[Sermão] A importância das rubricas na liturgia

Missal Rubricas

Sermão para o 21º Domingo depois de Pentecostes

13.10.2013 – Padre Daniel Pinheiro

ÁUDIO: Sermão para o 21º Domingo depois de Pentecostes Importância das Rubricas 13.10.2013

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

Ave Maria…

“Todas as coisas dependem, Senhor, da vossa vontade e nada há que possa lhe resistir.” (Intróito)

Já tratamos, caros católicos, de alguns aspectos da Missa no Rito Romano Tradicional. Já tratamos do latim na liturgia, já tratamos da orientação do Padre, voltado para Deus e não para o povo, já tratamos do silêncio. E vimos a importância fundamental de todas essas coisas. Consideraremos, hoje, os benefícios, para nós e para a Igreja, que advêm das rubricas precisas e bem determinadas do Rito Romano Tradicional.

Antes de tudo, precisamos compreender o que são as rubricas. Nos livros litúrgicos nós encontramos textos em duas cores. Existem textos em preto e textos em vermelho. Os textos em preto são aquelas coisas que o sacerdote deve falar – em voz alta ou baixa, mas que deve falar. Os textos em vermelho descrevem e explicam o que o Padre deve fazer. As coisas em vermelho são as regras litúrgicas. Da cor vermelha vem o nome de rubrica, que vem de rubro, vermelho. No Rito Tradicional, as rubricas são bem precisas, bem determinadas. São raríssimas as opções no Rito Romano Tradicional. Portanto, a Igreja, assistida pelo Espírito Santo e, sobretudo, por meio de Papas santos – como São Leão Magno, São Gregório Magno, São Pio V – estabeleceu, ao longo dos séculos e baseada no que recebeu de NS e dos apóstolos, com precisão como deveria ser o Rito da Missa. Os senhores, frequentando a Missa Tradicional há um certo tempo, já perceberam que variações são praticamente inexistentes.

É comum ouvirmos críticas com relação à liturgia tradicional afirmando que se trata de uma liturgia engessada, sem espontaneidade, sempre a mesma coisa… Essa determinação precisa dos ritos e cerimônias, caros católicos, é, ao contrário, fundamental e é um grande bem. Primeiramente, as rubricas precisas formadas ao longo dos séculos pelo Espírito Santo, como falamos, deixam claro que é Deus que determina como ele deve ser cultuado. Não somos nós que decidimos como Deus deve ser cultuado, não somos nós que decidimos em um escritório como deve ser o rito da Missa ou que decidimos pelo improviso como Deus deve ser cultuado. Se nós consideramos a Sagrada Escritura, no livro do Levítico nós vemos as inúmeras e precisas regras estabelecidas por Deus de como ele deveria ser cultuado. Ora, se Deus fez isso com os sacrifícios e ritos que eram mera prefiguração do sacrifício perfeito de Nosso Senhor Jesus Cristo, convinha muitíssimo que Ele estabelecesse regras precisas de como deve ser cultuado na nova e eterna aliança. Deus, infinitamente sábio, conhece a fraqueza humana e sabe que, deixando o culto ao arbítrio do homem, grandes abominações serão feitas. Portanto, as rubricas bem determinadas nos dizem que é Deus que estabelece como Ele deve ser cultuado, é Ele que determina o que o agrada. Não somos nós que determinamos como Deus deve ser cultuado.

Em seguida, as rubricas precisas, como consequência óbvia do que acabamos de dizer, deixam claro que a liturgia é teocêntrica, o centro é Deus e não nós, os homens. As rubricas bem determinadas manifestam que a liturgia é algo voltado para Deus e não para o homem. Se pudéssemos determinar como Deus deve ser cultuado, no fundo seríamos nós o centro da liturgia, pois escolheríamos o modo de cultuar Deus que mais nos agrada. A liturgia se tornaria algo para nos agradar e não para agradar a Deus. Assim, as rubricas bem precisas nos mostram que é Deus que determina como Ele deve ser cultuado e nos mostra que o centro da liturgia é Deus, que a finalidade da liturgia é agradar a Deus e não a nós mesmos. Se queremos chegar ao céu, devemos agradar a Deus e não a nós mesmos. O rito bem determinado, com rubricas precisas, nos dá essa grande lição. Achar que estamos agradando a Deus, quando agradamos a nós mesmos, é um dos grandes erros dos nossos tempos.

As rubricas bem determinadas tiram, então, a liturgia do nosso controle e domínio. Não somos nós que determinamos como deve ser a liturgia, mas Deus. O fato de não termos controle e domínio sobre a liturgia nos mostra que ela está acima de nós, que é algo sagrado. Aquilo sobre o que eu tenho controle e domínio é inferior a mim. Ao contrário, aquilo que é determinado independentemente da minha vontade por Deus, é superior a mim, é sagrado. As rubricas bem determinadas nos inspiram, portanto, grande respeito e veneração pela liturgia, porque nos fazem compreender que a liturgia é algo sagrado. E diante do sagrado, do mistério, nossa inteligência não se cansa, apesar da repetição. Ao contrário, a repetição que surge das rubricas bem determinadas e da falta de opções nos permite compreender cada vez mais profundamente o mistério e nos unir melhor a NSJC. Se a cada Missa houver uma novidade, nossa atenção vai se voltar para essa novidade e não para o essencial do que está ocorrendo e nossa compreensão do mistério permanecerá sempre superficial. Procuraremos a novidade que agrada aos sentidos e não a profundidade que nos une a Deus. Ao mesmo tempo, essa repetição dos ritos permite ao sacerdote se concentrar cada vez mais no mistério que ele realiza e, portanto, permite ao sacerdote rezar a Missa cada vez com maior devoção, gerando mais frutos para as almas. A repetição é um grande bem na liturgia.

As rubricas precisas trazem consigo outros grandes benefícios espirituais. O primeiro benefício espiritual é uma grande paz. Uma grande paz para o sacerdote e uma grande paz para os fiéis. Só estamos verdadeiramente em paz, quando sabemos que estamos fazendo a vontade de Deus. A paz não é um sentimento, mas é a consequência de sabermos que estamos fazendo a vontade de Deus, que estamos fazendo aquilo que agrada ao Senhor, ainda que em meio aos maiores tormentos e combates. Ora, com o rito bem determinado pela Igreja ao longo dos séculos, sem as inúmeras opções, estamos certos de estarmos fazendo a vontade de Deus, de estarmos agradando a Deus, cultuando-o conforme Ele quer. Isso deve nos trazer uma grande paz. Com as rubricas precisas, estamos seguros de que fazemos a vontade de Deus. Isso traz uma grande paz para o Padre, em particular, porque ele não tem que se preocupar com o que ele vai escolher para agradar mais aos fiéis, ou para adaptar melhor a liturgia. O Padre não tem que se preocupar em escolher o rito penitencial 1, 2 ou 3. O Padre não tem que se preocupar em escolher tal ou tal prefácio. O Padre não tem que se preocupar em escolher tal ou tal Oração Eucarística. Não, tudo já está determinado, ele pode ficar absolutamente tranquilo de estar agradando a Deus e fazendo o bem para os fiéis. Isso dá na verdade uma grande liberdade ao Padre, pois não fica preso ao seu gosto, ao gosto dos fiéis, ao gosto da pastoral disso ou daquilo. Despreocupado de escolher entre as diversas opções, o Padre pode esquecer a si mesmo, para agir como outro Cristo realmente, e isso traz grandes benefícios para ele e para os fiéis.

As rubricas bem determinadas são também uma mortificação, uma negação de si mesmo, pois nos impedem de controlar a liturgia e nos ensinam a conformidade com a vontade de Deus. Quando controlamos algo tiramos disso uma satisfação. Controlar a liturgia ou determiná-la conforme a nossa preferência nos daria uma satisfação desordenada, pois estaríamos submetendo um bem espiritual aos nossos sentimentos. As rubricas bem determinadas impedem que um grupo imponha a sua espiritualidade ou falta de espiritualidade aos outros fiéis. As rubricas impedem as Missas carismáticas, as Missas das crianças, a Missa disso e daquilo. As rubricas deixam claro também que a liturgia não deve ser basear na personalidade do sacerdote. Hoje é muito comum ouvirmos: gosto da Missa do Padre tal, gosto da Missa daquele outro Padre. Isso é um sinal de que os Padres fazem a Missa corresponder à vontade deles. Tem algo gravemente errado nisso. A Missa é da Igreja e não do Padre tal ou tal.

Colocando Deus no centro, fazendo-nos cumprir a vontade de Deus, fazendo com que neguemos a nós mesmos, as rubricas precisas favorecem também a virtude da obediência. Ora, se na Missa, na liturgia, que é o que há de mais importante, eu posso fazer as coisas conforme a minha vontade, porque terei que obedecer em outras coisas menos importantes? As rubricas são indispensáveis para que haja a virtude da obediência, a prontidão em se obedecer às legítimas ordens dos superiores.

São inúmeros, caros católicos, os benefícios trazidos pelas rubricas precisas do Rito Romano Tradicional. Digo do Rito Romano Tradicional porque, infelizmente, a liturgia reformada em 1969 possui rubricas, sim, mas são tantas as opções permitidas pelas rubricas, que, no fim das contas, o princípio por trás das novas rubricas é praticamente faça como quiser. Pode-se escolher entre tantos ritos iniciais, posso escolher entre tantos ritos penitenciais, posso escolher entre tantas orações universais, posso escolher entre tantas orações eucarísticas… No fundo, é praticamente como se fosse dito, faça como quiser. E a psicologia humana funciona dessa forma. Acostumados a fazermos sempre as nossas vontades nas coisas lícitas, passaremos facilmente a fazer as coisas ilícitas. É regra de ouro na vida espiritual mortificar-se mesmo nas coisas lícitas para evitar mais facilmente as ilícitas. Quem faz sempre a própria vontade nas coisas lícitas, passará facilmente às ilícitas. Assim, das inúmeras opções permitidas pelas rubricas se passou rapidamente aos abusos, pois as inúmeras opções favorecem a nossa vontade própria e dão a impressão de que a liturgia é obra nossa e não de Deus, colocando-nos no centro. Além disso, tantas opções tiram a paz do sacerdote e dos fiéis, tiram o foco do sacrifício que se oferece no altar para nos focar nas opções, nas novidades. Daí, dessa grande liberdade nas rubricas, entre outras razões, o caos litúrgico que vivemos hoje, com tantos e tantos abusos, muitos deles graves.

O Livro dos Reis nos relata um exemplo interessante de abuso litúrgico. Heli era o sumo sacerdote naqueles tempos e ele tinha dois filhos que a Sagrada Escritura chama de filhos de Belial, dada a impiedade deles nos sacrifícios. Esses filhos de Heli pegavam indevidamente para si parte dos sacrifícios que os israelitas ofereciam, pegavam para si indevidamente a carnes dos animais oferecidos. Ou seja, colocavam-se no centro, no lugar de Deus. Grandes foram as consequências desses abusos dos filhos de Heli. A primeira dessas consequências que o povo se afastou dos sacrifícios, a segunda foi a morte dos filhos de Heli e a terceira foi a derrota de Israel para os filisteus e a conquista da Arca da Aliança pelos filisteus. E tão graves consequências por abusos nos sacrifícios que eram tão somente prefigurações do sacrifício imaculado de Cristo. Os abusos litúrgicos na Missa têm consequências semelhantes, caros católicos: eles afastam o povo devoto do sacrifício (até porque ninguém é obrigado a assistir a uma Missa em que ocorrem abusos litúrgicos sérios), fazendo que o povo perca o respeito pelo sacrifício, pelo que há de mais sagrado. Em seguida, os abusos litúrgicos prejudicam gravemente o povo, matando muitas almas espiritualmente, a começar pela alma do próprio sacerdote que o comete conscientemente. Finalmente, os abusos litúrgicos abrem largamente o flanco para que os inimigos da Igreja alcancem vitórias sobre ela e a humilhem. A negligência no que há de mais sagrado tem consequências gravíssimas e prejudica a salvação das almas. Tendo isso em vista, a Igreja sempre considerou que o sacerdote que não cumpre voluntariamente uma rubrica comete um pecado. Um pecado venial, se é uma rubrica sem maior importância, ou um pecado mortal, se é uma rubrica importante.

As rubricas bem precisas e bem determinadas da liturgia tradicional são um grande bem e um grande auxílio para a nossa vida espiritual e para a Santa Igreja. Elas são como as muralhas de um castelo, defendendo o tesouro da liturgia, do nosso maior tesouro.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Sermão] O Brasil escravo de Nossa Senhora Aparecida

Sermão para a Festa de Nossa Senhora Aparecida

12.10.2013 – Padre Daniel Pinheiro

ÁUDIO: Sermão para a Festa de Nossa Senhora Aparecida – O Brasil escravo de Maria 12.10.2013

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito santo. Amém.

Ave Maria…

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Hoje, Festa de Nossa Senhora Aparecida. Lembro aos pais que devem explicar aos filhos que a importância do dia de hoje é devida a Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil, e não porque é o dia das crianças. O feriado foi instituído e existe em honra de Nossa Senhora Aparecida.

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Caros católicos, quando falamos da natureza do culto devido a Nossa senhora dissemos que, além da veneração, da invocação, do amor, da gratidão e da imitação, era devido a Maria Santíssima também um culto de escravidão. A Nossa Senhora como Rainha do céu e da terra, de tudo e de todos, se deve uma verdadeira escravidão. Uma escravidão por amor. E essa escravidão sintetiza perfeitamente todos os outros atos pertencentes ao culto de Maria. O escravo fiel a sua Rainha, a venera, reconhecendo sua singular excelência. O escravo ama a Rainha que o governa tão bem, e ele procura, consequentemente, agradar em todas as coisas à Rainha. O escravo tem gratidão por uma Senhora e Rainha que fez e faz por ele tantos favores e obtém tantas graças. O escravo invoca e recorre com grande confiança a uma Rainha que conhece suas necessidades, e que pode, e quer socorrê-lo em suas dificuldades. O escravo fiel, por último, trata de imitar a Rainha, já que reconhece nela o modelo de todas as virtudes.

Que Nossa Senhora seja Rainha, caros católicos, é inegável. Ela é Rainha porque é a Mãe do Rei, ela é a Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo. Nosso Senhor é Rei mesmo enquanto homem porque está unido com o Verbo ao ponto de formar com Ele uma só pessoa, uma pessoa divina. Nosso Senhor é Rei porque nos redimiu na cruz, quer dizer, Ele é Rei por direito de conquista. Nossa Senhora, por sua vez, é Rainha porque é a Mãe de Deus, o que a faz ter uma relação única com Nosso Senhor Jesus Cristo, com o Verbo. Nossa Senhora é Rainha também porque é corredentora, porque participou de forma singular em nossa redenção, adquirindo sobre nós a realeza. Ela é Rainha porque sua santidade é maior que a de todas as outras criaturas, incluindo os anjos. Vemos isso claramente na Ladainha de Nossa Senhora. Mais especificamente, ela é Rainha dos Anjos porque conhece mais profundamente que eles os mistérios divinos. Rainha dos patriarcas porque supera todos eles em heroísmo e em piedade. Rainha dos profetas porque os supera no dom da profecia. Rainha dos apóstolos porque os supera no zelo pela glória de Deus e salvação das almas. Rainha dos mártires porque supera todos eles na virtude da fortaleza. Rainha dos confessores porque sua fé aqui na terra era imensamente superior à fé dos confessores. Rainha das virgens porque supera todas elas com sua pureza imaculada. Enfim, Rainha de todos os santos.  É óbvio que a realeza de Maria é uma realeza dependente e subordinada à realeza de Jesus Cristo. Não são, portanto, dois reinados absolutos e independentes. O reinado de Nossa senhora depende e está subordinado ao de NS. E Maria, como dispensadora de todas as graças adquiridas por Cristo, participa de modo sublime no governo de seu Filho, ajudando-nos a viver em conformidade com a lei da graça.

