. Não somos nós que determinamos como deve ser a liturgia, mas Deus. O fato de não termos controle e domínio sobre a liturgia nos mostra que ela está acima de nós, que é algo sagrado. Aquilo sobre o que eu tenho controle e domínio é inferior a mim. Ao contrário, aquilo que é determinado independentemente da minha vontade por Deus, é superior a mim, é sagrado. As rubricas bem determinadas nos inspiram, portanto, grande respeito e veneração pela liturgia, porque nos fazem compreender que a liturgia é algo sagrado. E diante do sagrado, do mistério, nossa inteligência não se cansa, apesar da repetição. Ao contrário, a repetição que surge das rubricas bem determinadas e da falta de opções nos permite compreender cada vez mais profundamente o mistério e nos unir melhor a NSJC. Se a cada Missa houver uma novidade, nossa atenção vai se voltar para essa novidade e não para o essencial do que está ocorrendo e nossa compreensão do mistério permanecerá sempre superficial. Procuraremos a novidade que agrada aos sentidos e não a profundidade que nos une a Deus. Ao mesmo tempo, essa repetição dos ritos permite ao sacerdote se concentrar cada vez mais no mistério que ele realiza e, portanto, permite ao sacerdote rezar a Missa cada vez com maior devoção, gerando mais frutos para as almas. A repetição é um grande bem na liturgia.

As rubricas precisas trazem consigo outros grandes benefícios espirituais. O primeiro benefício espiritual é uma grande paz. Uma grande paz para o sacerdote e uma grande paz para os fiéis. Só estamos verdadeiramente em paz, quando sabemos que estamos fazendo a vontade de Deus. A paz não é um sentimento, mas é a consequência de sabermos que estamos fazendo a vontade de Deus, que estamos fazendo aquilo que agrada ao Senhor, ainda que em meio aos maiores tormentos e combates. Ora, com o rito bem determinado pela Igreja ao longo dos séculos, sem as inúmeras opções, estamos certos de estarmos fazendo a vontade de Deus, de estarmos agradando a Deus, cultuando-o conforme Ele quer. Isso deve nos trazer uma grande paz. Com as rubricas precisas, estamos seguros de que fazemos a vontade de Deus. Isso traz uma grande paz para o Padre, em particular, porque ele não tem que se preocupar com o que ele vai escolher para agradar mais aos fiéis, ou para adaptar melhor a liturgia. O Padre não tem que se preocupar em escolher o rito penitencial 1, 2 ou 3. O Padre não tem que se preocupar em escolher tal ou tal prefácio. O Padre não tem que se preocupar em escolher tal ou tal Oração Eucarística. Não, tudo já está determinado, ele pode ficar absolutamente tranquilo de estar agradando a Deus e fazendo o bem para os fiéis. Isso dá na verdade uma grande liberdade ao Padre, pois não fica preso ao seu gosto, ao gosto dos fiéis, ao gosto da pastoral disso ou daquilo. Despreocupado de escolher entre as diversas opções, o Padre pode esquecer a si mesmo, para agir como outro Cristo realmente, e isso traz grandes benefícios para ele e para os fiéis.

As rubricas bem determinadas são também uma mortificação, uma negação de si mesmo, pois nos impedem de controlar a liturgia e nos ensinam a conformidade com a vontade de Deus. Quando controlamos algo tiramos disso uma satisfação. Controlar a liturgia ou determiná-la conforme a nossa preferência nos daria uma satisfação desordenada, pois estaríamos submetendo um bem espiritual aos nossos sentimentos. As rubricas bem determinadas impedem que um grupo imponha a sua espiritualidade ou falta de espiritualidade aos outros fiéis. As rubricas impedem as Missas carismáticas, as Missas das crianças, a Missa disso e daquilo. As rubricas deixam claro também que a liturgia não deve ser basear na personalidade do sacerdote. Hoje é muito comum ouvirmos: gosto da Missa do Padre tal, gosto da Missa daquele outro Padre. Isso é um sinal de que os Padres fazem a Missa corresponder à vontade deles. Tem algo gravemente errado nisso. A Missa é da Igreja e não do Padre tal ou tal.

