O bom samaritano e a virtude da esperança diante do desânimo na prática da religião

Sermão para o 12º Domingo depois de Pentecostes

11 de agosto de 2013 – Padre Daniel Pinheiro

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

Ave Maria…

“Mestre, que devo fazer para alcançar a vida eterna?”

A pergunta do doutor da lei deve ser a pergunta das nossas vidas, caros católicos: “Mestre, o que devo fazer para alcançar a vida eterna?” Não basta perguntá-la, mas é preciso colocar a resposta em prática.

O doutor da lei chama NSJC de Mestre e lhe faz a pergunta para tentá-lo, para ver se NSJC se opõe à lei mosaica, e poder, assim, condená-lo, ou para ver se NSJC cai em alguma contradição, a fim de desacreditá-lo diante do povo. Nosso Senhor, conhecendo a malícia desse doutor da lei, deixa que o próprio doutor da lei responda. E ele o faz muito bem, mostrando conhecimento do que se deve fazer para alcançar a vida eterna, embora não pareça colocar o que sabe em prática. O doutor da lei diz que se deve amar o Senhor Deus com todo o coração, com toda a alma, com todas as forças, com todo o entendimento.

É preciso que em nossas vidas, nas decisões que tomamos, nas situações em que nos encontramos, nas ações que fazemos… é preciso sempre que nos perguntemos o que devemos fazer para alcançar a vida eterna. Como nos diz o doutor da lei, confirmado por NS, devemos amar o Senhor nosso Deus de todo o coração, quer dizer, com toda a nossa vontade, querendo unicamente Deus em nossas vidas e querendo as outras coisas somente enquanto nos levam a Ele. Devemos amar o Senhor nosso Deus com toda a nossa alma, quer dizer, com todas as faculdades, com todos os sentimentos sempre ordenados para Deus, com toda nossa vida ordenada para Deus. Como nos diz São Paulo: “quer comais, quer bebais, fazei tudo para a glória de Deus.” E devemos amá-lo com todas as nossas forças, quer dizer, devemos amá-lo ao máximo. Como diz São Bernardo: a medida do amor a Deus é amá-lo sem medida. Finalmente, devemos amá-lo com todo o nosso entendimento, quer dizer, nosso amor deve ser guiado pela fé, pois para amar realmente a Deus sobrenaturalmente, a fim de alcançar a vida eterna, é preciso conhecê-lo pela fé verdadeira, pela fé católica. Amar a Deus, caros, católicos, não é algo vago, não é um sentimento mais ou menos beato, não é sentir-se em paz ou na presença de Deus. Já falamos disso várias vezes, mas insisto, pois é esse um dos principais erros dos nossos tempos, mesmo dentro da Igreja Católica. Ouvimos com muita frequência que se a pessoa se sente bem, ela ama Deus e é amada por Ele, não importando a religião. Deus está em todos os lugares, em todas as religiões, o importante é você sentir-se bem. Não, não é nada disso. Amar não é um vago sentimento, ainda que intenso. Amar é querer o bem do amado e fazer o bem para o amado. Queremos e fazemos o bem para Deus quando aderimos à religião que Ele nos revelou e quando guardamos os mandamentos de Deus e da Igreja.

Para alcançar a vida eterna, devemos amar o Senhor Nosso Deus de todo o coração, de toda a alma, com todas as nossas forças, com todo o nosso entendimento. Vejam, caros católicos, que se encontra sempre a palavra “todo” qualificando a vontade, o coração, o entendimento, as forças. Isso porque não devemos nos contentar em amar Deus pela metade ou em parte, fazendo uma partilha entre Deus e nossa vontade pessoal, entre Deus e nossos gostos pessoais, entre Deus e o mundo, entre Deus e nossos parentes. Não. Devemos, ao contrário, amar a Deus em primeiro lugar e devemos amar as outras coisas por amor a Deus, para levá-las para Deus ou porque nos levam para Deus. E, claro, se amamos a Deus, amaremos o nosso próximo para ajudá-lo em suas necessidades, sobretudo espirituais.  Amar a Deus partilhando-o com outras coisas pode ser impossível, se essa outra coisa nos faz ofender a Deus gravemente. Mas ainda que essa outra coisa não ofenda a Deus, se nosso coração está dividido, seremos tíbios, e seremos, então, presa relativamente fácil do pecado e do demônio. É preciso amar a Deus inteiramente, caros católicos, amá-lo com todo o nosso ser, e amá-lo cada vez mais.

Amar a Deus inteiramente significa esquecer as falsas máximas mundanas, significa deixar as más companhias. Amar inteiramente a Deus significa renunciar a certas diversões cada vez mais abundantes, refinadas e imorais ou anticatólicas também na doutrina. Quantos filmes, mesmo os mais acessíveis a jovens e crianças, se opõem à doutrina e moral católicas. Quantas danças pelo próprio modo de dançar ou pelas circunstâncias são ruínas para as almas. Quantas casas de diversão são verdadeiros centros de perdição. E praias e piscinas com imoral promiscuidade dos sexos e trajes sumários. Quantas revistas com tantas coisas mundanas e superficiais (as chamadas revistas femininas, por exemplo), contrárias à fé ou indecentes.  Novelas e seriados de televisão, modas indecentes, conversas ruins, brincadeiras de mau gosto, etc. (vide Royo Marín, Teología de la Perfección Cristiana, 2008, p. 297/298) Amar a Deus é renunciar a toda e qualquer diversão que de alguma forma ofenda a Deus. Amar a Deus inteiramente é suportar com paciência a zombaria e as perseguições por renunciar a tudo isso, por simplesmente fazer o bem e comportar-se cristãmente. Todavia, tudo isso é apenas o aspecto negativo de amar inteiramente a Deus, pois amar a Deus é reconhecer n’Ele a infinita bondade, a infinita misericórdia para conosco. Amar a Deus é conformar nossa vontade inteiramente à vontade d’Ele, sabendo que sua vontade é perfeitíssima. Amar a Deus inteiramente é buscar nos alegrar na prática da religião e da virtude. Amar a Deus é buscar sempre a sua maior glória. Devemos também nos lembrar daquelas palavras de NS: “aquele que ama a sua vida nesse mundo vai perdê-la, mas que aquele que aborrece a sua vida neste mundo vai conservá-la para a vida eterna” (Jo 12, 25).

Mas, padre, é impossível amar a Deus dessa forma, diriam muitos. Como renunciar a tantas coisas que quase todo mundo faz normalmente? Como conformar nossa vontade com a vontade de Deus, mesmo nas cruzes? Como educar meus filhos nesse mundo? Como eu, jovem, posso abandonar todas essas coisas que meus colegas fazem?  Nós estamos no mundo, padre, se renunciarmos a tantas coisas e buscarmos a conformidade em tudo com a vontade de Deus, seremos desprezados pelos outros, vamos sofrer muito, seremos tristes, vamos aborrecer a nossa vida. É impossível conseguir viver de modo verdadeiramente católico nesse mundo em que o pecado nos espera no nosso próximo passo. É impossível amar a Deus com todo o nosso ser. É impossível na sociedade em que vivemos e no momento de crise por que passa a Igreja. Temos que nos dividir entre Deus e o mundo. Se não o fizermos, será impossível viver. Eis aqui a tentação do desespero, caros católicos. Eis a tentação daquele que busca seguir a Cristo e que quer fazê-lo bem, mas que diante de tantas dificuldades e cruzes vai pouco a pouco desanimando, arrefecendo e tem a forte tentação de desistir. E quantos, de fato, terminam desistindo, dizendo que preferem abandonar tudo, já que não são capazes de amar a Deus inteiramente. Diante dessa tentação de desespero, é preciso reagir com a esperança sobrenatural, caros católicos.  Lembremo-nos, caros católicos, que em nenhum momento NS prometeu a paz – como o mundo a entende – aqui na terra. Ao contrário, ele prometeu a espada, ele disse que seus discípulos deveriam carregar a cruz. Mas ao mesmo tempo, Ele disse que estaria conosco até o final dos tempos e que estaria conosco todos os dias. Se Deus nos faz viver hoje, nessa sociedade, nesse momento de crise na Igreja, é porque podemos amá-lo inteiramente, é porque podemos alcançar a vida eterna. Podemos esperar com toda confiança e certeza que Deus nos dará os meios necessários para nos salvar e nos dará esses meios com abundância, se buscamos com sinceridade observar os seus mandamentos. E devemos esperar com firme confiança em Deus porque Ele é infinitamente bom e todo-poderoso. Ele é infinitamente bom. Isso significa que Deus quer que nos salvemos. Isso significa que Ele nos dará todas as graças, todos os meios para que nos salvemos. Isso significa que Ele não pode nos pedir o impossível. Deus é todo-poderoso. Isso significa que para ele nada é impossível. O que para nós sozinhos é impossível, com Deus se torna plenamente possível. É evidente que, sozinhos, nos é impossível amar inteiramente a Deus, não somente nos tempos em que vivemos, mas em qualquer tempo. Com Deus, podemos amá-lo inteiramente sempre em qualquer circunstância. Como diz Santo Agostinho: “Porque Deus não manda coisas impossíveis, mas quando manda, quer que façamos o que podemos e que peçamos o que não podemos, e Ele nos ajuda a poder”. E como diz São João: “os seus mandamentos não são pesados” (1Jo 5, 3).

Devemos ter grande e firme confiança porque Nosso Senhor Jesus Cristo é o Bom Samaritano da parábola de hoje. O homem despojado dos seus bens e ferido somos nós, a humanidade, despojada da graça pelo pecado e ferida com suas más inclinações, consequências do pecado. Aquele homem descia de Jerusalém para Jericó. Jerusalém simboliza a pátria celeste, a virtude, o bem. Esse homem deixava o caminho da virtude e viajando sozinho colocava-se em situação de perigo, pois era bem sabido que na estrada havia assaltantes. Esse homem somos nós que, seguindo muitas vezes a sugestão do mundo, da nossa vontade própria ou do demônio, deixamos muitas vezes a vida da graça, nos colocamos em ocasião de pecado e caímos, somos feridos pelo pecado, despojados da graça, da amizade com Deus. Esse homem, assaltado e ferido pela própria negligência somos nós, que por nossa culpa, por nossos descuidos nos afastamos de Deus, de Jerusalém, do céu e descemos para Jericó, para o pecado, para o inferno. Ainda assim, sabendo que esse homem era culpado de seus próprios males e sabendo que se tratava de um inimigo (Judeus e samaritanos eram inimigos e se assume que o ferido e despojado é um judeu, embora não esteja dito explicitamente), o bom samaritano o socorreu, colocando vinho e óleo nas suas feridas, levando-o para a estalagem e pagando as despesas. O Bom Samaritano é NSJC. É NSJC que, nos vendo em estado de pecado (por nossa própria culpa, como é claro), que nos vendo inimigos de Deus, portanto, inimigos d’Ele pelos nossos pecados, vem em socorro. Quanta bondade! Quanta misericórdia! Nosso Senhor coloca o vinho para purificar nossas feridas, fazendo-nos expiar por elas por meio dos sofrimentos, e das cruzes. Nosso Senhor coloca o azeite, nos restituindo a graça, nos auxiliando nas nossas provações, tornando nosso jugo suave e leve. Ele nos leva para a estalagem que é Igreja, em particular nos leva para a confissão. É Ele quem paga, em primeiro lugar, pelo nosso estado de pecador. Ele paga sofrendo e morrendo na cruz por nós. Bondade infinita! Misericórdia infinita! A parábola do Bom samaritano deve nos dar, caros católicos, grande esperança! Vejamos o que Cristo faz com aquele que ainda é seu inimigo. Muito mais fará com aquele que busca servi-lo com todo o seu ser. Cabe a nós implorar o socorro desse Bom Samaritano e deixar que Ele nos salve. E, quando por infelicidade cairmos, procuremos na Estalagem, que é a Igreja, o vinho e o azeite, que é a confissão dos nossos pecados. As quedas – que devemos procurar evitar a todo custo – não devem nos desanimar, ou nos fazer desesperar, ou diminuir nossas práticas religiosas. Devemos nos levantar para servir a Deus com maior vigor e afinco. Quando vier a tentação do desespero, de desistir, recitemos confiadamente o ato de esperança, praticando a virtude oposta a esse pecado. Não devemos arrefecer, não devemos abandonar nossas práticas devocionais, mas devemos mantê-las e até aumentá-las, se for possível.

Amar a Deus inteiramente, caros católicos, é, portanto, perfeitamente possível. Não sozinhos. Isso seria pelagianismo, quer dizer, seria acreditar que podemos nos salvar sem a ajuda divina, sem a graça. A coleta de hoje nos mostra que só podemos servir a Deus dignamente em virtude de um dom que Ele nos dá. Não podemos fazer nada de bom na ordem sobrenatural sem o auxílio da graça. As orações da Missa Tradicional são anti-pelagianas por excelência, pois invocam com ênfase o auxílio da graça. Aqueles que se deixam formar pelas orações da Missa Tradicional estarão vacinados contra qualquer tentação de pelagianismo ou autossuficiência. As orações da Missa Tradicional são a base para a doutrina da graça de Santo Agostinho, doutrina que é anti-pelagiana por excelência. E com o auxílio da graça, podemos correr ao céu, evitando as ofensas a Deus. Diante das dificuldades, não desanimemos, não nos desesperemos. Diante das dificuldades, devemos ter coragem! Diante das dificuldades, esperança na bondade e na onipotência divinas que nos dá todos os meios para nos salvarmos. Façamos a nossa parte rezando, pedindo o auxílio divino, nos esforçando para amar inteiramente a Deus, pois é isso que temos que fazer para alcançar a vida eterna.  “Mestre, que devo fazer para alcançar a vida eterna?” Ama o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todas as tuas forças, com todo o teu entendimento.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Sermão] “O Senhor chorou”. Ou: A virtude da Piedade em Cristo e em nós, e os pecados que mais ofendem a Deus.