Nossa Senhora é, portanto, verdadeiramente Rainha, quer queiramos ou não. A nós cabe reconhecer a realeza dessa Rainha que é também nossa Mãe e nos submeter plenamente, entregando a ela tudo o que temos, tudo o que somos, todas as nossas ações passadas, presentes e futuras. Nós já sabemos que o melhor meio para chegar a Nosso Senhor é por Maria, é pela devoção a Maria. E a melhor devoção a Maria é a consagração total a ela como escravos dela, reconhecendo que pertencemos a ela, que somos propriedade dela e entregando tudo a ela, para que ela disponha disso da melhor maneira possível com o objetivo de dar maior glória a Deus e de salvar as almas. Pela consagração total a Maria, nós entregamos tudo a Nossa Senhora: corpo, alma, os bens exteriores, como casa, família, riquezas, e os bens interiores, como méritos, graças, virtudes, satisfações. Nós nos imolamos inteiramente a Jesus nos consagrando totalmente a Maria, e sabendo que, apresentados pelas mãos de Nossa Senhora, esses bens terão muito mais valor aos olhos de Deus e serão aproveitados de forma muito mais perfeita. Além de nos entregarmos inteiramente a Maria, a total consagração a ela consiste também em fazer todas as coisas por Maria, com Maria, em Maria e para Maria. Não basta fazer o ato de consagração e renová-lo com regularidade, se não se vive realmente uma vida espelhada em Maria. É preciso fazer todas as coisas com Maria, quer dizer, tomando-a como modelo de santidade. Fazer todas as coisas em Maria, quer dizer, em união com ela. Fazer todas as coisas por Maria, sempre por meio dela e por sua intercessão, ainda que implicitamente, sem precisar dizer a cada vez que estamos pedindo sua intercessão. Fazer todas as coisas para Maria, para agradar-lhe e poder, assim, agradar a Nosso Senhor Jesus Cristo e à Santíssima Trindade. Fazer tudo com Maria, em Maria, por Maria e para Maria, como diz São Luís de Montfort, para podermos fazer da melhor maneira possível tudo com Jesus, em Jesus, por Jesus e para Jesus. A total consagração a Maria, nunca é demais repetir, é a mais perfeita consagração a Jesus, pois Maria nos conduz a Ele com suavidade, com firmeza e rapidez.

São inúmeros os benefícios dessa total consagração a Jesus por meio da escravidão a Nossa Senhora. Ela nos consagra inteiramente ao serviço de Deus, entregando a Jesus por Maria tudo o que somos e temos. Com essa consagração, imitamos Nosso Senhor Jesus Cristo, que se submeteu a Nossa Senhora durante grande parte de sua vida e ainda hoje atende a todos os seus pedidos. Ela nos traz grandes benefícios porque atrai o amor de Nossa Senhora e seus auxílios especiais. Maria Santíssima, ao ver que alguém se despoja de tudo para honrá-la e servi-la, não poupará esforços para ajudá-lo no caminho para o céu. Com essa consagração, nossas boas obras são purificadas. A melhor de nossas obras sempre é feita com certo amor próprio, em virtude de nossas fraquezas. Quando as entregamos a Maria, ela purifica nossas boas obras dessas pequenas manchas. Com essa consagração, nossas obras se tornam mais belas diante de Deus. Se oferecêssemos uma simples maçã ao Rei, como diz São Luís de Montfort, nosso oferecimento talvez não fosse tão agradável. Mas quando entregamos essa maçã para a Rainha, ela a coloca em uma bela bandeja de ouro e apresenta essa simples homenagem ao Rei, que ficará muito benévolo em virtude da intermediária e em virtude do modo pelo qual chegou até Ele a homenagem. Essa devoção é também boa para o nosso próximo, pois Nossa Senhora saberá aproveitar plenamente nossas boas obras para o bem dos outros. Enfim, essa consagração é a melhor coisa que podemos fazer se queremos realmente nos converter, caros católicos. Uma explicação tão breve dá somente uma pálida ideia do que é essa escravidão por amor, do que é essa consagração total a Jesus por Maria. Recomendo que leiam o Livro de São Luís de Montfort, Tratado da Verdadeira Devoção a Maria, se quiserem entender bem esse tesouro inesgotável e tendo-o lido, que procedam à consagração, se ainda não a fizeram Que procedam a essa consagração com a real intenção de conversão, de servir Nossa Senhora e Nosso senhor Jesus Cristo. Lembro a todos que a devoção a Nossa Senhora não é uma devoção sentimental ou açucarada. A devoção a Nossa senhora deve nos preparar para a batalha. Para os homens e rapazes, em particular, a devoção a Nossa Senhora deve favorecer a virilidade, tornando-nos capaz de controlar nossas paixões e de nos dispor ao combate espiritual.

Tudo isso que falamos se aplica no plano pessoal, caros católicos. Todavia, se aplica também no plano social. Toda sociedade é também uma criatura e, como tal, deve reconhecer e se submeter à Realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo e à realeza de Nossa Senhora. O Brasil tem por Rainha Nossa Senhora da Imaculada Conceição sob o título de Aparecida. Se o Brasil quer realmente viver na ordem, é preciso que seja escravo de Nossa Senhora. O Brasil precisa venerá-la, invocá-la, amá-la, agradecer-lhe, imitá-la, submeter-se a ela. Somente assim haverá a verdadeira ordem, que não pode ser outra do que a ordenação de tudo a Nosso Senhor Jesus Cristo. Somente reconhecendo a realeza e a soberania de Nossa Senhora o país poderá ter um verdadeiro progresso, que não é simplesmente um progresso econômico-social, mas que é um progresso das virtudes no povo, das virtudes naturais e sobrenaturais. Ao desprezar Maria Santíssima com tantas leis iníquas (indiferentismo religioso, aborto em alguns casos, uniões homossexuais e tantas outras coisas); ao desprezar Maria por um sistema político completamente esquecido de seu Filho e de sua Igreja; ao desprezar Maria por uma sociedade cada vez mais hostil à religião católica; ao desprezar Maria pela falta de culto público tributado a ela; ao desprezar Nossa Senhora de tantas formas, o Brasil caminha para o abismo. É nosso dever de piedade filial rezar pelo Brasil, recorrer a Nossa Senhora, pedindo pelo Brasil. E, ao pedirmos pela Brasil, devemos pedir não somente pelos governantes, mas também pelo clero, pelos bispos, pelos sacerdotes, para que sejam fiéis e santos.

Claro, devemos batalhar na esfera pública pela realeza de Nossa Senhora, mas devemos começar reconhecendo a realeza dela sobre a nossa alma. Uma ação individual tem um efeito sobre toda a sociedade, inevitavelmente. Assim, um pecado individual, ainda que praticado sozinho, sem o conhecimento dos outros, traz um prejuízo para a sociedade, porque esse pecado prejudicou ao menos um membro da sociedade e, ao prejudicar um membro, é toda a sociedade que é prejudicada. De forma semelhante, mas ainda mais intensa, uma ação meritória traz um benefício para toda a sociedade ainda que seja uma ação desconhecida das outras pessoas, pois essa ação fez um bem ao menos para um membro da sociedade, e, ao beneficiar um membro da sociedade, toda a sociedade é beneficiada. Portanto, caros católicos, podemos imaginar o bem que traz para a sociedade a alma que se consagra totalmente a Nossa Senhora e vive realmente essa consagração. Se queremos mudar a sociedade, devemos primeiro mudar a nós mesmos.

Roguemos a Maria Santíssima para que alcance de seu divino Filho misericórdia para nosso país tão ingrato com os benefícios divinos, benefícios naturais e sobrenaturais. Em particular, o benefício de ter dado ao nosso país, por meio dos missionários portugueses, a fé. A fé católica, que cada vez mais se enfraquece em nossa sociedade, nos fazendo voltar a viver como pagãos. Roguemos a Maria para que tenha piedade de nosso país, que está em ruínas espiritualmente falando. E quando uma sociedade está em ruína espiritualmente, todo o resto termina também desmoronando. Nós repetiremos, após a Missa, a oração e a consagração a Nossa senhora Aparecida feita pelos bispos do Brasil diante das autoridades civis em 1931. Faremos a nossa parte para que o Brasil reconheça a sua rainha e a sirva dignamente, para assim servir ao Rei dos reis, NSJC. Faremos a nossa parte para honrar publicamente a Nossa Senhora Aparecida. Se Nossa senhora for devidamente honrada publicamente nos dará abundantes graças, como ao ser encontrada nas águas do Rio Paraíba fez com que a pesca fosse abundante. Sem Maria, não há peixes. Com Maria, eles são abundantes.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Sermão]: O Santo Rosário: arma espiritual para alma, a Igreja e a sociedade

Sermão para a Solenidade da Festa de Nossa Senhora do Rosário – 20º Domingo depois de Pentecostes

06.10.2013 – Padre Daniel Pinheiro

ÁUDIO: Sermão para o 20º Domingo depois de Pentecostes – N. Sra. do Rosário 6.10.2013

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

Ave Maria…

 “Fazei-nos, Senhor, pelos mistérios do Sacratíssimo Rosário, meditar na vida, paixão e glória de Vosso Filho Unigênito, para que sejamos dignos das promessas d’Ele.” (Secreta da Festa de Nossa senhora do Rosário).

Como sabemos, caros católicos, a festa de Nossa Senhora do Rosário foi instituída pelo Papa São Pio V em 1571, após a vitória dos católicos na batalha naval de Lepanto, contra os mulçumanos turcos. O primeiro nome da festa foi o de Nossa Senhora da Vitória. Logo em seguida, o Papa Gregório XIII mandou que a festa fosse em honra de Nossa Senhora do Rosário. Provavelmente, o Papa Gregório XIII queria não somente lembrar a vitória alcançada por Nossa Senhora, mas também a principal arma empregada para que a vitória ocorresse: o Santo Rosário, pois o Papa São Pio V pedira a todos os católicos que rezassem o Terço, para que os católicos vencessem a batalha naval. Ao mesmo tempo, todos os que estavam a bordo das galés também levavam consigo o Rosário. E o estandarte da nau capitânia de Dom João de Áustria, o chefe dos cristãos, era Cristo crucificado. E, além da cruz, ele levava também uma cópia de uma misteriosa imagem de Nossa Senhora que havia aparecido no manto de um índio no México. A bordo da nau de Dom João de Áustria, estava, então, a imagem de Nossa Senhora de Guadalupe. Os Missionários, graças a Deus, nos trouxeram a verdadeira religião, nos trouxeram Jesus Cristo. O continente americano ajudava agora, com Nossa Senhora de Guadalupe, na preservação do Velho Continente, a Europa. A festa de Nossa Senhora do Rosário foi assim instituída, por gratidão a tão boa Mãe e para favorecer a prática dessa excelente devoção que é o Terço. Em Lepanto, a civilização cristã foi salva contra a barbárie dos turcos mulçumanos pelo Rosário.

Como sabemos também, caros católicos, o Santo Rosário foi a arma dada por Nossa Senhora a São Domingos de Gusmão, fundador da Ordem dos Dominicanos, para ele vencer a heresia albigense ou cátara, heresia descendente do maniqueísmo, e que atingia, particularmente, o sul da França. Tratava-se de uma heresia monstruosa, que considerava a matéria como um mal. Assim, havia a prática do suicídio, eles se opunham ao matrimônio, pois o matrimônio, pela procriação, geraria almas presas a corpos. Por outro lado, favoreciam qualquer outro ato de luxúria, desde que se evitasse a concepção, e não viam com maus olhos a união entre pessoas do mesmo sexo. Destruíam, portanto, a família e combatiam muitas outras instituições sociais: eram contra a pena de morte, contra qualquer tipo de guerra, ainda que defensivas. Era uma heresia que conduzia ao caos social. Eles negavam, evidentemente, a ressurreição da carne, mas acreditavam na reencarnação, negavam o livre-arbítrio, etc. Muitas coisas que vemos amplamente espalhadas em nossa sociedade, não por acaso. Tratava-se, então, de uma heresia que se opunha à fé e que trazia grandes prejuízos à sociedade civil. São Domingos com suas pregações, com suas virtudes, conseguiu pouca coisa diante desses hereges. Foi com o Rosário dado por Nossa Senhora que ele conseguiu tirar as almas desse erro tremendo. O Rosário, na forma em que o conhecemos hoje, foi dado por Nossa Senhora a São Domingos nessa ocasião. O Rosário é o protetor da civilização católica, como vimos na batalha de Lepanto. O Rosário é também arma contra as heresias, como visto no caso dos albigenses.

Caros católicos, se a oração do Rosário pode fazer tanto bem em coisas de tal importância, quanto bem ele não faz para a nossa alma? O terço é também oração eficaz, muito eficaz para a nossa santificação, para que nos convertamos inteiramente a Nosso Senhor Jesus Cristo. Se rezássemos bem o terço, a heresia do modernismo já teria desaparecido. Essa heresia que, simplificando e resumindo, consiste em afirmar que podemos acreditar no que quisermos e que podemos fazer o que quisermos, desde que nos sintamos bem, desprezando aquilo que nos foi dito por Deus. “Acredite no que quiser, siga a moral que quiser, o importante é você se sentir bem, pois se se sente bem está com Deus”, ouvimos com frequência. Se rezássemos bem o terço, nosso país não estaria se afastando cada vez mais das leis de Deus. Se rezássemos bem o terço, nos afastaríamos definitivamente dos pecados mortais e dos pecados veniais deliberados, nos tornaríamos santos.

Se rezássemos bem o Terço… Mas o que é rezar bem o Terço? Como rezá-lo bem? O Terço é uma oração vocal e mental, caros católicos. Isso significa que devemos rezá-lo com todas as condições necessárias para uma boa oração vocal: estar em estado de graça, ou, ao menos, desejar verdadeiramente sair do estado de pecado mortal, se nos encontramos nele. Em seguida, devemos pedir coisas úteis para a nossa salvação, bens espirituais, antes de tudo. Devemos rezar com recolhimento, com atenção, evitando as distrações voluntárias, combatendo as involuntárias. Devemos rezá-lo com humildade, sabendo que não somos dignos de sermos atendidos. Devemos rezar com resignação, aceitando a vontade de Deus, que conhece perfeitamente o que é o melhor para nós. Devemos rezar com perseverança e grande confiança de sermos atendidos, se pedimos o que é bom para nossa alma. Se deixarmos uma dessas coisas de lado, nosso Terço já não será muito eficaz, perderá muito de sua potência. Mas o Terço é também oração mental, caros católicos. Isso significa que, ao rezar o terço, devemos considerar os mistérios da vida de Cristo e de Nossa Senhora e devemos tirar frutos, resoluções práticas, para a nossa vida, para nos corrigirmos em tal erro, para progredirmos em tal virtude, etc. O Terço bem rezado supõe essa oração mental, essa consideração dos mistérios do Terço e a resolução prática para progredirmos na prática do bem. Nessa união de oração vocal e mental está a profunda riqueza do Terço. Ao rezarmos bem as mais excelentes e perfeitas orações – Pai Nosso e Ave Maria – e considerarmos os mistérios gozosos, dolorosos e gloriosos de Nosso Senhor e Nossa Senhora, nos fixaremos no bem, nos tornaremos santos, nos dirigiremos para o céu, trabalharemos para o bem da Igreja e da sociedade.

Não é, porém, tarefa fácil conciliar a oração vocal e mental no Santo Terço. Cada um pode procurar uma maneira de conjugar a oração vocal e mental no Terço. Todavia, o Padre Antonio Royo Marín nos indica um método eficaz e simples. Ele diz que devemos, nas três primeiras Ave Marias de uma dezena, prestar atenção nas palavras que estão sendo ditas. Aqui está a oração vocal. Nas três Ave Marias seguintes, ele diz que devemos considerar o mistério em questão: a encarnação, a agonia de Jesus, a coroação de Nossa senhora, etc. Nas quatro últimas Ave Marias, devemos fazer uma pequena resolução para nossa vida espiritual, de acordo com o mistério considerado. A humildade para a encarnação, por exemplo. No começo, talvez tenhamos dificuldade, mas o importante é não desistirmos nem desanimarmos, mas perseverarmos e avançarmos, ainda que lentamente.

Rezar bem o Terço é uma grande arma no combate espiritual. É uma arma tão importante que Nossa senhora veio até nós insistir para que o rezássemos todos os dias. Em Fátima, Nossa Senhora insiste para que se reze o terço todos os dias. Em cinco das seis aparições, ela pede para que as crianças rezem o terço diário, para que se alcance a paz e o fim da guerra, da 1ª Guerra Mundial, no caso. Se nós queremos a verdadeira paz, que é a paz da graça, a paz do verdadeiro amor a Deus, devemos rezar o terço. O Terço, quando bem rezado, opera grandes prodígios, caros católicos. O maior deles é a conversão de nossa alma. Quem reza bem o Terço vai deixar o pecado grave. O terço e o pecado não podem coexistir durante muito tempo. Ou se abandona um ou se abandona o outro. Aqueles que ainda não o rezam diariamente, aproveitem essa festa de Nossa Senhora do Rosário e o mês do Rosário – outubro – para tomar a resolução de rezá-lo diariamente. Isso é fundamental. Rezemos o Terço e façamos isso em família, caros católicos, na medida do possível. Infundam nos filhos um grande amor ao Terço. Comecem a rezar com eles pequenos, pouco a pouco, com uma dezena, depois duas, e assim por diante, na medida em que for possível para a criança. As crianças de Fátima eram justamente crianças e rezavam o Terço. Lúcia tinha 10 anos. Francisco, 9. Jacinta, 7. Se vocês ensinarem os filhos a rezar o Terço, estarão lhes dando um grande tesouro.