Colocando Deus no centro, fazendo-nos cumprir a vontade de Deus, fazendo com que neguemos a nós mesmos, as rubricas precisas favorecem também a virtude da obediência. Ora, se na Missa, na liturgia, que é o que há de mais importante, eu posso fazer as coisas conforme a minha vontade, porque terei que obedecer em outras coisas menos importantes? As rubricas são indispensáveis para que haja a virtude da obediência, a prontidão em se obedecer às legítimas ordens dos superiores.

São inúmeros, caros católicos, os benefícios trazidos pelas rubricas precisas do Rito Romano Tradicional. Digo do Rito Romano Tradicional porque, infelizmente, a liturgia reformada em 1969 possui rubricas, sim, mas são tantas as opções permitidas pelas rubricas, que, no fim das contas, o princípio por trás das novas rubricas é praticamente faça como quiser. Pode-se escolher entre tantos ritos iniciais, posso escolher entre tantos ritos penitenciais, posso escolher entre tantas orações universais, posso escolher entre tantas orações eucarísticas… No fundo, é praticamente como se fosse dito, faça como quiser. E a psicologia humana funciona dessa forma. Acostumados a fazermos sempre as nossas vontades nas coisas lícitas, passaremos facilmente a fazer as coisas ilícitas. É regra de ouro na vida espiritual mortificar-se mesmo nas coisas lícitas para evitar mais facilmente as ilícitas. Quem faz sempre a própria vontade nas coisas lícitas, passará facilmente às ilícitas. Assim, das inúmeras opções permitidas pelas rubricas se passou rapidamente aos abusos, pois as inúmeras opções favorecem a nossa vontade própria e dão a impressão de que a liturgia é obra nossa e não de Deus, colocando-nos no centro. Além disso, tantas opções tiram a paz do sacerdote e dos fiéis, tiram o foco do sacrifício que se oferece no altar para nos focar nas opções, nas novidades. Daí, dessa grande liberdade nas rubricas, entre outras razões, o caos litúrgico que vivemos hoje, com tantos e tantos abusos, muitos deles graves.

O Livro dos Reis nos relata um exemplo interessante de abuso litúrgico. Heli era o sumo sacerdote naqueles tempos e ele tinha dois filhos que a Sagrada Escritura chama de filhos de Belial, dada a impiedade deles nos sacrifícios. Esses filhos de Heli pegavam indevidamente para si parte dos sacrifícios que os israelitas ofereciam, pegavam para si indevidamente a carnes dos animais oferecidos. Ou seja, colocavam-se no centro, no lugar de Deus. Grandes foram as consequências desses abusos dos filhos de Heli. A primeira dessas consequências que o povo se afastou dos sacrifícios, a segunda foi a morte dos filhos de Heli e a terceira foi a derrota de Israel para os filisteus e a conquista da Arca da Aliança pelos filisteus. E tão graves consequências por abusos nos sacrifícios que eram tão somente prefigurações do sacrifício imaculado de Cristo. Os abusos litúrgicos na Missa têm consequências semelhantes, caros católicos: eles afastam o povo devoto do sacrifício (até porque ninguém é obrigado a assistir a uma Missa em que ocorrem abusos litúrgicos sérios), fazendo que o povo perca o respeito pelo sacrifício, pelo que há de mais sagrado. Em seguida, os abusos litúrgicos prejudicam gravemente o povo, matando muitas almas espiritualmente, a começar pela alma do próprio sacerdote que o comete conscientemente. Finalmente, os abusos litúrgicos abrem largamente o flanco para que os inimigos da Igreja alcancem vitórias sobre ela e a humilhem. A negligência no que há de mais sagrado tem consequências gravíssimas e prejudica a salvação das almas. Tendo isso em vista, a Igreja sempre considerou que o sacerdote que não cumpre voluntariamente uma rubrica comete um pecado. Um pecado venial, se é uma rubrica sem maior importância, ou um pecado mortal, se é uma rubrica importante.

