[Sermão] A boa Confissão

Sermão para o 3º Domingo da Quaresma

23.03.2014 – Padre Daniel Pinheiro, IBP

ÁUDIO: Sermão para o 3º Domingo da Quaresma: A boa Confissão

 

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

Ave Maria…

 “Estava Jesus expulsando um demônio, e ele era mudo. E depois de ter expulsado o demônio, falou o mudo, e se admiraram as gentes.”

Caros católicos, temos insistido que a Quaresma é um tempo de conversão, de misericórdia, de busca da santidade. A verdadeira conversão nossa, a busca da santidade e a misericórdia divina se encontram de modo perfeito e pleno em um só ato: no sacramento da confissão, e na confissão bem feita.

Como sabemos, a confissão é o sacramento da nova lei no qual, pela absolvição do sacerdote, se confere ao pecador penitente a remissão dos pecados cometidos depois do batismo. Como cada um dos sete sacramentos, também o sacramento da penitência foi instituído por Cristo. A confissão foi instituída por Cristo no dia mesmo de sua ressurreição, ao dizer aos apóstolos: “recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; e àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos.” No sacramento da confissão, nós podemos ver a delicadeza da bondade e misericórdia divinas. Que meio sublime Deus nos deu para perdoar os nossos pecados, para purificar a nossa alma das quedas após o batismo. A confissão é a nossa segunda tábua de salvação, como nos diz o Concílio de Trento.

Nosso Senhor quis instituir o sacramento da penitência ou confissão para nos dar a certeza (na medida em que é possível) do perdão dos pecados confessados ao padre e absolvidos por ele, para que não tivéssemos angústias ou incertezas em campo tão importante. Nesse sacramento, Nosso Senhor nos diz como Ele disse ao Paralítico: “Tem confiança, filho, teus pecados estão perdoados.” Nosso Senhor quis também que os pecados fossem perdoados por meio da confissão ao sacerdote porque a sabedoria divina cura utilizando remédios contrários à doença. Todos os nossos pecados provêm, em certo grau, do orgulho, e a confissão é o contrário do orgulho, pois é certa humilhação para o pecador. Pecamos ao praticar a nossa própria vontade em detrimento da vontade divina. Na confissão, precisaremos exercer um grande desapego de nós mesmos, da nossa própria vontade e nos humilhar. A confissão diante do sacerdote foi o meio instituído pela sabedoria e misericórdia de Nosso Senhor Jesus Cristo para nos tirar do pecado.

A confissão, como nos diz o Padre Spirago (Catecismo Católico Popular, que recomendo), dá ao indivíduo muitas vantagens, além do essencial e mais importante que é o perdão dos pecados: a) ela dá o conhecimento de si mesmo ao nos confrontarmos com os mandamentos divinos; b) ela dá a delicadeza da consciência, que vai se formando com os bons exames de consciência e os bons conselhos recebidos; c) ela dá a firmeza de caráter, pois o sacramento nos dá a graça que ilumina a nossa inteligência e fortalece a vontade; d) ele dá a perfeição moral, pois a confissão exige humildade, como dissemos, e a humildade é a base de toda virtude. A confissão traz também vantagens para a sociedade civil: a) com ela, as inimizades acabam, b) se bens foram de alguma forma prejudicados pelo pecador, eles serão restituídos, c) muitos crimes são evitados; d) muitos vícios combatidos e etc.

Todavia, para obtermos o perdão dos nossos pecados e todos os outros benefícios que advêm da confissão, precisamos nos confessar bem. Para nos confessarmos bem, precisamos, antes de tudo, fazer um bom exame de consciência. Depois, precisamos nos arrepender dos pecados cometidos e ter o propósito de nos emendarmos. Em seguida, é preciso confessar os pecados, isto é, manifestá-los diante do sacerdote, com sinceridade. Finalmente, é preciso aceitar a penitência, receber a absolvição e cumprir a penitência recebida.

O exame de consciência é a consideração ou investigação séria e diligente dos pecados cometidos desde a última confissão válida. O exame de consciência é muito importante para nos formar bem a consciência, para nos dar o conhecimento de nós mesmos diante de Deus e para assegurar a integridade da confissão. O exame de consciência deve ser feito antes da confissão e não durante a confissão, o que certamente levaria ao esquecimento de algum pecado e tomaria mais tempo do que o realmente necessário. Convém começar esse diligente exame de consciência pela invocação do Espírito santo, para que Ele nos mostre os nossos pecados e nos dê o arrependimento. Se durante o exame de consciência surgem pecados mortais, é preciso considerar também a espécie e o número desses pecados, como falaremos mais adiante.

(Contrição) Feito o exame de consciência, é preciso se arrepender dos pecados cometidos: é o que chamamos de contrição. A contrição é a dor e detestação dos pecados cometidos enquanto são ofensa a Deus. Para que haja a contrição é preciso, primeiro, que reconheçamos que fizemos um mal, um pecado. Reconhecendo o mal que fizemos, devemos ter uma dor espiritual por ter cometido esse mal. Essa dor é espiritual, da vontade, que não afeta necessariamente a sensibilidade. Pode ocorrer e ocorre que um pecador esteja pesaroso de ter pecado sem que sinta sensivelmente dor alguma. Para ter essa dor, basta querer tê-la sinceramente e pedi-la a Deus, que ela surgirá. Tendo reconhecido o pecado cometido, tendo dor por tê-lo cometido, precisaremos, em segundo lugar, detestá-lo. A detestação surgirá quase naturalmente da dor, pois ao reconhecermos o mal que é o pecado, detestaremos esse mal, que ofende a Deus e nos separa dEle. A detestação acende em nossas almas o desejo de destruir o pecado, supõe a abominação ao pecado cometido.

Devemos notar que essa dor da alma, e essa detestação devem provir do fato de que o pecado é uma ofensa a Deus. No arrependimento, é preciso que esteja necessariamente presente, em maior ou menor grau, esse motivo de arrependimento: ofensa feita a Deus. A pessoa que se arrependesse unicamente por medo do inferno ou por amor à vida eterna, mas sem relação com a ofensa feita a Deus, não teria contrição suficiente para ser perdoado. Assim, por mais que o motivo principal seja o temor da condenação, por exemplo, é preciso que esteja presente, ao menos em parte, a rejeição da ofensa a Deus. O verdadeiro arrependimento, além disso, supõe que consideramos o pecado como o maior de todos os males possíveis e que estejamos dispostos a perder tudo, inclusive a vida, para não voltar a cometê-lo. E que o pecado é o maior mal que existe é claro, pois vai diretamente contra Deus e contra nossa felicidade eterna. A contrição deve ser também universal, isto é, ela deve englobar todos os pecados mortais. Se eu me arrependo de dez pecados mortais, mas não me arrependo de um, meu arrependimento não é verdadeiro porque se eu me arrependesse dos nove pelos bons motivos (ofensa a Deus e perda da vida eterna), me arrependeria necessariamente de todos. Assim, deixar de se arrepender de um pecado mortal significa que não se está arrependido verdadeiramente de nenhum.

(Propósito de emenda) Depois do arrependimento, dessa dor da alma e da detestação do pecado, vem o propósito de emenda. O propósito de emenda nada mais é do que a vontade deliberada e séria de não mais voltar a pecar. Esse propósito deve ser firme, isto é, devemos estar decididos a não pecar mais, ainda que tenhamos que perder todos os bens e suportar todo tipo de sofrimento, mesmo a perda da vida. Esse propósito de emenda deve ser universal, estendendo-se a todos os pecados mortais, que deverão, então, ser evitados no futuro, sem exclusão de nenhum. Não é preciso rechaçá-los todos individualmente nem é prudente, basta rechaçá-los em conjunto. Esse propósito de emenda significa também que o penitente quer, com vontade séria, empregar os meios necessários para evitar os pecados futuros: fugir das ocasiões de pecado, perdoar as injúrias, rejeitar o ódio, restituir o bem alheio, frequentar os sacramentos, rezar, etc… Quem quer evitar o pecado deve empregar os meios para isso, sob pena de contradição.

(Confissão dos pecados) Tendo feito o exame de consciência, tendo dor espiritual pelos pecados, detestando-os e tendo o propósito de não mais cometê-los, o penitente pode aproximar-se da confissão. A confissão é a acusação voluntária dos pecados cometidos depois do batismo feita ao sacerdote legítimo, a fim de obter o perdão dos pecados. A confissão dos pecados deve ser íntegra. Isso significa que o penitente deve obrigatoriamente confessar todos os pecados mortais cometidos desde a sua última confissão válida. Ele não pode omitir nenhum sequer. Se ele confessa dez pecados mortais, mas omite um, nenhum pecado é perdoado. Se ele tem um só pecado mortal e cinco veniais, mas confessa só os veniais, não há perdão de nenhum pecado. A confissão deve ser íntegra quanto aos pecados mortais. Aquele que omitisse voluntariamente um pecado mortal, além de não ter nenhum pecado mortal perdoado, cometeria um pecado grave de sacrilégio, por tornar inválida a confissão. Se por acaso alguém esqueceu um pecado mortal no momento da confissão, ele será perdoado, mas será preciso acusá-lo na próxima confissão. Além de confessar todos os pecados mortais, é preciso dizer a espécie deles, o número e as circunstâncias que podem mudar a espécie ou a gravidade. Assim, não bastaria dizer genericamente pequei gravemente contra o primeiro mandamento, mas é preciso dizer qual foi a espécie do pecado: negação da fé, participação em culto acatólico, etc… É preciso dizer o número: fiz isso uma, ou duas, ou três vezes. Se não se sabe ao certo o número, tentar estabelecer a frequência: por exemplo, cometi esse pecado em torno de uma vez por mês durante aproximadamente 5 anos, etc… É preciso também dizer as circunstâncias que podem realmente influenciar na espécie ou na gravidade. Por exemplo, roubei objeto de grande valor da Igreja. O “da Igreja” é importante porque, além de roubo, teremos o pecado de sacrilégio. É importante, muitas vezes, que a pessoa diga seu estado de vida: solteiro, casado, religioso, sacerdote… pois isso pode ter influência na gravidade ou na espécie do pecado. Como se sabe, não existe obrigação de confessar os pecados veniais, embora seja bom fazê-lo, por humildade, e, sobretudo, para receber as graças a fim de evitá-los no futuro. O pecado venial, embora não nos separe de Deus, é o segundo maior mal que existe, atrás apenas do pecado mortal.

A confissão precisa ser, então, íntegra quanto aos pecados mortais. Ela precisa sem íntegra porque o sacerdote atua na confissão como juiz, como médico, como mestre. Como juiz, é preciso que ele conheça inteiramente a causa, para poder julgá-la corretamente e poder dar uma sentença justa. Como médico, o sacerdote precisa conhecer as doenças graves do penitente para poder prescrever os remédios adequados. Como mestre, o sacerdote precisa conhecer a consciência do penitente, para poder corrigi-la. Além disso, o sacerdote é também pai na confissão, recendo o penitente benignamente, a exemplo de Cristo e pronto a ajudá-lo ao máximo. A confissão é um tribunal e o padre é um juiz. Mas as pessoas não devem ter medo desse tribunal. É um tribunal muito peculiar, pois basta admitir a culpa com verdadeiro arrependimento para ser perdoado. E o padre, ademais de juiz, é também médico, mestre e pai.

                A confissão deve ser também humilde, com a pessoa realmente se reconhecendo pecadora e sem buscar desculpas vãs para os seus pecados. A confissão deve ser clara, com a pessoa dizendo de modo transparente a sua falta para que o confessor possa conhecer com exatidão o verdadeiro pecado cometido. Uma linguagem imprecisa e obscura com o fim de que o confessor não se dê conta do que está sendo confessado é profanar o sacramento. A confissão deve ser discreta, isto é, não se deve revelar os pecados alheios, e com relação ao sexto mandamento a clareza e a integridade são necessárias, mas sem o emprego de termos grosseiros ou expressões desnecessárias. A pessoa não deve contar toda a sua vida, mas somente o que diz respeito aos pecados confessados. A confissão deve ser secreta, ou seja, ela deve ser feita unicamente ao confessor, para evitar escândalos.