No Evangelho de São João, nos é narrado que, após a ressurreição de Cristo, houve mais uma pesca milagrosa em que os apóstolos pescaram 153 peixes, sem que a rede se rompesse. O Rosário completo é composto de 153 Ave Marias. O Rosário e a terça parte dele – o nosso Terço – é como uma rede que captura graças abundantes sem se romper. O Terço é a devoção que mais agrada a Nossa Senhora. Quantas graças para aqueles que praticam e amam essa devoção. Se rezássemos bem o terço, nossa alma seria outra, a situação da Igreja seria outra, a condição da sociedade seria outra. Ficar se lamentando e reclamando, não adianta nada. Tomemos nosso Terço e rezemos. Se queremos nos tornar santos, se queremos destruir a heresia, se queremos construir uma sociedade cristã, rezemos o Santo Terço.

[Sermão] São Miguel, o demônio e o combate espiritual.

Sermão para a Festa da dedicação de São Miguel Arcanjo / 19º Domingo depois de Pentecostes

 29.09.2013 – Padre Daniel Pinheiro

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

Ave Maria…

“São Miguel Arcanjo, defendei-nos no combate para não perecermos no dia do juízo terrível.” (Aleluia da Missa da Festa Dedicação de São Miguel Arcanjo)

A Festa que nós celebramos hoje não é simplesmente a Festa de São Miguel Arcanjo, mas é a Festa da Dedicação de São Miguel Arcanjo. Que dedicação é essa? Originalmente, se trata, provavelmente, da dedicação a São Miguel Arcanjo, feita nos primeiros séculos, nos subúrbios de Roma, de uma Igreja que ficava próxima à Via Salaria. Esse é, talvez, o significado original da Festa. Todavia, ela significa, hoje, a dedicação da Igreja Católica a São Miguel Arcanjo, que é, então, defensor da Santa Igreja.

A doutrina comum dos teólogos admite que há anjos da guarda não só dos homens, mas também de sociedades, de países, de dioceses, de paróquias, etc. São Miguel é como o anjo da guarda da Santa Madre Igreja, como o foi do povo judeu. E como anjo da guarda ele defende a Igreja constantemente dos males e perigos. Ele combate os demônios para que não façam tanto dano quanto gostariam de fazer. Ele favorece e inspira boas decisões aos membros da hierarquia. Ele oferece a Deus nossas orações: no momento da incensação no ofertório se invoca especificamente a intercessão de São Miguel Arcanjo. O incenso representa nossa oração e São Miguel a apresenta diante de Deus. São Miguel Arcanjo nos assiste também na hora de nossa morte e, por isso, se pede a ele, na Missa de Réquiem (de Defuntos), que leve as almas à santa luz. Eis algumas das funções de São Miguel a quem a Santa Igreja se dedica.

Todavia, São Miguel é o príncipe da milícia celeste, ele nos defende no combate. E creio que seja esse o principal fruto que podemos tirar hoje dessa festa: “a vida do homem sobre a terra é um combate (militia est vita hominis super terram)”, como nos diz o livro de Jó (7, 1). E, como nos diz São Paulo, não é somente contra a carne e o sangue que temos de lutar, mas contra os principados e potestades do inferno, contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra os espíritos malignos espalhados nos ares (Efésios 6, 12). E Nosso Senhor diz: “Não julgueis que vim trazer a paz à terra. Vim trazer não a paz, mas a espada” (Mateus 10, 34). E, assim, poderíamos multiplicar as passagens da Sagrada Escritura que nos mostram que estamos em combate, em combate pela glória e honra do Deus altíssimo, pelo bem e liberdade da Igreja e em combate pela salvação de nossas almas. E, por isso, a Igreja que está no mundo se chama Igreja Militante.

Nosso combate é, então, principalmente contra o demônio, o pai do pecado. Os demônios, os anjos caídos, têm por finalidade conduzir o homem à separação de Deus. Os demônios odeiam profundamente a Deus e odeiam a imagem e semelhança que os homens em estado de graça têm com Deus. Os demônios trabalham, portanto, para destruir a vida da graça em nós. Fazem isso por ódio a Deus e por inveja a nós, que ainda temos a possibilidade de nos salvarmos. O desejo íntimo deles é que a adoração devida a Deus seja prestada a eles. Se te prostrares a meus pés, adorando-me, eu te darei tudo isso, diz o demônio a Nosso Senhor. E, para atingir o seu propósito, satanás e seus asseclas têm armas poderosas. Evidentemente, eles tentam as pessoas individualmente, sugerindo o pecado, colocando coisas na nossa imaginação, por exemplo, tentando nos fazer consentir no mal. Lembro, porém, que os demônios não podem agir sobre nossa inteligência nem sobre a nossa vontade. Aqui, somente nós e Deus podemos agir. Mas os demônios vão além dessa tentação individual. Querendo ser como Deus, eles imitam a ação de Deus. Deus faz que todas as coisas se dirijam ao bem daqueles que o amam. Os demônios, ao contrário, tentam dirigir tudo para o mal. Eles potencializam ao máximo os pecados individuais para formar, a partir deles, estruturas de pecado, quer dizer, o demônio usa esses pecados pessoais para organizar e sistematizar uma cultura que favoreça o pecado, para organizar sociedades, grupos que favoreçam o pecado, etc. Podemos ver isso no caso das falsas religiões, que, às vezes, começam com um pecado pessoal – pensemos no caso de Lutero, por exemplo, que, com seus escrúpulos, dividiu a cristandade ao meio, criando o protestantismo para justificar a sua consciência. Podemos ver essa estrutura de pecado nas sociedades secretas, na maçonaria, verdadeira anti-Igreja. Essas estruturas de pecado estão muito bem instaladas hoje, caros católicos. Às vezes, elas são evidentes, como nos casos que acabamos de mencionar e outros: falsas religiões, sociedades secretas, indústria pornográfica, o sistema político que não leva em conta Deus e sua Igreja, etc. Muitas vezes, porém, essas estruturas são mais discretas, menos perceptíveis. É o caso de muitas das diversões de nossos dias. Quantos filmes que introduzem sorrateiramente um ponto contra a fé ou que introduzem por uma única cena a impureza em nossa alma. E a televisão, então? E quantas músicas, seja pela letra seja pelo ritmo também não favorecem o pecado, a desordem nos nossos apetites. E também os livros ruins… São João Bosco, em uma de suas visões, via a barca da Igreja sendo atacada por livros… por livros ruins. Agora, há meios bem mais eficientes de atacá-la: os filmes ruins, a televisão, internet. Não estou dizendo que essas coisas são necessariamente ruins. Podem ser boas. Mas quão raramente podemos encontrar filmes que de nenhum modo prejudiquem a nossa alma ou programas de TV que de nenhum modo prejudiquem a nossa alma. Temos também as modas ofensivas a Nosso Senhor, as máximas do mundo, jogos de computador. Em algumas coisas, o demônio se manifesta mais claramente, como na série Harry Potter, por exemplo, ou como em um jogo de computador em que o objetivo é matar o Papa. A diversão moderada é legítima, mas não é lícita a diversão quando se ofende a Deus ou quando se prejudica a nossa alma. É o demônio o principal autor da cultura de morte em que vivemos hoje, uma cultura que favorece e facilita tanto o pecado e mesmo pecados gravíssimos como o aborto, a prática homossexual, etc. Quão grande deve ser o nosso cuidado com tudo isso, para evitarmos em tudo a ofensa a Deus.

O demônio é insidioso, ele arma ciladas para nos perder, e, como nos diz São Pedro, “o demônio, nosso adversário, anda ao redor de nós como um leão que ruge, buscando a quem devorar” (1 Pedro 5, 8). O demônio ataca. Suas armas são poderosíssimas. No mais das vezes, ele é sutil, tentando fazer com que sirvamos a dois senhores, a Deus e ao mundo, mundo entendido aqui como tudo o que conduz ao pecado. O demônio nos sugere: “você pode servir a Deus, mas não precisa abandonar aquela série de TV de que você tanto gosta só porque lá se fala um pouquinho mal da Igreja ou porque lá se faz uma apologia do amor livre”; “você pode servir a Deus, mas não precisa abandonar aquela roupa de que você gosta e que atrai olhares indevidos.” “você pode servir a Deus, mas não precisa abandonar aqueles lugares mundanos que você frequenta”; “isso aqui é só um pecado leve, não pode fazer tão mal, não precisa abandoná-lo…”

O demônio ataca… e nós, nos defendemos ou nos deixamos levar por essas ciladas, caros católicos? Devemos combater o bom combate. Se as armas do demônio são poderosas, elas não são nada comparadas às armas que Deus nos dá, pois o demônio é como um nada diante de Deus. Auxiliados pela graça e apoiados em NSJC, em Nossa Senhora, nos anjos e santos, os ataques do demônio serão vãos. Para nos defender e atacar, algumas de nossas principais armas são: a fé viva, a oração, os sacramentos (confissão, comunhão e crisma, para quem ainda não é crismado), a meditação da paixão de Cristo, a devoção a Nossa Senhora, os sacramentais (em particular água benta, a bênção do lar), a fuga das ocasiões de pecado, a mortificação, etc… E, importantíssimo, caros católicos, é preciso ter um desejo profundo da santidade, de amar a Deus com todo o nosso ser e ao próximo por amor a Deus. Devemos ter esse desejo profundo de servir unicamente a Nosso Senhor Jesus Cristo. Devemos considerar com frequência a bondade de Deus, suas perfeições. Devemos considerar com frequência a alegria que é servi-lo aqui na terra e a alegria que teremos no céu, se servimos a um só Senhor aqui na terra.

O demônio, como não poderia deixar de ser, ataca também a Igreja. A tentação é clara e, mais uma vez, é, no fundo, aquela terceira tentação de Cristo no deserto: “Igreja, se te prostrares diante de mim, adorando-me e adaptando a tua doutrina e a tua moral, te darei tudo: a aceitação do mundo, maior número de fiéis, não haverá mais perseguições, etc.” Quão mentiroso é o demônio. Se a Igreja não pode sucumbir, caros católicos, pois as portas do inferno não prevalecerão, conforme as promessas de Cristo, essa tentação é bem real e bem presente para os homens da Igreja. Nós devemos, então, rezar a São Miguel para que defenda a Igreja, ele que é seu protetor. Na liturgia tradicional, após a Missa rezada, o padre diz as chamadas orações leoninas, introduzidas pelo Papa Leão XIII, e depois complementadas por São Pio X. Depois da Missa rezada, o padre se ajoelha diante do altar e recita com os fiéis três Ave-Marias, uma Salve Rainha, uma oração para Nossa Senhora na qual se pede a exaltação e a liberdade para a Igreja. Em seguida, recita a oração a São Miguel Arcanjo, contra o demônio e os outros espíritos malignos. E se concluem as orações leoninas com a invocação ao Sagrado Coração de Jesus, repetida três vezes. Assim, todos os padres no mundo inteiro imploravam diariamente e diante do altar, logo após a Missa, a intercessão de São Miguel contra as ciladas do demônio. Isso se perdeu com reforma litúrgica. Não é de se espantar que a influência do demônio tenha aumentado. Devemos recitar diariamente essa oração a São Miguel Arcanjo, caros católicos, pela Igreja e por nós mesmos, para que sejamos preservados das insídias e ciladas do demônio. E devemos usar as armas que mencionamos há pouco.

O demônio é um anjo caído, extremamente inteligente e muito capaz no mal, mas ele é uma mera criatura. O demônio não é um deus do mal, mas ele é uma pura criatura, infinitamente inferior a Deus, a Nosso Senhor Jesus Cristo. E inferior aos anjos, que possuem a graça de Deus. Em particular, ele é muito inferior a São Miguel. O nome Miguel indica justamente isso, pois Miguel quer dizer: quem é como Deus? Ninguém é como Deus, soberano Senhor e criador de todas as coisas.  Sendo uma mera criatura, o demônio só age no mundo na medida em que Deus o permite, segundo os desígnios da sua divina providência. A ação do demônio também entra nos planos da divina providência e Deus permite que ele aja para tirar da ação do demônio um bem muito superior. Vemos isso claramente durante a vida de Nosso Senhor. O demônio incitou a paixão e a morte de Nosso Senhor, pensando vencer definitivamente o Messias. Mas sem saber e sem querer, ele trabalhou para a salvação do mundo e para a sua própria derrota. Deus não quer a ação do demônio, mas ele não a impede, para tirar dela um bem superior. Como nos diz Santo Agostinho: “O Deus todo poderoso […], sendo sumamente bom, não deixaria de nenhum modo que existisse o mal, se Ele não fosse suficientemente poderoso e bom para tirar do mal um bem” (Enchiridion III, 11) e um bem maior. O demônio é uma mera criatura, e Deus, não impedindo o mal realizado pelo demônio, tira desse mal, das tentações, um bem maior, para sua glória e para nós, se buscamos em todas as coisas a vontade de Deus.

Estamos em um grande combate, caros católicos, um combate espiritual. Não só contra a nossa carne ferida pelo pecado original, não só contra o mundo, mas contra os espíritos malignos. Nesse combate, devemos recorrer aos anjos, a São Miguel em primeiro lugar, aos nossos anjos da guarda. E devemos fazer isso de forma correta, pois existem hoje várias devoções aos anjos que não estão de acordo com a prática católica. Em particular, a prática de dar nome aos anjos e de lhes atribuir determinadas funções específicas. Só conhecemos o nome de três anjos: Gabriel, Rafael, Miguel. Portanto, não se deve falar de Uriel e outros. Não se deve comparar a ação dos anjos a algo parecido com a astrologia, determinando-se um mapa astral dos anjos ou outras práticas que beiram a superstição ou o esoterismo. Em particular, a Santa Sé diz (decreto de 1992 da Congregação para a doutrina da Fé) que as “teorias (da senhora Gabriele Bitterlich, fundadora da Obra dos Santos Anjos) acerca do mundo dos anjos, dos seus nomes pessoais, dos seus grupos e funções”, são “estranhas à Sagrada Escritura e à Tradição”, e que essas teorias “não podem servir como base para a espiritualidade e atividade de associações aprovadas pela Igreja.” A Igreja só admite os três nomes conhecidos na Sagrada Escritura – Gabriel, Rafael, Miguel – como afirmam os Capítulos de Carlos Magno e o Concílio Romano realizado sob o Papa Zacarias. Na Igreja de Santa Maria dos Anjos em Roma, nos conta Bento XIV, havia uma pintura com nomes de outros anjos. Foi mandado que esses nomes fossem apagados (Bento XIV, L. IV, Cap. XXX). Sigamos a doutrina tradicional da Igreja na devoção aos anjos e não revelações privadas proibidas ou duvidosas.

Devemos rezar a São Miguel Arcanjo e ao nosso anjo da guarda. A oração “Santo Anjo do Senhor”, para o anjo da guarda, não é uma oração para crianças, mas uma oração para todos, crianças e adultos, que deve ser feita diariamente, principalmente pela manhã e em momentos de necessidade, para que nosso anjo da guarda nos ajude.

Estamos em um grande combate. Combate pela glória do Deus altíssimo.  Combate pela vida eterna. Nós fazemos parte da Igreja Militante, caros católicos, e não simplesmente da Igreja peregrina. Devemos nos armar com as armas espirituais, para que possamos dizer ao fim de nossas vidas, como São Paulo, em uma das mais belas frases da Sagrada Escritura: “combati o bom combati, guardei a fé”. Que nós possamos combater o bom combate contra a carne, o mundo, o demônio, e possamos guardar a fé, e uma fé viva, animada pela caridade. “Tende confiança, nos diz Nosso senhor, eu venci o mundo.” (Jo XVI, 33). Ânimo, coragem. Para Deus, nada é impossível.

Recorramos sempre com grande confiança a São Miguel nesse combate, ele que é o Príncipe das milícias celestes, ele que porta o estandarte da Cruz. São Miguel Arcanjo, defendei-nos nesse combate, sede nossa guarda contra a maldade e ciladas do demônio. Instantemente e humildemente pedimos que Deus sobre ele impere; e vós, príncipe da milícia celeste, com o poder divino, precipitai no inferno a Satanás e aos outros espíritos malignos, que vagueiam pelo mundo para a perdição das almas.