As rubricas bem precisas e bem determinadas da liturgia tradicional são um grande bem e um grande auxílio para a nossa vida espiritual e para a Santa Igreja. Elas são como as muralhas de um castelo, defendendo o tesouro da liturgia, do nosso maior tesouro.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Sermão] A Cruz: altar, cátedra e trono de Cristo

Sermão para a Festa da Exaltação da Santa Cruz

14.09.2013 – Padre Daniel Pinheiro

ÁUDIO: Sermão para a Festa da Exaltação da Santa Cruz 14.09.2013

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

Ave Maria…

Hoje festejamos a Exaltação da Santa Cruz e também a entrada em vigor do Motu Proprio Summorum Pontificum (07/07/2007), de Bento XVI, documento que dá maior liberdade para a Liturgia Tradicional. Devemos manifestar nossa gratidão ao Papa por esse documento, pois convém reconhecer quando o bem é feito, ainda quando esse bem realizado é uma questão de justiça. Em todo caso, o documento vai na boa direção. Nele, o Papa afirma, com um argumento de fundo teológico, que a liturgia Tradicional não foi jamais ab-rogada: “Aquilo que para as gerações anteriores era sagrado, permanece sagrado e grande também para nós, e não pode ser de improviso totalmente proibido ou mesmo prejudicial. Faz-nos bem a todos conservar as riquezas que foram crescendo na fé e na oração da Igreja, dando-lhes o justo lugar.” No documento de aplicação do Motu Proprio, a Instrução Universae Ecclesiae, temos o objetivo primeiro dessa liberdade reconhecida para a Missa Tradicional: “oferecer a todos os fiéis a Liturgia Romana segundo o Usus Antiquior, considerada como um tesouro precioso a ser conservado.” Portanto, o objetivo é que a Liturgia Tradicional, tesouro precioso, seja oferecida a todos os fiéis. E não é sem razão que a entrada em vigor desse documento coincide com a Exaltação da Santa Cruz, já que pela Missa Tradicional o sacrifício do calvário se renova de maneira sublime, aplicando abundantemente as graças obtidas por Cristo na Cruz. Tal aplicação sublime exalta a Cruz de Cristo.

“Nós, porém, devemos nos gloriar na Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo.”

A Festa de hoje nos lembra do fato histórico ocorrido em 628, ano em que o Imperador Heráclio conseguiu tomar de volta a Cruz de Cristo, que havia sido levada de Jerusalém pelos Persas, que a profanaram enormemente. Tendo recuperado a Santa Cruz, Heráclio quis entrar em Jerusalém carregando ele mesmo o Santo Lenho em ação de graças pela vitória. Todavia, vestido com todas as insígnias imperiais, não pôde entrar em Jerusalém, detido por uma força invisível. O Patriarca de Jerusalém assinalou ao Imperador que não convinha carregar com tanto aparato a Cruz que Nosso Senhor carregou com tanta humildade. Despojado de todo o aparato imperial, Heráclio conseguiu entrar em Jerusalém carregando a Cruz.

A Festa de hoje é a exaltação do instrumento de nossa salvação, que é a Cruz. A Festa de hoje nos recorda que é pela morte de NS, pela morte de Cruz de NS, que nós somos salvos. É pela Cruz que nos vem a vida e a ressurreição. A única coisa que importa nesse mundo é a Cruz, é a nossa salvação, caros católicos.