Sermão para o Nono Domingo depois de Pentecostes
21 de julho de 2013 – Padre Daniel Pinheiro

 

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…

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Rezemos para que a presença do Papa no Brasil possa trazer bons frutos.

 “Videns civitatem, Jerusalem, Dominus flevit.” Vendo a cidade – Jerusalém – o Senhor chorou.

O Evangelho deste Domingo nos fala das lágrimas de Nosso Senhor Jesus Cristo. As lágrimas são, antes de tudo, um sinal de tristeza. Mas, devemos nos perguntar, como aquele que é verdadeiramente homem e verdadeiramente Deus pôde chorar, uma vez que ele tinha a visão beatífica em sua alma? Pois Cristo desde o momento de sua encarnação via Deus face a face, e essa visão impede todo sofrimento. Como pôde, então, aquele que via Deus face a face entristecer-se? Precisamos lembrar que Cristo veio ao mundo para satisfazer por nossos pecados e que satisfez por nossos inúmeros pecados aceitando os sofrimentos – até à morte e morte de cruz – com uma caridade infinita, a fim de nos salvar.  Dessa forma, ele tinha a visão beatífica, Ele via perfeitamente a Deus, como os santos no céu e muito mais perfeitamente que os santos no céu, mas a impassibilidade, quer dizer, a ausência de sofrimento e a imortalidade que decorrem dessa visão face a face de Deus, não se encontravam em Jesus Cristo enquanto ele viveu nessa terra, antes de sua ressurreição. E isso voluntariamente. Cristo via Deus face a face, mas sofreu e quis sofrer para satisfazer perfeitamente por nossos pecados.

Sabendo que Cristo podia chorar, devemos nos interrogar sobre o porquê dessa tristeza profunda de Nosso Senhor no episódio relatado pelo Evangelho. O choro vem da tristeza e a tristeza nos atinge quando vemos algum bem que amamos ameaçado, atacado, destruído. Assim, por exemplo, os parentes choram a perda de um ente querido, manifestando com isso o amor que tinham para com ele. Para compreender, então, porque Nosso Senhor Jesus Cristo chora no Evangelho de hoje, devemos compreender o que ele ama. Ora, Cristo é o abismo de todas as virtudes, isto é, Ele possui e exerce o mais perfeitamente possível todas as virtudes, ou quase todas, pois há virtudes que Cristo não possuía, porque há virtudes que supõem um defeito precedente, como a virtude da penitência supõe um pecado pessoal anterior. E essas virtudes que supõem um defeito anterior, Cristo evidentemente não as possuía, pois Ele é o cordeiro imaculado. Ele sofria com caridade infinita pelos pecados dos outros, mas não pelos seus, pois Ele não os tinha.

Entre todas as virtudes que Cristo possuía e exercia perfeitamente, encontra-se a virtude da piedade. Mas piedade em sentido próprio e não no sentido de devoção ou religiosidade, nem de compaixão ou misericórdia. A virtude da piedade propriamente dita é aquela que nos inclina a render aos pais, à pátria e a todos os que se relacionam com eles a honra e o serviço que lhes são devidos. A justiça nos diz que nos tornamos devedores daqueles que nos deram benefícios. Somos devedores, em primeiro lugar, de Deus, em razão de sua excelência e em razão de todos os bens inumeráveis que nos deu. Além disso, é Ele que nos dá o ser e nos governa. Em segundo lugar, são os pais que nos dão o ser e nos governam. E, finalmente, a pátria, em que nascemos e que nos nutre. E por isso, depois de Deus, o homem é devedor sobretudo dos pais e da pátria, nos diz São Tomás. A primeira dívida é paga com a prática da virtude da religião, pela qual damos a Deus, em união com Nosso Senhor e na medida das limitações de nossa natureza humana, o que lhe é devido. A segunda dívida devida aos pais e à pátria é paga com a prática da virtude da piedade.

Cristo possuía, assim, a virtude da piedade de modo perfeito. Ele amava, então, imensamente a sua pátria e, sobretudo, Jerusalém, o centro de sua pátria. Por isso Cristo chorou, caros católicos. Como Jerusalém recusava o verdadeiro Messias, a verdadeira religião e a salvação, Nosso Senhor chorou, vendo a ruína de tantas e tantas almas que recusaram a sua misericórdia. Toda a destruição material de Jerusalém, profetizada por Cristo e realizada no ano 70, é nada diante da ruína espiritual causada pela cegueira voluntária de Jerusalém. Quantas graças, quantos privilégios dados à cidade santa. E com que ingratidão e infidelidade ela pagou. É o dever dos filhos não só obedecer aos pais em tudo o que é lícito e mostrar o devido respeito, mas também socorrê-los quando esses precisam de ajuda. Nosso Senhor tentou socorrer Jerusalém de todas as formas: orações, ensinamentos, ameaças, milagres, profecias, morte na Cruz. Mas Jerusalém continuou cega e endureceu o seu coração.

Hoje, caros católicos, não há somente uma Jerusalém no mundo, há várias. Quantas nações receberam graça sobre graça, favor sobre favor de Cristo e agora respondem com ingratidão e infidelidade, dizendo: Não queremos que Ele, Jesus Cristo, reine sobre nós (regnare Christum nolumius). Já não queremos suas leis, nem sua Revelação; Revelação, aliás, única verdadeira, pois confirmada por tantos milagres e profecias verdadeiros. E vemos nesses países – que são criaturas de Deus – o jugo doce e suave de Cristo lançado por terra e calcado pelos homens. Consideremos, porém, somente a nossa pátria, que tem se distanciado cada vez mais de Deus, da religião católica, com a aprovação cada vez mais larga, embora sorrateira, do aborto (esse crime que nunca se justifica), com a aprovação de uniões contrárias à natureza, com o laicismo galopante.

Se somos católicos, buscando, então imitar a Cristo, devemos também nós ter e praticar a virtude da piedade para com nossa pátria, caros católicos, porque ela também é princípio de nosso ser, de nossa educação e ela nos governa, fazendo tudo isso enquanto proporciona aos pais – e por meio deles aos filhos – grande quantidade de coisas necessárias e convenientes para o nosso ser. Devemos praticar a virtude da piedade para com nossa pátria como o fez Nosso Senhor Jesus Cristo, obedecendo a ela em tudo o que é bom e socorrendo-a em suas dificuldades, sobretudo espirituais. Devemos, caros católicos, praticar a virtude da piedade buscando que nossa pátria reconheça a verdade e se submeta a ela e possa assim ajudar seus filhos não só materialmente, mas também espiritualmente, mostrando a eles o caminho, a verdade e a vida: Jesus Cristo. Para tanto, devemos rezar por ela, fazer apostolado por ela, nos mortificar por ela. Com esses atos ajudaremos nossa pátria sem cair no excesso de endeusá-la, com um nacionalismo descabido, e sem cair no defeito de rejeitar nossa pátria e dizer como os pagãos: minha pátria é onde me sinto bem. Não, caros católicos! Temos verdadeiro dever de justiça para com a nossa pátria, apesar de seus defeitos.

Mas Jerusalém, que Nosso Senhor Jesus Cristo ama tanto, caros católicos, representa também, e evidentemente, a alma de cada um de nós, agraciada por Deus com inúmeros benefícios, com incontáveis graças e graças abundantes. Recebemos, sobretudo com o batismo, todas as condições para receber Cristo em nossas almas. Nosso Senhor ama, então, cada uma de nossas almas. O amor de Cristo por nós é um amor puro e sobrenatural. É um amor que quer o bem dos homens. Mas não qualquer bem como as riquezas, o reconhecimento, um prazer instantâneo ou qualquer outro bem que se limite a esse mundo. O bem que Nosso Senhor quer é o bem de nossa santificação, de nossa salvação eterna. A tristeza de Nosso senhor vem, então, primeiramente, do fato de muitos desprezarem seus mandamentos e não alcançarem, como consequência, a vida eterna e terminarem perdendo eternamente as suas almas, no inferno. A tristeza de Cristo é causada pelos pecados que impedem a nossa salvação. Cristo chora porque muitas vezes preferimos um instante de satisfação nesse mundo à alegria eterna no céu, ofendendo gravemente as suas leis e crucificando-o novamente.

Assim, Nosso Senhor chora não só sobre Jerusalém, mas sobre as almas. E ele chora sobre as almas quando elas não o amam, quer dizer, quando não cumprem a sua lei. Ele se entristece quando as almas preferem entregar-se ao pecado mortal em vez de se entregarem a Ele.  O pecado mortal, caros católicos, é a transgressão voluntária da lei de Deus em matéria grave. É a negação de Deus como supremo legislador, como soberano governador, como supremo juiz, como supremo benfeitor, como nosso verdadeiro bem e felicidade suprema. O pecado mortal é uma ofensa grave a Deus pela desobediência de suas leis, leis que têm por objetivo o próprio bem do homem e de Deus. O pecado mortal é a recusa total do amor de Deus por nós. O pecado mortal é o inferno em potencial, um potencial que pode virar realidade e muitas vezes vira realidade quando menos esperamos.

A cena histórica e real descrita hoje pelo evangelista é o choro de Nosso Senhor diante de Jerusalém. Estamos pouco antes de sua triunfante entrada nessa mesma cidade no Domingo de Ramos. O povo Judeu vai aclamá-lo como o Filho de Davi, quer dizer, como o Messias. Mas Nosso Senhor chora. Nosso Senhor chora porque, três dias depois, esses mesmos que o aclamaram como o Messias vão pedir a sua crucifixão, recusando a sua lei, a sua graça. Eles louvaram a Cristo com a boca, mas o coração deles estava longe de Deus. Nosso Senhor chora, então, particularmente pelos pecados de nós católicos que o louvamos com a boca, mas que o crucificamos com as nossas obras pecaminosas.

São Paulo, em sua Epístola de hoje, cita alguns dos pecados que mais entristecem a Nosso Senhor. E ele nos dá, então, alguns exemplos que se aplicam de maneira muito especial a nós católicos desses tempos atuais. Tempos em que o amor do homem até o desprezo de Deus tem destruído as mais evidentes verdades católicas.

O primeiro pecado mencionado por São Paulo é a idolatria. A idolatria que nos faz adorar um falso Deus no lugar do verdadeiro. A idolatria de nossos dias é o relativismo, uma espécie de religião acima das religiões. Ele tem como propósito igualar todas as religiões: colocar em pé de igualdade a religião fundada por Cristo – homem-Deus – e as religiões que são fruto da invenção humana ou do pai da mentira.  Ora, religiões que ensinam doutrinas contraditórias não podem ser ambas verdadeiras. Uma só pode ser a verdadeira. Uma só é a verdadeira religião, aquela anunciada pelos profetas e confirmada pelos milagres de Cristo: a religião católica, como já dissemos.

O segundo pecado de que nos fala o Apóstolo é a impureza (ver a esse respeito o sermão sobre a luxúria): quantos hoje, mesmo entre católicos levam uma vida completamente desregrada nesse ponto. Mesmo entre o clero, infelizmente. Quantos perdem o céu por causa de um ato que nos assemelha ao animais irracionais. Quantos pecados cometidos contra a castidade. Muitos cometidos sozinhos. Muitos não esperam o casamento. Aqueles que casam se divorciam e se juntam, em adultério, com outra pessoa. Os casados utilizam métodos anticoncepcionais e assim por diante. Ora, os bens do matrimônio são três: (i) a fidelidade – contra o adultério – (ii) a indissolubilidade – contra o divórcio e o recasamento – e (iii) os filhos – contra a anticoncepção e mentalidade contraceptiva. E um dos bens do sacerdócio é o celibato.

Esses pecados e todos os outros pecados, caros católicos, entristecem a alma de Nosso Senhor. Dominus flevit. O Senhor chorou à vista de Jerusalém que ia cometer o deicídio. Nosso Senhor chorou em previsão de todos os nossos pecados. Foram nossos pecados que crucificaram a Cristo. E nosso crime é ainda maior que o dos judeus, pois professamos e reconhecemos que Cristo é Homem e Deus e veio para nos salvar. Dominus flevit. O Senhor chorou por causa de nossas ofensas. O Senhor chorou porque nos amou profundamente, porque buscou em tudo a nossa salvação, mas nós preferimos o pecado. Quanta ingratidão!

É preciso, então, parar de ofender a Cristo, praticando a religião. Sabemos que hoje, neste mundo que se opõe cada vez mais à virtude, isso não é fácil. Mas Nosso Senhor não prometeu a facilidade, caros católicos. Ele não veio trazer a paz, pelo menos não como o mundo a compreende, mas Ele veio trazer a guerra. Ele deu a cada um uma cruz e junto com essa cruz, Ele deu graças abundantes para carregá-la e uma Mãe para nos ajudar, Nossa Senhora. São Paulo nos diz: Deus não permitirá que sejais tentados além do que podem as vossas forças. Assim, se o combate é difícil, porque o pecado em nossa sociedade é abundante, a graça de Nosso Senhor é superabundante, seu jugo é leve e suave. O Apóstolo afirma hoje, DEUS É FIEL: ele sempre nos dá as graças necessárias. Resta saber se nós somos fiéis às promessas de nosso batismo. Devemos mostrar nossa fidelidade pela submissão de nossa inteligência às verdades reveladas por Deus e pela prática incondicional da moral católica, evitando assim entristecer e ofender ao Sagrado Coração de Nosso Senhor Jesus Cristo. Não basta honrar Deus com os lábios para depois crucificá-lo, como fizeram os Judeus na semana santa. Se Deus é fiel, também nós devemos sê-lo.