Em nome do pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Sermão] A Igreja e sua doutrina

Sermão para o 18º Domingo depois de Pentecostes

22.09.2013 – Padre Daniel Pinheiro

ÁUDIO: Sermão para o 18º Domingo depois de Pentecostes A doutrina católica 22.09.2013

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

Ave Maria…

Nosso Senhor, vindo ao mundo para nos salvar com sua caridade e misericórdia infinita, caros católicos, nos ensinou a verdade e nos instrui a amar a verdade, nos instruiu a aderir a ela e a colocá-la em prática. Nosso Senhor veio nos trazer a salvação. Todavia, sabendo que voltaria ao Pai, de onde veio, instituiu a Igreja, sua esposa imaculada, a fim de que a Igreja pudesse nos transmitir intactos seus ensinamentos, para que a Igreja prolongasse até o fim dos tempos os frutos da encarnação e da paixão de Nosso Senhor. A Igreja com sua doutrina é – como não poderia deixar de ser – fruto da misericórdia de Cristo.

 Algumas questões fundamentais, de grave importância foram suscitadas, agitadas, durante a semana com relação à Igreja e à sua doutrina. Convém muitíssimo deixar alguns pontos claros com relação à Igreja e à sua doutrina. Como diz São Paulo a Timóteo, é preciso pregar a palavra a tempo e fora de tempo, repreendendo, suplicando, admoestando, com toda paciência e doutrina. (II Tim. 4, 2)

Nosso Senhor fundou a Igreja, caros católicos. A Igreja, como nos diz o catecismo de São Pio X, é a sociedade de todas as pessoas batizadas que, vivendo na terra, professam a mesma fé e a mesma lei de Cristo, participam dos mesmos sacramentos, e obedecem aos legítimos pastores, principalmente ao Romano Pontífice. A Igreja não é algo vago, etéreo, nebuloso. A Igreja também não é simplesmente, sem mais nem menos, o povo de Deus. A definição da Igreja como simples povo de Deus resta imprecisa, e define melhor o povo judeu do que a Igreja fundada por Cristo. O que caracterizaria esse povo de Deus? Quais as especificidades desse povo? O que une esse povo? É preciso ter bem presente que a Igreja é uma sociedade. Ela é a sociedade de todas as pessoas batizadas que, vivendo na terra, professam a mesma fé e a mesma lei de Cristo, participam dos mesmos sacramentos, e obedecem aos legítimos pastores, principalmente ao Romano Pontífice. E a Igreja é uma sociedade perfeita, isso quer dizer que ela possui em si todos os meios para atingir o seu fim, que é a maior glória de Deus e a salvação das almas pela aplicação dos méritos infinitos obtidos por Cristo, pela transmissão do ensinamento de Cristo, pela celebração dos sacramentos, pela incitação ao amor a Deus e aos seus mandamentos. A Igreja é essa sociedade de que acabamos de falar, uma sociedade perfeita porque tem todos os meios para atingir seu fim, que é a glória de Deus e a salvação das almas. Claro, a Igreja é uma sociedade ao mesmo tempo divina e humana, portanto, ela é um mistério, mas isso não faz com que ela deixe de ser uma sociedade visível, externa, definida, para se tornar algo puramente espiritual, interno e impreciso, sem limites definidos, de forma que, no fundo, todo mundo faz parte dela. Não. A Igreja é visível, também externa, uma sociedade bem definida, da qual são membros os batizados que professam a fé católica, que partilham os mesmos sacramentos e que obedecem aos legítimos pastores.

A Igreja foi fundada por Cristo. Ela possui, portanto, uma constituição que lhe foi dada pela Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, por Deus Filho. A Igreja foi constituída por Deus como Igreja hierárquica. Nosso Senhor escolheu doze homens que Ele nomeou apóstolos (Marcos 3, 14-16), para que ficassem com Ele e pregassem (Atos 5, 17). E Nosso Senhor deu aos doze a missão de continuar a obra da redenção. Nosso Senhor diz aos apóstolos: “Assim como o Pai me enviou também eu vos envio” (Jo 20, 21). Deus enviou Nosso Senhor para governar, ensinar e santificar. São justamente os três poderes que possuem os Apóstolos e seus sucessores, os Bispos: governar, ensinar, santificar. Portanto, Nosso Senhor escolheu doze e conferiu a esses doze poderes particulares: governar, ensinar, santificar. Nosso Senhor constituiu uma hierarquia. A Igreja, por instituição divina é hierárquica. Mas essa não é uma hierarquia colegial, é, antes, uma monarquia. A Igreja é uma monarquia, pois Cristo deu a um dos Apóstolos, São Pedro e aos sucessores de São Pedro, o poder pleno e supremo de jurisdição e um poder supremo, pleno, ordinário e imediato sobre todas e cada uma das Igrejas particulares e sobre todos e cada um dos pastores e fiéis (Conc. Vat. I, Denz. 3064). Nosso Senhor disse a São Pedro: “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja. Eu te darei as chaves do reino dos céus. Tudo o que ligares na terra será ligado no céu. Tudo o que desligardes na terra será desligado no céu” (Mt 16, 18). Depois, Nosso Senhor dirá a São Pedro duas vezes: “apascenta os meus cordeiros” (Jo 21, 15-17). E uma vez: “apascenta minhas ovelhas” (Ibidem). Os cordeiros são só fiéis, as ovelhas são os Bispos e Padres. São Pedro, o Papa, deve apascentar todos, deve governar, instruir e santificar a todos. O que foi divinamente instituído ninguém pode mudar. E Nosso Senhor assistirá a sua Igreja para que ela permaneça até o fim dos tempos como ele a instituiu, pois Ele disse que as portas do inferno não prevaleceriam contra ela e que Ele estaria com a Igreja até a consumação dos séculos. A natureza da Igreja é, então, a de uma sociedade hierárquica e monárquica. Nós sabemos que o bem de cada coisa é agir conforme a sua natureza. Portanto, o bem da Igreja e consequentemente dos fiéis e de todos os homens se verifica quando os membros da Igreja agem conforme a sua natureza, respeitando a instituição divina. Não se trata, em nenhuma hipótese de uma tirania – como é claro -, pois o tirano governa para o seu próprio bem ou para o bem de um grupo. O Papa deve governar para o bem dos fiéis, para que os fiéis alcancem com maior facilidade a salvação. O Papa, sendo o soberano chefe da Igreja, é, ao mesmo tempo e pelo próprio fato de ser o chefe supremo, o servo dos servos. Sua função é servir a todos, promulgando leis que nos levem a Deus, ensinando com clareza e fidelidade a doutrina de Cristo, assegurando a boa administração dos sacramentos. Agindo assim, ele espalhará a misericórdia divina sobre a terra e levará as almas para Deus. Aquilo que muitos desejam, de ver o Papa praticamente como mais um entre os bispos, de ver a democracia instalada na Igreja é um grande prejuízo para a Igreja, para as almas. Agir desse modo é um grande prejuízo para a Igreja e para os homens, é falta de fidelidade a Cristo. O bem de uma coisa é agir em conformidade com sua natureza e a natureza da Igreja é hierárquica, monárquica. Isso não significa que o Papa deva governar sozinho. Não, ele pode e deve pedir conselho, ele pode e deve ser auxiliado no governo da Igreja, mas jamais deve se igualar aos outros bispos.

Como vimos, a Igreja tem como finalidade última a glória de Deus e a salvação das almas. Para atingir esse fim, a hierarquia recebeu de Cristo, como vimos, o poder de ensinar. Esse poder de ensinar consiste em transmitir, guardar, declarar, defender, explicar aquilo que Nosso Senhor ensinou. Aquilo que Nosso Senhor ensinou não pode mudar. Ele manda que os apóstolos ensinam aquilo que ouviram e aprenderam (Mt 28, 20; 10, 27) A Revelação feita por Cristo, se encerrou com a morte do último Apóstolo, São João, no início do século II. O Espírito Santo, como diz Nosso Senhor, ensinou aos apóstolos toda as coisas e lembra a eles o que Cristo ensinou (Jo 14, 26). Não há, portanto, mais nada para ser revelado. Tudo o que a Igreja ensina deve necessariamente estar contido no ensinamento dos Apóstolos. A Igreja não pode, então, mudar aquilo que Cristo e o Espírito Santo ensinaram, a Igreja não pode mudar as verdades reveladas, a Igreja não pode inventar novas verdades reveladas, nem dizer que uma verdade deixou de ser revelada. A Igreja não pode mudar a interpretação dada a uma verdade revelada. A Igreja deve sempre interpretar a verdade revelada no mesmo sentido, com o mesmo entendimento, ainda que mais profundo. Por exemplo, a Igreja sempre afirmou que a presença de Cristo na Missa, após a consagração, é uma presença real, substancial, em corpo, sangue, alma e divindade. A Igreja não pode dizer hoje ou amanhã que a presença de Cristo na Missa existe, mas que é uma presença simbólica, uma presença só para os que creem, etc. A Igreja pode aprofundar-se no entendimento de uma verdade revelada, mas nunca mudando o sentido ou interpretação dessa verdade. Dessa forma, a Revelação (aqui se incluem as verdades de fé e também a moral) não pode ser mudada para se adaptar aos tempos modernos – nem aos antigos, nem a qualquer outro tempo – para se adaptar à mentalidade do homem contemporâneo. As verdades a serem cridas e praticadas não vêm do povo, dos fiéis, mas de Cristo e da hierarquia. A Revelação – a doutrina da Igreja e sua moral – não deve ser lida à luz da modernidade, a fim se adaptar a essa modernidade. É a modernidade que deve ser lida à luz da Revelação, a fim de saber o que pode ser aproveitado da modernidade para o nosso bem. A Igreja tem o dever de se manter fidelíssima ao depósito da Revelação que ela recebeu de Cristo e ela é fidelíssima e será fidelíssima. A Igreja guarda intactas e puras as verdades que recebeu de seu Divino Mestre. Mais uma vez, não é a Revelação que se adapta ao homem e aos seus gostos e caprichos – isso seria divinizar o homem, colocá-lo acima de Deus – mas é o homem que deve ser conformar inteiramente à Revelação. Portanto, a doutrina da fé e da moral da Igreja não pode mudar, não pode evoluir.

Assim sendo, a Igreja não pode evoluir quanto ao aborto, quanto ao homossexualismo, quanto à contracepção, quanto à comunhão dos divorciados recasados, quer dizer, quanto à comunhão daqueles que se casaram na igreja, se separam e depois se juntaram com outra pessoa. A Igreja não pode mudar quanto a isso, pela própria natureza das coisas. E a Igreja deve insistir nesses pontos porque são pontos de suma importância para o indivíduo, mas, sobretudo, para a sociedade. O aborto e o homossexualismo são dois pecados que clamam aos céus por vingança justamente porque são pecados que corroem os fundamentos da sociedade, causam um mal incomensurável à sociedade. O primeiro, porque é suma injustiça, é o assassinato de um inocente indefeso, assassinado por aqueles que mais deveriam protegê-lo e amá-lo. O segundo, porque destrói inteiramente a base da sociedade, que é a família, formada para a propagação do gênero humano e para povoar o céu. É óbvio que a pregação da Igreja não pode nem deve se reduzir a isso. Mas é preciso insistir nesses pontos, sem esquecer os outros principais, a existência de Deus, a Trindade de Deus, a Encarnação de Deus Filho, sua morte por nós na cruz, sua caridade, bondade e misericórdia para conosco. Se os homens da Igreja insistissem um pouco mais sobre esses assuntos, talvez a sociedade não estivesse nesse estado, tão afastada de Deus. Se os homens da Igreja passarem a falar pouco desses assuntos, em pouco tempo os católicos cederão quase completamente em todos esses pontos, como já cederam quase completamente em alguns, como é o caso da contracepção, por exemplo. É preciso falar com frequência sobre esses assuntos, sem reduzir o catolicismo a eles, como é evidente. Todos esses pecados – contracepção, aborto, prática homossexual, divórcio – são pecados graves. Aquele que morrer neles, consciente da gravidade deles – e mesmo um pagão consegue ver com certa facilidade a gravidade deles, excetuando talvez a contracepção – será condenado. É a Igreja que os condena? Não. Eles mesmos se condenam. A Igreja prolonga nesse mundo a missão de Cristo em sua primeira vinda. Cristo veio condenar? Não. O evangelho de São João nos diz (Jo 3, 17 – 21): “Deus não enviou seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele. Quem n’Ele crê não será condenado, mas quem não crê, já está condenado, porque não crê no nome do Filho unigênito de Deus. E a condenação está nisto: a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz, porque suas obras eram más. Porque todo aquele que faz o mal aborrece a luz, e não se aproxima da luz, a fim de que não sejam condenadas as suas obras.” Não é a Igreja que condena. É a própria pessoa que se condena e se prepara para ser julgada como tal por Cristo quando da sua segunda vinda, em que Ele virá glorioso – aí, sim – para julgar os vivos e os mortos. O dever da Igreja e dos homens da Igreja é alertar as pessoas, com caridade: você está se condenando, abandone as trevas, venha para a luz, venha para Deus e sua Igreja. A Igreja deve dizer ao pecador: Nosso Senhor morreu por sua alma, para salvar a sua alma, abandone o pecado e prove e veja quão suave é o Senhor (Salmo 33, 9). A misericórdia da Igreja é tirar o homem de sua miséria. Qual é a maior miséria? O pecado. Para tirar o homem do pecado, ela tem que dizer que o pecado existe e que ele conduz à condenação. A Igreja tem que dizer que pelo pecado grave a pessoa perde o céu e merece o inferno. Quantas almas encontraram e encontram assim a misericórdia divina. Além disso, é obra de misericórdia espiritual ensinar aos ignorantes e corrigir os que erram, oportunamente. Como diz São Pio X, na carta Apostólica Notre Charge Apostolique: “a doutrina católica nos ensina que o primeiro dever da caridade não está na tolerância das convicções errôneas, por sinceras que sejam, nem da indiferença teórica e prática pelo erro ou o vício, em que vemos mergulhados nossos irmãos, mas no zelo pela sua restauração intelectual e moral, não menos que por seu bem-estar material.” A Igreja deve formar a consciência dos homens, é da Igreja que depende a vida espiritual dos homens. Não basta seguir a própria consciência para se salvar, é preciso seguir uma consciência bem formada, que busque realmente a verdade e que a ame. Muitos seguem sua consciência, mas uma consciência cupavelmente mal formada e relaxada, em que se escolhe não se aproximar da luz para não ter que mudar de vida. A Igreja deve formar as consciências. É grande obra de misericórdia ensinar aos ignorantes e corrigir os que estão no erro, de modo oportuno.