A cruz era antigamente um sinal de opróbrio, de maldição, de horror. Maldito o homem que pende da cruz, dizia a Sagrada Escritura. A Cruz era o suplício reservado aos maiores criminosos e aos escravos. Depois, porém, que NS morreu sobre ela, tornou-se sinal de glória, de bênção, de amor. Essa mudança se fez porque Cristo, morrendo sobre ela, a consagrou. Ele fez da Cruz o altar em que se imola, a cátedra de onde nos instrui, e o trono de onde reina sobre o mundo.

Ele fez dela seu altar. Depois do pecado original, o homem já não podia encontrar a salvação. Como reparar pelo pecado, que ofendeu infinitamente a majestade divina? Seria impossível. O homem poderia oferecer todos os sacrifícios, até a própria vida, e não conseguiria obter perdão, não conseguiria satisfazer pelo seu pecado. Para satisfazer plenamente por nossos pecados, o Verbo se Encarnou. Mas não se contentou somente em vir ao mundo, o que já era suficiente. Sendo Cristo homem e Deus, suas ações têm um valor infinito. A menor das ações de Cristo já seria suficiente para satisfazer por todos os pecados do mundo inteiro. Mas o Filho de Deus veio ao mundo para morrer na Cruz. Para morrer na Cruz, a fim de satisfazer pelos nossos pecados e para mostrar o tamanho de seu amor por nós. Ele amou os homens até a morte e morte de Cruz. É na Cruz que Cristo se imola e que oferece seu sacrifício para a nossa redenção. É do altar da Cruz que nos vem todo o bem: o perdão de nossos pecados e todas as graças, que nos são aplicadas pela Santa Missa, renovação do sacrifício da Cruz.

A Cruz é também a cátedra de onde NS nos instrui. Santo Agostinho a chama Cátedra do Mestre que ensina (cathedra magistri docentis). Na Cruz, NS nos ensina a santidade. Ali, elevado, NS nos mostra o que realmente tem valor nesse mundo: fazer em todas as coisas a vontade de Deus. Ali, elevado no madeiro, NS nos ensina todas as virtudes: a conformidade com a vontade de Deus, a fortaleza, a paciência, a mortificação, a caridade, enfim, todas as virtudes.  No madeiro, flagelado e coroado de espinhos, NS nos ensina as consequências do pecado, Ele nos ensina a gravidade de nossos pecados. Consideremos, caros católicos, em que estado nossos pecados deixam o Verbo Encarnado. Na Cruz, Ele nos ensina que podemos obter misericórdia, com o exemplo do bom ladrão. Mas nos ensina também que podemos, infelizmente, recusar a graça, como o mau ladrão. Ali, Ele nos ensina o valor da graça e da nossa alma, pois para nos alcançar a graça e alcançar a redenção de nossa alma, NS, homem e Deus, pagou o preço de seu sangue derramado na Cruz. Da Cruz, Nosso Salvador nos ensina que, para alcançar o céu, é preciso segui-lo, carregando com a ajuda d’Ele as nossas cruzes, suportando-as com paciência e, mais do que isso, abraçando-as com amor.

A Cruz de Cristo é o trono de onde Ele reina. Ele reina, tendo agradado infinitamente à Santíssima Trindade com seu sacrifício na Cruz. Ele reina sobre nós, tendo nos redimido e resgatado com seu sangue. Ele reina sobre a morte e o inferno, tendo ressuscitado em virtude de sua morte na Cruz. Ele reina sobre todas as criaturas, e diante dEle, todo joelho deve se dobrar no céu, na terra e no inferno. Pela Cruz, Cristo foi anunciado, conhecido, adorado amado por toda a terra. O Senhor reinou a partir do madeiro.