Convertamo-nos, então. Tenhamos confiança em Nosso Senhor Jesus Cristo: sem Ele nada podemos fazer. Busquemos a confissão. E se cairmos de novo, levantemo-nos, com verdadeiro arrependimento, e busquemos novamente a confissão. Tenhamos confiança: a misericórdia de Deus é imensa. Alegremos a alma de Cristo, pedindo perdão pelos nossos pecados, comungando com frequência, desagravando – com boas obras – o Coração de Nosso Senhor, ferido por nossos pecados.  Alegremos o Coração de Nosso Senhor e o Imaculado Coração de Maria pela prática da virtude, pela prática sincera e íntegra da religião católica. Ele nos ajudará com suas graças. Alegrando o coração de Cristo também o nosso coração se alegrará profundamente. Como nos diz o Salmista (118,1): “Felizes aqueles cuja vida é pura e seguem a lei do Senhor”. Felizes porque a lei do Senhor é para nosso bem e para a maior glória dEle.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Sermão] A Prudência e os erros opostos. Ou: A parábola do feitor iníquo.

Sermão para o Oitavo Domingo depois de Pentecostes
14 de julho de 2013 – Padre Daniel Pinheiro

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[Breve Introdução à Missa Solene]

Estamos hoje no 8º Domingo depois de Pentecostes. É uma grande graça poder celebrar uma Missa Solene, é uma grande graça para vocês poder assistir a uma Missa Solene, assistir e se unir àquilo que há de mais belo deste lado do céu. Se uma Missa Rezada ou uma Missa cantada já é bela, quanto mais bela é uma Missa Solene, com todos os seus ritos. São Tomás diz que os ritos servem para mostrar a importância do que se está realizando no sacramento, bem como para instruir os fiéis. Podemos dizer que os ritos são também sacramentais. Pela solenidade da Missa de hoje, pela doutrina católica que ela exprime de maneira sublime (por exemplo, peço que vocês reparem como ela exprime a hierarquia da Igreja, tal como instituída por Nosso Senhor Jesus Cristo), pela excelência dos ritos, podemos nos preparar de maneira excelente para receber com grande abundância os frutos da Missa, sobretudo o perdão de nossos pecados. Aproveitemos, caros católicos, para assistir bem a essa Santa Missa e nos unir ao sacrifício de Cristo oferecendo-nos a nós mesmos junto com Ele. Não sabemos quando teremos novamente essa graça.

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[Sermão]

O Santo Evangelho de hoje, caros católicos, nos traz algumas dificuldades, diante das quais muitas pessoas tiram conclusões erradas ou precipitadas. Como pode o senhor elogiar o feitor, o administrador iníquo? Antes de falarmos desse elogio e da prudência, é preciso lembrar que ninguém pode interpretar a Sagrada Escritura segundo suas próprias ideias e gostos, ninguém pode ir contra o sentido e a interpretação que a Igreja sempre deu e dá, pois compete à Santa Madre Igreja julgar e interpretar as Sagradas Escrituras.  São Francisco de Sales diz que se trata de uma profanação feita às Sagradas Escrituras o fato de pretender que o entendimento das Escrituras é demasiado fácil. Assim, a leitura das Sagradas Escrituras não deve ser feita indistintamente por todos. São Pedro diz, por exemplo, que há, nas cartas de São Paulo, “algumas coisas difíceis de entender, que os indoutos e inconstantes na fé adulteram (como fazem também com outras partes das Escrituras) para sua própria perdição” (2Pe III, 16). Portanto, na Sagrada Escritura há passagens difíceis, que podem levar as almas à perdição em virtude de uma falsa interpretação. É preciso sempre ler as Sagradas Escrituras com o Magistério da Igreja ao lado, pois foi à Igreja que Deus revelou toda à verdade, e cabe à Igreja dar o sentido verdadeiro da Palavra de Deus contida nas Sagradas Escrituras.

Venhamos à parábola. O feitor iníquo é o homem pecador, o homem que administrou mal os bens que lhe foram dados por Deus. Deus nos deu vários bens para administrarmos: a inteligência, a vontade, os sentimentos, os bens materiais. O administrador iníquo é, portanto, o homem que usa mal sua inteligência, aderindo ao erro, é o homem que usa mal sua vontade, dirigindo-a ao que é contrário à vontade de Deus. É o homem que não ordena seus sentimentos e paixões pela razão iluminada pela fé. Trata-se do homem que usa mal seu corpo, por exemplo, pelos pecados de impureza, pecados que fazem dele como um animal irracional. Trata-se do homem que usa mal os bens materiais que possui. O homem pecador é um administrador infiel dos bens que lhe foram dados por Deus, pois o pecador usa os bens dados por Deus não para a maior glória da Santíssima Trindade, para a salvação da própria alma e para a salvação do próximo, mas ele os utiliza para satisfazer seus próprios desejos, contrários ao desejo perfeito do seu senhor, que é Deus.

Diante dessa má administração, nada mais justo do que sofrer a consequência: cavar, mendigar, quer dizer, sofrer, fazer penitência, deixar o pecado e praticar a virtude esforçando-se para isso e pedindo isso para Deus. Todavia, o administrador iníquo, sem arrependimento do mal que cometeu, escapa dessa justa consequência com uma grande habilidade, uma habilidade que implica mais um pecado grave, mas que é uma grande habilidade. Diante disso, o senhor louva não a ação pecaminosa propriamente dita de reduzir injustamente a dívida dos devedores, mas a habilidade, a prudência do feitor.

A prudência consiste justamente em ordenar os meios para alcançar um determinado fim. A prudência não é ter medo, como muitos pensam. A prudência consiste em escolher os meios mais adequados para se chegar a um determinado objetivo. Agora, a prudência será uma boa prudência se ela escolhe meios lícitos para alcançar um objetivo lícito. A boa prudência é aquela que, em última instância, determina os melhores meios para que alcancemos a vida eterna. A boa prudência é aquela que dita o que se deve fazer em determinado momento para cumprir a vontade de Deus, para alcançar a vida eterna, levando em conta todas as circunstâncias e depois de madura reflexão. A má prudência, por outro lado, é aquela que dispõe os meios para fazer um pecado, para alcançar um fim ruim, oposto a Deus e à nossa salvação. A má prudência é também aquela que escolhe meios ruins para atingir um fim, ainda que esse fim seja bom. Dessa forma, fica evidente que a prudência do administrador da parábola é uma má prudência, que escolhe meios pecaminosos para atingir seu fim, que é escapar de uma justa punição. Dessa forma, o homem rico elogia não a ação, que foi desonesta, mas a capacidade, a indústria, a inteligência do feitor infiel em dispor os meios para atingir seu fim e ele o faz para que tenhamos a mesma habilidade, mas em vista de fazer o bem. Da mesma forma, poderíamos admirar a habilidade de um assaltante de banco em conseguir roubar milhões de reais sem que ninguém perceba, sem que um alarme sequer dispare, embora condenemos veementemente a ação do roubo. Nós devemos imitar esse administrador iníquo, mas com uma boa prudência, uma prudência que escolhe os meios mais adequados para chegarmos ao céu. Uma prudência que nos faz evitar o pecado e que nos faz sempre agir em vista do céu. Que fique claro, então, que o senhor – que na parábola é Deus – não faz o elogio do pecado ou da iniquidade, mas ele elogia a inteligência, a habilidade, a prudência do administrador em dispor os meios para atingir seu fim. Ele elogia o feitor infiel para nos mover a agir com muita prudência, com muita sagacidade, mas para o bem, escolhendo meios bons, meios lícitos a fim de praticarmos bem nossos deveres de estado e sempre tendo como objetivo último a vida eterna. Para tanto, devemos conhecer melhor o que é a virtude da prudência e os vícios opostos a ela.

A virtude da prudência é a virtude que, apoiada sobre a fé, inclina nossa inteligência a escolher, em toda e qualquer circunstância, os melhores meios para atingirmos nossos objetivos, sempre tendo em vista nossa finalidade última que é o céu, a vida eterna. Dessa forma, a verdadeira prudência sobrenatural nunca escolhe meios que nos impeçam de chegar ao céu ou que ofendam a Deus. A verdadeira prudência nos faz buscar, sob a luz da fé, os melhores meios para nos salvarmos. A virtude da prudência é indispensável para o exercício das outras virtudes, para o exercício da justiça, da temperança, da fortaleza, indicando a melhor maneira de exercê-las. É a prudência que dirige todas as outras virtudes, a fim de que se evitem os pecados por defeito ou por excesso. Sem a prudência, como saber, por exemplo, se é melhor calar ou reagir diante de uma adversidade? A prudência é necessária para conciliar virtudes que parecem contrárias, como a justiça e a misericórdia, a mansidão e a força, a penitência e o cuidado legítimo com a saúde, o recolhimento e o zelo apostólico, etc. É a prudência que nos indicará a maneira correta de proceder para conciliar essas virtudes sem que elas se destruam mutuamente. A prudência é também indispensável para evitar o pecado, pois para evitar o pecado é preciso conhecer as causas e as ocasiões do pecado e escolher bem os remédios. É exatamente isso que faz a prudência. Com a experiência do passado, próprio e alheio, e a partir do estado atual da alma, a prudência vê o que é ou será para nós uma ocasião de pecado e sugere, então, os melhores meios para que se evite a ocasião de pecado, o melhor meio para vencer as tentações, os remédios necessários. Sem essa prudência, quantos pecados são cometidos!

Para a perfeita prática da prudência, que nos é tão necessária é preciso que tenhamos  (i) a memória do passado, pois o conhecimento dos êxitos e fracassos passados próprios e alheios nos orientam muitíssimo para saber o que devemos fazer aqui e agora. A experiência é mãe da prudência. Por isso, as pessoas jovens não são, em geral, prudentes, por falta de experiência. Além da memória do passado, é preciso (ii) a inteligência do presente, para saber discernir se o que nos propomos a fazer aqui e agora é bom ou mau, lícito ou ilícito, conveniente ou inconveniente. Para uma prudência perfeita, é preciso também a (iii) docilidade, para pedir e aceitar o conselho de pessoas sábias – sábias do ponto de vista católico – e experimentadas, pois ninguém pode pretender saber resolver bem todas as situações que surgem. É necessária para a virtude da prudência também a (iv) sagacidade, que nos faz ver por nós mesmos com rapidez e exatidão o que devemos fazer nos casos urgentes, em que não temos ocasião de pedir conselho. Nos casos não urgentes, será necessária a (v) reflexão madura, proporcionada à situação e à questão. Precisamos também da (vi) providência, que é enxergar longe e ter bem presente qual é o nosso fim último, sem nos limitar a objetivos instantâneos. A providência deve também nos fazer prever as consequências boas e ruins das nossas ações. É necessária igualmente a (vii) circunspecção, que é a atenta consideração das circunstâncias para julgar se é conveniente ou não realizar tal ato diante de tais circunstâncias. Há atos que, considerados em si mesmos, são bons e convenientes para atingir o fim pretendido, mas que, em razão de circunstâncias especiais, poderiam se tornar contraproducentes, ou perniciosos. Finalmente, é preciso a (viii) precaução, para afastar os obstáculos que podem comprometer a consecução do fim. A precaução deve nos levar, por exemplo, a nos afastar das más companhias, que nos influenciam mal e que nos distanciam da nossa salvação. Em decisões importantes, todos esses elementos devem estar presentes.

Como vimos, a prudência consiste em refletir sobre quais são os meios mais aptos para se atingir um objetivo bom, em escolher os meios mais aptos e finalmente em decidir colocar em prática esses meios.  À prudência se opõem, então, a precipitação, a inconsideração e a inconstância. A precipitação nos leva a não refletir devidamente e, sem a devida reflexão, faremos um juízo do que é bom ou ruim de forma precipitada, apressada, e levados não pela razão, mas pelas paixões ou caprichos. Já a inconsideração nos faz escolher mal. Embora tenhamos talvez refletido, preferimos escolher fazer isso ou aquilo pelo simples fato de demandar menos esforço, por exemplo, ou porque nos agrada mais. Quanto à inconstância, ela no faz desistir facilmente, por motivos indevidos, das decisões e propósitos que havíamos feito após devida reflexão e devido juízo. A precipitação, a inconsideração e a inconstância são causadas principalmente pela luxúria, que é o vício que mais obscurece a razão, pois aplica veemente nossa alma às coisas sensíveis, impedindo que a inteligência considere e julgue devidamente as coisas. Em nossa sociedade dominada pela luxúria, constatamos claramente a dificuldade das pessoas em tomar decisões após a devida reflexão, vemos a dificuldade das pessoas em julgar corretamente as coisas, vemos a inconstância das pessoas. Também se opõe à prudência a negligência, que consiste na ausência de decisão eficaz depois de ter refletido devidamente. O precipitado não pensa devidamente sobre o que deve fazer. O inconsiderado escolhe mal o que deve fazer. O inconstante não coloca em prática o que decidiu. O negligente nem chega a decidir. Todos são imprudentes.