                (Penitência) Feita a confissão, o sacerdote dá os conselhos, prescreve os remédios, e impõe a penitência proporcional ao pecado. O penitente deve, então, aceitar a penitência, a não ser que esteja impossibilitado de cumpri-la, caso em que o confessor dá outra penitência. O penitente deve buscar cumprir a penitência o quanto antes, a fim de não esquecer qual foi a penitência imposta. A verdadeira e sincera aceitação da penitência é indispensável para a validade da confissão. Se depois, apesar de ter aceitado a penitência sinceramente, não a cumpre, a confissão foi válida, mas se comete um pecado pela omissão voluntária da penitência (grave ou leve dependendo da gravidade da penitência e da gravidade do pecado em função do qual ela foi imposta). A penitência sacramental é importantíssima, pois tem eficácia particular para satisfazer pela pena temporal dos pecados. Ela é muito mais eficaz do que mortificações e penitências pessoais. Destaque-se que a pessoa já está em estado de graça após receber a absolvição, mesmo se ainda não cumpriu a penitência. Assim, se ela se confessou antes da Missa, pode comungar ainda que não tenha feito a penitência imposta.

                (Absolvição) Imposta a penitência pelo confessor e tendo sido aceita pelo penitente, o sacerdote dá a absolvição.

                Uma confissão relativa a pecados mortais que foi mal feita por falta de arrependimento, por falta de propósito de emenda ou por omissão voluntária de um pecado, é inválida e sacrílega. E são sacrílegas também todas as comunhões subsequentes e todas as confissões subsequentes. O único meio de remediar essa situação é fazer uma confissão que envolva todos os pecados dessa primeira confissão ruim e todos os pecados subsequentes, incluindo as comunhões e confissões sacrílegas.

                Vemos hoje no Evangelho, caros católicos, Nosso Senhor expulsar um demônio mudo. Infelizmente, o demônio mudo age na confissão, ao nos afastar dela incutindo em nós uma falsa vergonha ou nos fazendo omitir voluntariamente um pecado mortal. É preciso afastar esse demônio mudo e recorrer a tão belo sacramento. Uma certa vergonha e uma certa humilhação existem na confissão e são um bem, porque são já uma pena pelo pecado e nos permite satisfazer por ele. Mas essa vergonha e essa humilhação devem nos levar justamente à confissão e não a nos afastar dela. O sacerdote, caros católicos, é obrigado ao segredo de confissão, sob a pena das mais duras sanções canônicas. O padre que revela diretamente o segredo de confissão incorre em excomunhão, que somete a Santa Sé pode tirar. O que o padre conhece no confessionário, ele conhece, em certo sentido, por ciência divina, que ele não pode comunicar a ninguém. O sacerdote deve morrer para guardar o segredo de confissão e muitos, de fato, morreram por causa disso. Portanto, não deixemos agir esse demônio mudo. Confessemo-nos. E depois que o mudo falou, as pessoas se admiraram, nos diz o Evangelho. Do mesmo modo, depois que um penitente faz uma boa confissão, o sacerdote se admira, junto com a corte celeste, que se alegra pela conversão de uma alma.

                Portanto, caros católicos, aproveitemos esse tempo da quaresma para recorrermos à misericórdia divina, que tão sabiamente instituiu o sacramento da confissão.

                Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Sermão] As lições da Transfiguração (antecedido por um aviso prático e circunstancial aos pais e por um aviso doutrinal)

Sermão para o 2º Domingo da Quaresma

16.03.2014 – Padre Daniel Pinheiro, IBP

ÁUDIO: Sermão para o 2º Domingo da Quaresma: Lições da Transfiguração

Em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo. Amém.

Ave Maria…

(Aviso prático)

                Gostaria de pedir aos pais que não deixem os filhos soltos e que não transformem o claustro das irmãs em parquinho. Não deixem os filhos correndo ou simplesmente brincando o tempo todo durante a Missa. Peço também que não alimentem as crianças durante a Missa. Se houver realmente necessidade, é preciso sair da Capela e alimentá-la rapidamente. Peço também aos pais e mães que às vezes ficam fora da Capela que não conversem, mas que busquem prestar atenção na Santa Missa. Estou consciente de que tudo isso exige um grande esforço, mas é necessário, para o bem da criança, para acostumá-la pouco a pouco a como se comportar em uma Igreja e durante a Missa, é necessário para os pais, para poderem prestar atenção melhor na Missa e para educar bem os filhos e é necessário para as outras pessoas que assistem à Missa. Sei que não é fácil, sobretudo que devemos ter aqui a maior proporção da cidade no que toca ao número de crianças em relação à quantidade de pessoas que assistem à Missa. É uma grande graça e sinal que existe fidelidade à lei natural e à lei de Deus. Mas precisamos ordenar um pouco as coisas. Nosso Senhor diz Sinite parvulos venire ad me (Deixai vir a mim as criancinhas). É preciso, então, que elas venham, mas os pais precisam redobrar o esforço, esforço que será recompensado.

(Aviso doutrinal)

                Muito se tem falado, mesmo no Vaticano, da possibilidade de dar a comunhão aos católicos casados na Igreja, em seguida divorciados e, depois, recasados. Se por acaso isso vier a acontecer, será a destruição completa da moral sexual católica, pois será a autorização de uma relação extraconjugal. Além disso, com essa comunhão aos divorciados recasados, se destroem três sacramentos: o matrimônio, a comunhão e a confissão. A comunhão aos divorciados recasados nunca foi, não pode ser, nem nunca será condizente com a doutrina de Cristo sobre o matrimônio. Não se pode servir a dois senhores, a Cristo e ao mundo. É preciso servir a Cristo.

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Sermão

“Este é o meu Filho dileto, em quem pus toda a minha complacência; ouvi-o”

                Caros católicos, nesse segundo domingo da Quaresma, a Santa Igreja nos apresenta o Evangelho da Transfiguração. Se todas as passagens da sagrada Escritura e do Evangelho em particular são importantes, o episódio da Transfiguração tem especial importância. Tanto é assim que três vezes durante o ano a Transfiguração é lida no Evangelho da Missa. Ontem, hoje e no dia 6 de agosto, Festa da Transfiguração de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Na Transfiguração, nós temos um pequeno resumo de todo o Evangelho, prezados católicos, o que é importante nesse tempo da Quaresma, em que buscamos realmente nos converter a Cristo, a aderir ao Evangelho. Nós temos, então, na Transfiguração, um resumo das verdades de fé mais necessárias e profundas e temos um resumo de como age a providência divina.

Eis que temos, então, no Monte Tabor, Jesus Transfigurado, seu rosto refulgindo como o sol e suas vestes mais brancas que a neve. Antes de tudo, precisamos entender o que ocorreu na Transfiguração. Ora, como sabemos, Jesus é verdadeiramente homem e verdadeiramente Deus. A união das naturezas divina e humana em Cristo é tão profunda e íntima que há uma só pessoa em Nosso Senhor Jesus Cristo, a pessoa divina, a pessoa do Verbo. A humanidade de Cristo está o mais unida possível à divindade, e desde o momento de sua concepção no seio de Maria. Sabemos que quanto mais algo está próximo da causa, mais ele se assemelha à causa. Portanto, a humanidade de Cristo, mesmo quando Ele estava ainda na terra, entre nós, se aproximava ao máximo da santidade divina. Assim, a alma de Cristo, desde o momento de sua concepção possui o mais alto grau de graça, de virtude, de dons… Mas, além disso, a alma de Cristo, desde o momento de sua concepção, possuía a visão beatífica. A alma de Cristo via desde o início Deus face a face. A consequência da visão beatífica na alma é a glorificação do corpo. E em Jesus, a glória do seu corpo é não somente consequência da visão beatífica, mas também de sua divindade. Dessa forma, Jesus deveria ter sempre seu corpo como ele apareceu aos três apóstolos no momento da Transfiguração, Ele deveria ter sempre um corpo glorioso. Deveria, mas não tinha. E não tinha porque não quis ter. E não quis ter para poder sofrer por nós, para poder satisfazer pelos nossos pecados, para poder mostrar seu amor por nós pelos seus sofrimentos, para nos salvar, para nos redimir, enfim. Portanto, prezados católicos, a primeira lição do evangelho de hoje, é a perfeição sem medida da alma de Cristo e sua divindade, em outras palavras, a Encarnação do Verbo.

No Evangelho, vemos também que apareceu uma nuvem e que uma voz falou. A nuvem é um símbolo de Deus. No deserto, no êxodo do Egito, Deus guiava o seu povo com uma nuvem durante o dia e de noite com uma coluna de fogo. Essa nuvem luminosa que vemos aqui no Evangelho é o Espírito Santo, caros católicos. E a voz que sai da nuvem e se dirige a Jesus Cristo, chamando-o de Filho, é Deus Pai, que coloca todas as suas complacências nEle. Temos aqui a Santíssima Trindade, caros católicos: um só Deus em três pessoas: Pai, Filho, e Espírito Santo.

Ao lado de Cristo temos Moisés e Elias. Neles está resumido todo o Antigo Testamento: a lei e os profetas. É a comprovação de que Jesus Cristo é o Messias, é o Salvador, é o Profeta, é o novo legislador anunciado no Antigo Testamento. Os dois personagens do AT estão a nos dizer que, com a vinda de Cristo, cessa o AT, a salvação já não pode ser encontrada no Antigo Testamento, mas somente em Jesus Cristo. Outra verdade de fé, prezados católicos: só pode haver salvação em Nosso Senhor Jesus Cristo, o Messias anunciado pelo Antigo Testamento. Só é verdadeira e só pode salvar a religião fundada por Nosso Senhor Jesus Cristo, que é a católica. No Evangelho, se diz que Elias e Moisés falavam com Jesus. Certamente, falavam da obra de redenção de Cristo, de sua morte na Cruz, de seu amor pelos homens.

A Transfiguração ocorre em um monte, no monte Tabor. A elevação do monte indica que o que está ocorrendo ali é algo sobrenatural. Na verdade, a Transfiguração no Monte Tabor, nada mais é do que uma fresta pela qual podemos ver como será o céu. No céu, teremos Nosso Senhor em toda a sua glória, depois de seus sofrimentos sobre a terra. Teremos a Santíssima Trindade, que será eternamente contemplada, adorada, amada. Teremos os santos. Poderemos conhecer as comunicações a vida íntima de Deus, como vemos na Transfiguração a comunicação entre as pessoas divinas. Lá poderemos fazer a nossa tenda e sermos eternamente felizes. Aqui, na terra, temos que combater. Aqui está colocada a Transfiguração para mostrar qual o objetivo que devemos buscar. Devemos ter sempre diante de nós o fim que buscamos: o céu, a vida eterna.  Aqui está colocada a Transfiguração para que penetremos o prêmio que mereceremos se conhecermos, amarmos e servirmos Nosso Senhor Jesus Cristo.