A Igreja e seus membros devem trabalhar incessantemente para restaurar tudo em Cristo. A restauração de tudo em Cristo era o que movia São Paulo, como ele disse aos Efésios (1, 10). Restaurar tudo em Cristo era o que movia São Pio X. Restaurar tudo em Cristo é o que deve mover todo católico. Restaurar tudo em Cristo é direcionar tudo a Cristo, fazer tudo por Ele, e com Ele, e n’Ele. Mas, como diz São Pio X, restaurar tudo em Cristo não é simplesmente levar as almas para Deus, mas restaurar a civilização cristã em cada um dos elementos que a compõem (Enc. Il fermo proposito). E isso não é um restauracionismo ideológico, mas um restauracionismo indispensável para todo católico. Mas como fazê-lo? São Pio X indica, na sua Encíclica E Supremi Apostolatus, quatro meios principais, entre outros, para restaurar tudo em Cristo: 1) a boa formação do clero, 2) o ensino da doutrina católica (não é por acaso se São Pio X promulgou o catecismo que leva o seu nome), 3) o fervor da vida cristã, e 4) a caridade cristã, que não é um zelo amargo que mais afasta as almas do que as atrai, mas que é uma verdadeira bondade, que não se confunde tampouco com tolerância do erro ou do pecado. Nesses últimos tempos, nós vemos a disciplina avançando, a liturgia avançando, os ensinamentos avançando e tendendo a se conformar à mentalidade moderna. Ao mesmo tempo em que tudo isso avança, nós vemos a prática real da religião recuando, o número de fiéis caindo, etc. É preciso constatar que esses avanços não têm contribuído para o avanço do Evangelho. Uma pessoa que vai avançando em alto mar e que começa a se afogar deve voltar para a praia ou continuar avançado em alto mar? Dou um exemplo prático na vida da Igreja: a lei da abstinência da sexta-feira. No direito canônico atual, a abstinência de carne pode ser substituída por outra penitência ou por uma obra de caridade. O resultado é que ninguém faz praticamente mais nada na sexta-feira. A penitência, tão necessária à vida cristã, é negligenciada e o resultado são as paixões desordenadas. Não seria o caso de se restabelecer a antiga disciplina, com uma lei clara que pede a abstinência de carne nas sextas-feiras? Algumas conferências episcopais já fizeram isso. Outro exemplo é a recepção da comunhão na mão. Essa prática não tem prejudicado tanto a fé das pessoas na presença real de Cristo na hóstia consagrada? Não seria o caso de se restabelecer uma liturgia e prática provadas por séculos e séculos e centradas completamente em Deus? Não seria o caso de se retornar à teologia baseada nos fundamentos sólidos estabelecidos por São Tomás de Aquino, capaz de responder às exigências de qualquer época? Não seria o caso de se retomar uma pastoral centrada no bem das almas e menos burocrática ou social? Tudo isso aqui é essencial. Não se trata aqui de voltar a um passado por simples gosto romântico do passado ou por ideologia, quer dizer, por uma vontade desconectada da realidade. Os que fazem isso são aqueles que querem restaurar uma suposta liturgia primitiva, que querem restaurar uma suposta caridade primitiva, que querem restaurar uma suposta colegialidade da Igreja dos primeiros séculos, que querem restaurar a disciplina primitiva do não celibato dos padres na igreja latina, etc… Isso seria uma restauração ideológica, uma volta ideológica ao passado. Nós estamos falando aqui de uma restauração que possa nos centrar e centrar a sociedade em Cristo hoje e sempre, com a liturgia tradicional que favorece imensamente a isso, com uma disciplina que nos faz esquecermos de nós mesmos e que nos dirige para Deus, uma disciplina que nos auxilia e facilita a prática do bem, uma disciplina que não é um fim em si, mas um auxílio importante…  Não se trata, nem é possível, como diz São Pio X (Il fermo proposito), de restaurar todas as instituições que se mostraram úteis e eficazes no passado. A Igreja sabe se adaptar facilmente ao que é contingente e acidental sem prejudicar a integridade ou a imutabilidade da fé, da moral e sem prejudicar seus direitos sagrados. Todavia, muitos desses avanços prejudicaram de alguma forma, infelizmente, a fé e a moral, em vez de favorecê-los. A liturgia tradicional, uma disciplina mais tradicional, uma catequese e uma pastoral mais tradicionais não são uma relíquia do passado. São coisas que permanecem sempre jovens, pois fundadas na palavra de Deus, que não passa e não envelhece.

Restaurar tudo em Cristo, caros católicos. Esse deve ser o nosso programa de vida. A começar pela nossa alma, mas sem esquecer nosso próximo, sem esquecer a sociedade. Restaurar tudo em Cristo pelo ensino da religião, da doutrina católica. A primeira e maior obrigação dos pastores, diz o Concílio de Trento, é a de ensinar o povo cristão. E São Paulo diz o mesmo a Timóteo (I Tim. 5, 17): “os presbíteros que governam bem, sejam considerados dignos de estipêndio dobrado, principalmente os que trabalham em pregar e ensinar.” A conversão, o amor a Deus, a misericórdia, só podem vir com a fé. E a fé, como diz São Paulo, vem pelos ouvidos. É preciso que alguém ensine, com segurança e sem ceder às novidades, como diz São Paulo (I Tim. 6, 20). Só se ama aquilo que se conhece. Só amará a Deus quem o conhecer. Se o ensino é bem feito e seguro, isto é, baseado na Revelação e não em conjecturas, e feito com a intenção de trazer as almas para Deus, o resto seguirá como consequência. Façamos nossa parte, caros, católicos, para restaurar tudo em Deus… isso é grande obra de misericórdia.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Sermão] Nossa Senhora das Dores, a corredentora

Sermão para o 17º Domingo depois de Pentecostes – Festa de Nossa Senhora das Dores

15.09.2013 – Padre Daniel Pinheiro

ÁUDIO: Sermão para a Festa de Nossa Senhora das Dores Corredentora – 17º Domingo depois de Pentecostes 15.09.2013

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

Ave Maria…

O Livro do Apocalipse nos diz que “apareceu no céu um grande sinal: Uma mulher vestida de sol, e a lua debaixo dos seus pés, e uma coroa de doze estrelas sobre a sua cabeça; e, estando grávida, clamava com dores de parto, e sofria tormentos para dar à luz.” Nós já vimos, na Solenidade da Assunção, que essa mulher representa, principalmente, Nossa Senhora, já vimos o que significa ela estar vestida de sol, com a lua debaixo de seus pés e coroada de doze estrelas. Mas vemos também que ela está grávida e sofre com as dores de parto, sofrendo tormentos para dar à luz. Ora, sabemos que as dores do parto são consequência do pecado original, são uma pena pelo pecado original. Todavia, sabemos também que Nossa Senhora foi concebida sem o pecado original e sabemos que Nosso Senhor foi concebido no seio de Maria por obra do Espírito Santo. A partir disso, somos obrigados a concluir que Nossa Senhora não sofreu as dores do parto ao dar à luz o Menino Jesus. Mas o texto do Apocalipse é claro. A Mulher está grávida e sofre com as dores do parto e sofre tormentos para dar à luz. Que filho é esse, então, e que dores são essas, caros católicos? Esse filho de que nossa senhora está grávida somos nós, prezados católicos, somos nós, seus filhos na ordem da graça. Se Nossa Senhora deu à luz o Menino Deus sem dor, ela nos gera para a vida da graça em meio às maiores dores e sofrimentos. Se ela deu à luz a Cabeça, que é Cristo, sem dor, nós, os membros do corpo místico de Cristo, somos gerados com dor. Somos gerados pela dor de Cristo, pelos seus sofrimentos nesse mundo, e somos gerados pelas dores de Nossa Senhora, dores que acompanham o seu Filho, dores que ela aceitou e ofereceu para a nossa salvação. Nossa Senhora, ao dizer o “fiat” ao Anjo Gabriel, ao aceitar a Encarnação do Verbo, ao se submeter inteiramente à vontade de Deus, aceitou também todos os sofrimentos ligados ao seu papel de Mãe do Redentor. Ela aceitou cooperar na nossa redenção pelas suas dores, oferecendo seu filho. Nossa Senhora é verdadeiramente corredentora nossa. Claro que seu papel na redenção não é paralelo e independente de Cristo. Ao contrário, a participação de Nossa Senhora na nossa redenção é subordinada, dependente de Cristo e secundária. Nada falta na redenção feita por Cristo, que é verdadeiramente homem e Deus. Não obstante, Ele quis associar de modo particular Nossa Senhora na obra da redenção.

Um dos princípios que nos guiam quando falamos de Maria Santíssima é a antítese ou a contraposição com relação à Eva e ao papel de Eva no pecado original. No pecado original, Eva coopera com o pecado de Adão, mas o pecado original é só de Adão, pois só ele é realmente a origem do gênero humano. Se só Eva tivesse pecado, seria um pecado pessoal, não haveria o pecado original que herdamos todos e que nos faz nascer sem a graça santificante, sem a amizade com Deus. Eva coopera formalmente no pecado de Adão, mas o pecado é de Adão. Se invertermos, então, as coisas, temos que Nossa Senhora coopera na obra da redenção, feita por Cristo, o novo Adão. Se Cristo não tivesse sofrido e morrido na Cruz, Nossa Senhora nada poderia fazer. Toda a redenção vem de Cristo, Nossa Senhora é redimida e se ela coopera na obra da redenção é em virtude das graças obtidas por Cristo. Mas Cristo quis que Nossa Senhora cooperasse, de forma dependente, subordinada e secundária, na obra da nossa redenção, de nossa salvação. Nossa Senhora é realmente nossa corredentora, sem que isso tire em nada a glória de seu Filho e o valor infinito de sua encarnação e morte. Se Nossa Senhora é corredentora, isso é já um fruto da redenção.

Nossa Senhora oferece à Santíssima Trindade todas as suas dores – principalmente desde o momento da Encarnação – para a nossa redenção. Nossa Senhora, sendo Mãe do Redentor, o acompanha em todos os seus sofrimentos e penas durante toda a sua vida e principalmente em sua paixão e morte. Inúmeras são as dores e os sofrimentos de Nossa Senhora para nos gerar para a graça. São inúmeras as dores de Nossa Senhora durante toda a sua vida. A Igreja e o povo devoto escolheram principalmente sete dores de Nossa Senhora, dores que resumem todas as outras. A primeira delas é a profecia de Simeão, profecia de que uma espada transpassaria o coração de Nossa Senhora. Por essa dor, podemos pedir a Deus que imprima em nossas almas a Paixão de Cristo e as dores de Nossa Senhora, para que tenhamos sempre presente o quanto vale a nossa alma e o quanto custa o pecado, e podermos assim emendar a nossa alma. A segunda dor é a fuga para o Egito. Por essa dor, podemos pedir à Virgem Dolorosa a graça de sofrer com paciência até a morte todas as provações dessa vida. A terceira dor é a perda do Menino Jesus em Jerusalém durante três dias. Por essa dor, podemos pedir a graça de nunca perdermos Deus e a graça de morrermos unidos a Ele. A quarta dor é o encontro da Santíssima Virgem com seu Filho no caminho da Cruz. Por essa dor, podemos pedir a graça da conformidade com a vontade de Deus em todas as coisas e a graça de carregar a nossa cruz com alegria até nosso último suspiro. A quinta dor é a crucificação de Nosso Senhor. Por essa dor, podemos pedir a graça de viver e morrer crucificados para tudo o que é mundano. A sexta dor é a descida da Cruz, é Nossa Senhora que tem em seus braços seu Filho morto e desfigurado. Por essa dor, podemos pedir a graça do arrependimento e do perdão de nossos pecados. A sétima dor é o sepultamento de Cristo. E por essa dor, devemos pedir a graça da perseverança final.

São inúmeras as dores de Nossa Senhora e ainda maior é a qualidade e a intensidade dessas dores. Quanto maior é o amor, maior é a dor, ao ver o bem amado sofrer. O amor de Nossa Senhora por seu Divino Filho não pode ser calculado. Podemos, então, imaginar a sua dor diante do desprezo dos homens pelo Salvador, diante da crueldade, diante do deicídio. Nossa Senhora sofria enquanto Mãe de Cristo, mas também enquanto nossa Mãe, vendo tantos de seus filhos ofendendo a Deus. A Virgem Dolorosa sofreu mais do que todos os mártires juntos e deveria ter morrido de tanta dor, se Deus não a tivesse conservado em meio a tantos e tão grandes sofrimentos para que ela participasse da nossa redenção. Nossa Senhora, unida a Cristo, aceitou as dores e ofereceu as dores à Santíssima Trindade para nos salvar.

Todavia, quão esquecidas são as dores de Nossa senhora, caros católicos. A Virgem Santíssima, Santo Afonso nos diz (Glórias de Maria, 367), queixou-se à Santa Brígida de que muito poucos são os que dela se compadecem e que a maior parte dos homens vive esquecida de suas aflições. Em seguida, a Virgem recomendou à Santa que guardasse continuamente a memória dessas dores. Consideremos, pois, com frequência as dores de Nossa Senhora, caros católicos, e nelas encontraremos grandes consolos e grandes graças. Grandes consolos porque veremos que não há dor em nossa vida que supere as dores de Nossa Senhora. E uma Mãe que sofreu tanto se compadece ainda mais de seus filhos em seus sofrimentos. As dores de Nossa Senhora nos ensinam que aquele que semeia nas lágrimas, colhe na exultação, na alegria, como diz o Salmo (125). Nas aflições, nas provações, nas cruzes, olhemos para as dores de Nossa Senhora. Ela sofreu mais, e pode e quer nos consolar. Ela semeou nas lágrimas e colheu na alegria eterna. Olhemos para Nossa Senhora e seu coração transpassado pelas sete espadas. Encontraremos na Virgem Dolorosa a doçura necessária para suportar as nossas dores. No pecado, olhemos para as dores de Nossa Senhora e para a paixão de Cristo, e encontraremos graças abundantes de conversão. Olhemos para a Virgem Dolorosa e tenhamos uma grande gratidão por tudo aquilo que sofreu por nós em união com seu Divino Filho. Olhemos para Maria e vejamos do que é capaz uma Mãe que ama seus filhos.

Grandes graças, nos diz o mesmo Santo Afonso, estão reservadas aos devotos das dores de Nossa Senhora. O Santo relata a seguinte revelação feita a S. Isabel a esse respeito: “São João Evangelista, depois da Assunção da Senhora, muito desejava revê-la. Obteve, com efeito, essa graça e sua Mãe querida apareceu-lhe em companhia de Jesus Cristo. Ouviu em seguida Maria pedir ao Filho algumas graças especiais para os devotos de suas dores, e (ouviu) Jesus prometer quatro principais graças. Ei-las: 1º) esses devotos terão a graça de fazer verdadeira penitência por todos os seus pecados, antes da morte; 2º) Jesus guardá-los-á em todas as tribulações em que se acharem, especialmente na hora da morte; 3º) Ele lhes imprimirá no coração a memória de sua Paixão, dando-lhes depois um prêmio especial no céu; 4º) por fim, os deixará nas mãos de sua Mãe para que deles disponha a seu agrado, e lhes obtenha todos e quaisquer favores.” (Santo Afonso Maria de Ligório, Glórias de Maria, p. 368). Segundo esse relato, a devoção às Dores de Nossa Senhora é de origem apostólica. Mas nem precisávamos desse relato para saber disso. Basta considerar os Evangelhos, sobretudo o de São João, que nos diz que Nossa Senhora estava lá de pé, diante de Deus, de pé para mostrar seu consentimento, sua adesão total à obra da redenção, para mostrar a ausência de desespero, para mostrar a serenidade no meio das maiores dores. É evidente que os primeiros cristãos não podiam deixar de considerar as dores de Nossa Senhora.

Assim, prezados católicos, dada a excelência particular dessa devoção a Nossa Senhora das Dores, dado que ela tanto agrada a Nosso Senhor e a Nossa senhora, dado que ela manifesta o fato de que Nossa Senhora é corredentora, dado que essa devoção consola o Coração de Maria, dado que ela nos obtém grandes graças, recomendo a todos uma grande devoção às dores de Nossa Senhora. E levando tudo isso em consideração, depois da novena preparatória que fizemos, peço a cada um que se consagre a Nossa Senhora das Dores, com verdadeira intenção de emendar-se, de viver uma vida santa. É o que faremos recitando juntos o ato de consagração a Nossa Senhora das Dores. E consagrando-nos, consagraremos também esse nosso singelo apostolado, para que plantando nas lágrimas possamos colher na exultação. Porque, vejam, o fruto das dores de Nossa Senhora e da devoção à Virgem Dolorosa é a alegria. Por isso, o Papa Pio VII coloca a alegria como última invocação da Ladainha de Nossa Senhora das Dores. Nossa Senhora das Dores é a alegria de todos os santos, porque nos traz a salvação pelo seu Filho, porque unida a Ele nos redime, porque nos consola nas angústias e sofrimentos. Coloquemos, então, esse nosso apostolado nas mãos de Nossa Senhora das Dores, para que cada um de nós e para que os que vierem depois de nós possam colher na alegria da vida eterna.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Sermão] A Cruz: altar, cátedra e trono de Cristo

Sermão para a Festa da Exaltação da Santa Cruz

14.09.2013 – Padre Daniel Pinheiro

ÁUDIO: Sermão para a Festa da Exaltação da Santa Cruz 14.09.2013

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

Ave Maria…

Hoje festejamos a Exaltação da Santa Cruz e também a entrada em vigor do Motu Proprio Summorum Pontificum (07/07/2007), de Bento XVI, documento que dá maior liberdade para a Liturgia Tradicional. Devemos manifestar nossa gratidão ao Papa por esse documento, pois convém reconhecer quando o bem é feito, ainda quando esse bem realizado é uma questão de justiça. Em todo caso, o documento vai na boa direção. Nele, o Papa afirma, com um argumento de fundo teológico, que a liturgia Tradicional não foi jamais ab-rogada: “Aquilo que para as gerações anteriores era sagrado, permanece sagrado e grande também para nós, e não pode ser de improviso totalmente proibido ou mesmo prejudicial. Faz-nos bem a todos conservar as riquezas que foram crescendo na fé e na oração da Igreja, dando-lhes o justo lugar.” No documento de aplicação do Motu Proprio, a Instrução Universae Ecclesiae, temos o objetivo primeiro dessa liberdade reconhecida para a Missa Tradicional: “oferecer a todos os fiéis a Liturgia Romana segundo o Usus Antiquior, considerada como um tesouro precioso a ser conservado.” Portanto, o objetivo é que a Liturgia Tradicional, tesouro precioso, seja oferecida a todos os fiéis. E não é sem razão que a entrada em vigor desse documento coincide com a Exaltação da Santa Cruz, já que pela Missa Tradicional o sacrifício do calvário se renova de maneira sublime, aplicando abundantemente as graças obtidas por Cristo na Cruz. Tal aplicação sublime exalta a Cruz de Cristo.