Além da precipitação, da inconsideração, da inconstância e da negligência, se opõem à prudência três vícios que se assemelham falsamente a ela: a prudência da carne, a astúcia e a solicitude excessiva pelos bens terrenos. A (i) prudência da carne consiste em uma habilidade para encontrar os meios oportunos para atingir fins que se opõem ao nosso fim último, para atingir fins que não se subordinam aos mandamentos de Deus. A prudência da carne encontra os meios oportunos para satisfazer as paixões desordenadas de nossa natureza ferida pelo pecado original. A prudência do administrador da parábola é claramente uma prudência da carne. Já a (ii) astúcia é uma habilidade especial para alcançar um fim, bom ou mal, mas por meios falsos, simulados. Ainda que o fim seja bom, os meios devem ser também sempre bons, e justos, e verdadeiros. Portanto, a astúcia, que usa meios simulados e vias falsas é pecaminosa. A astúcia pode ser praticada com as palavras (dolo) ou com ações (fraude). Finalmente, se opõe à prudência a (iii) solicitude excessiva pelos bens terrenos, se colocamos esses bens terrenos como o fim a ser buscado, ou se para buscá-los começamos a negligenciar a nossa vida espiritual, ou se não temos confiança na providência divina, temendo que nos falte o necessário, se fizermos o que temos que fazer. Assim, são imprudentes em razão da solicitude excessiva pelos bens terrenos, por exemplo, os que não confiam em Deus e que utilizam métodos anticoncepcionais, que se opõem à natureza humana.

Após considerar o que é a prudência e os vícios opostos, devemos saber o que é necessário para progredir na virtude da prudência. Devemos empregar alguns meios. Antes de tudo, é preciso rezar e pedir a Deus para que nos conceda a graça de uma verdadeira prudência sobrenatural, invocando o Espírito Santo, rezando para Nossa Senhora, para Nossa Senhora do Bom Conselho, por exemplo. Devemos, para progredir na prudência, sempre refletir de modo proporcional à importância da decisão a ser tomada, sem nos deixar levar pelo ímpeto da paixão, do sentimento, do capricho, mas, sempre guiados pelas luzes da razão iluminada pela fé. Devemos considerar com calma as consequências boas e más que se seguirão de tal ação. Devemos perseverar nos bons propósitos, sem nos deixar levar pela inconstância ou negligência. Devemos colocar em prática os bons propósitos assim que possível, do contrário vamos arrefecendo. Devemos nos manter castos e puros (cada um segundo o seu estado), pois, como vimos, a impureza prejudica gravemente a prudência, obscurecendo nossa inteligência. Devemos vigiar contra a prudência da carne, que busca pretextos e sutilezas para nos eximir do cumprimento do dever. Devemos sempre proceder com simplicidade e transparência, evitando toda simulação ou engano. Devemos ordenar à glória de Deus e à nossa salvação todas as nossas ações, pois fomos criados para conhecer, amar e servir a deus. Não age prudentemente quem de alguma forma age se opondo a essa finalidade. Devemos imprimir em nossa alma uma máxima, que nos recordará sempre a agir tendo em vista esse fim último. Por exemplo: “de que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro, se perde a sua alma?

Na parábola de hoje, o senhor elogia a prudência do administrador iníquo, para nos mostrar a habilidade, a capacidade e a eficácia dos filhos das trevas em alcançar seus maus objetivos. É grande, por exemplo, a habilidade dos defensores da cultura de morte. Eles são de uma grande habilidade para implantar o pecado. Se os deputados e senadores não querem aprovar uma lei que permita o aborto em qualquer caso, porque os congressistas temem não serem eleitos depois, os abortistas recorrem aos tribunais, que decidem em favor do aborto. Eles recorrem ao poder executivo, para que sejam feitas normas que ampliem o acesso ao aborto nos casos não punidos pela lei. Eles fazem leis suficientemente vagas para incluir nelas a possibilidade livre de aborto, etc. Se o Congresso não quer aprovar uma lei para o casamento homossexual, eles impõem tal união à sociedade por meio de decisão do Conselho Nacional de Justiça, que obriga os cartórios a registrarem tais uniões, etc. Os filhos das trevas são muito hábeis na prudência da carne, para buscar aquilo que ofende a Deus e que prejudica a sociedade, a fim de satisfazerem as paixões, a fim de implementarem uma ideologia diabólica. Nós devemos imitar a habilidade deles, mas para o bem, buscando um fim bom, e buscando esse fim bom com meios igualmente bons e justos, sem astúcia, sem enganação. Devemos buscar os melhores meios e executar com afinco esses meios, com a finalidade de que Nosso Senhor Jesus Cristo reine em nossas almas, para que reine na sociedade, para que Ele reine nas nações. Devemos sempre agir com prudência, tendo em vista sempre a nossa finalidade aqui na terra, que é a salvação da nossa alma. Devemos agir com prudência, refletindo, escolhendo os meios mais aptos, tomando a decisão de colocar em prática esses meios para sermos eternamente felizes no céu. Assim, no dia do juízo, Nosso Senhor poderá nos dizer: fidelis servus et prudens intra in gaudium domini tui. Servo fiel e prudente, entra na alegria do Senhor. (Mescla de São Mateus XXIV, 45 e XXV, 21)

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Sermão] A árvore boa e a árvore má

Sermão para o Sétimo Domingo depois de Pentecostes
07 de julho de 2013 – Padre Daniel Pinheiro

 

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…

“Assim, toda árvore boa dá bons frutos e toda árvore má dá maus frutos.”

Desde o começo do mundo havia duas árvores, desde a criação de Adão e Eva havia duas árvores. No paraíso terrestre, havia várias árvores, mas havia duas árvores principais. A árvore da vida e a árvore da ciência do bem e do mal. A primeira, a árvore da vida, dava bons frutos: ela conservava a vida do homem e cooperava, por virtude divina, para a imortalidade de nossos primeiros pais, imortalidade que era dom puramente gratuito de Deus. A segunda árvore dava maus frutos, era a árvore da ciência do bem e do mal, e seu fruto era a morte. Deus mandou nossos primeiros pais comerem da primeira – da árvore da vida – e de todas as árvores do paraíso, mas os proibiu de comerem da segunda – da árvore da ciência do bem e do mal – para que assim reconhecessem o domínio soberano de Deus sobre todas as coisas e sobre eles mesmos em particular.

Ora, o fruto da primeira árvore é a vida da graça, a justiça, a santidade, a vida de união e amizade com Deus e, finalmente, a vida eterna. É a árvore da vida. O fruto da segunda é o pecado mortal, o orgulho, a desobediência a Deus e a seus preceitos, a inimizade com Deus e, finalmente, a morte eterna no inferno. Essas duas árvores existem, de certo modo, ao longo de toda a história.

A árvore boa é constituída por Cristo e por seus membros: “Eu sou a videira; vós, os ramos. Quem permanecer em mim e eu nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer”, nos diz Nosso Senhor (Jo XV). A árvore boa é aquela que ilumina as inteligências com o ensinamento de Cristo. A árvore boa é aquela que transmite aos homens a graça por meio dos sacramentos para que esses possam observar – e observar com a alegria – a vontade de Deus. A árvore boa é aquela que santifica os homens com a fé, a esperança, a caridade. Com a humildade, a paciência, a fortaleza, a justiça, a pureza. A árvore boa é aquela que fomenta a verdadeira paz, verdadeira paz que só existe na ordem, que por sua vez só existe quando todas as coisas estão ordenadas, voltadas para o Deus Uno e Trino. A árvore boa é aquela que defende a verdadeira dignidade do homem, dignidade que se mede por sua união com Deus. A árvore boa é aquela que defende e favorece a verdadeira liberdade, verdadeira liberdade que não consiste em poder fazer o bem ou o mal indiferentemente, mas que consiste em escolher os meios bons para se fazer unicamente o bem. A árvore boa é aquela que nos dá a verdadeira alegria, pois ela nos dá a posse do verdadeiro bem, que é Deus. A árvore boa é aquela que ama verdadeiramente os homens, pois quer o bem deles, isto é, sua salvação. Para tanto, essa árvore, como uma boa mãe, não poupa esforços, admoestações, conselhos, preceitos e às vezes castigos, necessários para o bem dos filhos. É essa a árvore boa, nascida da árvore plantada no Cálvário, quer dizer, nascida da Cruz de Cristo. É essa a árvore boa, que dá bons frutos para a vida eterna: ela gera a santidade individual, o bem da sociedade e a glória de Deus. Não há dúvidas, a árvore boa é a Igreja Católica, o Corpo Místico de Cristo, da qual devemos ser ramos e ramos vivos pela fé, esperança e caridade.

A árvore má, por outro lado, é aquela que o inimigo do genêro humano – o demônio – utiliza como seu instrumento para perder as almas. Ele mente e é o o pai da mentira, desde o princípio. Para Eva, ele prometeu sorrateiramente: se comeres da árvore que está no meio do paraíso, sereis como Deuses. Ainda hoje, esse inimigo nos promete, fraudulentamente, a felicidade pela desobediência aos mandamentos de Deus. Ele faz de nós os ramos de sua árvore pelo pecado mortal, esse pecado que nos separa de Deus e é a antecâmara do suplício eterno. Os frutos dessa árvore são, como nos diz São Paulo, a fornicação, a impureza, a luxúria, idolatria, feitiçaria, ódio, discórdia, ciúme, ira, rivalidade, divisão, seitas, inveja, bebedeira, orgias e outras coisas semelhantes (Gal V, 19-21). E o santo Apóstolo completa: “Dessas coisas vos previno, como já vos preveni: os que as praticarem não herdarão o Reino de Deus!” (Gal V, 21) E depois continua: Não vos enganeis: nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os sodomitas, nem os ladrões, nem os avarentos, nem os difamadores, nem os assaltantes hão de possuir o Reino de Deus” (I Cor VI, 10). Eis os frutos dessa árvore má. São também frutos dessa árvore má as falsas religiões, as seitas, a maçonaria, a teosofia, e outras sociedades do mesmo tipo, bem como o esoterismo, tão em voga em nossos tempos.

Existem duas árvores, como existem duas filiações. Existem os filhos da mulher, Nossa Senhora, e os filhos da serpente, como está dito no Livro do Gênesis. Existem duas bandeiras, como nos diz Santo Inácio: a do demônio e a de Cristo. O demônio quer que nos coloquemos sob a sua bandeira pelo desejo das riquezas, pelo amor da glória desse mundo, pelo orgulho desenfreado, pelo pecado. Nosso Senhor, animado por caridade infinita para com o Deus e para conosco, quer que o sigamos com a pobreza de espírito, quer dizer, pelo desapego dos bens desse mundo, que são meros instrumentos. Ele quer que o sigamos pelo desejo dos opróbios e menosprezos, contra a vanglória desse mundo. Ele quer que o sigamos pela humildade, oposta ao orgulho. Ele quer que o sigamos pela virtude. Coloquemo-nos sob a bandeira de Cristo, sob o estandarte da Cruz. Escolhamos a Cristo por chefe e senhor, fazendo o que ele nos ensinou, praticando a virtude. Escolhamos servir o exército da Igreja de Cristo. Quando pelo pecado começarmos a nos afastar da bandeira de Cristo para servir ao demônio, busquemos confiadamente a confissão, o perdão de nossos pecados e busquemos servir ainda mais e melhor a Nosso Salvador e à sua Igreja.

Mas tenhamos sempre em mente que essa árvore má produz maus frutos unicamente na medida em que Deus o permite, para tirar deles um bem maior. E Deus mostra sua onipotência e sabedoria justamente tirando do mal um bem infinitamente superior. Do pecado original de Adão e Eva, enganados pelo demônio, Deus tirou a Encarnação de seu Filho Único. Seu Filho que vence o demônio na árvore da Cruz, Cruz que, por sua vez, gerou a árvore da Igreja. Não se trata, portanto, de equiparar as duas árvores, as duas filiações, os dois exércitos. Um vem de Deus que é infinitamente poderoso e infinitamente bom. O outro vem do demônio, uma criatura muito capaz, mas uma pobre criatura que renegou o criador e que tenta imitá-lo, mas para o mal. Uma pobre criatura que só age na medida em que Deus permite, e isso para tirar dos males um bem maior.

Se pertencemos outrora aos ramos da árvore má, e servimos à iniquidade como escravos do pecado, devemos agora ser ramos de Cristo, filhos da Igreja Católica, e devemos servir à justiça para chegarmos à santificação e à verdadeira liberdade, liberdade de filhos de Deus, uma liberdade que exclui o mal. Sejamos ramos de Cristo, do seu Corpo Místico que é a Igreja, e sejamos ramos vivos. Nosso Salvador nos disse (Jo XV): “Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o agricultor. Todo ramo que não der fruto em mim, ele o cortará; permanecei em mim e eu permanecerei em vós. O ramo não pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer na videira. Assim também vós: não podeis tampouco dar fruto, se não permanecerdes em mim. Eu sou a videira; vós, os ramos. Quem permanecer em mim e eu nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer. Se alguém não permanecer em mim será lançado fora, como o ramo. Ele secará e hão de ajuntá-lo e lançá-lo ao fogo, e queimar-se-á.”