Nesse tempo de Quaresma, é importante nos lembrarmos que é o céu a nossa felicidade. Todos os nossos sacrifícios, todos os nossos sofrimentos, todas as nossas obras, todas as nossas orações, tudo deve ser orientado para alcançarmos o céu. Na Transfiguração, temos algumas indicações do caminho a ser percorrido. Antes de tudo, é preciso subir o monte. A subida demanda esforço, trabalho. Todavia, sozinho não podemos subir. É Jesus quem nos leva. Para subir o monte que leva ao céu, para passar por esse vale de lágrimas e chegar ao céu, é preciso que Jesus nos leve, como ele levou os três apóstolos. Sem Jesus, nada podemos fazer. E se queremos que Jesus nos leve, devemos nos dispor para isso, rezando e procurando praticar com seriedade a sua vontade em todas coisas. Vemos Moisés e Elias. Moisés e Elias jejuaram ambos quarenta dias e quarenta noites, para cumprir melhor a vontade de Deus. Para subir o monte que leva ao céu, é preciso mortificação, como falamos domingo passado. Jesus levou São Pedro, São Thiago Maior e São João Evangelista com ele. São Pedro nos diz que é preciso prontidão no serviço de Deus, se queremos chegar ao monte Tabor celeste. São João nos diz que é preciso a pureza se queremos chegar ao monte Tabor celeste. São Thiago diz que devemos estar prontos, se for necessário, a dar a própria vida, para chegar ao monte Tabor celeste, pois São Thiago Maior foi o primeiro apóstolo mártir. A Transfiguração também está colocada aqui para mostrar que Deus sempre nos dá as graças diante das provações. Nosso Senhor quis aparecer glorioso diante desses apóstolos para que eles não se escandalizassem diante da provação que seria para eles a morte de Cristo na Cruz. Deus, na sua bondade infinita, sempre nos dá as graças para superarmos as provações. Com a cruz, Deus sempre nos manda a transfiguração, por mais que, às vezes, essa transfiguração não seja tão clara. Eis aqui algumas indicações importantes na Quaresma para chegarmos ao monte Tabor.

Todavia, mais importante que essas belas indicações, nós temos as palavras de Deus Pai. “Este é o meu Filho bem amado em quem eu coloquei todas as minhas complacências.” Todo o agrado de Deus está em Nosso Senhor Jesus Cristo. Assim, só será agradável a Deus e só encontrará a salvação aquele que está unido a Nosso Senhor Jesus Cristo. E, para estar unido a Nosso Senhor, é preciso, como diz Deus Pai, ouvir o que Nosso Senhor nos diz. É preciso ouvir os seus ensinamentos e colocá-los em prática, reconhecendo nesse ensinamento palavras de vida eterna. Assim, como está dito no Evangelho de São João (3, 36): “Aquele que crê no Filho tem a vida eterna; quem não crê no Filho não verá a vida, mas sobre ele pesa a ira de Deus.” Também Nossa Senhora nos diz a mesma coisa. Aos serviçais das bodas de Caná, ela diz:  Fazei tudo o que Ele, Cristo, vos disser. Está aqui o caminho para chegar ao Monte Tabor celeste, está aqui o objetivo desses quarenta dias de misericórdia e de graça que é a Quaresma: ouvir Nosso Senhor Jesus Cristo e fazer tudo o que Ele nos manda.

Que belo resumo do Santo Evangelho, caros católicos, temos diante de nós na Transfiguração. As verdades de fé mais importantes, o anúncio do céu e os meios para chegar até lá.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Sermão] A importância e necessidade do jejum

Sermão para o 1º Domingo da Quaresma

09.03.2014 – Padre Daniel Pinheiro, IBP

ÁUDIO: Sermão para o 1º Domingo da Quaresma: Importância e necessidade do jejum

Em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo. Amém.

Ave Maria…

O Santo Evangelho desse primeiro domingo da Quaresma nos traz o exemplo de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ele jejuou 40 dias no deserto. Esse jejum de Cristo é importante para nós. Esse jejum de 40 dias, sem comer nada, de Nosso Salvador mostra, primeiramente, a sua divindade. Ninguém consegue passar 40 dias sem comer. Por outro lado, a fome de Cristo ao final dos 40 dias nos mostra a sua humanidade. Cristo é verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem, nos diz constantemente o Evangelho. E por que Nosso Senhor jejuou? Para reparar pelos seus pecados? Não, Ele não os tinha nem podia ter. Para assegurar o domínio de sua razão e vontade sobre as paixões desordenadas? Não, Nosso Senhor não tinha paixão desordenada: todos os seus sentimentos e emoções estavam perfeitamente subordinados à sua razão e à sua vontade, e estas completamente submissas à vontade de Deus. Para que, então, Nosso Senhor jejuou durante 40 dias? Ele jejuou para nos dar o exemplo e mostrar a importância dessa prática.

Convém compreender melhor a importância do jejum. O jejum, prezados católicos, é ato da virtude da abstinência. O que é uma virtude? Uma virtude nada mais é do que uma disposição bem enraizada nas faculdades da nossa alma que nos inclina a agir em conformidade com a reta razão iluminada pela fé. A virtude da abstinência é, então, a virtude que nos inclina a usar moderadamente dos alimentos corporais em conformidade com os preceitos da reta razão iluminada pela fé. Estamos falando da virtude de abstinência, a não ser confundida com a abstinência de carne, que prescreve a Igreja em todas as sextas-feiras do ano e na quarta-feira de cinzas. A virtude da abstinência nos inclina, então, a usar moderadamente dos alimentos, de acordo com a reta razão iluminada pela fé. O jejum nada mais é do que um ato da virtude da abstinência. O jejum é uma forma de praticar a virtude da abstinência.

É muito comum se pensar que o jejum é uma prática de devoção suplementar, que, na verdade, o jejum está longe de ser necessário, etc. Na verdade, o jejum é uma prática necessária para quem quer alcançar a perfeição. NS nos dá o exemplo no Evangelho de hoje (Mt 4,2), Ele diz que certos demônios só podem ser expulsos com jejum e oração (Mt 17, 21). Ele anunciou que seus discípulos praticariam o jejum (Mt 9, 15), como efetivamente se fez desde os tempos apostólicos. Os Santos Padres escreveram, por vezes, livros inteiros recomendando o jejum.  Santo Agostinho diz que o jejum “purifica a alma, eleva o espírito, sujeita a carne ao espírito, dá ao coração contrição e humildade, dissipa as trevas da concupiscência, extingue os ardores do prazer e acende a luz da castidade.”

O Prefácio do Tempo da Quaresma diz algo semelhante, de maneira resumida. Diz O Prefácio que o jejum corporal reprime os vícios, eleva a mente, se concede a virtude e o prêmio da virtude. São Tomás acrescenta que o jejum satisfaz pelos pecados. Assim, prezados católicos, temos no jejum algo que diz respeito ao passado, pois satisfaz por nossos pecados passados, e algo que diz respeito ao presente, pois ele reprime os vícios, favorece a virtude e eleva a nossa mente.

Pelo jejum, prezados católicos, comemos menos do que nos seria necessário. Nossa razão compreende facilmente que se faça um jejum de vez em quando em virtude de uma doença corporal ou para evitar uma doença. Muito mais facilmente se compreende, então, que se faça jejum para evitar males espirituais e para alcançar bens espirituais.

Vejamos como o jejum reprime os vícios, favorece a virtude, eleva a mente e satisfaz pelo pecado. Primeiramente, o jejum satisfaz pelo pecado porque ele é uma obra de penitência, ele é uma pena que nos infligimos, tendo assim um caráter de reparação pela satisfação ilícita alcançada em qualquer pecado. Em segundo lugar, o jejum reprime os vícios. O que é um vício? O vício nada mais é do que agir em desacordo com a reta razão. Um dos principais fatores que nos leva a agir de modo contrário à reta razão são as paixões desordenadas, que buscam um bem sensível independentemente da verdadeira bondade desse bem ou não. O jejum assegura justamente que essas paixões não serão satisfeitas e que elas se submeterão à razão e à vontade iluminadas pela fé. Portanto, o jejum reprime os vícios ao tirar o império das paixões sobre a razão e a vontade. Não se trata de suprimir as paixões, mas de não consentir nas paixões desordenadas e de orientar as paixões, isto é, nossas emoções e sentimentos em conformidade com a razão iluminada pela fé. O jejum ajuda muitíssimo a restabelecer a devida ordem na nossa alma. Em terceiro lugar, ao restabelecer a devida ordem em nossa alma, reprimindo o vício, o jejum favorece necessariamente a virtude, que nada mais é do que a disposição para agir em conformidade com a reta razão iluminada pela fé. Com o jejum bem praticado, nossas paixões se submeterão à nossa razão, e a nossa razão se submeterá a Deus. Em quarto lugar, o jejum eleva a mente. Isso é claro. Menos apegado às coisas sensíveis, não sofrendo mais a tirania das paixões, nossa inteligência poderá se elevar às coisas celestes, poderá considerá-las com tranquilidade e, consequentemente, amá-las mais profundamente. Isso ocorre, prezados católicos, porque nossa alma é una. Dessa forma, quando ela se aplica com veemência a uma coisa não pode se aplicar a outra coisa com profundidade. O jejum diminui a aplicação da nossa alma das coisas materiais, permitindo que nos elevemos às espirituais.  Assim, ao nos fazer reparar pelo pecado, ao reprimir os vícios, ao favorecer as virtudes, ao elevar a nossa mente para as coisas do alto, o jejum nos ajudará muitíssimo a alcançar o prêmio da vida eterna. O jejum, como podemos constatar, caros católicos, é de suma importância. Mesmo se não houvesse religião, nossa razão compreenderia a importância do jejum para poder viver de modo ordenado. O jejum é um preceito da lei natural tão importante que Deus quis também nos instruir a respeito dele e mostrar a importância dele na sua Revelação, como, por exemplo, nos quarenta dias em que Cristo jejuou.

Portanto, o jejum é necessário. Atualmente, a disciplina da Igreja ordena somente dois dias de jejum: na quarta-feira de cinzas e na sexta-feira santa, para os fiéis entre 18 e 60 anos. Esses dois dias no ano são insuficientes, para que desenvolvamos a virtude da moderação nos alimentos. Há 60 anos, o jejum se fazia durante a quaresma em vários dias da semana, em 3 ou 4 dias, por exemplo. Além disso, havia as Vigílias das grandes festas, que também eram dia de jejum. E, finalmente, havia quatro vezes ao ano, correspondendo aproximadamente às estações do ano, as chamadas quatro têmporas, que eram três dias de jejum. Eram, então, mais doze dias de jejum no ano. E os dias eram bem escolhidos. A Quaresma como preparação para a Páscoa. As vigílias em preparação para a festa de grandes mistérios e as quatro têmporas eram o período em que se faziam as ordenações. O jejum permitia, então, a reparação pelos pecados, a repressão do vício, a elevação da mente, para considerar a grandeza da páscoa, dos outros mistérios e para que fossem ordenados dignos pastores. Com a antiga disciplina, seguindo simplesmente o que mandava a Igreja, era possível adquirir a virtude que nos modera nos alimentos. Atualmente, embora a lei da Igreja seja em si boa, pois comanda o jejum, não é suficiente para desenvolver em nós a virtude. Precisamos, portanto, caros católicos, ir além daquilo que pede a disciplina atual da Igreja.

Todavia, para praticar bem o jejum é preciso praticá-lo com prudência. Não é bom o jejum que prejudica a saúde. Não é bom o jejum que nos impede de cumprir os nossos deveres de estado. Assim, não precisam jejuar a mulher grávida, ou alguém que tenha um problema de saúde que pode ser agravado pelo jejum, ou o que tem um trabalho árduo. Não é bom o jejum que se transforma em um fim em si mesmo. Não, o fim do jejum é a união com Deus, a virtude, a perfeição, a caridade. Não é bom o jejum feito por orgulho. O jejum deve ser humilde e feito com muita simplicidade e por amor a Deus. Não é bom o jejum que nos deixa irritados e que nos faz descontar essa irritação nos outros. O bom jejum deve aumentar a nossa caridade fraterna. Enfim, o jejum deve ser prudente e ordenado realmente a Deus.

Lembramos que o jejum é comer uma refeição normal no dia e fazer duas colações que, juntas, não chegam a uma refeição normal. Diante da importância do jejum, caros católicos, procuremos praticá-lo ao menos uma ou duas vezes por semana durante a quaresma e escolhamos alguns dias para praticá-lo durante o ano.