“Nós, porém, devemos nos gloriar na Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo.”

A Festa de hoje nos lembra do fato histórico ocorrido em 628, ano em que o Imperador Heráclio conseguiu tomar de volta a Cruz de Cristo, que havia sido levada de Jerusalém pelos Persas, que a profanaram enormemente. Tendo recuperado a Santa Cruz, Heráclio quis entrar em Jerusalém carregando ele mesmo o Santo Lenho em ação de graças pela vitória. Todavia, vestido com todas as insígnias imperiais, não pôde entrar em Jerusalém, detido por uma força invisível. O Patriarca de Jerusalém assinalou ao Imperador que não convinha carregar com tanto aparato a Cruz que Nosso Senhor carregou com tanta humildade. Despojado de todo o aparato imperial, Heráclio conseguiu entrar em Jerusalém carregando a Cruz.

A Festa de hoje é a exaltação do instrumento de nossa salvação, que é a Cruz. A Festa de hoje nos recorda que é pela morte de NS, pela morte de Cruz de NS, que nós somos salvos. É pela Cruz que nos vem a vida e a ressurreição. A única coisa que importa nesse mundo é a Cruz, é a nossa salvação, caros católicos.

A cruz era antigamente um sinal de opróbrio, de maldição, de horror. Maldito o homem que pende da cruz, dizia a Sagrada Escritura. A Cruz era o suplício reservado aos maiores criminosos e aos escravos. Depois, porém, que NS morreu sobre ela, tornou-se sinal de glória, de bênção, de amor. Essa mudança se fez porque Cristo, morrendo sobre ela, a consagrou. Ele fez da Cruz o altar em que se imola, a cátedra de onde nos instrui, e o trono de onde reina sobre o mundo.

Ele fez dela seu altar. Depois do pecado original, o homem já não podia encontrar a salvação. Como reparar pelo pecado, que ofendeu infinitamente a majestade divina? Seria impossível. O homem poderia oferecer todos os sacrifícios, até a própria vida, e não conseguiria obter perdão, não conseguiria satisfazer pelo seu pecado. Para satisfazer plenamente por nossos pecados, o Verbo se Encarnou. Mas não se contentou somente em vir ao mundo, o que já era suficiente. Sendo Cristo homem e Deus, suas ações têm um valor infinito. A menor das ações de Cristo já seria suficiente para satisfazer por todos os pecados do mundo inteiro. Mas o Filho de Deus veio ao mundo para morrer na Cruz. Para morrer na Cruz, a fim de satisfazer pelos nossos pecados e para mostrar o tamanho de seu amor por nós. Ele amou os homens até a morte e morte de Cruz. É na Cruz que Cristo se imola e que oferece seu sacrifício para a nossa redenção. É do altar da Cruz que nos vem todo o bem: o perdão de nossos pecados e todas as graças, que nos são aplicadas pela Santa Missa, renovação do sacrifício da Cruz.

A Cruz é também a cátedra de onde NS nos instrui. Santo Agostinho a chama Cátedra do Mestre que ensina (cathedra magistri docentis). Na Cruz, NS nos ensina a santidade. Ali, elevado, NS nos mostra o que realmente tem valor nesse mundo: fazer em todas as coisas a vontade de Deus. Ali, elevado no madeiro, NS nos ensina todas as virtudes: a conformidade com a vontade de Deus, a fortaleza, a paciência, a mortificação, a caridade, enfim, todas as virtudes.  No madeiro, flagelado e coroado de espinhos, NS nos ensina as consequências do pecado, Ele nos ensina a gravidade de nossos pecados. Consideremos, caros católicos, em que estado nossos pecados deixam o Verbo Encarnado. Na Cruz, Ele nos ensina que podemos obter misericórdia, com o exemplo do bom ladrão. Mas nos ensina também que podemos, infelizmente, recusar a graça, como o mau ladrão. Ali, Ele nos ensina o valor da graça e da nossa alma, pois para nos alcançar a graça e alcançar a redenção de nossa alma, NS, homem e Deus, pagou o preço de seu sangue derramado na Cruz. Da Cruz, Nosso Salvador nos ensina que, para alcançar o céu, é preciso segui-lo, carregando com a ajuda d’Ele as nossas cruzes, suportando-as com paciência e, mais do que isso, abraçando-as com amor.

A Cruz de Cristo é o trono de onde Ele reina. Ele reina, tendo agradado infinitamente à Santíssima Trindade com seu sacrifício na Cruz. Ele reina sobre nós, tendo nos redimido e resgatado com seu sangue. Ele reina sobre a morte e o inferno, tendo ressuscitado em virtude de sua morte na Cruz. Ele reina sobre todas as criaturas, e diante dEle, todo joelho deve se dobrar no céu, na terra e no inferno. Pela Cruz, Cristo foi anunciado, conhecido, adorado amado por toda a terra. O Senhor reinou a partir do madeiro.

Não sem razão – dizia eu antes de começar o sermão – o documento papal reconhecendo a liberdade da Missa Tradicional entrou em vigor no dia 14 de setembro, dia da Exaltação da Santa Cruz. Não sem razão porque a Missa Tradicional expressa perfeitamente esses três aspectos da cruz de Cristo: o altar, a cátedra, o trono. Ela exprime o altar porque na liturgia Tradicional é claríssimo que o que está ocorrendo sobre o altar é o sacrifício da Cruz renovado de forma incruenta, sem sangue, e que ele se realiza em particular para o perdão dos nossos pecados. Ela exprime perfeitamente a cátedra, nos ensinando todas as virtudes, nos ensinando com toda segurança a doutrina católica, sobretudo quanto à presença real de Cristo em corpo, alma, sangue e divindade depois da consagração. Ela exprime perfeitamente o trono de Cristo, pois aqui, tudo, absolutamente tudo está orientado para NSJC e submetido a Ele, sem espaço para que nós nos tornemos o centro da Missa.

Quanto a Cruz de Cristo deve ser exaltada, caros católicos, Cruz de onde pendeu a nossa Salvação! Mas quantos, infelizmente, são os inimigos da Cruz de Cristo. Quantos querem tirar de nossa sociedade a Cruz de Cristo. Quantos querem tirá-la dos locais públicos, dos tribunais, dos hospitais, das escolas. Quantos querem tirar de nossa sociedade a salvação trazida por Cristo. Quantos de nós, por nossos pecados, renegamos a Cruz de Cristo e a salvação que ela nos traz. Mas a Cruz de Cristo permanecerá como o único meio de salvação. Dum volvitur orbis, stat Crux. Enquanto o mundo gira e muda, a Cruz permanece. Desde o início do mundo até o final dos tempos, é Cristo crucificado que pode nos salvar. Não há ressurreição, não há vida eterna sem a Cruz, sem a Cruz de Cristo e sem as nossas cruzes carregadas no quotidiano em união com Cristo. Digamos e façamos como São Paulo: gloriemo-nos somente na Cruz de Cristo. Dizia o Santo Apóstolo: longe de mim o gloriar-me, a não ser o gloriar-me da Cruz de Cristo.

E Essa Cruz de Cristo está aqui diante de nós, sobre o altar. Mas é no momento da consagração que essa Cruz se fará presente, se renovará. Unamo-nos à Cruz de Cristo, unamo-nos a Cristo na Santa Missa, para nos oferecermos inteiramente a Ele, com tudo o que somos e temos.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Sermão] A natureza do culto a Nossa Senhora: veneração, amor, gratidão, invocação, imitação.

Sermão para o 16º Domingo depois de Pentecostes

8 de setembro de 2013 – Padre Daniel Pinheiro

ÁUDIO: Sermão para o 16º Domingo depois de Pentecostes Natividade N. Sra. A natureza do culto a Nossa Senhora veneração, amor, gratidão, invocação, imitação 8.09.2013

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

Ave Maria…

Avisos:

Hoje é dia 8 de setembro, dia da Natividade de Nossa Senhora. É também o dia da fundação do IBP (Instituto do Bom Pastor), em 2006. Peço a todos que rezem pelo Instituto, pelos seus membros, sobretudo por mim. O Instituto, como sabem, baseia seu apostolado na “fidelidade ao Magistério Infalível e no uso exclusivo da liturgia gregoriana na digna celebração dos santos mistérios” (Estatutos, Finalidade, 2).

Rezemos pela Síria e pelo nosso país.

Sermão

“Salve, ó Mãe Santíssima, que destes à luz o Rei que governa a terra e o Céu por todos os séculos.” (Introito da Missa da Natividade de Nossa Senhora).

No dia da Assunção de Nossa Senhora, falamos da necessidade da devoção a tão boa mãe para a nossa salvação. Aproveitemos que hoje é o dia da Natividade de Nossa Senhora para honrar Maria Santíssima e honrá-la tratando da natureza do culto que lhe deve ser tributado, para podermos ser bons e fiéis filhos dela. Trataremos, então, do tipo de culto que é devido a Nossa Senhora. Veremos que é um culto denominado de hiperdulia e que é um culto de veneração, de amor, de gratidão, de invocação, de imitação, de escravidão.

O culto, segundo a definição de São João Damasceno, é o reconhecimento da excelência de quem é cultuado, com a consequente submissão a ele. Nossa Senhora pode ser, então, cultuada religiosamente, pois possui grande excelência e nos é muito superior na ordem da graça. Cultuá-la, nada mais é do que reconhecer que Deus fez nela maravilhas, maravilhas que superam todas as maravilhas concedidas às criaturas.

A natureza do culto depende da natureza da excelência. Ora, Deus tem uma excelência infinita, Ele é o criador de todas as coisas, infinitamente perfeito. A Deus se deve o culto de latria, de adoração, de total submissão à sua onipotência. O culto de latria é exclusivo para Deus. Adorar uma criatura no sentido preciso da palavra é cometer um pecado de idolatria. Aos santos, consequentemente, é devido um culto de outra natureza, chamado culto de dulia, de veneração, em virtude da excelência sobrenatural que possuem, quer dizer, em virtude da santidade que possuem, da união profunda e definitiva que possuem com a Santíssima Trindade. Aos santos é devido tal culto pelo que possuem de Deus, pela graça que possuem, pelas virtudes que possuem, pela caridade que possuem. Com tal culto, não somente é lícito, mas é também muito útil e conveniente invocar e reverenciar os santos. Esse culto aos santos é doutrina de fé e mandado pela Igreja. Nossa Senhora tem, por um lado, uma excelência infinitamente inferior a Deus, a Nosso Senhor Jesus Cristo. Nossa Senhora é uma criatura, ainda que seja a criatura mais perfeita. A Nossa Senhora não se pode prestar, evidentemente, um culto de latria, de adoração. Fazê-lo seria uma desordem grave. Por outro lado, Nossa Senhora está muito acima dos outros santos e mesmo dos anjos. Sua excelência supera a excelência de todos os santos e anjos juntos. Portanto, a Maria Santíssima é devido um culto especial, particular, denominado de hiperdulia, que se distingue do culto de dulia aos santos pelo grau, em virtude da santidade e excelência particulares da Santíssima Virgem. Todavia, o culto a Nossa senhora é distinto do culto aos santos não somente em grau, mas também em sua natureza, pois a dignidade de Maria não é simplesmente a dignidade da santidade, mas é a dignidade de Mãe de Deus, o que a coloca na ordem da união hipostática, ainda que de modo relativo somente. Assim, o culto devido a Nossa Senhora é o culto de hiperdulia, um culto que é infinitamente inferior ao culto devido a Deus, mas que é muito superior ao simples culto de dulia devido aos santos. E isso em virtude da santidade extraordinária de Nossa Senhora e de sua Maternidade Divina. Nada mais falso, portanto, do que a acusação dos protestantes que dizem que os católicos adoram Nossa Senhora. Santo Epifânio já dizia: “Maria seja honrada. Deus, adorado.” (Adv. Haer., III, haer. 79, PG 42, 742)

Esse culto devido a Nossa Senhora deve se expressar com cinco atos principais: 1) atos de veneração, pela excelência e dignidade quase infinitas da Mãe de Deus; 2) atos de amor, porque, além de ser Mãe de Deus, é também nossa Mãe; 3) atos de gratidão, porque é nossa corredentora; 4) atos de invocação, porque ela é medianeira de todas as graças; 5) finalmente, o culto de Nossa Senhora deve incluir também a imitação, por causa da excelência de suas virtudes.  A esses cinco atos, devemos também a Nossa Senhora um singular culto de escravidão, pois ela é Rainha do Céu e da Terra. Desse culto de escravidão, porém, falaremos em outra oportunidade.

Com a veneração, reconhecemos a excelência e a superioridade de Nossa Senhora. Essa veneração deve ser interior, estimando as qualidades de Nossa senhora com a mente e honrando-a com a vontade, quer dizer, dando testemunho de sua excelência, como deve ser também exterior, com as práticas piedosas estabelecidas para esse fim, sejam elas públicas ou privadas, individuais ou sociais, litúrgicas ou extra-litúrgicas. Assim, poderemos nos associar à veneração manifestada pelo anjo Gabriel, por Santa Isabel, e a profecia feita por Nossa Senhora de que todas as gerações a chamariam bem aventurada se cumprirá. E sabemos bem que a honra do filho está em grande parte na mãe. Assim, quando veneramos Maria, seu Filho é também estimado e honrado.

Com o amor, retribuímos a Maria sua maternidade espiritual para conosco. Foi ela que nos trouxe ao mundo o princípio da graça, que é Nosso Senhor. O Espírito Santo usa Nossa Senhora como instrumento para nos transmitir as graças. Ela, portanto, nos gera para a graça, em certo sentido. Ela é realmente nossa Mãe. Ela também nos ajuda e nos conduz pelo bom caminho, como toda boa mãe. A Sagrada Escritura nos manda honrar pai e mãe naturais. Quanto mais honrada deve ser, então, nossa Mãe na ordem da graça. Devemos também reconhecer em Maria a mais santa das criaturas, e devemos amar em Maria esse bem imenso, essa grande santidade, essa profunda união com Nosso Senhor. O amor nos faz desejar o bem do amado. Ele nos manda fazer tudo o que agrada ao ser amado e nos proíbe tudo o que desagrada ao ser amado. Assim, esse amor filial profundo a Nossa Senhora deve traduzir-se em obras. A prova do amor são as obras, nos diz São Gregório Magno. Portanto, esse amor a Nossa Senhora deve nos levar à prática dos mandamentos, das virtudes e deve nos afastar de tudo o que ofende a Nossa Senhora, quer dizer, do pecado e daquilo que nos leva ao pecado. Amando assim Nossa Senhora, amaremos também Cristo, pois só é agradável a Nossa Senhora aquilo que é agradável ao seu Filho. Da mesma forma, tudo o que desagrada a Cristo, desagrada a Maria. Esse amor é o centro, o coração do culto a Nossa Senhora.

Com a gratidão, damos aquilo que é devido aos nossos benfeitores. A gratidão tem três graus. O primeiro é reconhecer o benefício recebido, o segundo é agradecer com palavras e o terceiro é retribuí-lo com obras. Depois da Santíssima Trindade, depois do Verbo Encarnado que nos redimiu, Maria Santíssima é a nossa maior benfeitora, a maior benfeitora do gênero humano, sobretudo por sua qualidade de corredentora ao pé da cruz. Quão grande deve ser nossa gratidão para com Maria, que ofereceu seu Divino Filho para o perdão de nossos pecados e que aceitou ter sua alma transpassada pela espada para que fôssemos redimidos. Com grande generosidade, Nossa Senhora nos entregou o maior bem que existe, ela nos entregou Nosso Senhor. Assim, devemos ser gratos a tão boa Mãe e Corredentora. Devemos ser gratos interiormente, considerando os incalculáveis benefícios que Maria nos fez e faz. Devemos ser gratos exteriormente com palavras, louvando-a, e agradecendo-lhe incessantemente, pois, dado o tamanho do benefício, nunca conseguiremos manifestar a nossa gratidão por completo. Devemos ser gratos externamente com as obras, retribuindo tantos benefícios e sacrifícios com alguns sacrifícios, sobretudo oferecendo a nós mesmos a Maria Santíssima, para que ela nos conduza com segurança até seu Filho. Devemos retribuir com uma vida de santidade. Muitas vezes nos esquecemos de agradecer devidamente a Maria por todos os benefícios que ela nos deu e dá.