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Sermão] São Paulo, modelo de fidelidade, caridade e humildade

Sermão para a Festa dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo
[Domingo,] 30 de junho de 2013 – Padre Daniel Pinheiro

 

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…

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Caros católicos, falamos ontem de São Pedro Apóstolo, da função que recebeu de NS: função de pedra fundamental da Igreja, de chefe supremo da Igreja. Falamos do sucessor de São Pedro, o Papa, e falamos da veneração que devemos ter por ele. A festa, porém, é também de São Paulo Apóstolo. Na liturgia, São Pedro e São Paulo estão sempre juntos. Quando se comemora a festa da conversão de São Paulo (25 de janeiro), faz-se memória de São Pedro. Quando se comemora a festa da Cátedra de São Pedro (22 de fevereiro), faz-se memória de São Paulo. No dia 29 de junho, a festa é de ambos, mas como em geral a ênfase é dada a São Pedro, foi instituída em 30 de junho a comemoração de São Paulo, com memória de São Pedro. Ontem no dia da festa de São Pedro e São Paulo, falamos de Pedro e do Papa. Hoje, na solenidade dessa mesma festa, falaremos do Apóstolo Paulo. Os dois estão assim tão unidos porque São Paulo cooperou, com São Pedro, de maneira eminente para a edificação da Igreja de Roma. São eles as duas colunas da Igreja Romana. Na frente da Basílica de São Pedro no Vaticano, vemos a imagem dos dois apóstolos. São Pedro, pastor supremo com as chaves do reino dos céus de um lado, e São Paulo, apóstolo com zelo extremado pela glória de Deus e pela salvação das almas do outro lado, com a espada, instrumento do seu martírio, mas também a espada da Palavra de Deus, que ele tão bem manuseou para a conversão das pessoas. Os dois estão unidos igualmente pelo martírio, pois foram para Deus no mesmo dia, 29 de junho. São Pedro crucificado, mas de cabeça para baixo, pois não se considerou digno de morrer como o Divino Mestre. São Paulo morreu decapitado, pois era cidadão romano e ao cidadão romano era reservada pena menos cruel e menos vergonhosa. Do Apóstolo São Paulo, podemos destacar a fidelidade à Palavra de Deus, a caridade e a humildade.

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[Sermão] São Pedro e o Papa

Sermão para a Festa dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo
29 de junhode 2013 – Padre Daniel Pinheiro

 

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…

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Peço que rezem por sua Eminência, o Cardeal Dom José Freire Falcão, que foi criado Cardeal no dia 28 de junho de 1988, completando ontem 25 anos de cardinalato. Sua Eminência, tem nos ajudado muito nesse Apostolado. Rezemos por ele também em agradecimento.

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“Tu és Pedro e sobre esta Pedra edificarei a minha Igreja.” Mt. 16, 16.

O Evangelho de S. Mateus de hoje é fundamental. Trata-se de uma das passagens mais importantes da Sagrada Escritura. Neste Evangelho está contido e afirmado o Primado de São Pedro e de seus sucessores, primado que faz parte da constituição da Igreja tal qual instituída por Deus, por NSJC.

Jesus dirigia-se, então, com seus discípulos à cidade de Cesaréia de Felipe, cidade pagã dedicada ao Imperador Romano e onde o culto aos ídolos era extremo. Convinha que Jesus Cristo estabelecesse aqui o chefe de sua futura Igreja: i) para mostrar que, em matéria religiosa ou em matéria conexa a ela, o Papa está acima do Imperador e de qualquer poder civil, e ii) para mostrar que a Igreja deve se estender não somente aos judeus, mas também aos pagãos, para que todos sigam a Cristo.

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[Sermão] A ira santa e a paciência imprudente

Sermão para o Quinto Domingo depois de Pentecostes
23 de junho de 2013 – Padre Daniel Pinheiro

 

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…

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“Se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, não entrareis no reino dos céus.” “Ouvistes o que foi dito aos antigos: Não matarás e quem matar será condenado em juízo. Pois eu vos digo que todo aquele que se irar contra seu irmão, será condenado em juízo.” (Mateus V, 21)

Neste trecho do Sermão da Montanha, que é o resumo da Lei Evangélica – lei do amor a Deus e ao próximo -, Nosso Senhor, legislador supremo, que aperfeiçoa a lei antiga e condena as interpretações erradas dadas pelos fariseus e escribas, mostra o valor profundo do quinto mandamento.  Não matar é insuficiente. É preciso cortar o mal em suas origens, pela raiz, é preciso coibir a ira, causa do homicídio.

O divino legislador parece, porém, violar a própria lei por Ele estabelecida. Pouco antes de estabelecer o perfeito sentido do quinto mandamento, Nosso Senhor atacou e condenou os fariseus, dizendo que a justiça deles era insuficiente para entrar no céu. Mas não somente isso: Nosso Senhor expulsa os vendilhões do templo com ira e condena os fariseus chamando-os de hipócritas, de cegos, de serpentes, de víboras, de orgulhosos. Haveria, então, uma contradição entre o preceito dado por Cristo e a sua atitude face aos fariseus?

A contradição, claro, é somente aparente. Para resolvê-la, devemos compreender o verdadeiro sentido do preceito e conhecer quem eram os fariseus e os escribas. Como explicam todos os Padres da Igreja baseados no texto grego do Evangelho de São Mateus, o que Nosso Senhor proíbe como pecado é a ira sem motivo. A ira é o sentimento, a paixão, que nos move a agir para restabelecer a ordem lesada por uma injustiça, para defender um bem que é atacado, uma verdade que é atacada. Assim, se esse movimento de cólera se dirige contra um verdadeiro mal a fim de restabelecer a justiça, a verdade ou a virtude por meios lícitos e dentro dos devidos limites, a ira não somente não é proibida, mas é mesmo louvável porque, neste caso, ela é conforme à razão e à moral. A ira encontra sua origem no amor do bem e da justiça. Quando o bem ou a justiça são atacados, nada mais virtuoso do que defendê-los dentro dos devidos limites. A ira deve, então, ser dirigida pela razão e voltar-se contra o mal, contra o vício, contra o pecado, que são uma ofensa a Deus, nosso maior bem. E face ao pecado e ao vício, a ausência de ira pode ser um pecado porque mostra a falta de amor por Deus. O preceito de Nosso Senhor – “todo aquele que se irar contra seu irmão, será condenado em juízo” – encontra seu verdadeiro sentido quando se compreende desse modo: todo aquele que se irar contra seu irmão, sem motivo, será condenado em juízo.

Resta saber se a ira de Nosso Senhor relativa aos fariseus é justa ou não.  Para tanto, é preciso conhecê-los. Fariseu quer dizer separado e comumente se pensa que os fariseus são aqueles que cumprem com exatidão a lei de Deus. Com frequência, católicos sérios são acusados de serem fariseus por buscarem, apesar de suas inúmeras fraquezas e defeitos, praticar bem a lei de Cristo, opondo-se às leis desse mundo. Ora, se os fariseus fossem simplesmente fiéis observadores da Lei de Deus, Nosso Senhor não teria razão para repreendê-los e condená-los, mas sim para elogiá-los dizendo: “servos bons e fiéis entrem na alegria do Senhor”. Nosso Senhor observou perfeitamente a Lei Mosaica e Nossa Senhora também. Seriam eles fariseus? Os fariseus não são aqueles que observam perfeitamente a lei de Deus.  Ao contrário, os fariseus não praticavam a lei dada por Deus e não deixavam os outros praticá-la: em primeiro lugar porque os fariseus e escribas – seguindo tradições puramente humanas, inventadas por eles, e interpretando a Lei segundo seus gostos – violavam essa mesma lei. Sob pretexto de cumprir tais tradições, a lei dada por Deus era desprezada. Sabemos que nenhuma lei humana, nem mesmo a lei de um país pode contrariar a lei estabelecida por Deus. Assim, inventaram uma consagração de certos bens a Deus para não ajudar os pais, evitando perder, dessa forma, certa riqueza (Marcos VII, 11), e se opondo ao quarto mandamento. Em segundo lugar, os fariseus violavam a lei porque praticavam uma religião puramente exterior, em que a pureza exterior substituía a santidade interior. Assim, eles pagavam o dízimo de todas as ervas (o que era bom e louvável), mas negligenciavam a justiça e a misericórdia (Mateus XXIII, 23). Eram hipócritas, bonitos por fora como um túmulo pintado de branco, mas no interior cheio de podridão. Finalmente, os fariseus violavam a lei pelo orgulho: todas as suas boas obras eram para ser vistas pelos homens e não por amor a Deus, em franca oposição ao que é preciso fazer, pois “quer comais quer bebais ou façais qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus” (I Cor X, 31) . Com essa doutrina, os fariseus não entravam no céu e também não deixavam os outros entrar, uma vez que eram os guias do povo. Eram, então, cegos guiando cegos. Haveria maior mal do que esse, haveria maior ofensa a Deus do que essa: impedir que os outros entrem no céu?

Nosso Senhor Jesus Cristo – que amava a Deus da maneira mais perfeita possível e que buscava a salvação das almas – não poderia ficar impassível face à péssima doutrina dos fariseus. Ele, sendo bom, amava a justiça, e a justiça lesada pede reparação. Assim, a ira de Nosso Senhor contra os fariseus é, em realidade, virtuosa porque ela tem um motivo perfeito: os direitos de Deus atacados e a salvação das almas impedida pela doutrina dos fariseus e escribas. É importante sabermos que existe uma ira santa. Muitos católicos pensam que a santidade consiste numa total indiferença face ao mal, no fato de não reagir de maneira alguma, na tolerância da diferença. Tudo isso baseado em um falso conceito de mansidão. A mansidão não impede a ira, mas a regula segundo a reta razão iluminada pela fé. De um lado, a mansidão impede a ira desordenada que pode ser pecado mortal ou venial, segundo exceda grave ou levemente os limites impostos pela razão na correção do próximo, na reparação da justiça, na defesa de um bem, de uma verdade. Do outro lado, ela impede uma excessiva brandura, originada do amor por uma falsa paz.  O exemplo de santidade e de mansidão é Cristo e Ele mostrou que em determinados momentos uma ira santa é indispensável. Assim, Santo Agostinho nos diz que aquele que não se enfurece (de maneira ordenada), quando há uma causa para isso, peca por uma paciência imprudente que favorece os vícios, aumenta a negligência e encoraja o agir mal. A ausência da ira seria então pecar contra a justiça e a caridade. Nós católicos e, sobretudo, aqueles constituídos em autoridade deveríamos, então, nos levantar para defender os direitos de Deus e nos opormos, com vigor, às leis e doutrinas iníquas: divórcio, aborto, contracepção, união contra a natureza, entre tantas outras… A nossa paciência imprudente já permitiu males enormes…

Todavia, a ira para ser santa deve ser prudente.

Ela deve ter como causa uma verdadeira injustiça. Ela deve proceder da inteligência e da vontade e não de um sentimento impetuoso e descontrolado. Ela tem que ser dominada pelo homem e não o homem ser dominado por ela. Se nossa inclinação é de falar bruscamente, com voz destemperada e expressões indevidas, com grosserias, palavras de baixo calão, nossa ira é desordenada, pecaminosa. Se nossa ira nos leva a agressões ou destruição do bem alheio, ela é pecaminosa (a não ser, claro, em caso de legítima defesa, ou em caso de exercício da legítima autoridade, mas sempre proporcionalmente ao mal que é combatido).

A ira santa deve ser exercida quando há alguma esperança de êxito e principalmente por aqueles que têm obrigação de denunciar a injustiça e de restabelecer a ordem. E, ainda que não haja a possibilidade de êxito, às vezes é preciso para não escandalizar os outros, dando a impressão de que estamos de acordo com o mal. Ela deve ser sempre proporcional ao mal causado, como já dissemos.

Ela deve ter em vista mais o bem comum e a glória de Deus do que o bem privado. A ira santa não deve ter como objeto os males e as pequenas injustiças que sofremos porque eles têm para nós algo de justo – pois merecemos ser punidos pelos nossos pecados – e de bom – porque se os aceitamos de bom grado, Deus nos conduz à vida eterna. Devemos ter muita paciência nas tribulações, unindo-nos a Nosso Senhor. Podemos, claro, buscar afastar essas adversidades e a causa do sofrimento, mas sempre com serenidade e com submissão à vontade de Deus. Diante do sofrimento e das adversidades, que nossa ira nunca se volte contra Deus, que é o autor de todo o bem.

Na ira santa, não devemos desejar o mal do pecador, mas o bem que é sua correção e o bem que é o restabelecimento da ordem violada – que no mais das vezes passa, claro, pela punição daquele que fez o mal.

Atenção. É muito fácil equivocar-se na apreciação dos justos motivos que justificam a ira e é muito fácil perder o controle no exercício dela. É preciso estar, então, muito alerta e, na dúvida, o melhor é inclinar-se à doçura e não à ira. 

Assim, Nosso Senhor, verdadeiramente manso, soube perfeitamente o momento de irar-se ou e não irar-se, pois muitas vezes o remédio mais eficaz diante de um mal não é a ira. Nosso Senhor irou-se contra os fariseus, pertinazes no erro e no pecado, mostrando a falsidade da doutrina desses mestres hipócritas, a fim de conduzir o povo a Deus e a fim de tentar converter os próprios fariseus. Mas Ele não se encolerizou contra Herodes ou Pilatos no momento de sua paixão, pois não convinha que Nosso Senhor reagisse: sua ira não os tiraria do mal no qual estavam afogados e convinha que ele morresse para nos salvar. Nosso Senhor também não se encolerizou nem com os apóstolos lentos para compreender os seus ensinamentos nem com outros pecadores (Maria Madalena, Zaqueu): neste caso, Ele sabia que o melhor remédio para conduzi-los a Deus era a paciência e a doçura e não ira.

Como diz, então, o Salmo: “Irai-vos, mas não pequeis”. Irai-vos por uma causa justa, irai-vos dentro dos justos limites. Irai-vos sem deixar se levar pela ira. Irai-vos mantendo sempre o controle da razão iluminada pela fé e pela caridade. Irai-vos amando o próximo, afastando o ódio pelos outros. Na dúvida, vale mais inclinar-se à doçura.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Nota do Editor: os destaques são nossos.]