O jejum bem praticado reprime os vícios, eleva a mente, dá a virtude, satisfaz pelo pecado e nos faz merecer o prêmio da vida eterna porque nos conduzirá a praticar o amor a Deus e o amor ao próximo por amor a Deus. Eis, então, prezados católicos, a importância desse ato de virtude que é o jejum, tão recomendado pela Sagrada Escritura, tão recomendado por Nosso Senhor, tão recomendado pelos apóstolos, pela Igreja e pelos Santos.

Em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo.

[Sermão] A corrupção dos costumes destrói a fé

Sermão para a Festa de São Casemiro, Confessor – Memória de São Lúcio I, Papa e Mártir

Terça-feira de carnaval (04/03/2014) – Padre Daniel Pinheiro, IBP

Áudio: Sermão para a terça-feira de carnaval – São Casimiro: A corrupção dos costumes destrói a fé

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

Ave Maria…

Quis a providência, caros católicos, que celebrássemos, nessa terça-feira de carnaval, a festa de São Casimiro. E que bom modelo nos dá a sabedoria divina nesse dia. Casimiro era príncipe da Polônia e rei eleito da Hungria. O maior prazer de Casimiro era rezar e estudar, e seu lugar predileto era a Igreja. Dizia ele: “Tendo para escolher entre a caça, o jogo, a dança e outros divertimentos, dispenso-os todos, se eu puder ficar na Igreja.” Quanto mais nós devemos dispensar os pecados do carnaval para ficar na Igreja. Ela é que deve ser o nosso lugar predileto. O nosso Santo tinha também grande devoção ao Santíssimo Sacramento: levantava-se durante a noite para visitar o Santíssimo e se encontrava a Igreja fechada, ficava na porta, em adoração ao sacramento do altar. E grande era também a devoção de São Casimiro pela Sagrada Paixão de Cristo e por Nossa Senhora.

                Muitas eram as virtudes manifestas de São Casimiro, em particular a sua ajuda aos pobres e o desprezo pelas honras e grandezas do mundo. Todavia, entre todas as virtudes, a que exercia com maior esmero era a da pureza. E mais admirável é a pureza do santo quanto mais perigoso era o ambiente em que vivia, rodeado de luxo, de seduções. Mas ele guardou o voto que fez de ser puro pela frequência aos sacramentos da confissão e da comunhão, pela devoção à Santíssima Virgem, pela mortificação constante do corpo e pela fuga das más ocasiões. A tal ponto era grande e manifesta a sua pureza, que ninguém ousava, em sua presença, proferir algo que ofendesse a moral. Se queremos nos preservar da impureza, devemos seguir o exemplo de São Casimiro: frequência na confissão e na comunhão, devoção a Nossa Senhora, mortificação constante do corpo, dos sentidos, de nossa vontade própria e fuga das ocasiões de pecado.

                Devemos imitar São Casimiro não somente para preservar a nossa pureza, o que é essencial, mas também para preservar a nossa fé. Não quero dizer que o pecado de impureza seja um pecado contra a fé, mas que o vício desse pecado, o hábito desse pecado leva facilmente ao abandono da fé. O hábito desse pecado leva ao abandono da fé pela oposição que existe entre ele e a doutrina católica. Por um lado, a pessoa sabe que esse pecado lhe merece o inferno, a condenação eterna. Por outro lado, ferida pelo pecado original e com a forte inclinação para o pecado impuro adquirida pela repetição dele, a alma não se vê forte suficiente para abandoná-lo. Diante do Deus que pune esse pecado e diante de sua inclinação profunda para esse pecado e falta de força para combatê-lo, a alma tende a cair no desespero. Ela já não enxerga como possível a salvação. Nessa situação, a alma tem duas soluções. A primeira solução é lutar, confiando na graça divina, desconfiando de si mesmo, utilizando os meios necessários para vencer o pecado, com muita determinação. A segunda solução é abandonar a fé, para poder se entregar ao pecado de forma tranquila. A segunda solução é, evidentemente, a mais fácil, e é aquela que a maioria das pessoas que sofrem desse vício escolhem. O vício da impureza termina, muito frequentemente, levando à perda da fé, à apostasia. Na verdade, prezados católicos, o meio mais eficaz para fazer alguém perder a fé não é atacar diretamente a doutrina católica ou a Igreja, mas afundar a pessoa na impureza. É exatamente o que vem sendo feito nesse último século e meio, em particular por meio das diversões e dos trajes. As pessoas se entregam a diversões e entretenimentos que as levam a pecar contra a pureza: quantos livros, quantas músicas, danças, quantos filmes, programas de televisão, séries de televisão, etc. levam a isso. As pessoas se trajam de modo a provocar o próximo ao pecado contra a pureza. É por essas diversões e pelas vestes que se destrói a castidade. E é pela falta de castidade que termina sendo destruída a fé. A corrupção dos costumes é mais eficaz na destruição da fé que qualquer heresia, pois o homem passa a julgar as coisas influenciado pelas paixões e passa a agir pelas paixões e não mais pela razão iluminada pela fé. Com hábito de agir mal e cegada pelas paixões, a pessoa rejeita a religião verdadeira, pois ela condena a falta de pureza. Rejeitada a verdadeira religião, passa a ser verdade aquilo que agrada à pessoa.  A falta de pureza é uma das grandes causas – não é a única – da crise de fé que se vive atualmente, pois ela abre as portas para rejeição da verdadeira religião e para a aceitação de qualquer doutrina vã. O carnaval contribui bastante para isso.

                Voltemos, então, prezados católicos, ao exemplo de São Casimiro, para guardarmos a nossa pureza, para guardar a fé, que é nosso maior tesouro: frequência na confissão e na comunhão, devoção a Nossa Senhora, mortificação constante do corpo, dos sentidos, de nossa vontade própria e fuga das ocasiões de pecado.

                Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito santo. Amém.

[Sermão] Sentido espiritual das Cerimônias da Missa – Parte 2: Da Aspersão à subida ao Altar

Sermão para o Domingo da Sexagésima

23.02.2014 – Padre Daniel Pinheiro, IBP

ÁUDIO: Sermão para o Domingo da Sexagesima – Cerimônias da Missa Parte 2: Da Aspersão à Subida do Altar

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

Ave Maria…

Lembro que estamos no Tempo da Septuagésima, tempo de preparação para a quaresma. Devemos ir pensando e estabelecendo nossas práticas da quaresma, lembrando que essas práticas devem ser  em três campos: oração, mortificação e caridade.

“Que este sacrifício que vos oferecemos, Senhor, nos vivifique  e proteja sempre.”

Continuamos,  caros  católicos,  a  tratar  resumidamente  do  sentido espiritual da Santa Missa no Rito Romano Tradicional.

Nas Missas dominicais, é possível fazer o rito de aspersão de água benta,  chamado  Asperges  ou  Vidi  Aquam,  em  razão  das  antífonas que acompanham esse rito. A aspersão não faz parte da Missa, mas a precede, dispondo-nos melhor para assistir à Santa Missa. É um rito de purificação, que remete ao batismo. As duas antífonas cantadas durante a Aspersão –Vidi Aquam no tempo pascal e Asperges nos outros tempos litúrgicos– deixam claro esse sentido de purificação e de lembrança do batismo. O Vidi Aquam fala da água que sai do lado direito do Templo. Ora, o Templo é Nosso Senhor Jesus Cristo e a água é o sangue e a água que saem do lado direito do coração de Cristo perfurado pela lança na Cruz, sangue e água que significam o Batismo. No  Asperges  se fala da aspersão que nos torna mais brancos que a neve. Essa aspersão é o Batismo. Por que, porém, o Asperges se  faz somente  no  domingo?  Porque  o  domingo  é  o  dia  da ressurreição do Senhor e o  batismo  é  nossa  ressurreição  espiritual.  No Batismo, morremos para o pecado, a fim de ressuscitarmos para uma vida nova, a vida da graça. O rito de aspersão é, portanto, um sacramental bem eficaz para nos prepararmos para a Santa Missa. Não simplesmente pela água benta, que podemos tomar entrando na Igreja a qualquer momento, mas pela evocação de nosso batismo que se faz na aspersão. O rito de aspersão deve nos lembrar das promessas feitas no batismo, promessas de abandono ao pecado, de renúncia ao demônio e a suas pompas, e promessas de fidelidade a Cristo. Originalmente, a aspersão se fazia com uma planta  chamada  hissope, planta que simboliza a humildade e a penitência, duas coisas necessárias para se assistir bem a Santa Missa. A oração que se reza após a aspersão é também uma preparação do lugar, da Igreja,  para afugentar  ainda  mais  o  espírito  maligno.  Nessa  oração,  se invoca o anjo, que muitos interpretam como sendo o próprio Deus, Anjo do Grande Conselho. Na aspersão, as pessoas estão de pé e fazem o sinal da cruz, quando são aspergidas, assim como se faz o sinal da cruz quando se toma água benta na entrada da Igreja. Não é necessário que caia uma gota de água em cada pessoa para que o rito seja eficaz nem se deve estender as  mãos  para  receber  a  aspersão.  Assim,  a aspersão tem por objetivo purificar a nossa alma, lembrando as disposições que devemos ter  para assistir  com fruto  à  Santa  Missa, além de  ser  também uma espécie  de exorcismo, expulsando o espirito maligno.

Depois da aspersão, passamos à Missa. A Santa Missa está dividida em duas grandes partes: a chamada Missa dos Catecúmenos e a chamada Missa dos Fiéis. Nos primeiros tempos do cristianismo existia, por medo de profanação,  a  disciplina do arcano,  pela qual  a presença nas cerimônias sagradas  era  reservada  somente  aos  batizados. Assim, somente os batizados, ou seja, os fiéis, assistiam a parte sacrificial da Missa, em que ocorre a consagração,  a renovação do sacrifício de Cristo.  Por  isso,  essa segunda parte da Missa, a partir do ofertório recebe o nome de Missa dos Fiéis. Os catecúmenos, que estavam se preparando para o batismo,  iam embora antes do ofertório,  ficando do início  até as leituras e o sermão. Assim, essa  primeira parte da Missa recebe o nome de Missa dos Catecúmenos. Provavelmente,  os  catecúmenos  eram dispensados,  nesse momento, pelas palavras Ite, Missa est, como ao final da Missa atualmente. Essas palavras que dispensavam os catecúmenos e antecediam a parte sacrificial da Missa passaram a dar nome ao sacrifício,  que passou a ser chamado de Missa. Com o fim da disciplina do arcano, as palavras Ite, Missa est passaram para o final da Missa, onde se encontram hoje. Essa é uma explicação para o nome de Missa que damos à renovação do sacrifício do Calvário. Outra explicação é a de São Tomás, que interpreta “missa est”, que quer  dizer  “enviada” em latim, como a oblação foi enviada ao céu, agora podeis ir. Essa oblação enviada ao céu, Missa, passou a designar, então, a renovação do sacrifício de Cristo.

A Missa dos catecúmenos começa com as orações ao pé do altar. O sacerdote está ao pé do altar, ele reconhece que é indigno de subir ao altar. Ele conhece a grandeza dos mistérios sagrados e as grandes disposições exigidas para bem celebrá-los. A alma do sacerdote está dividida entre o medo, diante do que há de mais sagrado, e a confiança, diante da bondade e misericórdia infinitas de Deus. Esses  sentimentos são  muito  bem expressos pelo Salmo 42, que compõe as orações ao pé do altar.