Não sem razão – dizia eu antes de começar o sermão – o documento papal reconhecendo a liberdade da Missa Tradicional entrou em vigor no dia 14 de setembro, dia da Exaltação da Santa Cruz. Não sem razão porque a Missa Tradicional expressa perfeitamente esses três aspectos da cruz de Cristo: o altar, a cátedra, o trono. Ela exprime o altar porque na liturgia Tradicional é claríssimo que o que está ocorrendo sobre o altar é o sacrifício da Cruz renovado de forma incruenta, sem sangue, e que ele se realiza em particular para o perdão dos nossos pecados. Ela exprime perfeitamente a cátedra, nos ensinando todas as virtudes, nos ensinando com toda segurança a doutrina católica, sobretudo quanto à presença real de Cristo em corpo, alma, sangue e divindade depois da consagração. Ela exprime perfeitamente o trono de Cristo, pois aqui, tudo, absolutamente tudo está orientado para NSJC e submetido a Ele, sem espaço para que nós nos tornemos o centro da Missa.

Quanto a Cruz de Cristo deve ser exaltada, caros católicos, Cruz de onde pendeu a nossa Salvação! Mas quantos, infelizmente, são os inimigos da Cruz de Cristo. Quantos querem tirar de nossa sociedade a Cruz de Cristo. Quantos querem tirá-la dos locais públicos, dos tribunais, dos hospitais, das escolas. Quantos querem tirar de nossa sociedade a salvação trazida por Cristo. Quantos de nós, por nossos pecados, renegamos a Cruz de Cristo e a salvação que ela nos traz. Mas a Cruz de Cristo permanecerá como o único meio de salvação. Dum volvitur orbis, stat Crux. Enquanto o mundo gira e muda, a Cruz permanece. Desde o início do mundo até o final dos tempos, é Cristo crucificado que pode nos salvar. Não há ressurreição, não há vida eterna sem a Cruz, sem a Cruz de Cristo e sem as nossas cruzes carregadas no quotidiano em união com Cristo. Digamos e façamos como São Paulo: gloriemo-nos somente na Cruz de Cristo. Dizia o Santo Apóstolo: longe de mim o gloriar-me, a não ser o gloriar-me da Cruz de Cristo.

E Essa Cruz de Cristo está aqui diante de nós, sobre o altar. Mas é no momento da consagração que essa Cruz se fará presente, se renovará. Unamo-nos à Cruz de Cristo, unamo-nos a Cristo na Santa Missa, para nos oferecermos inteiramente a Ele, com tudo o que somos e temos.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Sermão] A orientação do sacerdote e o silêncio na Missa

Sermão para o 14º Domingo depois de Pentecostes
25 de agosto de 2013 – Padre Daniel Pinheiro

 

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave Maria…

“Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de aborrecer a um, e amar ao outro; ou há de afeiçoar-se a este, e desprezar aquele.”

Faz quase um mês consideramos brevemente a importância do Latim na Liturgia. Consideramos sua importância para a nossa vida espiritual, importância para o bem da Igreja. Hoje, consideraremos também brevemente os outros dois aspectos mais sensíveis quando se fala da Santa Missa no Rito Tradicional: a orientação do padre com relação a Deus e aos fiéis e o silêncio. Lembro que esses aspectos, embora sejam os mais visíveis, não são, porém, os mais importantes. São aspectos fundamentais e de grandíssima importância, mas não são os mais importantes. Os aspectos mais importantes da Missa Tradicional são suas orações riquíssimas doutrinariamente e espiritualmente, com todos os ritos que acompanham essas orações, que são também sacramentais que glorificam a Deus e imploram a sua misericórdia para conosco, pobres pecadores. Consideremos, então, a orientação do sacerdote, voltado para Deus, e o silêncio da Missa Tradicional.