[Sermão] Ecologismo e ambientalismo?

Sermão para o Quarto Domingo depois de Pentecostes
16 de junho de 2013 – Padre Daniel Pinheiro

 

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…

***

“Sabemos que todas as criaturas gemem e estão como que em dores de parto.”

Caros católicos, temos, na Missa de hoje, esse trecho da Epístola de São Paulo aos Romanos que nos fala dos gemidos e da ânsia das criaturas para se libertarem da sujeição da corrupção, e que poderíamos chamar de ecologia católica. Uma leitura apressada poderia nos fazer crer que São Paulo é um ecologista ou ambientalista de nossos tempos, preocupado com a natureza que sofre diante da perspectiva de esgotar-se, mal tratada pelo homem que se utiliza dela. Poderíamos pensar que o Apóstolo São Paulo é daqueles que, não contentes de estabelecer a oposição violenta da luta de classes entre ricos e pobres (marxismo ordinário), entre homem e mulher (feminismo), entre superiores e inferiores (entre pais e filhos, entre professores e alunos, etc.) estabelecem também uma oposição violenta entre o homem e o resto da criação, como faz o ecologismo ou ambientalismo de nossos dias.

Ora, é claro que não deve existir oposição entre ricos e pobres, mas cooperação, cada membro do corpo da sociedade exercendo a função que lhe cabe para o bem do corpo inteiro. Não deve existir oposição entre homem e mulher, mas complementaridade, cada um praticando bem o seu papel na família e na sociedade, conforme a especificidade dada por Deus a cada um dos sexos. Também é evidente que não deve haver oposição entre pais e filhos, superiores e inferiores. Os superiores devem governar para o bem dos inferiores, para o bem comum e os inferiores devem obedecer. Da mesma forma, não há oposição entre o homem e o resto da natureza. Para entendermos bem essa frase de São Paulo – “sabemos que todas as criaturas gemem como que em dores de parto” – para entendermos o que é esse sofrimento das criaturas de que fala São Paulo, precisamos compreender primeiramente o que é sofrer.

Se a felicidade consiste em possuir um verdadeiro bem que desejamos, a tristeza ou o sofrimento consiste justamente na privação desse bem desejado, ou no fato de que o bem possuído é atacado. Por exemplo, aquele que deseja a salvação das almas se alegra ao ver a conversão das almas, mas sofre ao ver que as almas pecam ou que elas são atacadas pelos mais diversos inimigos. São Paulo diz que as criaturas sofrem, gemem. Isso significa que elas estão sendo privadas do bem delas. Ora, o bem de cada coisa é alcançar a sua finalidade e também tudo o que pode levar a essa finalidade. Assim, o bem do homem é alcançar a vida eterna, pois foi para isso que fomos criados, e é bom para nós tudo o que pode nos ajudar a alcançar essa vida eterna. Como sabemos, Deus criou todas as coisas para que as perfeições divinas fossem manifestadas pelas criaturas. A finalidade das criaturas é dar glória a Deus, manifestando, por suas perfeições limitadas, a perfeição infinita de Deus. A finalidade das criaturas irracionais é manifestar a perfeição infinita divina e levar os homens a reconhecerem e louvarem a Deus e servir aos homens para que os homens sirvam melhor Deus. Como cantamos no Sanctus: os céus e a terra estão cheios de sua glória. O bem das criaturas irracionais é manifestar as perfeições divinas. O bem delas consiste mais precisamente em servir ao homem para que, por meio delas, o homem possa conhecer melhor as perfeições divinas e para que o homem as submeta, a fim de poder servir melhor a Deus. Por exemplo, podemos dizer que a uva alcança de modo sublime a sua finalidade e o seu bem quando ela é utilizada para a fabricação do vinho que servirá para a Missa. Podemos dizer que a madeira ou a pedra alcançam seu bem perfeitamente, quando nelas se realiza o santo sacrifício do altar. Podemos dizer que a água alcança a sua finalidade ao matar a sede do homem, ou como meio para assegurar a limpeza, etc… Portanto, o bem das criaturas consiste em servir ao homem para que o homem possa servir melhor a Deus. Uma árvore sozinha no meio do mato daria pouca glória a Deus. Uma árvore que se torna conhecida do homem e que pela sua beleza leva o homem até Deus, dá maior glória a Deus. Uma árvore que dá ao homem o alimento para que ele tenha forças para praticar o bem dá grande glória a Deus. Uma árvore que fornece a madeira para o altar dá uma glória sublime a Deus. Deus disse ao criar o homem: “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança. Que ele reine sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais domésticos e sobre toda a terra, e sobre todos os répteis que se arrastem sobre a terra.” (Gênesis I, 26). Reinar é governar e ordenar as criaturas irracionais em vista do nosso bem, que são nossas necessidades e, sobretudo, a nossa salvação.

Tal governo e ordem existiam perfeitamente quando Deus criou o homem. Quando Deus criou o homem, ele criou o homem no que se chama estado de justiça original. No estado de justiça original, o homem foi criado em estado de graça. Ao estado de graça estavam vinculados outros quatro dons gratuitos, que também superam as exigências da nossa natureza: 1) o dom da imortalidade (o homem não podia morrer), 2) o dom da impassibilidade (o homem não podia sofrer, nem no corpo, nem na alma), o 3) dom da ciência infusa (Deus deu a Adão toda a ciência necessária para que ele pudesse governar bem os filhos e a natureza, sem precisar aprender pela experiência, ao contrário de nós, que aprendemos aos poucos e somos, no início de nossa existência, como uma tábua rasa). Falamos de três dons. O quarto dom era o dom da integridade. Pelo dom da integridade, tudo estava perfeitamente ordenado no homem, o inferior ao superior. Dessa forma, a inteligência e a vontade estavam perfeitamente submetidas a Deus. As paixões, os sentimentos, estavam perfeitamente submetidos à inteligência e à vontade. Assim, Adão e Eva não desejavam comer mais do que o suficiente, não precisavam de roupas, pois não tinham tentações contra a pureza, etc. Vale lembrar que o pecado original não podia ser um pecado de concupiscência, mas somente um pecado de orgulho, pois Adão e Eva, em virtude do dom de integridade não podiam cometer pecados desse gênero. O pecado original foi um pecado de orgulho, pelo desejo de ser como deuses, empregando outros meios do que os meios dados por Deus. A inteligência e a vontade estavam submetidas a Deus. As paixões e sentimentos à inteligência e à vontade. O corpo estava submetido à alma. Os seres irracionais também estavam perfeitamente submetidos ao homem, que só os utilizava bem, que reinava sobre eles, em conformidade com a lei natural e com a lei divina. Mesmo os animais selvagens e ferozes eram submissos ao homem, como animais domesticados. Portanto, nos estado de justiça original, toda a criação estava perfeitamente submetida ao homem, que, por sua vez, estava perfeitamente submetido a Deus. A criação cumpria a sua finalidade perfeitamente: servir ao homem para que o homem servisse a Deus. O homem só usava com virtude a criação, sempre tendo Deus por finalidade. Todavia, todos esses dons dados por Deus estavam vinculados e eram dependentes do dom mais importante, que era a graça santificante. Ao cometer o pecado original, Adão e Eva perderam para si e para seus descendentes (todos os homens) não só a graça, mas todos os outros quatro dons: perderam o dom da imortalidade, o dom da impassibilidade, o dom da ciência, o dom da integridade. Depois do pecado, o homem está sujeito à morte, à dor e aos sofrimentos. A inteligência e a vontade se inclinam respectivamente para o erro e para o mal, as paixões tendem a se revoltar contra a razão e a vontade, as criaturas só podem ser dominadas com esforço. Depois do pecado original, podemos, pela bondade divina, recuperar a graça, mas não temos os outros dons e não temos direito a eles, pois haviam sido dados gratuitamente por Deus. Depois do pecado original, perdido o dom de integridade, o homem começa a usar – muitas vezes – mal as criaturas, que foram colocadas sob o seu domínio. Em vez de usá-las para a glória de Deus, utiliza-as para ofendê-lo, para cometer pecados e facilitar os pecados.

Caros católicos, quando São Paulo diz que a criação geme e está sujeita à corrupção, é no sentido de que ela é desviada do fim para que foi criada, no sentido de que ela é desviada pelo homem do bem dela, que é justamente servir ao homem para que ele sirva a Deus. São Paulo não quer dizer em nenhum momento que a natureza é uma entidade dotada de personalidade, ou que a natureza se confunde com a divindade, ou que nós formamos junto com a natureza um todo divino e vital. Muito se diz atualmente que devemos buscar a harmonia com a natureza. Devemos estar plenamente de acordo com isso, pois harmonia quer dizer ordem e a ordem natural significa sujeição do inferior ao superior. O solo é usado pelas plantas, para a nutrição delas. As plantas pelos animais. As plantas e os animais pelo homem. É, portanto, natural que o homem domine sobre as criaturas irracionais. E, por isso, o Filósofo – Aristóteles – diz que a caça de animais é justa e natural, pois pela caça o homem simplesmente reivindica o que lhe pertence naturalmente: o animal para a sua alimentação.  A harmonia com a natureza quer dizer, então, que o homem deve dominá-la e usá-la para o seu bem, em última instância usá-la para servir melhor a Deus. Portanto, o ecologismo ou o ambientalismo, que eleva a natureza ao grau de divindade ou que prefere preservar a natureza a preservar o homem – ao ponto de ser melhor abortar do que ter mais um ser humano na terra, que irá comer plantas e carne de animais – é uma grande desarmonia e falta de sintonia com a natureza. Respeitar a natureza, como se ela contivesse uma partícula da divindade ou como se fosse o próprio Deus, respeitá-la como se ela estivesse acima do homem, respeitá-la como se ela fosse a nossa mãe – a “mãe natureza” – ou virar vegetariano por respeito aos animais e à natureza é violar a ordem estabelecida por Deus e é desviar as criaturas irracionais da sua finalidade: servir o homem para que ele possa servir melhor a Deus. Os católicos podem deixar de comer carne, claro, mas é por penitência e não por respeito aos animais.

Sem dúvida, é preciso dominar e usar das criaturas racionais com prudência, mas não em virtude delas mesmas, e, sim, em razão de nosso bem e do bem de nossos descendentes. Assim, por exemplo, pode ser melhor preservar uma determinada área florestal ou determinada espécie de animal, não por simples respeitou e devoção a eles, mas para que pela contemplação dessas coisas possamos chegar até o autor delas, que é a Santíssima Trindade. Em todo, caso, não devemos nos preocupar demasiadamente com isso: “buscai primeiro o reino de Deus e tudo o mais vos será acrescentado”. Quantas vezes falsos profetas avisaram da escassez de alimentos e de recursos, caso a população humana continuasse crescendo, e com isso justificaram a contracepção, a destruição da família? Jamais faltou alimento e jamais faltará, por mais que a população cresça. Se Deus alimenta até mesmo as aves do céu, quanto mais os homens que buscam viver segundo a sua lei? Além disso, Deus deu ao homem a inteligência, capaz de encontrar soluções impressionantes.

Portanto, caros católicos, a natureza geme, em sentido figurado, porque a utilizamos mal e não porque ela sofre como um ser vivo, ou porque ela é desrespeitada, ou porque ela tem os mesmos direitos que nós. Não, ela sofre porque é usada contra a finalidade para a qual foi criada, que é dar maior glória a Deus, sendo utilizada retamente pelo homem. Devemos, então, caros católicos, utilizar as criaturas irracionais para o nosso bem, para o bem do próximo e para a maior glória de Deus, para que Ele seja mais conhecido e melhor servido.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Sermão] Exortação às crianças que recebem a Primeira Comunhão

Sermão para o Terceiro Domingo depois de Pentecostes
09 de junho de 2013 – Padre Daniel Pinheiro

 

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…

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Gostaria de lembrar que para comungar é preciso ser batizado, católico (e só católico, sem mistura de outras religiões ou doutrinas), não ter pecado grave na consciência (por exemplo, ter faltado à Missa aos Domingos por negligência, estar em situação matrimonial irregular ou usar método anticoncepcional), jejum de pelo menos uma hora antes da comunhão, estar vestido de maneira decente (quer dizer, cobertos os joelhos e os ombros inclusos e tudo o que se encontra entre os dois. A esse respeito ver a instrução no início do livreto da Missa).

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 Antes de me dirigir às crianças e, por meio delas, a todos, gostaria de lembrar a doutrina da Igreja acerca da primeira comunhão das crianças feita na idade em que elas começam a ter o uso da razão, quer dizer, em torno dos sete anos. Relembrarei simplesmente as palavras de São Pio X em seu decreto Quam Singulari de 1910 – recomendo a todos que o leiam – em que esse Papa Santo dá o último golpe contra os erros nessa matéria, em particular contra o jansenismo que exigia um estado de perfeição para a recepção da Sagrada Comunhão e um alto nível de instrução das crianças, fazendo-as esperar até os 10, 12, 14 ou mais anos. Infelizmente, o erro que São Pio X combateu se encontra hoje – e já faz algumas décadas – novamente difundido: a primeira comunhão e a primeira confissão se fazem muito tarde.