Antes de tudo, porém, o sacerdote faz o sinal da cruz, dizendo “Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém”. É a primeira ação da liturgia da Santa Missa. Se devemos começar com o sinal da cruz todas as nossas ações, com mais razão devemos começar assim a mais excelente e sublime das ações, que é a Santa Missa. É da Cruz que nos vêm todas as graças. Ela é a nossa arma e defesa contra os inimigos da nossa alma. Em NOME, quer dizer na substância do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. NOME no singular, porque é uma só substância, um só Deus, mas em três pessoas distintas: Pai, Filho e Espírito Santo. Na Missa, o sinal da cruz é feito com os cinco dedos estendidos, para lembrar as cinco chagas de Nosso Senhor. O sinal  da cruz se faz na cabeça, no peito e nos ombros. Na cabeça, para indicar a fé que professamos na Santíssima Trindade, na redenção operada por Cristo na Cruz. No peito para indicar a caridade, o amor que temos para com Deus Uno e Trino e para com Cristo, nosso redentor. Nos ombros, para indicar nosso desejo de perseverar na verdadeira religião, mesmo que isso nos custe muitos esforços,  pois é nos ombros que carregamos as coisas mais pesadas. Sinal da Cruz é o primeiro gesto, pois a Missa é renovação do sacrifício da Cruz. O sinal da cruz indica também que é Cristo que vai subir ao altar, que é Ele o sacerdote principal da Missa, enquanto o padre é mero instrumento do Salvador. O sacerdote está diante do altar para começar a recitar o Salmo 42 com a Antífona “Introibo ad altare Dei.” Ele tem as mãos juntas, os dedos estendidos, polegares cruzados, direito sobre o esquerdo. Essa posição das mãos é a posição do vassalo diante de seu suserano ao prometer fidelidade e submissão a ele. A simples posição da mão do padre já é uma oração, mostrando sua inteira submissão diante de Deus, supremo suserano e Senhor. E os polegares cruzados estão, justamente, em forma de cruz. A cruz está quase onipresente na Missa. É ela a nossa glória.

O Padre inicia o Salmo 42, ele deseja subir ao altar, ao altar do Deus que alegra a juventude dele. Que juventude é essa, caros católicos? Qual pode ser, por exemplo, a juventude de um padre que aos seus 70, 80, anos, e que já viveu a vida toda e espera somente o juízo divino e a recompensa de seu labor apostólico? É a juventude espiritual, a juventude da alma em estado de graça, pois a alma em estado de graça faz de nós sempre um homem novo, que abandonou o velho homem, para se revestir do homem novo, que é NSJC. A liturgia tradicional da Igreja, com doutrina e espiritualidades perenes, é sempre jovem e forma em nossas almas o homem novo. Deus alegra sempre aquele que é espiritualmente jovem, quer dizer, aquele que está na sua graça, Ele alegra essa alma levando-a pelo caminho da virtude e da prática da religião.

O Padre deseja subir o altar, como o salmista queria rever o sacrifício oferecido a Deus. Mas, ao mesmo tempo, o padre treme diante da grandeza do mistério. Ele teme por seus inumeráveis pecados, ofensas e negligências,como dirá mais tarde no ofertório. Em consciência, o padre não pode subir ao altar em pecado mortal. Seria um sacrilégio. Ainda assim, ele teme por suas pequenas faltas e imperfeições. E em torno do sacerdote, está o mundo, o povo não santo, estabelecido no mal, em guerra contra Deus. Ele implora, então, a Deus que reconheça a sua boa intenção, e que separe a sua causa da causa dos que são ímpios e enganadores. As faltas do Padre são por fraqueza e não por malícia, ao contrário  do mundo,  que faz do pecado virtude. Se ele ousa subir o altar, não é porque confia em suas próprias virtudes, mas porque Deus é sua fortaleza. O Padre não deve entristecer-se diante das ciladas dos inimigos, mas confiar em Deus, na sua misericórdia, na sua graça. O sacerdote pede, então, a luz divina e a verdade do Senhor, pois com elas subirá o Monte Calvário, para adorar o altíssimo em espírito e verdade, como pede Nosso Senhor. Ele quer louvar a Deus na cítara, que significa as boas obras, a prática dos mandamentos. É preciso esperar, confiar em Deus. Esse Salmo 42 reflete também a alma de Nosso Senhor no momento de sua paixão e morte: tristeza até a morte, rodeado pelos inimigos, mas com uma causa santa, e resoluto a subir o altar do Monte Calvário e da Cruz para dar maior glória a Deus e para salvar as almas. O Salmo se termina com o Gloria Patri e a repetição da antífona.

Nas  Missas  de  Requiem e  nas  Missas  do  tempo da  Paixão,  diz-se somente a antífona uma vez, sem o salmo 42. Diante da paixão de Cristo e diante do luto pelo fiel defunto, a alma tem certa razão para a tristeza na liturgia.

Terminado o Salmo, o Sacerdote diz, fazendo o sinal da cruz, “o nosso auxílio está no  nome do Senhor” ao que se responde “que fez o céu e aterra.”  É  uma  oração  jaculatória,  isto  é,  curta,  como que  jogada (jacta, jaculatória) em direção aos céus, mas profunda e eficaz. Faz-se o sinal da Cruz para mostrar de onde nos vem o auxílio: mais uma vez, da cruz de Cristo. E, claro, se Ele criou o céu e a terra, tem poder para nos ajudar, O Senhor é onipotente.

O celebrante se inclina profundamente com as mãos juntas e recita o Confiteor. Sempre foi o costume confessar os pecados antes de oferecer o Sacrifício. O sumo sacerdote confessava os pecados do povo sobre o bode expiatório antes de enviá-lo ao deserto. (Levítico 16, 21). E São Thiago diz: Confessai os vossos pecados uns aos outros, e orai uns pelos outros para serdes curados. A oração do justo tem grande eficácia. (Thiago 5, 16). Por isso que se mencionam os santos e os irmãos no Confiteor. E são citados os principais santos: Nossa Senhora, claro, São Miguel Arcanjo (defensor e guardião da Igreja), São João Batista (o último do AT, e que convém ser citado pela sua pregação do batismo de penitência), os Santos Apóstolos Pedro e Paulo (Pedro, Primeiro papa, e São Paulo, pecador  convertido  e arrependido, sustentáculos da Igreja Romana), todos os santos e vós irmãos ou vós, padre. Confessam-se os pecados por pensamento, palavras e obras. Os pecados por omissão estão subentendido. Bate-se no peito para acusar o que está fechado em nossos corações e para corrigir, por esse sinal exterior, os  pecados  escondidos  (Agostinho).  Repetimos  o gesto do publica no louvado por Nosso Senhor, publicano que, arrependido, bate no peito, confessando e se arrependendo dos seus pecados. Bate-se no peito sem fazer barulho, de modo silencioso. O sacerdote confessa primeiro e sozinho, dando o exemplo. Os fiéis dizem o Confiteor em seguida. Isso, para deixar clara  a  distinção  entre fiéis e sacerdote e que convém muito que o sacerdote se reconheça individualmente e distintamente como pecador, para, arrependido, poder oferecer melhor a Santa Missa. Os fiéis pedem ao sacerdote a misericórdia divina. O sacerdote, vai além, ele dá absolvição e a indulgência, ato plenamente sacerdotal. Abolir essa absolvição e indulgência confunde o padre com os fiéis, o que vai contra a instituição divina hierárquica da Igreja. Claro que essa absolvição é eficaz somente para os pecados veniais  pelos quais se está arrependido. Os pecados mortais precisam da confissão sacramental, auricular.

Depois do confiteor, do pedido de misericórdia, da absolvição e da indulgência vêm os versículos com suas respostas, com o padre levemente inclinado. É o pedido para que Deus se volte para nós, se converta a nós e nós a Ele. É disso que vem a verdadeira alegria do povo cristão. Pede-se a deus que mostre a sua misericórdia e nos dê a salvação. Esses versículos preparam para as orações. Aufer a nobis e Oramus te Domine. Elas são orações pessoais do padre, ditas em voz baixa.

O sacerdote sobe o altar, separando-se do povo, como Moisés para subir o Monte Sinai. Agora vai agir propriamente como sacerdote e sacrificador, precisa subir ao altar e entrar no santo dos santos com um coração puro, para isso recita em voz baixa a oração Aufer a nobis (aufer a nobis iniquitates nostras), afastai de nós, Senhor, as nossas iniquidades. Não se trata mais de fazer a aspersão com o sangue de um touro, mas de aplicar sobre os fiéis o sangue de Cristo. Não é uma vez por ano, mas todo dia que o sacerdote entra no santo dos santos. Trata-se de oração pessoal do celebrante, com plural de majestade.

Terminada a primeira oração, o sacerdote se inclina com as mãos juntas e as apóia sobre o altar. Começa a rezar a oração Oramus te Domine, beija o altar e continua a oração dirigindo-se ao Missal. No altar estão as relíquias de santos mártires, sempre enormemente  venerados no cristianismo. Para que um altar seja verdadeiramente altar, e não uma simples mesa, é preciso que haja as relíquias dos santos. O padre pede a intercessão dos mártires presentes no altar e dos outros santos, para que alcancem de Deus o perdão de seus pecados. O ósculo é tanto para as relíquias quanto para o altar, que representa NS. O  ósculo significa,  na liturgia, um grande respeito às pessoas ou objetos. Beija-se a mão do padre, porque ela é consagrada. Esse ósculo no altar é o ósculo de Cristo e da Igreja, sua esposa, ele é sinal da caridade e da união entre Cristo e a Igreja. O sacerdote representa, na liturgia, Cristo, como mediador entre Deus e os homens, mas ele representa também a Igreja. O ósculo significa também a reconciliação de Cristo com as almas, após o pedido de perdão feito ao pé do altar.

Temos aqui, prezados católicos, alguns elementos  para  nossa meditação e edificação espiritual, e para assistir à Santa Missa com maior fruto.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Sermão] Sentido Espiritual das Cerimônias da Missa – Parte 1: Os Paramentos

Sermão para o Domingo da Septuagésima

16.02.2014 – Padre Daniel Pinheiro, IBP

ÁUDIO: Sermão para o Domingo da Septuagésima – Cerimônias da Missa Parte 1: os Paramentos

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

Ave Maria…

Estamos no Tempo da Septuagésima, preparação para a Quaresma.

 “Dignai-vos, Senhor, receber as nossas ofertas e preces; purificai-nos, por meio destes divinos mistérios, e ouvi-nos com clemência.”

Caros católicos, nós começamos hoje, Domingo da Septuagésima, até o domingo da Quinquagésima, uma série de sermões sobre o sentido das cerimônias da Santa Missa. Como nos diz o Concílio de Trento (Sessão XII, Cap. 5), as cerimônias da Missa, as vestes, os gestos, as palavras ora em voz baixa ora em voz mais alta, são socorros exteriores que ajudam a nossa pobre alma a se elevar às coisas sobrenaturais, a contemplar o mistério profundo que se oculta neste sacrifício do altar, que nada mais é que a renovação do sacrifício de Cristo. É importante compreender que os ritos e as cerimônias que circundam a essência de um sacramento – no caso da Missa, a essência são as palavras da Consagração – não são supérfluos, mas importantíssimos. Importantíssimos porque nos fazem compreender melhor a natureza do que está sendo realizado; importantíssimos porque nos incutem respeito e veneração, mostrando-nos a grandeza do que está ocorrendo; importantíssimos porque nos dispõem melhor para que recebamos bem os sacramentos, além de serem como sacramentais que alcançam de Deus graças para nós. Portanto, simplificar as cerimônias, abolir as cerimônias veneráveis e imemoriais da Santa Missa, sob pretexto de voltar a uma suposta liturgia primitiva e sob o pretexto de tornar a Santa Missa mais acessível às pessoas é um equívoco. É bem sabido que nossa inteligência parte das coisas sensíveis para as espirituais. Tudo que está na nossa inteligência passou antes pelos nossos sentidos. A própria fé, nos diz São Paulo, vem pelos ouvidos, que escutam aqueles que nos ensinam. Portanto, tirar as cerimônias e os ritos ou simplificá-los, prejudica o nosso entendimento do que é a Missa, além de diminuir o nosso respeito e de prejudicar a nossa preparação para a recepção dos sacramentos. Além disso, já dizia Aristóteles que quanto mais simples é a inteligência de uma pessoa, mais ela precisa de exemplos bem concretos e sensíveis para compreender as coisas. Assim, ao simplificar a Missa, em vez de torná-la acessível às pessoas mais simples, ela se torna mais incompreensível, pois muito abstrata, muito despojada, não há um caminho para subir às coisas espirituais, e naturalmente se enche a Missa com elementos alheios ao espírito litúrgico. É evidente que as cerimônias e ritos devem ser proporcionais em número e em qualidade ao mistério que circundam. No rito tradicional, essa proporção é perfeita. Não existem, nele, ritos ou repetições supérfluas ou exageros. A liturgia romana tradicional sempre foi reconhecida e louvada pela sua rica sobriedade.