Com a invocação, reconhecemos que Nossa Senhora é, por vontade divina, a medianeira de todas as graças. Assim, devemos a ela um culto de grande confiança, devemos recorrer a Maria e invocá-la em toda necessidade espiritual e material. E devemos recorrer a ela e invocá-la completamente seguros de que seremos sempre ouvidos, se a graça solicitada é necessária ou conveniente para nossa salvação. Devemos recorrer a ela sempre: nas dúvidas, para que nos esclareça; nos extravios, para que voltemos para o bom caminho; nas tentações, para que nos ajude; nas fraquezas, para que nos fortaleça; nas quedas, para que nos levante; nas desolações, para que nos anime; nas cruzes e trabalhos, para que nos console. Sempre e em todo lugar devemos recorrer a Maria, como à melhor das mães. Aquela que entregou seu próprio Filho para nos salvar não recusará interceder por nós. O Evangelho, nas Bodas de Caná, nos indica a confiança com que devemos nos dirigir a Maria. Ela intercede pelos noivos sem que eles tenham pedido, pois os noivos nem sabem que estava faltando vinho e não sabem que precisam daquela graça. Se Nossa Senhora nos ajuda quando não pedimos, imaginem o que faz quando recorremos a ela com grande confiança e humildade. Nossa Senhora conhece bem as nossas necessidades. Ela pode nos conceder sua ajuda e quer nos ajudar. Não precisamos de mais nada para correr a Nossa Senhora.

Com a imitação, reconhecemos na Mãe de Deus um modelo e exemplo perfeitíssimo de todas as virtudes. Para cultuar adequadamente Nossa Senhora devemos imitá-la, reproduzindo em nossa vida as virtudes de Maria no pensar, no falar, no agir, enfim, em todas as coisas. A imitação de uma pessoa é um verdadeiro culto a ela, porque a tomando como modelo reconhecemos sua excelência e superioridade moral e nossa submissão a ela. Toda a virtude de Maria está resumida naquela famosa frase: “fiat mihi secundum verbum tuum”. “Faça-se em mim segundo a vossa palavra.” A raiz das perfeições de Nossa senhora está na sua perfeita conformidade com a vontade de Deus. Devemos buscar essa conformidade total com a vontade divina. E Maria é um modelo sublime e acessível a todos, como diz Leão XIII. Diz o Papa (Enc. Magnae Dei Matris, 8 de setembro de 1892): “a bondade e a Providência divina nos deu em Maria um modelo de todas as virtudes, (um modelo) todo feito para nós. Porque, considerando-a e contemplando-a, as nossas almas já não ficam ofuscadas pelos fulgores da divindade, senão que, atraídas pelos vínculos íntimos de uma comum natureza, com maior confiança se esforçarão por imitá-la. Se, amparados pelo seu eficaz auxílio, nós nos dedicarmos com todas as nossas forças a esta obra (de imitá-la), certamente conseguiremos reproduzir em nós ao menos algum traço de tão grande virtude e santidade; e, depois de havermos imitado a sua admirável conformidade com as divinas vontades, poderemos juntar-nos a Ela no céu.” Assim, o culto perfeito a Nossa Senhora supõe o firme propósito de imitá-la.

A devoção a Maria deve ser, então, uma devoção de veneração, uma devoção de amor, uma devoção de gratidão, uma devoção de invocação, uma devoção de imitação. A devoção a Nossa Senhora nesses quatro atos e em todos os atos deve ser sempre uma devoção interior, quer dizer, que realmente brota do desejo de honrá-la, de reconhecer e de nos submeter à grandeza de Nossa Senhora. A devoção também deve ser terna, isto é, cheia de confiança, como uma criança confia em sua mãe. A devoção a Nossa Senhora deve ser uma devoção santa, que tem por objetivo evitar todo pecado e imitar as virtudes de Maria, principalmente sua humildade profunda, sua fé vivíssima, sua obediência; sua oração contínua, sua mortificação, sua pureza divina, sua esperança firmíssima, sua caridade ardente, sua paciência heroica, sua sabedoria celestial. A devoção a Nossa Senhora deve ser igualmente constante, quer dizer, deve ser uma devoção que consolida nossa alma no bem e que nos dá forças para não abandonarmos facilmente as práticas devocionais. Ela deve dar à alma a constância e o ânimo no combate contra o mundo, a carne, o demônio. A devoção a Nossa Senhora deve ser uma devoção desinteressada, tendo como principal motivo não os benefícios que recebemos, mas sim, as perfeições de Nossa Senhora, a excelência dela, a santidade dela, a sua profunda união com Cristo. O devoto de Maria deve amá-la e honrá-la sem buscar a si mesmo em primeiro lugar.

Portanto, caros católicos, já sabemos como praticar essa devoção a Nossa Senhora, devoção que é necessária para a nossa salvação. Devemos venerar Maria, amá-la profundamente, agradecer-lhe com imensa gratidão, invocá-la com grande confiança e imitá-la em todas as virtudes. E fica claro que se fizermos tudo isso, caminharemos rapidamente e com segurança para Nosso Senhor Jesus Cristo, para a união com Cristo, união que deve ser o fim de toda e qualquer devoção. Quem honra a Mãe, honra o Filho. Quem desagrada à Mãe e a ofende, desagrada ao Filho e o ofende. Quem agrada a Mãe, agrado o Filho. Quem ama a Mãe ama o Filho.

Em nome do Pai, do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Sermão] A orientação do sacerdote e o silêncio na Missa

Sermão para o 14º Domingo depois de Pentecostes
25 de agosto de 2013 – Padre Daniel Pinheiro

 

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave Maria…

“Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de aborrecer a um, e amar ao outro; ou há de afeiçoar-se a este, e desprezar aquele.”

Faz quase um mês consideramos brevemente a importância do Latim na Liturgia. Consideramos sua importância para a nossa vida espiritual, importância para o bem da Igreja. Hoje, consideraremos também brevemente os outros dois aspectos mais sensíveis quando se fala da Santa Missa no Rito Tradicional: a orientação do padre com relação a Deus e aos fiéis e o silêncio. Lembro que esses aspectos, embora sejam os mais visíveis, não são, porém, os mais importantes. São aspectos fundamentais e de grandíssima importância, mas não são os mais importantes. Os aspectos mais importantes da Missa Tradicional são suas orações riquíssimas doutrinariamente e espiritualmente, com todos os ritos que acompanham essas orações, que são também sacramentais que glorificam a Deus e imploram a sua misericórdia para conosco, pobres pecadores. Consideremos, então, a orientação do sacerdote, voltado para Deus, e o silêncio da Missa Tradicional.

É muito comum ouvirmos as pessoas se referirem à Missa Tradicional – muitas vezes com certo desprezo – como aquela Missa em que o Padre está de costas para o povo, como se fosse uma grande injúria ao povo, um crime de lesa-povo. Na verdade, o sacerdote não se encontra de costas para o povo, mas de frente para Deus, como é evidente. O sacerdote e fiéis estão olhando para o mesmo sentido, para Cristo, para Deus. Originalmente, sacerdote e fiéis se voltavam para o oriente, voltados para Cristo, chamado na liturgia de Oriens (Antífona “O”,por exemplo) de sol que nasce, de sol de justiça. Com o passar do tempo, muitas vezes já não se voltavam para o oriente geográfico, mas simplesmente para o mesmo sentido, para o mesmo lugar, para um oriente espiritual. É quase certo que, mesmo na última ceia, Cristo não estava de frente para os apóstolos. O modo de se dispor à mesa naquela época era bem distinto do nosso. Com o corpo reclinado, ficavam, em geral, todos do mesmo lado, segundo os estudos mais recentes. Tratava-se também de uma ceia ritual (páscoa judaica) e não de uma simples refeição. E mesmo se tivesse Cristo rezado a primeira Missa de frente para os apóstolos, nada mudaria em nossa argumentação, já que ao longo do tempo – e muito rapidamente, segundo atestações históricas, a Igreja estabeleceu a celebração voltada para Deus e não para o povo. Diz Bento XVI, no primeiro volume de suas obras completas (citado por Dom Athanasius Schneider em seu artigo sobre as cinco chagas da liturgia – Les cinq plaies de la liturgie) que “a ideia de que o sacerdote e a assembleia devem se olhar durante a oração nasceu com os modernos e – continua o papa – essa ideia é totalmente estranha à cristandade tradicional. O Padre e assembleia não se dirigem mutuamente uma oração, mas é ao Senhor que eles se dirigem. Por isso, na oração eles olham para a mesma direção: seja para o leste, como símbolo cósmico do retorno do Senhor, ou então, onde isso não é possível, olham para uma imagem de Cristo situada na abside, para uma cruz ou simplesmente olham juntos para o alto.”

Quando o sacerdote celebra a Missa virado para o povo, existe uma grande tendência de que o povo se torne o centro da Missa. Parece muitas vezes que a Missa é um diálogo do sacerdote com o povo, e a Missa permanece num plano quase exclusivamente horizontal – entre homens -, sem elevar-se a Deus, num plano vertical. A posição do padre virado para o povo é mais condizente com uma aula, com uma refeição, ou com uma situação de palco. Fazer da Missa uma pura catequese, fazer dela uma simples refeição ou um show são coisas que, consequentemente e infelizmente, vemos com frequência. Além disso, o Padre voltado para o povo e vendo a reação dos fiéis ao que está sendo feito e dito, tenderá fortemente a adaptar sua ação e seu discurso para agradar aos fiéis presentes, gerando inúmeros abusos.

Assim, a Missa em que o sacerdote dá as costas ao povo para voltar-se unicamente para Deus, coloca Deus no centro da liturgia e deixa claro que aquela ação é um ato de culto para Deus e não uma mera catequese ou reunião social. Deixa claro que não se trata de uma mera refeição e muito menos de um show para agradar aos fiéis presentes. Com o Padre voltado para Deus, ele conduz o povo a Deus e não vai no sentido oposto ao dos fiéis. Ele é o Pastor que conduz os fiéis ao Calvário e ao Céu, à Jerusalém Celeste. Sacerdote e fiel devem se dirigir ao mesmo lugar. O Padre voltado para Deus está na posição que convém ao mediador entre Deus e os homens: o sacerdote está diante de Deus, suplicando diante d’Ele em favor dos homens. O Padre está, dessa forma, voltado para o tabernáculo, onde está NSJC realmente e substancialmente presente e que convém muitíssimo que esteja no centro da Igreja e não em uma capela à parte. Ele está também voltado para a Cruz, colocada no centro do altar. É preciso ter bem presente na nossa inteligência que as nossas disposições espirituais mudam conforme nossa posição, conforme a arquitetura do lugar, etc., pois somos não só alma, mas também corpo. Assim, rezar ajoelhado, em pé ou sentado nos dispõe de maneira distinta para a oração, por exemplo. Consequentemente, por mais que se diga que espiritualmente estão todos voltados para Deus quando o Padre celebra a Missa voltado para o povo, os resultados são bem distintos, pois estão, de fato, voltados uns para os outros, olhando uns para os outros, dirigindo-se uns aos outros. Dessa forma, a posição do sacerdote, voltado para Deus é de importância enorme para uma boa liturgia, para colocar Deus no centro, para evitar fazer da Missa uma mera refeição ou um mero espetáculo. A posição do Padre na Missa Tradicional diminui a importância dos fiéis e diminui a importância do Padre. Todos diminuem para que Cristo possa crescer, como fazia São João Batista. Vale destacar que, teoricamente, o padre voltado para Deus não é exclusivo da Missa Tradicional. Seria possível fazê-lo também na liturgia oriunda da reforma litúrgica de 1969 do Papa Paulo VI. Na prática, todavia, é algo quase exclusivo da Missa Tradicional. A mudança na orientação dos padres foi talvez o que mais chocou os fiéis no processo de reforma da liturgia, pois a sensação foi de que o povo passava a ser o centro e não mais Deus.

O silêncio, ao contrário do latim e da orientação do padre, é próprio da Missa Tradicional. Falamos aqui do silêncio que advém do fato de muitas orações serem rezadas em voz baixa pelo sacerdote e que não é um silêncio artificial. Falamos do silêncio da própria Missa e não de um silêncio inserido na Missa. O silêncio na Missa Tradicional traz um grande benefício para a nossa vida espiritual. Antes de tudo, o silêncio permite que deixemos, mais uma vez, de ser o centro da Missa. Ora, aquele que fala é o centro das atenções. Se as pessoas falam constantemente durante a Missa elas terão grande tendência a achar que a Missa diz respeito, em primeiro lugar, a elas e não a Deus. As orações do Padre em voz baixa deixam claro também para o padre que não é a sua pessoa particular o centro da Missa. Não é ele que precisa aparecer. Essas orações em voz baixa e o consequente silêncio da Missa Tradicional deixam claro que o centro da Missa é Deus, é Cristo que renova o seu Sacrifício oferecendo-o à Santíssima Trindade. O Padre que fala em voz baixa é o centro da liturgia, mas não enquanto padre tal ou padre fulano, e, sim, enquanto instrumento de Cristo Sacerdote, de forma que o centro é claramente Cristo. Assim, colocando Deus como o centro, o silêncio nos ensina a caridade, que nos inclina a fazer tudo a partir de Deus, por amor a Deus.

O silêncio nos ensina também a mortificação. Pelo nosso orgulho, temos muitas vezes tendência a falar, a querer ser o centro das atenções. Pelo silêncio, negamo-nos a nós mesmos, às nossas inclinações, mortificamos os nossos sentidos e deixamos que Deus aja. Muitas pessoas que assistem à Missa Tradicional pela primeira vez se queixam do silêncio ou de não terem participado da Missa, etc. (Trataremos em outra ocasião da questão da autêntica participação na Missa). Na verdade, essas queixas se devem muitas vezes à simples repulsa por essa mortificação imposta pelo silêncio e pelo fato de não ser o centro da liturgia. O homem moderno tem grande dificuldade em deixar de ser o centro em livrar-se do antropocentrismo. Como sabemos, porém, a mortificação é indispensável para uma vida espiritual ordenada. O silêncio ajuda bastante nesse ponto: negação de si. O silêncio mostra que não precisamos ser o centro das atenções para que a Missa tenha sentido, mas que é justamente o oposto. A Missa tem sentido quando Deus é o centro.

O silêncio na Santa Missa coloca Deus no centro e nos mortifica. Ele também nos ensina a rezar. O fato é que, durante o silêncio, não há alternativa: ou a pessoa reza ou ela se distrai. Aceitar a distração seria um pecado, ainda que leve muitas vezes. A pessoa precisa, então, rezar, e rezar sozinha. O silêncio nos ensina o valor da oração individual, nos ensina a rezar e nos faz buscar o melhor meio para nos unirmos ao Sacrifício de Cristo, renovado diante de nós.

O silêncio, mortificando os sentidos, nos ajuda muito a considerar com a inteligência o que realmente importa durante a Santa Missa. O silêncio favorece o progresso na oração, nos conduzindo além da oração simplesmente oral. O silêncio nos permite considerar as verdades eternas e tomar a resolução, com o auxílio divino, de ajustar nossa vida a essas verdades. Em resumo, o silêncio favorece a meditação, meditação católica. Cada vez mais no mundo o silêncio é raro. Aonde vamos há alguma espécie de barulho de música, de televisão, de rádio, ou algo para ocupar nossa imaginação e inteligência com coisas sem importância. Todo mundo anda com seu fone de ouvido. Ora, sem silêncio não pensamos devidamente e, se não pensamos, não podemos aderir com firmeza a Deus. Esse barulho entrou também na Igreja, no centro da vida da Igreja que é a liturgia, infelizmente. O silêncio é necessário para a nossa vida espiritual e a Missa tradicional o favorece.

Ademais, o fato de a pessoa ter de rezar sozinha durante a Missa favorece a oração fora do contexto litúrgico e favorece, em particular, a oração individual, tão em desuso atualmente. Há uma tendência de muitos a considerar que a única oração que tem importância é a oração comunitária.  Assim, diante do silêncio, a pessoa tem de rezar, do contrário, ela se distrai. O silêncio favorece uma oração mais elevada, nos faz considerar o que realmente importa na Missa: o sacrifício de Cristo renovado para a glória de Deus, para o perdão dos nossos pecados.

Estamos falando aqui do silêncio litúrgico, que tira a pessoa do centro das atenções, que a mortifica, que a obriga – em certo sentido – a rezar. Muitas pessoas dizem que gostam muito do silêncio da Missa, apesar da presença de uma ou várias crianças na Capela ou próxima da Capela chorando, fazendo barulho. Esse silêncio litúrgico não é necessariamente um silêncio absoluto.  O silêncio litúrgico favorece, então, a oração e, consequentemente, a devoção, a prontidão no serviço de Deus.