Diz São Pio X:

“(…) Este costume [nota do pregador: de receber tardiamente a primeira comunhão] que, sob o pretexto de assegurar o respeito devido ao Augusto Sacramento, afasta dele os fiéis, foi causa de males sem conta. Sucedia, de fato, que a inocência da criança, arrancada aos afetos de Jesus Cristo, não se alimentava de nenhuma seiva de vida interior; e, consequentemente, a juventude, privada de socorro eficaz e cercada de tantas armadilhas, perdia o candor e caía no vício, antes de ter provado dos Santos Mistérios. E ainda que se preparasse a Primeira Comunhão por uma formação mais diligente e uma Confissão mais cuidadosa, o que, na verdade, não se faz em todo lugar, sempre há um prejuízo para a primeira inocência, prejuízo que talvez pudesse ser evitado, se a Eucaristia fosse recebida em idade mais tenra.

(…) Causaram esses danos os que insistem mais do que é justo em que preparações extraordinárias antecedam à Primeira Comunhão, talvez sem perceber que esse gênero de cuidado deriva dos erros jansenistas, que sustentam que a Santíssima Eucaristia é um prêmio, e não um remédio para a fragilidade humana. Muito oposto a isso era o espírito do Concilio Tridentino, que ensinou que a Eucaristia é “o antídoto por meio do qual somos liberados das culpas quotidianas e preservados dos pecados mortais.” (Sess. XIII, de Eucharistia)

(…) a idade de discrição para comungar é aquela em que a criança sabe distinguir o pão Eucarístico do pão comum e corporal, para poder se aproximar do altar devotamente. Assim, não se requer um conhecimento perfeito das verdades de Fé, pois o conhecimento de alguns elementos basta, e isso é ter um certo conhecimento; nem se requer o uso perfeito da razão, pois basta um uso incipiente, e isso é ter um certo uso da razão. Com tudo isso, adiar a Comunhão, e estabelecer idade mais madura para recebê-la, deve ser algo completamente reprovado. E a Sé Apostólica muitas vezes condenou isso.”

No final do decreto, o Papa estabelece normas com relação ao assunto:

“I. A idade da discrição tanto para a Confissão quanto para a Comunhão é aquela em que a criança começa a raciocinar, isto é, pelos sete anos, às vezes mais, às vezes menos. Nesse período, começa a obrigação de satisfazer aos dois preceitos da Confissão e da Comunhão.

II. Para a primeira Confissão e primeira Comunhão, não é necessário um pleno e perfeito conhecimento da doutrina cristã. A criança, porém, deverá aprender depois gradativamente todo o catecismo, em conformidade com sua inteligência.

III. O conhecimento da religião que se requer da criança para que ela se prepare convenientemente para a primeira Comunhão é que ela entenda, segundo a sua capacidade, os mistérios necessários por necessidade de meio (nota do pregador: Santíssima Trindade e Encarnação, além da existência de Deus e do fato de que Deus é remunerador na ordem sobrenatural) e diferencie o pão eucarístico do pão comum e corporal, para que se aproxime da Eucaristia com a devoção que sua idade comporta.

IV. A obrigação do preceito da Confissão e da Comunhão que concerne à criança recai principalmente sobre aqueles que devem cuidar dela, isto é, sobre os pais, sobre o confessor, sobre os mestres e sobre o pároco. Ao pai, porém, ou àqueles que estão em seu lugar, e ao confessor é que cabe admitir a criança à primeira Comunhão, segundo o Catecismo Romano.

VII. O costume de não admitir as crianças à Confissão ou de nunca lhes dar a absolvição, embora tenham atingido o uso da razão, deve ser completamente reprovado. Por isso, os Ordinários locais, empregando também os remédios do direito, cuidarão para que tal costume desapareça inteiramente.”

Até aqui o decreto do Papa. Podemos ver, então, que a comunhão quando a criança atinge o uso da razão – em torno dos sete anos – é de uma necessidade grande para que ela preserve a sua alma pura de todo pecado, para que ela adquira forças para não cair nas inúmeras ciladas do mundo e do demônio, sobretudo em nossa sociedade atual. O Concílio de Trento diz que “as crianças que não têm o uso da razão não são obrigadas à Comunhão Sacramental por nenhuma necessidade” “pois nessa idade não podem perder a graça de filhos de Deus que receberam”. A única razão, então, que dá o Concílio de Trento para justificar que as crianças não são obrigadas a comungar é o fato de não poderem pecar. Assim, a partir do momento em que podem pecar mortalmente, quer dizer, a partir dos sete anos maios ou menos, elas precisam se confessar e precisam receber a Santa Eucaristia, para evitar a queda, para se fortalecerem espiritualmente, a fim de guardarem a pureza batismal. A comunhão feita cedo é um bem enorme para a criança, para a Igreja, para a sociedade.

Gostaria de dirigir, agora, algumas palavras àqueles que vão receber o Corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo pela primeira vez.

João Vitor, Miguel, Mateus, Jonathan, Enzo, Catarina e Bárbara. Hoje é o dia mais importante da vida de vocês, pois hoje é o próprio Jesus Cristo que vocês irão receber na hóstia consagrada. Nosso Senhor Jesus Cristo. Com seu Corpo, Sangue, Alma e Divindade. Vocês vão receber Nosso Senhor Jesus Cristo, que é verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem. Vocês vão receber Jesus Cristo, que passou a sua vida fazendo o bem. Vocês vão receber Nosso Senhor, que fez os mais sublimes milagres. Vocês vão receber Nosso Senhor, que nos ensinou a Verdade. Nosso Senhor, que veio ao mundo unicamente para nos salvar e obedecer assim a Deus Pai. Vocês vão receber Jesus, que nasceu de Maria Virgem, padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado morto e sepultado para perdoar os pecados de vocês e para salvar a alma de vocês e de todas as pessoas. Vocês vão receber o próprio Deus, criador de todas as coisas, do céu e da terra, dos anjos, dos minerais, das plantas, dos animais, dos planetas, dos homens: criador de tudo o que existe. Que graça enorme e que bondade enorme a de Nosso Senhor Jesus Cristo: se entregar a nós na Eucaristia para que possamos nos salvar. Portanto, vocês sabem muito bem que aquilo que vocês vão receber parece pão, tem gosto de pão, mas que é, na verdade, o Corpo, o Sangue, a Alma e a Divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo. Hoje é o dia mais importante da vida de vocês: é o dia em que o próprio Deus vai se entregar a vocês como alimento espiritual, para dar forças para que vocês sejam pessoas boas, quer dizer, pessoas que seguem aquilo que Cristo ensinou.

Hoje deve ser o dia mais alegre da vida de vocês, pois vão receber o maior bem e o maior tesouro que poderiam desejar. Não se trata de um brinquedo, de uma diversão de algo que passa e caba rapidamente. Não. É o próprio Deus que vocês vão receber. Deus, que é infinito, que é nossa felicidade e nossa alegria. Vocês receberão o próprio Deus na Eucaristia e o receberão bem preparados, com a alma pura, com o desejo de serem melhores cristãos: acreditando mais firmemente naquilo que Deus nos falou, praticando melhor os mandamentos, deixando de lado todo pecado, combatendo, com todas as forças de vocês, o pecado mortal e também o venial, que são os dois maiores males que existem. Se vocês receberem bem o Corpo, o Sangue, a Alma e a Divindade de Cristo, e receberem com frequência, vocês irão ao céu, vocês serão eternamente felizes no céu e agradarão a Deus.

Lembrem-se de que vocês, como todas as outras pessoas, foram criados para conhecer, amar e servir a Deus aqui na terra, para poder ser eternamente feliz com Ele no céu. Fazer uma coisa que não nos leve a conhecer, amar ou servir a Deus é perder o nosso tempo. Lembrem-se, então, de que a primeira comunhão não é o fim, mas o começo.

[Às crianças que fazem a Primeira Comunhão]: “Façam o esforço para rezar o terço diariamente, imitando o exemplo da Jacinta e do Francisco, crianças que viram Nossa Senhora de Fátima. Eles rezavam o terço diariamente e tinham a idade de vocês.”

A partir de hoje, vocês terão que se esforçar ainda mais para fazer aquilo que Deus manda, pois fazer o que Deus manda agrada a Ele e faz bem para vocês. A partir de hoje, vocês terão que rezar ainda mais: ao acordar, antes de dormir, antes das refeições, e várias outras vezes durante o dia vocês devem dirigir palavras a Jesus Cristo e à sua Mãe, Maria. Façam o esforço para rezar o terço diariamente, imitando o exemplo da Jacinta e do Francisco, crianças que viram Nossa Senhora de Fátima. Eles rezavam o terço diariamente e tinham a idade de vocês, aproximadamente. A partir de hoje, vocês terão que procurar conhecer ainda melhor aquilo que Cristo ensinou,para poder amar mais a Cristo e colocar em prática tudo o que Ele nos falou. Leiam o catecismo, perguntem aos pais, que têm obrigação de ensinar a doutrina cristã aos filhos, perguntem ao Padre. A partir de hoje, vocês terão que praticar ainda melhor os mandamentos, evitando com todas as forças de vocês o pecado, pois o pecado ofende a Deus e prejudica a alma de vocês. A partir de hoje, vocês devem receber com frequência a confissão e a comunhão. Se caírem em pecado mortal, procurem confessar rapidamente, fazendo o exame de consciência, com arrependimento, com o propósito de não mais voltar a pecar, confessando sem medo todos os pecados e cumprindo a penitência dada pelo Padre.

A partir de hoje, vocês assistirão à Missa prestando atenção no que está acontecendo, sem se distrair, sem conversar, sem brincar com o irmão ou a irmã. Vocês assistirão à Santa Missa com devoção, entregando tudo o que vocês são e tudo o que vocês têm para Deus. Lembrem-se sempre de que a Missa é a renovação do sacrifício do Calvário, a renovação da crucificação de Cristo. A Missa é o que tem de mais importante na face da terra. Na Missa, vocês devem adorar a Deus, reconhecendo que ele é o Senhor e o Mestre de todas as coisas e se submetendo a Deus todo-poderoso. Na Missa, vocês devem pedir perdão a Deus por todos os pecados que vocês cometeram. Na Missa, vocês devem agradecer por todos os benefícios, por todas as graças que Deus deu a vocês: foi Ele que criou vocês, é pelo poder dEle que vocês continuam existindo, é pela bondade dEle que vocês vão receber a Sagrada Comunhão, é pela bondade dEle que vocês fazem coisas boas. Na Missa, vocês deverão pedir a Deus as graças, as ajudas que vocês precisam para praticar o bem e para não praticar o mal, que é o pecado.

Peçam, principalmente, a graça de serem fortes: a graça de continuarem fazendo sempre a vontade de Deus, sem dar atenção aos colegas que zombam de vocês porque vocês praticam a religião, sem dar atenção a outras dificuldades. Nosso Senhor Jesus Cristo sofreu muito, até a morte e morte de Cruz, mas sempre continuou fazendo o bem, fazendo a vontade de Deus. Vocês devem imitar Nosso Senhor. Nunca deixar de fazer o bem, por mais difícil que seja. Assim, vocês serão verdadeiros heróis, vocês serão santos.

A partir de hoje, vocês deverão ter uma devoção muito grande a Nossa Senhora, Maria. Ela é a Mãe de vocês. Ela é uma boa Mãe que sempre nos ajuda. Nas dificuldades, nos sofrimentos, nas tristezas, mas também nas alegrias e em todas as situações, rezem para Nossa Senhora, rezem o Terço. Ela sempre nos leva para o Filho dela: Jesus Cristo.

Hoje e todos os dias, vocês devem receber a comunhão com muita devoção, sempre na boca, de joelhos, pedindo a Deus que Ele faça de vocês pessoas santas. Uma só comunhão basta para nos transformar, para nos fazer deixar os nossos erros e os nossos maus hábitos e costumes. Recebam a comunhão pedindo a Jesus Cristo a santidade, pedindo a Ele a graça de perseverar com a alma pura até o dia da morte de vocês, para que, nesse dia, vocês possam ir para o céu, para que possam ser eternamente e infinitamente felizes.

É o próprio Deus que vocês vão receber agora na alma de vocês. Façam para Deus uma morada, uma casa digna, com uma alma pura, uma alma que busca em todas as coisas agradar a Deus. Hoje é o dia mais importante da vida de vocês. Vocês receberão o Corpo, o Sangue, a Alma e a Divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Sermão] A Assistência à Santa Missa

Sermão para o Segundo Domingo depois de Pentecostes
02 de junho de 2013 – Padre Daniel Pinheiro

 

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…

***

“Um homem fez uma grande ceia e convidou muitos. E, à hora da ceia, mandou um servo dizer aos convidados que viessem, porque tudo estava preparado.”

A Parábola que Nosso Senhor conta hoje nos faz ver a conduta misericordiosa de Deus, que convida todos os homens à prática do Evangelho, à fé, à Igreja, à salvação, à felicidade eterna do céu. Todavia, podemos ver também nesse banquete a Santa Missa. Não porque a Missa seja essencialmente um banquete, pois sabemos que ela é essencialmente a renovação do sacrifício do Calvário. Podemos, porém, dizer que a Santa Missa é esse banquete ao qual Nosso Senhor nos convida, que ela é esse banquete que já está todo preparado. Todavia, quantos, infelizmente, não compreendem o valor da Santa Missa e quantos fabricam desculpas para não assistir à Santa Missa.