Vale destacar, caros católicos, que as cerimônias do rito tradicional, estando baseadas na fé católica de maneira perfeita e estando fundadas no conhecimento exato da nossa natureza humana, são cerimônias perenes, capazes de satisfazer completamente a espiritualidade de todo católico em qualquer tempo e em qualquer lugar. A espiritualidade não consiste em fomentar sentimentos bons em nossa alma, mas em nos conformar inteiramente a Cristo, pela fé e pela prática dos mandamentos. Assim, a liturgia tradicional não é uma moda, algo passageiro, que predomina em determinada época ou lugar. Não, ela é estável. Se todos estamos aqui, na maioria jovens, não é, espero, por modismo, por gosto passageiro, mas porque compreendemos cada vez mais o valor perene e inatacável desse rito para a fé, para a moral, para a santificação, para a conformação com Cristo. Se estamos aqui, é porque não buscamos modas, coisas passageiras, mas porque buscamos Deus, que é imutável. A liturgia tradicional não foi forjada para responder a aspirações e concepções de um momento, mas foi formada por Deus ao longo dos séculos para responder às aspirações constantes de vida eterna do homem, num desenvolvimento litúrgico sempre orgânico, harmônico, sem rupturas, sempre em compasso com a compreensão mais profunda das verdades reveladas.

Devemos, então, caros católicos, começar a considerar, nesses três próximos domingos, os ritos e cerimônias da Missa. Se, sem explicações, esses ritos já nos fazem tanto bem, mostrando de modo claríssimo em que devemos acreditar, mostrando de modo claríssimo que estamos diante de algo sagrado e dispondo tão bem as nossas almas, mal podemos imaginar o bem que pode advir deles quando compreendidos de modo mais perfeito. Antes de tudo, vale lembrar que os ritos da Missa podem ser considerados em diversos níveis, não havendo, muitas vezes, uma explicação única para eles. E vale destacar que a explicação dos ritos da Missa não é algo recente, mas muito antigo. Na Idade Média, tornou-se algo tão comum que praticamente passou a ser um gênero literário, chamado de Expositio Missae, Exposição, Explicação da Missa.

Comecemos pelo início, pelas vestes do sacerdote quando reza a Missa. Dizem as rubricas que o padre deve celebrar a Missa usando uma veste que chegue aos calcanhares. O hábito religioso, a batina. A batina deriva da toga romana, é uma roupa que indica a excelência da função daquele que a utiliza. A batina do sacerdote é preta, indicando a morte para o mundo. A batina violeta dos bispos indica mortificação, penitência, enquanto a vermelha dos cardeais indica que devem dar o sangue pela Igreja e pelo Papa. A branca, do Papa, indica a santidade que deve ter para governar bem a Igreja com prudência e de forma a confirmar as ovelhas na fé. A batina é ampla, indicando que a caridade sacerdotal deve ser ampla. O comprimento da batina, chegando até os calcanhares, significa a perseverança e a paciência sacerdotais. A batina cobre todo o corpo, salvo as mãos e a cabeça. As mãos são as obras. A cabeça são os pensamentos, a fé. O sacerdote deve ser conhecido pela sua fé e pelas suas boas obras e por nada mais. Muitas vezes, a batina tem 33 botões, simbolizando a idade de Cristo, 33 anos. Ela tem 5 botões nas mangas: são as 5 chagas de nosso Salvador. O colarinho romano, branco, representa a santidade que deve ter o sacerdote, afastado do pecado. A faixa, cingindo os rins, simboliza a pureza. No Antigo Testamento, os rins cingidos significavam a pureza, a castidade.

Em seguida, vem o amito, de linho branco, colocado em torno do pescoço dos clérigos maiores, subdiácono, diácono, sacerdote. Amito vem do latim e significa envolver. Ele tem um simbolismo duplo. No Pontifical Romano, quando é imposto pelo bispo ao subdiácono, ele simboliza a correção das palavras, pois subdiácono que recebe o amito tem a função de recitar fielmente, com suas palavras, o Breviário e a Epístola que ele canta na Missa Solene. A correção das palavras é a fidelidade à Palavra de Deus, à Revelação. No Missal Romano, na oração em que o padre recita para colocá-lo, o amito significa o capacete da salvação, o elmo para o combate contra as incursões diabólicas: ele indica que estamos em um combate tremendo, combate espiritual, pelo triunfo de Cristo e da Igreja epela salvação de nossas almas. O amito significa também o véu que cobriu os olhos de Cristo na paixão, quando batiam nEle e, zombando dEle, pediam para Nosso Senhor adivinhar quem lhe tinha batido.

Depois do amito, temos a alva, essa roupa branca que chega também aos calcanhares. O nome, alva, vem da cor, branca. Também pela sua cor, branca, essa veste litúrgica significa a santidade que deve ter o ministro do altar. A sobrepeliz, essa roupa branca mais curta que os acólitos usam na Missa, e que o Padre usa em outras circunstâncias, tem a mesma significação: a santidade requerida para exercer a função sacerdotal ou para ajudar o sacerdote no altar. Com o amito e alva, a roupa que o padre usa no dia-a-dia (batina e colarinho romano) fica inteiramente coberta, desaparecendo, o que mostra a sacralidade do que está se realizando sobre o altar. A alva representa também a veste branca dos loucos, que Nosso Senhor recebeu de Herodes durante sua paixão, por ter ficado calado diante desse rei adúltero e homicida.

Após a alva, temos o cíngulo, esse cordão que amarra os rins, que cinge os rins. Ele tem o mesmo simbolismo da faixa sacerdotal: a castidade. Na Antiguidade, não andar com algo que cingisse os rins era um sinal de negligência, às vezes de libertinagem. O adjetivo dissoluto, para alguém de má vida, vem daqui, pois dissoluto é aquilo que não está amarrado. O cíngulo tem, nas pontas, duas borlas, que significam o jejum e a oração. São duas armas necessárias para a vida espiritual, em particular para a manutenção da castidade.

Depois do cíngulo, temos o manípulo. São várias as possíveis origens do manípulo: pano para enxugar o rosto dos oradores públicos, peça de distinção de personagens importantes na sociedade, tecido utilizado para amarrar feixes de colheita na agricultura. No séc. IV, é certo que se torna uma veste dos cônsules em Roma, portanto, de altos dignitários, que têm por função servir o povo. O manípulo significa, de toda forma, o labor apostólico pelo pela pregação, pela oração, pelo cultivo das almas, com seus sofrimentos e dificuldades. O manípulo é reservado às ordens maiores (subdiaconato, diaconato, sacerdócio), pois com elas o clérigo se consagra inteiramente e definitivamente ao labor apostólico, ao serviço de Deus, amarrando-se a Ele com o celibato e com a obrigação de recitar o Breviário. O manípulo representa também as cordas com que Nosso Senhor foi amarrado durante a flagelação. Ele é um paramento de uso exclusivo para a Missa. Por isso, o padre tira o manípulo no momento do sermão, pois o sermão não faz parte da Missa, no Rito Tradicional. Ele tira também o manípulo no momento do sermão para deixar manifesta a sua liberdade de pregar a palavra de Deus, pois a palavra de Deus não está acorrentada, como diz São Paulo (2 Tim II, 4): Verbum Dei non est alligatum. O sacerdote tem total liberdade de pregar aquilo que é necessário para o bem das almas, sem se preocupar com outra coisa.

Em seguida, depois do manípulo, vem a estola. A estola é veste que significa o poder de ordem, isto é, a participação no sacerdócio de Cristo. Assim, usam estola o diácono, o sacerdote e o bispo. Cada grau do sacerdócio é indicado pelo modo de portar a estola. O diácono a porta pendente do lado esquerdo, lembrando a veste dos escudeiros, pois assim como os escudeiros ajudavam os cavaleiros, o diácono ajuda o padre e o bispo. O Sacerdote tem a estola em forma de cruz, cruzada, durante a Missa, para lembrar o calvário, mas também para indicar sua submissão ao bispo e para indicar que o seu poder sacerdotal não é pleno. O Bispo já tem a cruz peitoral, não precisa cruzar a estola, e a estola pendente de modo simples mostra a plenitude de seu poder sacerdotal.

Temos, ainda, a casula, que vem do latim e significa pequena casa. Antigamente era mais ampla, donde o seu nome. A casula simboliza duas coisas no pensamento da Igreja. A primeira delas é a caridade (Pontifical Romano). A casula significa a caridade, pois a caridade é a coroa de todas as virtudes, como a casula é o paramento que coroa todos os outros, cobrindo-os. Além disso, casula tem duas bandas, a da frente e a de trás, significando a caridade para com Deus e para com o próximo. A segunda significação da casula, conforme oração no Missal Romano, é o jugo de Cristo suave e leve, que o sacerdote deve carregar. A casula lembra, ainda, o manto de púrpura de Nosso Senhor e a sua túnica sem costuras.

Finalmente, temos o barrete. Os membros do clero são os únicos homens que podem ter a cabeça coberta dentro da Igreja. A cabeça coberta na Igreja representa a autoridade de que os clérigos, outros Cristos, estão revestidos. O barrete para os padres e a mitra para os bispos, são como coroas, simbolizam o poder de governo de que estão dotados. Os leigos homens devem, ao contrário, descobrir a cabeça dentro da Igreja, mostrando total submissão a Nosso Senhor e submissão à hierarquia da Igreja. O clero tem a cabeça coberta, salvo quando está no altar ou diante dele, pois no altar os sacerdotes estão como vítimas que se oferecem pelo povo e não como reis, imitando Nosso Senhor na hora de sua paixão e morte de cruz.

Assim, prezados católicos, cada paramento significa uma virtude que deve ter o sacerdote, imitando Nosso Senhor, cada paramento significa um aspecto da função sacerdotal. Ao colocar os paramentos e ao utilizá-los, o padre é exortado a praticar aquelas virtudes, a assemelhar-se a NS mais perfeitamente, a desempenhar bem sua função sacerdotal. Suprimir paramentos ou torná-los meramente facultativos parece significar que tais virtudes não são tão importantes para se oferecer bem o sacrifício da Cruz, o padre se sente menos instado a praticar as virtudes e a assemelhar-se a Cristo. Além disso, a supressão ou uso opcional de paramentos tende a igualar o sacerdote ao leigo. Quando o sacerdote se veste com todos esses paramentos, o que é obrigatório na Missa Tradicional, não é para fazer ostentação ou por motivo de pompa. Quando o padre se veste de tais paramentos, ele está se vestindo de Cristo e das virtudes de Cristo. Todos os santos sempre buscaram usar belos paramentos, extremamente dignos, pois é Cristo, na verdade que os veste, sendo Ele o sacerdote principal da Missa. Além disso, o decoro dos paramentos aumenta também o valor extrínseco da Santa Missa.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Sermão] A Igreja Católica e a ONU (teoria do gênero)

Sermão para o 5º Domingo depois de Epifania

09.02.2014 – Padre Daniel Pinheiro

ÁUDIO: Sermão para o 5º Domingo depois da Epifania: A Igreja Católica e a ONU

Em nome do Pai e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

Ave Maria…

“Mas enquanto os homens dormiam, veio o inimigo e semeou cizânia no meio do trigo, e foi-se.”