É muito comum ouvirmos as pessoas se referirem à Missa Tradicional – muitas vezes com certo desprezo – como aquela Missa em que o Padre está de costas para o povo, como se fosse uma grande injúria ao povo, um crime de lesa-povo. Na verdade, o sacerdote não se encontra de costas para o povo, mas de frente para Deus, como é evidente. O sacerdote e fiéis estão olhando para o mesmo sentido, para Cristo, para Deus. Originalmente, sacerdote e fiéis se voltavam para o oriente, voltados para Cristo, chamado na liturgia de Oriens (Antífona “O”,por exemplo) de sol que nasce, de sol de justiça. Com o passar do tempo, muitas vezes já não se voltavam para o oriente geográfico, mas simplesmente para o mesmo sentido, para o mesmo lugar, para um oriente espiritual. É quase certo que, mesmo na última ceia, Cristo não estava de frente para os apóstolos. O modo de se dispor à mesa naquela época era bem distinto do nosso. Com o corpo reclinado, ficavam, em geral, todos do mesmo lado, segundo os estudos mais recentes. Tratava-se também de uma ceia ritual (páscoa judaica) e não de uma simples refeição. E mesmo se tivesse Cristo rezado a primeira Missa de frente para os apóstolos, nada mudaria em nossa argumentação, já que ao longo do tempo – e muito rapidamente, segundo atestações históricas, a Igreja estabeleceu a celebração voltada para Deus e não para o povo. Diz Bento XVI, no primeiro volume de suas obras completas (citado por Dom Athanasius Schneider em seu artigo sobre as cinco chagas da liturgia – Les cinq plaies de la liturgie) que “a ideia de que o sacerdote e a assembleia devem se olhar durante a oração nasceu com os modernos e – continua o papa – essa ideia é totalmente estranha à cristandade tradicional. O Padre e assembleia não se dirigem mutuamente uma oração, mas é ao Senhor que eles se dirigem. Por isso, na oração eles olham para a mesma direção: seja para o leste, como símbolo cósmico do retorno do Senhor, ou então, onde isso não é possível, olham para uma imagem de Cristo situada na abside, para uma cruz ou simplesmente olham juntos para o alto.”

Quando o sacerdote celebra a Missa virado para o povo, existe uma grande tendência de que o povo se torne o centro da Missa. Parece muitas vezes que a Missa é um diálogo do sacerdote com o povo, e a Missa permanece num plano quase exclusivamente horizontal – entre homens -, sem elevar-se a Deus, num plano vertical. A posição do padre virado para o povo é mais condizente com uma aula, com uma refeição, ou com uma situação de palco. Fazer da Missa uma pura catequese, fazer dela uma simples refeição ou um show são coisas que, consequentemente e infelizmente, vemos com frequência. Além disso, o Padre voltado para o povo e vendo a reação dos fiéis ao que está sendo feito e dito, tenderá fortemente a adaptar sua ação e seu discurso para agradar aos fiéis presentes, gerando inúmeros abusos.

Assim, a Missa em que o sacerdote dá as costas ao povo para voltar-se unicamente para Deus, coloca Deus no centro da liturgia e deixa claro que aquela ação é um ato de culto para Deus e não uma mera catequese ou reunião social. Deixa claro que não se trata de uma mera refeição e muito menos de um show para agradar aos fiéis presentes. Com o Padre voltado para Deus, ele conduz o povo a Deus e não vai no sentido oposto ao dos fiéis. Ele é o Pastor que conduz os fiéis ao Calvário e ao Céu, à Jerusalém Celeste. Sacerdote e fiel devem se dirigir ao mesmo lugar. O Padre voltado para Deus está na posição que convém ao mediador entre Deus e os homens: o sacerdote está diante de Deus, suplicando diante d’Ele em favor dos homens. O Padre está, dessa forma, voltado para o tabernáculo, onde está NSJC realmente e substancialmente presente e que convém muitíssimo que esteja no centro da Igreja e não em uma capela à parte. Ele está também voltado para a Cruz, colocada no centro do altar. É preciso ter bem presente na nossa inteligência que as nossas disposições espirituais mudam conforme nossa posição, conforme a arquitetura do lugar, etc., pois somos não só alma, mas também corpo. Assim, rezar ajoelhado, em pé ou sentado nos dispõe de maneira distinta para a oração, por exemplo. Consequentemente, por mais que se diga que espiritualmente estão todos voltados para Deus quando o Padre celebra a Missa voltado para o povo, os resultados são bem distintos, pois estão, de fato, voltados uns para os outros, olhando uns para os outros, dirigindo-se uns aos outros. Dessa forma, a posição do sacerdote, voltado para Deus é de importância enorme para uma boa liturgia, para colocar Deus no centro, para evitar fazer da Missa uma mera refeição ou um mero espetáculo. A posição do Padre na Missa Tradicional diminui a importância dos fiéis e diminui a importância do Padre. Todos diminuem para que Cristo possa crescer, como fazia São João Batista. Vale destacar que, teoricamente, o padre voltado para Deus não é exclusivo da Missa Tradicional. Seria possível fazê-lo também na liturgia oriunda da reforma litúrgica de 1969 do Papa Paulo VI. Na prática, todavia, é algo quase exclusivo da Missa Tradicional. A mudança na orientação dos padres foi talvez o que mais chocou os fiéis no processo de reforma da liturgia, pois a sensação foi de que o povo passava a ser o centro e não mais Deus.