O terceiro mandamento nos manda santificar os domingos e festas. A nossa razão, sem necessidade da revelação, nos mostra que temos o dever de dedicar uma parte do nosso tempo ao culto de Deus, e isso não só em privado, mas também em público, pois somos animais racionais e sociais. Devemos dedicar um tempo para honrar publicamente aquele que nos criou, que nos sustenta, etc. Para facilitar o cumprimento desse dever, Deus determinou ao povo eleito que o sábado deveria ser o dia do Senhor. Essa determinação foi abrogada pela Nova Lei, que substituiu o sábado pelo domingo, porque foi nesse dia que Nosso Senhor ressuscitou e porque foi no domingo de Pentecostes que a Igreja foi promulgada, como dissemos na Festa de Pentecostes. Mudou-se também o dia para que os cristãos não confundissem as festas da nova lei com as festas judaicas. Esse mandamento de santificar domingos e festas nos obriga, de um lado, a cultuar e Deus como ele quer ser cultuado: pela assistência à Santa Missa. Por outro lado, ele obriga ao descanso dominical, proibindo, em particular, os trabalhos servis.

Trataremos hoje da assistência à Santa Missa. O homem tem o dever de honrar e adorar publicamente a Deus. Isso se faz, antes de tudo, por meio do sacrifício, que é o ato oficial e externo de adoração que os indivíduos e a sociedade oferecem a Deus. Hoje, e até o final dos tempos, esse sacrifício é o Sacrifício de Cristo renovado em nossos altares. Hoje, esse sacrifício é a Santa Missa. Não há outro sacrifício que seja agradável a Deus. Não devemos sacrificar comidas, animais ou outras criaturas. Oferecer a Deus outro sacrifício, que não o sacrifício da Missa, é desagradar a Deus. Só um sacrifício é possível, o da Santa Missa.

Nos domingos e festas de preceitos, somos, então, obrigados a assistir à Missa sob pena de pecado mortal. Muitas pessoas já não compreendem porque o fato de deixar de assistir à Missa aos domingos e dias santos sem ter motivo sério é uma falta grave e acham isso um exagero. Infelizmente, muitos já não sabem ou não querem compreender que a Santa Missa é o maior bem que nós temos na terra. Na Santa Missa, é o sacrifício de Cristo que se renova. A Missa e o a Cruz são o mesmo sacrifício. O mesmo sacerdote, que é Cristo. A Mesma vítima, que é também Cristo. A única diferença entre a Missa e o Calvário é o modo pelo qual Nosso Senhor Jesus Cristo se oferece a Deus. Na Cruz, Cristo se ofereceu de modo cruento, com sofrimentos, com derramamento de sangue. Na Missa, Ele renova o sacrifício do Calvário, oferecendo-se a si mesmo de forma incruenta, de forma sacramental, sem sofrimento, sem sangue, sem morrer novamente. É pela Cruz que Cristo nos obteve a possibilidade de ter os pecados perdoados. É pela Cruz que Cristo nos obteve os méritos para pedirmos as graças necessárias para a nossa salvação. É pela Cruz que Cristo no torna possível adorar perfeitamente a Deus. É pela Cruz que podemos agradecer a Deus por todos os benefícios que nos deu. Tudo isso que Cristo adquiriu no Calvário, Ele quis nos dar e aplicar por meio da Santa Missa, por meio da renovação incruenta de seu sacrifício. Podemos dizer, então, que é pela Missa que podemos obter o arrependimento de nossos pecados para buscar a confissão. É pela Missa que podemos obter as graças que precisamos para nos salvar. É pela Missa que podemos agradecer a Deus pelos seus inúmeros benefícios. É pela Missa que podemos adorar a Deus perfeitamente, reconhecendo o soberano domínio de Deus sobre todas as coisas e nos submetendo a esse soberano domínio. Claro que podemos fazer tudo isso fora da Missa, e devemos fazer todas essas coisas fora da Missa. Toda a eficácia, porém, dessas ações vêm da Missa, da Santa Missa. A Missa é o centro do mundo. A Missa é o centro de nossas vidas. Todas as graças vêm ao mundo por meio de Cristo, todas as graças nos são aplicadas por Cristo por intermédio da Santa Missa (daí, diga-se de passagem, a importância do Rito da Missa e a importância da Missa ser bem celebrada). A Santa Missa tem um valor infinito, pois nela é o próprio Homem-Deus que se oferece à Santíssima Trindade.

Tendo compreendido isso, é fácil compreender porque somos obrigados, pelo terceiro mandamento do decálogo e pelo primeiro mandamento da Igreja a assistir à Missa aos domingos e festas sob pena de pecado mortal. Pela Missa nos vem todas as graças como acabamos de dizer. Deixar de assistir à Missa aos Domingos sem ter uma razão séria, sem ter uma razão proporcional, traz para nossas almas grandes prejuízos. Deixamos de honrar Deus como lhe é devido. Deixamos de agradecer-lhe como lhe é devido. Deixamos de obter graças abundantíssimas para a nossa salvação. Deixamos de obter graças imensas de verdadeiro arrependimento. Trocamos um tesouro de valor infinito por uma criatura, pela preguiça, por uma diversão ou outra coisa…

Todos os fiéis devem, então, assistir à Missa aos domingos e dias de preceito determinados pela Igreja, sob pena de pecado mortal. E devemos assistir à Missa inteira, do primeiro sinal da cruz à bênção final. Para assistir à Missa, devemos ter a presença corporal, a intenção de cultuar a Deus e a atenção.

É preciso, então, assistir à Missa inteira. Quem falta a alguma parte dela já não assiste à Missa inteira. Conforme ao que se deixa de assistir, comete-se um pecado grave ou leve. Deixar de assistir a uma parte notável da Missa, pela duração ou pela importância, é falta grave. Assim, alguém que chega depois do ofertório, ou que chega depois do Evangelho e sai logo depois da comunhão omite uma parte notável da Missa. Aquele que se ausenta do prefácio até a consagração incluída ou da consagração inclusa até o Pai Nosso também perde uma parte notável, ainda que assista a todo o resto. Aquele que assiste à Missa inteira, mas deixa de assistir à consagração, também deixa de assistir a uma parte notável da Missa e comete uma falta grave. O Preceito pode ser cumprido, em caso de necessidade, pela assistência a duas Missa distintas, desde que não sejam celebradas ao mesmo tempo (no Rito tradicional é possível ter várias Missas em uma Igreja ao mesmo tempo, em altares distintos) e desde que se assista à consagração e à comunhão do sacerdote na mesma Missa.

Se a pessoa perde uma parte não notável da Missa, comete uma falta venial. Por exemplo, chegar atrasado, mas antes do ofertório não é perder uma parte notável. Deixar de assistir somente ao que segue à comunhão do sacerdote também não é perder uma parte notável. Deixar de assistir do início até a Epístola junto com o que segue à comunhão, também não é omitir uma parte notável. Diga-se, de passagem, que aquele que perde uma parte não notável da Missa pode comungar, pois não cometeu um pecado mortal ao deixar de assistir a uma parte não notável da Missa.

Em todo caso, o que chega atrasado à Missa está obrigado, leve ou gravemente, conforme à importância do que deixou de assistir, a suprir a parte que Missa que perdeu, assistindo-a em outra Missa, a não ser, claro que seja moralmente ou fisicamente impossível, por tratar-se da última Missa, por exemplo ou por outras razões válidas.

É evidente que para julgar a gravidade do pecado cometido é preciso considerar não só a qualidade ou a quantidade das partes da Missa a que se deixou de assistir, mas também a negligência e culpa da pessoa em não chegar no horário ou em não suprir a parte perdida da Missa. Se a pessoa não chegou antes do ofertório porque há um engarrafamento inesperado, por exemplo, não há, claro, nenhuma falta.

Essa presença corporal necessária para assistir à Missa é uma presença moral, de tal forma que seja possível dizer que aquela pessoa é uma das que realmente assistem à Missa. Por falta de presença corporal não cumpre o preceito aquele que assiste à Missa pela televisão ou pelo rádio ou o que permanece tão afastado do grupo de pessoas que assistem à Missa que já não se pode considerar que ela faz parte desse grupo. Todavia, não é necessário estar dentro da Igreja nem ver o sacerdote, bastando que faça parte dos que assistem à Missa e que possam acompanhar a Missa de alguma forma, seja pelos sons do sinos ou dos cantos, seja pelos gestos das outras pessoas, ajoelhando, levantando, etc…. Portanto, aqueles que estão na sacristia, ou atrás de uma coluna ou até mesmo na rua, se a Igreja está cheia, ou que estão ali atrás no claustro, estão corporalmente presentes à Missa e cumprem perfeitamente o preceito.

Além da presença corporal, é necessário que se assista à Missa com a devida intenção de cultuar Deus. Assim, aquele que vai à Missa unicamente para ouvir a música ou simplesmente para acompanhar outra pessoa, sem a intenção de honrar Deus, não assiste à Missa.

É preciso também ouvir a Missa com atenção, quer dizer, com a aplicação de nosso espírito ao que está ocorrendo. Para ouvir validamente a Missa se requer, ao menos, a atenção externa, evitando toda ação incompatível com a aplicação de nosso espírito à Missa. Assim, aquele que lê livros não religiosos durante parte notável da Missa não cumpre o preceito; aquele que conversa ou dorme durante parte notável da Missa não cumpre o preceito, etc. Por outro lado, o que toca órgão, o que faz a coleta, o que canta no coral ou o que dorme por alguns momentos, cumpre o preceito. A presença corporal com a intenção de honrar Deus e a atenção externa bastam para cumprir validamente o preceito. Claro que estamos falando aqui do mínimo para que o preceito seja cumprido e não do ideal, pois para que a pessoa possa obter os frutos da Missa e para que haja realmente o culto a Deus por parte dela, é preciso também a atenção interior, aplicando nossa inteligência e nossa vontade ao que está se realizando sobre o altar. Essa atenção pode ser às palavras e gestos do sacerdote, à significação dessas palavras e gestos, ou fazendo atos de caridade ou recitando orações piedosas, como o Terço. A distração voluntária durante a Missa é, portanto, uma falta, em geral leve, mas é uma falta, e uma falta que nos priva de muitas graças.

Muitas pessoas têm dúvidas com relação à assistência à Missa e o cuidado com as crianças pequenas. Como Nosso Senhor disse: deixai vir a mim as criancinhas (Lucas XVIII, 16). Claro que aquele que tem que voltar sua atenção aos cuidados da criança cumpre o preceito perfeitamente, bem como não tem que se preocupar aquele que tem que se afastar um pouco mais do grupo das pessoas que assistem à Missa quando a criança faz um pouco mais de barulho. Muitos pais gostariam de poder prestar mais atenção à Missa, mas a santidade não consiste em fazer o que queremos, mas em fazer aquilo que Deus quer, em particular cumprindo com nossos deveres de estado. Ofereça à Santíssima Trindade os cuidados que são dispensados aos filhos e que impedem o prestar atenção perfeitamente na Missa. É boa, muito boa a presença das crianças na Missa, pois na Missa rezamos de modo particular por todos os presentes. A criança, ainda que não compreenda o que está ocorrendo, recebe muitas graças em virtude dessas orações. Além disso, muitas graças são dadas à família que assiste à Missa unida. Aquele que vem à Missa com as crianças assiste à Missa e assiste bem à Missa, ainda que dedique parte notável da Missa aos cuidados da criança. Os pais podem e devem – com discrição, voz baixa e sem atrapalhar os outros – explicar às crianças o que está ocorrendo durante a Missa em suas partes mais importantes, sem que a assistência à Missa seja prejudicada. Tudo isso demanda um certo sacrifício dos pais, mas esse sacrifício será recompensado pelas graças recebidas pelas crianças e pelos pais. E, muito rapidamente, as crianças se acostumarão a ficar quietas durante a Missa.

Consideramos brevemente, então, o valor infinito da Missa e que, por isso, somos obrigados a assistir à Missa aos domingos e dias de preceito. E vimos que devemos assistir à Missa com presença corporal, com intenção de cultuar Deus e com atenção ao menos externa. Para deixar de assistir à Missa é necessária uma causa medianamente grave, ou seja, é preciso algo que cause um notável incômodo ou notável prejuízo nos bens da alma ou do corpo da própria pessoa ou do próximo. Para julgar a gravidade da causa devemos examinar se ela nos impediria também de fazer outras coisas importantes. As principais causas para poder deixar de assistir à Missa licitamente são três. A primeira é a impossibilidade moral: por exemplo, uma doença que impeça sair de casa também para outros assuntos importantes; uma distância considerável – os moralistas dizem cerca de uma hora a pé e tem gente que não quer fazer meia hora, quarenta minutos de carro; também os muito anciãos ou debilitados, que não podem ir à Igreja ou permanecer todo o tempo da Missa sem grave incômodo etc. não têm obrigação. Outro motivo que dispensa de assistir à Missa é a caridade, que obriga a socorrer o próximo, por exemplo, acompanhando um doente, ou se puder impedir com sua presença um pecado grave, ou para combater um incêndio e assim por diante… O terceiro principal motivo é por ter de cumprir uma obrigação, ou um dever: às vezes as mães para cuidar dos filhos, os militares, os policiais que devem garantir a segurança, médicos que têm de ficar de plantão e outros…

O católico que deixa de ir à Missa deixa de receber inúmeras graças, prejudica muitíssimo a sua vida espiritual e ofende gravemente a Deus, que quer ser honrado come lhe é devido, pela participação dos fieis à Santa Missa, pela participação à renovação do Sacrifício de Cristo. Assistir à Missa não é um fardo insuportável, mas é um grande bem para nossas almas e para a sociedade. A Missa é o que há de mais importante na terra, é o nosso maior tesouro, pois é em virtude dela, em última instância, que nos santificamos. Nosso Senhor já preparou tudo e nos convida com insistência a assistir à Missa e a assistir bem à Santa Missa. Basta aceitarmos o convite, sem desculpas vãs como as dos convidados para o banquete.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.