Caros Católicos, temos novamente diante de nós as palavras de Nosso Senhor sobre a cizânia, a má semente semeada no campo pelo inimigo do homem, pelo demônio em última instância. Uma das grandes semeadoras de cizânia do demônio, em nossos tempos, é a ONU, a Organização das Nações Unidas. Enquanto os homens parecem dormir, incapazes de refletir e de distinguir entre o bem e o mal, anestesiados pela televisão, por filmes, novelas e séries, pelas músicas ruins e pela vida de prazeres desordenados e diversões fáceis, a cizânia vai sendo semeada.

Essa semana, a ONU publicou as suas observações conclusivas sobre o relatório feito pela Santa Sé referente à aplicação da Convenção sobre os direitos da criança, a pretexto também dos escândalos gravíssimos de pedofilia que assolaram os membros do clero. Nesse documento, a ONU se opõe frontalmente à Igreja e pretende dizer à Igreja o que a Igreja deve fazer. A ONU pede que a Igreja altere sua posição sobre o homossexualismo. A ONU pede para que a Igreja reveja sua posição sobre o aborto. A ONU se mostra “seriamente preocupada” com a posição e a prática da Santa Sé no que diz respeito à contracepção e à educação social. A ONU urge a Santa Sé a evitar tudo o que possa diferenciar meninos e meninas. A ONU urge a Santa Sé a tomar medidas para que os livros escolares católicos – ainda existem? – não contenham nenhum tipo de estereótipo quanto ao gênero. Todas essas coisas são gravemente opostas à nossa natureza e a Deus. O aborto é o homicídio do inocente, o homossexualismo é pecado que clama aos céus por vingança, usando a faculdade reprodutiva de maneira em que a reprodução é impossível. A contracepção separa aquilo que Deu juntou necessariamente em nossa natureza: a procriação e a união dos corpos. Não diferenciar meninos e meninas, não formar estereótipos… isso é exatamente o que propõe a teoria do gênero, que a ONU e tantos outros organismos e governos se esforçam para impor no mundo, nas escolas de nossas crianças.

A teoria do gênero afirma que a sexualidade não tem nenhum condicionamento biológico e que cada um tem completa autonomia para determinar em que consiste a feminilidade e a masculinidade e cada um tem também absoluta autonomia para escolher o que gostaria de ser. Assim, ser biologicamente homem ou biologicamente mulher não teria a menor influência, pois cada um pode construir o próprio papel social (masculino, feminino, transgênero, andrógino e qualquer outra coisa), independentemente da biologia. Isso é uma grande abominação!

A teoria do gênero nada mais é do que uma absurda ideologia. Ideologia é aquilo que provém das ideias dos homens, mas sem fundamento nenhum na realidade, na natureza das coisas. Uma ideologia é sempre irracional e sempre procura se impor pela força, por meios enganadores, e por um grande esforço de propaganda, já que naturalmente as pessoas tendem a recusá-la, visto que não condiz com a realidade. É exatamente o que vemos com a ideologia do gênero: imposição pela força, por manifestações violentas e por ameaças, utilização de meios enganadores, por vocabulário que nos engana, e massiva propaganda nos meios de comunicação, e pelo governo. É evidente que a ideologia do gênero é um absurdo completo e negação ridícula da realidade. Nega-se a biologia, a anatomia, negam-se as diferenças psicológicas, nega-se a evidente complementaridade que existe entre um homem e uma mulher, complementaridade necessária para a preservação da espécie e para o correto desenvolvimento de todo ser humano. Nega-se a necessidade de um pai e de uma mãe para o bom desenvolvimento da criança. Negação mais absurda da realidade não pode existir. Não é a sociedade nem a pessoa que constroem a diferença entre homem e mulher, mas a realidade das coisas, a natureza das coisas tais como criadas por Deus. A ideologia do gênero é uma construção mental sem fundamento nenhum na realidade, que pretende fazer do ser humano Deus, como se o ser humano fosse onipotente, para poder estabelecer a natureza das coisas ou a sua própria natureza. A ideologia do gênero serve para igualar absolutamente e em todos os aspectos o homem e a mulher, destruindo, assim, a família, destruindo a sociedade, destruindo a Igreja Católica. Pretendem destruir a Igreja Católica não a atacando fisicamente, por enquanto ao menos, mas querendo trazer a Igreja e seus membros para o seu lado, para que a Igreja propague essa abominação. Sabemos, todavia, que, sobre a Igreja, as portas do inferno não prevalecerão. Ela não mudará sua doutrina perene.

A teoria do gênero, ou melhor, a ideologia do gênero parece ser o último passo para a destruição total da família, formada por um só homem e uma só mulher, unidos por vínculo indissolúvel e exclusivo, e pelos filhos. A ideologia do gênero é o último passo de uma revolta contra Deus que começou com a possibilidade de separação dos cônjuges sem justa causa, que depois avançou com o divórcio, passando para a contracepção, para o aborto, para as eufemisticamente chamadas uniões de fato, para as uniões homossexuais…  A teoria do gênero é o último passo nessa lógica de destruição total da base da sociedade e da Igreja, que é a família. A ideologia do gênero é o último passo para a construção de uma nova ordem mundial, de uma nova religião universal, da qual a ONU é uma das principais difusoras, junto com fundações poderosíssimas e com governos, tribunais e poderes legislativos.  E essa religião universal é verdadeiramente a religião do anticristo. Não digo que o anticristo esteja próximo ou que esteja próximo o fim do mundo. Não podemos saber. Digo que essa nova religião que nos é imposta pela ONU, pelos governos, por tribunais, legisladores, por ONGs e por Fundações bilionárias, se opõe frontalmente aos princípios e à salvação que nos foram dados por Cristos, princípios e salvação que elevam a nossa natureza, que nos conduzem a Deus, que nos conduzem à verdadeira felicidade. A nova religião, a religião do homem que pretende tomar o lugar de Deus, ignorando a natureza e a realidade das coisas, nos levará de abismo em abismo, de tragédia em tragédia. Sem a realidade, sem Deus, o homem é capaz de tudo, das piores abominações, consigo mesmo e com o próximo. É impressionante o número de suicídios, o número de pessoas deprimidas, o número dos crimes mais bárbaros e cada vez mais crescentes. Tudo isso porque o homem tolo diz: Deus não existe, ou se comporta como se Ele não existisse. Como nos diz a Sagrada Escritura: dixit insipiens in corde suo non est Deus. Disse o tolo em seu coração: Deus não existe. A nós, cabe fazermos a nossa parte, com famílias numerosas, com a boa educação dos filhos, com muita oração, com penitências, com a perseverança no bem, apesar de toda a perseguição que sofremos. A nós cabe desejar e fazer o verdadeiro bem para os que nos fazem mal: devemos desejar a conversão deles e agir para isso.

Chegamos, assim, ao ponto em que a ONU, Organização das Nações Unidas, pretende dar diretivas à Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Essa assembleia de homens pretende ditar à Igreja o que ela deve fazer. Ela pretende condenar a doutrina da Igreja. Ela ousa pedir que a Igreja mude a sua doutrina. Essa assembleia de homens comporta-se como o sinédrio, a assembleia de homens que condenou Nosso Senhor Jesus Cristo. De um lado, temos a ONU, organismo humano, fundado no pós-segunda guerra para instaurar uma nova ordem mundial, uma nova e, claro, falsa religião universal fundada no homem. Do outro lado, a Igreja, sociedade humana e divina, instituída por Nosso Senhor Jesus Cristo, fundada no sacrifício do Homem-Deus na cruz, sociedade voltada inteiramente para a Santíssima Trindade, sociedade que possui promessas de vida eterna, sociedade que não pode perecer. Existe um único caminho para a verdadeira civilização, que deve ser uma civilização que conduz à verdade absoluta e à virtude, e só há um caminho para a verdadeira paz: esse caminho é a Igreja Católica, esse caminho é o reinado de Nosso Senhor Jesus Cristo sobre as almas e sobre as nações. Creio na Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica.

[Sermão] Festa da Purificação de Nossa Senhora: pontos para meditação

Sermão para a Festa da Purificação de Nossa Senhora

02.02.2014 – Padre Daniel Pinheiro

ÁUDIO: Sermão para a Festa da Purificação

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

Ave Maria…

                Caros católicos, algumas breves palavras nesse dia em que as cerimônias litúrgicas falam por si mesmas. Breves palavras para a vossa reflexão.

É interessante notar que a Festa no Rito Romano Tradicional é uma festa de Nossa Senhora, da Purificação de Nossa Senhora e não da apresentação do Menino Jesus no Templo, apresentação lembrada pela Igreja no domingo dentro da oitava do Natal. Todavia, essa festa de Nossa Senhora deve ser considerada como uma Festa de Nosso Senhor, nos dizem as normas da Igreja. E é por isso que, apesar de ser domingo, festejamos hoje a purificação de Nossa Senhora, pois a festa deve ser considerada como sendo uma festa de Nosso Senhor, e uma festa de Nosso Senhor tem precedência sobre o domingo. Esse pequeno detalhe litúrgico da festa de hoje – Festa de Nossa Senhora como se fosse festa de Nosso Senhor – nos confirma, de modo peculiar, aquilo que a Igreja sempre ensinou: onde está Maria, lá está Jesus; onde está Jesus, lá está Maria.

A Igreja coloca hoje em nossas mãos a vela acesa. Essa vela é Cristo. A cera é o corpo de NS. A mecha é sua alma. A luz é sua divindade. A vela acesa simboliza o próprio Cristo, luz que brilha nas trevas e que as trevas não apagam. Cristo é a luz do mundo, a luz que ilumina todo homem que vem ao mundo. Quantas vezes, sobretudo no Evangelho de São João, Jesus se refere a si mesmo como a luz. Ora, a luz ilumina e esquenta. Cristo é a luz que ilumina a nossa inteligência com suas palavras, com a sua Revelação e é Ele que esquenta a nossa alma pela caridade, pelas boas obras, é Ele que infunde em nossas almas o amor a Deus e ao próximo.

Dessa luz, que é Cristo, devemos, a exemplo de São João Batista, dar testemunho. Está dito de São João Batista que ele vem ao mundo para dar testemunho da luz. Ora, Cristo é a luz, que deve ser colocada em cima do candeeiro e não escondida. Devemos, portanto, carregar Cristo diante do mundo, pela nossa fé e pelas nossas boas obras. Assim diz Nosso Senhor: “que a vossa luz brilhe diante dos homens, para que eles vejam as boas obras que fazeis e louvem o vosso Pai que está nos céus.” A procissão com a vela nos lembra, então, nosso dever de ser fiel ao que Deus nos falou e nosso dever de praticar as boas obras.

A Igreja, com essa procissão, nos lembra também que devemos honrar publicamente Deus, Nosso Senhor, Nossa Senhora, os Santos. Devemos praticar publicamente a santa religião católica, única religião verdadeira. Não podemos ficar simplesmente limitados a nossas Igrejas e Capelas. Mais uma vez, devemos dar testemunho da luz. Nosso Senhor Jesus Cristo é a nossa glória.

Em outro momento muito importante de nossa vida sobrenatural a Igreja coloca uma vela em nossas mãos: no Batismo.  Nesse momento, a Igreja, no Rito Tradicional, coloca as seguintes palavras na boca do sacerdote: “Recebe esta vela acesa, conserva a graça do teu Batismo de modo irrepreensível. Observa os mandamentos de Deus para que, ao chegar o Senhor, para as núpcias, possas correr ao encontro dele, juntamente com todos os santos, na corte celeste e viver pelos séculos dos séculos.” No Batismo, renunciamos inteiramente a Satanás, às suas obras e às suas pompas e professamos a fé católica e apostólica.  No dia em que Cristo foi apresentado no Templo, a Igreja quer lembrar as promessas de nosso batismo e a consagração total feita a Deus nessa ocasião.