O silêncio, ao contrário do latim e da orientação do padre, é próprio da Missa Tradicional. Falamos aqui do silêncio que advém do fato de muitas orações serem rezadas em voz baixa pelo sacerdote e que não é um silêncio artificial. Falamos do silêncio da própria Missa e não de um silêncio inserido na Missa. O silêncio na Missa Tradicional traz um grande benefício para a nossa vida espiritual. Antes de tudo, o silêncio permite que deixemos, mais uma vez, de ser o centro da Missa. Ora, aquele que fala é o centro das atenções. Se as pessoas falam constantemente durante a Missa elas terão grande tendência a achar que a Missa diz respeito, em primeiro lugar, a elas e não a Deus. As orações do Padre em voz baixa deixam claro também para o padre que não é a sua pessoa particular o centro da Missa. Não é ele que precisa aparecer. Essas orações em voz baixa e o consequente silêncio da Missa Tradicional deixam claro que o centro da Missa é Deus, é Cristo que renova o seu Sacrifício oferecendo-o à Santíssima Trindade. O Padre que fala em voz baixa é o centro da liturgia, mas não enquanto padre tal ou padre fulano, e, sim, enquanto instrumento de Cristo Sacerdote, de forma que o centro é claramente Cristo. Assim, colocando Deus como o centro, o silêncio nos ensina a caridade, que nos inclina a fazer tudo a partir de Deus, por amor a Deus.

O silêncio nos ensina também a mortificação. Pelo nosso orgulho, temos muitas vezes tendência a falar, a querer ser o centro das atenções. Pelo silêncio, negamo-nos a nós mesmos, às nossas inclinações, mortificamos os nossos sentidos e deixamos que Deus aja. Muitas pessoas que assistem à Missa Tradicional pela primeira vez se queixam do silêncio ou de não terem participado da Missa, etc. (Trataremos em outra ocasião da questão da autêntica participação na Missa). Na verdade, essas queixas se devem muitas vezes à simples repulsa por essa mortificação imposta pelo silêncio e pelo fato de não ser o centro da liturgia. O homem moderno tem grande dificuldade em deixar de ser o centro em livrar-se do antropocentrismo. Como sabemos, porém, a mortificação é indispensável para uma vida espiritual ordenada. O silêncio ajuda bastante nesse ponto: negação de si. O silêncio mostra que não precisamos ser o centro das atenções para que a Missa tenha sentido, mas que é justamente o oposto. A Missa tem sentido quando Deus é o centro.