Finalmente, o silêncio na Missa explicita o fato de que é o sacerdote que age na pessoa de Cristo e que é o sacerdote que renova o sacrifício do Calvário ao dizer as palavras da consagração. Não é o povo que consagra, não é o povo que celebra a Missa. É o sacerdote. Para deixar clara a diferença de papéis, o Padre reza as orações mais profundamente sacerdotais em silêncio: o ofertório, o cânon, as palavras da consagração. Um dia estava ensinando um padre a celebrar a Missa. Durante o treino ele falou as palavras da consagração em voz alta. Eu disse, então, que deveriam ser ditas em voz baixa. Ele disse que pensava que pelo menos as palavras da consagração eram ditas em voz alta. Na verdade, justamente as palavras da consagração são as que mais devem ser ditas em voz baixa, para deixar claro que quem realiza o mistério da Missa é o sacerdote agindo na pessoa de Cristo, independentemente dos fiéis, contra a concepção protestante da igualdade completa entre sacerdote e fiel. As orações em voz baixa, portanto, têm também um profundo sentido doutrinário.

Temos aqui, caros católicos, alguns aspectos que ilustram a importância da orientação do sacerdote e a importância do silêncio durante a Santa Missa. É uma importância grande para nossa vida espiritual e para a vida da Igreja. O silêncio, a orientação do Padre, voltado para Deus e o latim, de que já falamos em outra oportunidade, nos ajudam bastante a servir um só Senhor – a Santíssima Trindade – e a buscar em primeiro lugar o reino de Deus.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Sermão] A Mulher coroada de estrelas: a necessidade da devoção a Nossa Senhora para a alcançar a salvação

Sermão para a Festa da Assunção de Nossa Senhora
18 de agosto de 2013 – Padre Daniel Pinheiro

 

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave Maria…

“Apareceu um grande sinal no céu: uma Mulher revestida do sol, a lua debaixo dos seus pés e na cabeça uma coroa de doze estrelas.” (Apoc. 12, 1)

A Assunção de Nossa Senhora significa que ela, depois de passar a sua vida aqui na terra, subiu aos céus em corpo e alma. A Assunção de Nossa Senhora sempre foi verdade ensinada pela Igreja, é verdade contida na doutrina dos Apóstolos. Todavia, foi em 1950, com o Papa Pio XII, que a Assunção de Nossa Senhora ao céu foi proclamada como dogma da fé, quer dizer, a Igreja afirmou infalivelmente que a Assunção é uma verdade revelada por Deus e que devemos acreditar nessa verdade, se queremos nos salvar. Assim, quem nega a Assunção de Nossa Senhora perde automaticamente a fé católica e desagrada a Deus, pois sem a fé é impossível agradar a Deus. Nossa Senhora foi a primeira redimida integralmente, ela foi aos céus em corpo e alma, ao contrário dos santos e de todos os que morrem em estado de graça, que devem esperar a ressurreição do corpo no fim dos tempos. Nossa Senhora é a primeira redimida integralmente porque ela é a corredentora. Convinha que, tendo sido associada tão intimamente à obra de redenção operada por NSJC, ela fosse também intimamente associada à glória d’Ele, pela Assunção em corpo e alma ao céu, e sem que seu corpo conhecesse a corrupção, pois foi esse corpo que deu ao Salvador a sua carne humana. Maria Santíssima, então, subiu aos céus em corpo e alma.

A Festa da Assunção de Nossa Senhora deve, assim, elevar a nossa alma para as coisas celestes, para a nossa verdadeira pátria, que é o céu. Como nos diz a coleta da Missa de hoje, devemos estar sempre inclinados para as coisas celestiais, a fim de podermos participar da glória celeste. Onde está nosso tesouro lá está o nosso coração. Se olhamos para as coisas desse mundo, se nos inclinamos às coisas desse mundo, é porque nosso tesouro está aqui nessa terra e, consequentemente, também o nosso coração, a nossa vontade está apegada às coisas desse mundo. Nossa Senhora, por sua Assunção, nos mostra que nosso tesouro é bem outro. Ela nos mostra que nosso tesouro é a Santíssima Trindade, ela nos mostra que nosso tesouro é seu Filho, Jesus Cristo, a Verdade, o Caminho, a Vida.

Maria Santíssima nos aponta o tesouro a ser buscado – o céu – mas, além disso, ela nos indica, igualmente, o caminho. Ela nos indica o caminho nessa passagem do Apocalipse que compõe o Introito da Missa de hoje: “Apareceu em seguida um grande sinal no céu: uma Mulher revestida do sol, a lua debaixo dos seus pés e na cabeça uma coroa de doze estrelas.” (Apocalipse 12, 1) Nossa Senhora está revestida de sol, tendo a lua a seus pés e coroada com 12 estrelas.

1. N. Sra. está revestida de Sol. O sol representa Jesus Cristo, que é a luz do mundo e o Sol de Justiça. Como nos diz S. Paulo, nós devemos nos revestir de Cristo (Rom 13, 14), quer dizer, nós devemos nos revestir do homem novo, criado em justiça e santidade (Efésios 4, 24). Devemos nos revestir de Jesus Cristo para imitar as virtudes d’Ele, para fazer tudo por Ele, com Ele e n’Ele. Devemos nos revestir de Cristo para que os frutos de sua redenção possam nos ser aplicados.

2. Em seguida, Maria esmaga a lua com seus pés: a lua representa aqui o mundo e o seu príncipe, a serpente. A lua é mutável, instável, inconstante, ela tem várias fases. Também o mundo com seus tesouros passageiros, que são os pecados, é mutável. Nossa Senhora esmaga a lua, reduzindo-a ao nada, como Judith (Epístola de hoje) ao matar Holofernes reduziu ao nada os inimigos de Israel. Deus, ao contrário do mundo e do pecado, é eterno e imutável, caros católicos. Céus e terras passarão. A Palavra de Deus não passará. Devemos ser firmes e constantes no serviço de Deus, firmeza e constância que são verdadeira sabedoria. A Sagrada Escritura nos diz: Stultus ut luna mutatur; sapiens autem permanet ut sol. (Eclesiástico 27, 12) O insensato, o tolo é inconstante como a lua; o sábio, porém, é constante como o sol. Devemos esmagar a lua e sermos constantes como o sol, devemos esmagar o pecado, o demônio, o mundo, e devemos ser constantes como Cristo foi constante em fazer sempre a vontade de Deus.

3. Finalmente, Maria Santíssima está coroada de doze estrelas. O Patriarca José, filho de Jacó, teve um sonho em que onze estrelas se prostravam diante dele. Essas onze estrelas eram os irmãos de José, as tribos do povo hebreu, que lhe iriam implorar socorro quando chegasse o tempo das vacas magras.  Essa coroa de Nossa Senhora, com doze estrelas, representa toda a humanidade que deve prostrar-se diante dela, implorando-lhe as graças adquiridas por Cristo na cruz. Essa coroa significa a realeza e a soberania de Maria sobre toda a humanidade e nos mostra como devemos ter veneração e devoção, nesse vale de lágrimas, a tão soberana Rainha e Rainha de Misericórdia.

Assim, se quisermos alcançar o céu, devemos primeiramente olhar para o céu, desejá-lo. Em seguida, devemos nos revestir de Cristo, da sua graça, de suas virtudes. Devemos, igualmente, esmagar o pecado. Mas para fazer tudo isso, devemos ter devoção a Nossa Senhora. Esse último ponto é indispensável, caros católicos. A devoção a N. Sra. é necessária para a nossa salvação.

A devoção a Nossa Senhora é indispensável para a salvação porque para nos salvarmos devemos praticar as virtudes. Para praticar as virtudes, precisamos da graça de Deus. Para alcançar a graça de Deus, necessitamos recorrer a Maria. Necessitamos de Maria para alcançar a graça porque Deus quis que fosse assim. Ele poderia ter feito de outro modo, não há dúvida. Deus não era obrigado a usar uma mera criatura para transmitir as suas graças. Todavia, na sua sabedoria, quis que fosse assim. 1) Devemos ter devoção a N. Sra. porque Deus a escolheu como tesoureira, administradora e dispensadora de todas as sua graças, de sorte que todas passam por suas mãos. Ela é a medianeira de todas as graças. 2) Assim como na ordem da natureza temos necessariamente um pai e uma mãe, também na ordem da graça devemos ter Maria por Mãe, se queremos ter Deus por Pai. 3) A devoção a Maria é necessária porque tendo ela formado a Cabeça do corpo místico – que é Cristo – cooperando com o Espírito Santo, ela forma, também com o Espírito Santo, os membros desse corpo, dessa cabeça, que somos nós os cristãos. Quem quer ser membro de Cristo deve se deixar formar por Maria e pelo Espírito Santo. 4) A devoção a Maria é necessária porque foi no ventre dela que o Espírito Santo formou Cristo, Homem e Deus. Assim, Nossa Senhora possui o molde para formar, pela graça divina, Cristo em nossas almas. E com Maria, Cristo pode ser formado em nossas almas, pela graça, de modo rápido, fácil e suave. Sem a devoção a Nossa Senhora é impossível salvar-se, como de modo semelhante não é possível salvar-se fora da Igreja Católica. Aquele que conhece Nossa Senhora ou tem a possibilidade de conhecê-la e se dá conta ou poderia se dar conta de seu papel fundamental para a salvação, mas deixa de honrá-la e de recorrer a ela, certamente se perderá. É claro e evidente que esse papel fundamental de Nossa Senhora é completamente subordinado a NSJC e dependente d’Ele.

As citações dos Padres da Igreja e dos santos no sentido da necessidade da devoção a Nossa Senhora para alcançar a salvação são abundantes. Por exemplo, São Cirilo de Alexandria, (séc. V, P.G. 77, 1031-1034): “Oh Maria, Mãe de Deus, salve! Por ti encontram a salvação todas as almas fiéis.” São Germano de Constantinopla (séc. VIII, P.G. 98, 350): “Ninguém se salva a não ser por teu auxílio, oh Mãe de Deus! Ninguém fica livre dos perigos a não ser por meio de ti, oh Virgem fecunda!” Santo Idelfonso (séc. VII, P.L. 96, 69, De Virginit. Perp. S. M., c. 4): “Vinde comigo a esta Virgem, se tendes medo de ir, sem ela, ao inferno. Vinde, e escondamo-nos debaixo de seu manto para não nos cobrirmos, um dia, de confusão.” São Bernardo (séc. XII, II Hom. Super Missus est): “Nos perigos, nas angústias, nas dúvidas, pensa em Maria, invoca Maria… Seguindo-a não errarás, rogando-a não terás motivo para desesperar, pensando nela não cairás no erro. Se Maria te socorre, não cairás. Se Maria te protege, não temerás. Se ela te acompanha, não te cansarás. Se ela te for favorável, chegarás ao porto da salvação.” São Boaventura (séc. XIII, Comment. In Luc., c. 1, n. 70): “Quem a honra dignamente, será justificado, mas quem a esquece morrerá em seus pecados. Sim, oh doce Senhora, estão longe da salvação os que não te conhecem; mas quem persevera no tributo de honrá-la, não deve temer a perdição.” Poderíamos ainda citar São Tomás, São Bernardino de Siena e tantos outros, caros católicos. Recomendo fortemente a leitura dos livros Tratado da Verdadeira Devoção a Maria e Segredo de Maria, de São Luís de Montfort, em que ele afirma claramente a necessidade da devoção a Nossa Senhora e o modo de praticá-la. Recomendo o livro Glórias de Maria, de Santo Afonso de Ligório. Mas para concluir essas citações de santos, vejamos o que diz São Leonardo de Porto Maurício, nos seus pequenos discursos para a honra de Maria. Diz o santo: “é impossível que se salve quem não é devoto de Maria.” (Discorssetti ad onore di Maria disc. 7, n.1); e em outro lugar (disc. 16, n. 4) diz: “portanto, sede devotos de Maria, e eu vos asseguro que sereis salvos.” Assim, não há dúvida de que o ensinamento dos santos afirma a necessidade da devoção de Nossa Senhora para a salvação.

E nós podemos concluir a mesma coisa a partir da Sagrada Escritura. Já citamos a realeza de Nossa Senhora, coroada de estrelas no Apocalipse. Vemos no Santo Evangelho que o primeiro a cultuar Nossa Senhora é o Arcanjo Gabriel, ao saudá-la como faz um inferior ao superior: “Ave, gratia plena”, diz o Arcanjo. Vemos Maria honrada por Santa Isabel: “bendita tu entre as mulheres e bendito o fruto do teu ventre”, diz a prima de Nossa Senhora. Vemos Maria honrada por uma mulher do povo que sem medo clama para Cristo diante da multidão: “bem aventurados os seios que te amamentaram e bem aventurado o útero que te portou.” É relevante o número de vezes que N. Sra. é cultuada nos Evangelhos. Finalmente, NS diz: “discípulo eis aqui a tua mãe”. Ele não diz “João, eis aqui a tua Mãe”, mas “discípulo, eis aqui a tua mãe”. Todo discípulo de Cristo deve ter Maria por mãe e deve recebê-la em sua casa, em seu coração. E deve honrá-la e respeitá-la como mãe e deve carinhosamente recorrer a tão boa mãe para obter dela o alimento espiritual, que é a graça. Todo discípulo de Cristo tem necessariamente N. Sra. por mãe e a honra e recorre a ela como a uma boa mãe, Mãe doce e misericordiosa. E NS nos entrega Maria por mãe quando já está pregado na cruz, quer dizer, no momento mais capital da história da salvação. Precisamos honrar Maria, ter verdadeira devoção a ela!

É evidente, caros católicos, que a finalidade da devoção a Nossa Senhora, como de qualquer devoção, é a união a Cristo, é a devoção a Cristo. O anjo a saúda porque ela vai se tornar Mãe de Deus. Santa Isabel a saúda porque ela já Mãe de Deus. A mulher do povo honra Nossa Senhora porque ela carregou Deus em seu ventre e o nutriu. A devoção a Nossa Senhora nos é necessária para sermos devotos de Cristo porque Cristo quis assim, como já dissemos. Ele quis que fôssemos até Ele pelo mesmo caminho que Ele utilizou para vir até nós. Nossa Senhora direciona e apresenta a Deus toda a honra que recebe de nós e alcança para nós as graças que precisamos. Quando Santa Isabel honra Maria, N. Sra. imediatamente honra Deus recitando o Magnificat, louva a Deus reconhecendo que é Ele a fonte de todo o bem, e que ela é uma pobre escrava do Altíssimo: “Minha alma engradece o Senhor, (…) pois olhou para a humildade de sua serva e fez em mim maravilhas.” Honrar Nossa Senhora é, portanto, honrar Cristo, honrar a Santíssima Trindade. Onde está Maria, lá está Cristo. Onde está Cristo, lá está Maria! Quem honra a Mãe, honra o Filho.

É evidente que a devoção a Nossa Senhora deve ser sólida e verdadeira, sincera. A devoção não é simplesmente usar algumas medalhas ou escapulários, ou dizer algumas orações. Tudo isso é bom, excelente, necessário, mas a verdadeira devoção consiste em recorrer a Maria para que ela nos converta, para que mudemos de vida. A verdadeira devoção consiste em buscar imitar as virtudes de Nossa Senhora.

Alegremo-nos, caros católicos, pois Cristo nos deu na devoção a Maria o caminho mais fácil, curto, perfeito e seguro para nos unir a Ele, união a Cristo que é a finalidade de nossas vidas. É um caminho também necessário para nos unir a Cristo. Maria é, diante de Deus e de seu Filho, uma criatura, infinitamente inferior. Mas para nós, ela é a criatura escolhida por Deus para nos levar a Cristo, para que possamos conhecê-lo e servi-lo melhor. Ela é o caminho para que os frutos da redenção operada por Cristo nos sejam aplicados. Ela nos dirige para Cristo dizendo o que disse aos servos nas bodas de Caná: “Fazei tudo o que Ele vos disser”. A devoção a Maria é ir a Jesus por Maria: ad Iesum, per Mariam. Recorramos a Nossa Senhora sempre, em todas as nossas necessidades. Recorramos a ela, para que, por ela, cheguemos a Cristo: ad Iesum, per Mariam. Maria, Mãe de misericórdia, vida, doçura e esperança nossa. Para chegar ao céu, precisamos nos vestir do sol, que é Cristo, devemos esmagar a lua que é o pecado e devemos ser devotos de Nossa Senhora, nossa Rainha e nossa mãe dulcíssima.

Em nome do pai, e do Filho, e do espírito Santo. Amém.