O silêncio na Santa Missa coloca Deus no centro e nos mortifica. Ele também nos ensina a rezar. O fato é que, durante o silêncio, não há alternativa: ou a pessoa reza ou ela se distrai. Aceitar a distração seria um pecado, ainda que leve muitas vezes. A pessoa precisa, então, rezar, e rezar sozinha. O silêncio nos ensina o valor da oração individual, nos ensina a rezar e nos faz buscar o melhor meio para nos unirmos ao Sacrifício de Cristo, renovado diante de nós.

O silêncio, mortificando os sentidos, nos ajuda muito a considerar com a inteligência o que realmente importa durante a Santa Missa. O silêncio favorece o progresso na oração, nos conduzindo além da oração simplesmente oral. O silêncio nos permite considerar as verdades eternas e tomar a resolução, com o auxílio divino, de ajustar nossa vida a essas verdades. Em resumo, o silêncio favorece a meditação, meditação católica. Cada vez mais no mundo o silêncio é raro. Aonde vamos há alguma espécie de barulho de música, de televisão, de rádio, ou algo para ocupar nossa imaginação e inteligência com coisas sem importância. Todo mundo anda com seu fone de ouvido. Ora, sem silêncio não pensamos devidamente e, se não pensamos, não podemos aderir com firmeza a Deus. Esse barulho entrou também na Igreja, no centro da vida da Igreja que é a liturgia, infelizmente. O silêncio é necessário para a nossa vida espiritual e a Missa tradicional o favorece.

Ademais, o fato de a pessoa ter de rezar sozinha durante a Missa favorece a oração fora do contexto litúrgico e favorece, em particular, a oração individual, tão em desuso atualmente. Há uma tendência de muitos a considerar que a única oração que tem importância é a oração comunitária.  Assim, diante do silêncio, a pessoa tem de rezar, do contrário, ela se distrai. O silêncio favorece uma oração mais elevada, nos faz considerar o que realmente importa na Missa: o sacrifício de Cristo renovado para a glória de Deus, para o perdão dos nossos pecados.

Estamos falando aqui do silêncio litúrgico, que tira a pessoa do centro das atenções, que a mortifica, que a obriga – em certo sentido – a rezar. Muitas pessoas dizem que gostam muito do silêncio da Missa, apesar da presença de uma ou várias crianças na Capela ou próxima da Capela chorando, fazendo barulho. Esse silêncio litúrgico não é necessariamente um silêncio absoluto.  O silêncio litúrgico favorece, então, a oração e, consequentemente, a devoção, a prontidão no serviço de Deus.

Finalmente, o silêncio na Missa explicita o fato de que é o sacerdote que age na pessoa de Cristo e que é o sacerdote que renova o sacrifício do Calvário ao dizer as palavras da consagração. Não é o povo que consagra, não é o povo que celebra a Missa. É o sacerdote. Para deixar clara a diferença de papéis, o Padre reza as orações mais profundamente sacerdotais em silêncio: o ofertório, o cânon, as palavras da consagração. Um dia estava ensinando um padre a celebrar a Missa. Durante o treino ele falou as palavras da consagração em voz alta. Eu disse, então, que deveriam ser ditas em voz baixa. Ele disse que pensava que pelo menos as palavras da consagração eram ditas em voz alta. Na verdade, justamente as palavras da consagração são as que mais devem ser ditas em voz baixa, para deixar claro que quem realiza o mistério da Missa é o sacerdote agindo na pessoa de Cristo, independentemente dos fiéis, contra a concepção protestante da igualdade completa entre sacerdote e fiel. As orações em voz baixa, portanto, têm também um profundo sentido doutrinário.

Temos aqui, caros católicos, alguns aspectos que ilustram a importância da orientação do sacerdote e a importância do silêncio durante a Santa Missa. É uma importância grande para nossa vida espiritual e para a vida da Igreja. O silêncio, a orientação do Padre, voltado para Deus e o latim, de que já falamos em outra oportunidade, nos ajudam bastante a servir um só Senhor – a Santíssima Trindade – e a buscar em primeiro lugar o reino de Deus.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.