A liturgia de hoje também nos coloca diante dos olhos o velho Simeão e seu ardente desejo de ver o Salvador. Após tê-lo visto ele canta o Nunc Dimittis: “Agora, Senhor, podeis deixar partir o vosso servo em paz.” Também nós devemos ter o desejo ardente de ver Nosso Senhor Jesus Cristo na vida eterna, no céu, e devemos reconhecer que a única coisa que realmente nos importa é isso: conhecer, amar e servir a Deus.

Finalmente, não poderíamos deixar de mencionar que a festa de hoje não deixa de ser uma festa de Nossa Senhora das Dores, pois é durante a purificação de Maria e a apresentação do Menino Jesus que Simeão diz que uma espada transpassará a alma de Nossa Senhora. E desde esse instante, as dores de Nossa Senhora, em vista da paixão e morte de Cristo, em vista também de nossos pecados, aumentam muitíssimo. Nosso apostolado foi consagrado a Nossa Senhora das Dores, no dia de sua festa, 15 de setembro. Rezemos, então, para que ela dirija sempre nosso apostolado ao seu Filho, nos consolando em nossas cruzes. Rezemos para Nossa Senhora para que nosso apostolado seja frutífero e eficaz com anossa conversão inteira e completa a Deus.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Sermão] O amor mútuo entre os cônjuges, fim secundário do matrimônio.

Sermão para o 3º Domingo depois da Epifania

26.01.2014 – Padre Daniel Pinheiro

ÁUDIO: Sermão para o 3º Domingo depois da Epifania – Amor Conjugal

Ver também:

[Sermão] Os bens do matrimônio: filhos, indissolubilidade e fidelidade

[Sermão] Contracepção, métodos naturais e a cultura da morte

[Sermão] Inimigos da Família: feminismo, má educação, falta de oração

[Sermão] A educação católica dos filhos: “Ensinar desde a mais tenra idade a temer a Deus e a se abster de todo pecado.”

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

Ave Maria…

“A Terra inteira adorar-vos-á, Senhor.” (Introito da Missa)

Caros Católicos, falamos já do matrimônio e de seus bens – filhos, fidelidade e indissolubilidade – no domingo dentro da oitava do Natal. Tivemos no domingo passado o Evangelho das Bodas de Caná, que faz referência ao matrimônio e tivemos no domingo precedente, a Festa da Sagrada Família, que esse ano não foi festejada em virtude da transferência da Festa da Epifania. É oportuno, porém, tratar de outro aspecto muito importante da união matrimonial: o amor mútuo que deve haver entre os cônjuges e que é fim secundário do matrimônio.

A Igreja sempre afirmou que no matrimônio existe uma hierarquia das finalidades. O fim primário do matrimônio é a procriação com a consequente educação dos filhos. Os fins secundários são o amor mútuo, ou aperfeiçoamento dos esposos, e o remédio para a concupiscência. É bom deixar isso claro: não se pode ir contra o fim primário do matrimônio para favorecer o amor mútuo. O amor mútuo está subordinado ao fim primário, que é a procriação. O amor mútuo, na realidade não é favorecido, mas muito prejudicado pela contracepção, pois deixa de ser um amor mútuo para tornar-se um amor egoísta e fechado a todo fruto, que são os filhos. A inversão na hierarquia dos fins, muito presente em nossa sociedade e muito presente mesmo no meio católico, conduz facilmente ao divórcio e abre o caminho para todas as aberrações na ordem sexual. É muito comum ouvirmos, por exemplo, sobre o casamento homossexual: “eles podem casar, pois se amam”. É evidente que aqui se trata de um amor falso, pois não visa o verdadeiro bem do outro que é a salvação, mas, sobretudo, não pode haver essa união porque a finalidade primária do casamento de duas pessoas é a procriação por meio da união dos corpos, o que não pode nem nunca poderá ocorrer nessas uniões contra a natureza, que clamam ao céu por vingança.

Compreendida essa subordinação do fim secundário – amor mútuo – ao fim primário – procriação – devemos compreender qual é esse amor que deve reinar entre os cônjuges.  Quando falamos, porém, de fim secundário, não estamos falando de algo supérfluo ou sem muita importância. Não, o fim secundário do matrimônio, que é o amor mútuo entre os cônjuges é também importantíssimo. Mas o que é exatamente esse amor mútuo que deve existir entre os cônjuges, entre marido e mulher?

Esse amor conjugal deve ser uma amizade, compreendida no seu sentido profundo e verdadeiro. A amizade é o tipo de amor mais perfeito que existe, de forma que a própria caridade é uma amizade. Para que haja amizade, são necessárias basicamente cinco condições:

1)      A primeira condição é que exista um bem em comum, algo que seja comum entre os amigos e que é a base da amizade. Esse bem pode ser algo prazeroso, como, por exemplo, o gosto por comer pizza, ou pode ser alguma utilidade, quando se busca o contato com alguém para conseguir dele algo que nos é útil. Esse bem pode ser, finalmente, a virtude. A verdadeira amizade se baseia, é claro, na virtude. O bem comum entre os verdadeiros amigos e que funda a amizade deve ser a virtude. E só essa amizade pode ser realmente chamada de amizade. A base da amizade deve ser sólida e duradoura. A virtude é sólida e duradoura, pois ela é, justamente, uma inclinação profunda da nossa alma para fazer o bem, adquirida pela repetição das boas obras e que não se perde facilmente. Já uma amizade baseada em algo prazeroso é passageira, pois nossos gostos podem mudar com certa facilidade. Também a amizade baseada na utilidade é passageira: quando o bem desejado é alcançado, a amizade termina. Sem falar que o bem prazeroso ou útil pode ser um bem somente aparente, ele pode ser pecaminoso. Quantas supostas amizades não existem para facilitar o pecado? Assim, a verdadeira amizade deve ser baseada na virtude. Os amigos querem a mesma coisa: a virtude, a salvação. Os amigos rejeitam a mesma coisa: o pecado, o vício. Dessa forma, é próprio dos amigos a concórdia, a união de corações (idem velle, idem nolle).

2)      A segunda condição para que haja verdadeira amizade é que se queira o bem do amigo e que se faça o bem para ele. Não qualquer bem, mas o bem da virtude, em última instância o bem da salvação do amigo. O querer bem do outro não é fazer todas as suas vontades e caprichos, como é muito comum ouvirmos: “tal pessoa ama muito a outra, ela faz sempre tudo o que ela quer…” E esse querer bem é tão intenso que nos leva a nos esquecer de nós mesmos para buscar o bem do amigo.

3)      A terceira condição para que haja amizade é que esse querer bem, que esse fazer bem ao outro seja recíproco. A verdadeira amizade supõe reciprocidade. Não basta que uma pessoa queira o bem da outra, mas é preciso que a outra também queira o bem da pessoa. A reciprocidade é essencial para uma verdadeira amizade.

4)      A quarta condição para a amizade é que esse querer bem recíproco seja manifesto, conhecido de ambas as partes.

5)      Finalmente, a quinta condição para que haja amizade é que haja justamente convivência entre amigos, que haja comunicação frequente entre eles, que conversem e se conheçam bem.

Vemos que a amizade é algo rara, pois rara é a virtude e rara a presença das outras condições. A amizade é importantíssima para a vida espiritual, pois ela vem da virtude e conduz para a virtude. Quem acha um amigo, acha um tesouro, nos diz a Sagrada Escritura.

Aqui nós já temos elementos suficientes para compreender bem o amor que deve reinar entre os cônjuges. Esse amor deve ser baseado na virtude, tendo em vista a salvação do outro. É um amor que deseja o bem do outro e que age para o bem do outro, para que o outro adquira a virtude, para que possa progredir na vida espiritual. Esse amor deve fazer com que o cônjuge se esqueça de si mesmo, e faça sacrifícios pelo outro, até o sacrifício de dar a própria vida, se for o caso, para a salvação do outro. O amigo não busca diretamente seu próprio bem, mas o bem do amigo. Não busca simplesmente a deleitação ou algo útil para si. Não, ele busca primeiramente o bem do amigo, e isso lhe traz alegria e é útil para o seu próprio progresso na virtude. E é claro que esse amor deve ser recíproco entre os cônjuges, deve ser mútuo, cada um procurando ajudar o outro em todas as coisas, mas, sobretudo, na prática da virtude. É preciso também que esse amor seja manifesto entre os cônjuges e que ele se manifeste mesmo em pequenas ações, em ações simples, mas que demonstram o amor de um pelo outro. Finalmente, é preciso que os cônjuges se comuniquem, conversem, convivam realmente. E é claro que essa amizade entre os cônjuges deve ser muito mais profunda do que outra amizade qualquer. Essa amizade entre os cônjuges é bem particular, pela natureza da união entre eles, a união matrimonial: união exclusiva entre eles, união indissolúvel, união dos corpos. Os cônjuges devem formar uma só alma, pela concórdia, pela amizade, e uma só carne pela união dos corpos. Que tesouro insondável é o amor de amizade entre os cônjuges.

Muitas vezes esse amor vai pouco a pouco perdendo o seu verdadeiro sentido, pois a base do amor, com o tempo, tende a passar da virtude para algo egoísta, ou puramente deleitável ou útil e já não se deseja e não se trabalha pelo verdadeiro bem do outro cônjuge. Outras vezes o amor ainda existe, mas vai deixando de ser manifestado de forma mais clara, o que termina diminuindo o amor entre os cônjuges. Outras vezes é a falta de convivência, de comunicação, de conversa entre os cônjuges que vai pouco a pouco diminuindo o amor mútuo. Falta de comunicação que, por vezes, deixa acumular pequenas questões, que vão tomando proporções maiores. Os cônjuges devem sempre se lembrar porque casaram: casaram-se, em última instância, para chegarem ao céu, para cooperarem na salvação um do outro, por meio da geração e educação dos filhos e pelo amor mútuo. Talvez até não tivessem essa clareza no momento em que casaram. É preciso remediar a isso agora.

A vida matrimonial, como qualquer estado de vida, tem suas cruzes próprias, em particular o desentendimento que surge entre os cônjuges. Para que essas cruzes não sejam causa de tropeço, mas ocasião de progresso na virtude, ocasião de progresso na união do casal e na união do casal com Deus, é preciso esse amor de amizade conjugal, que nada mais é do que uma espécie particular de caridade. Com esse amor e lembrando que a finalidade última do casamento é a salvação de cada um dos membros da família, as cruzes poderão ser superadas.

O exemplo do amor entre os cônjuges é o amor existente entre Cristo e a Igreja. É um amor baseado na santidade, Cristo santifica a Igreja, e a Igreja busca glorificar a Cristo, convertendo as almas. Cristo foi até a morte e morte de Cruz pela Igreja. A Igreja forma seus membros para morrerem por amor a Cristo e a Igreja é perseguida pelo mundo por amor a Cristo. Esse amor entre ambos é manifesto. Cristo o manifesta por todo o bem que faz em favor da Igreja, pela instituição dos sacramentos, sobretudo, o sacramento da Eucaristia, e não deixando a Igreja sucumbir diante das portas do inferno. A Igreja manifesta seu amor especialmente pela liturgia, em particular pela Missa. Como diz São Paulo: “Maridos, amai as vossas mulheres, como também Cristo amou a Igreja e por ela se entregou a si mesmo, para a santificar”. (Efésios V, 25). E o apóstolo diz também: “E como a Igreja está sujeita a Cristo, assim o estejam também as mulheres em tudo [o que não é contra a lei de Deus]” (Efésios V, 24) Em outra oportunidade veremos melhor a função de cada um dentro da família.  Cristo e a Igreja estão em profunda união, têm o mesmo coração, formam um só corpo, do qual Cristo é a cabeça e a Igreja os membros. Deve ser esse o modelo do amor entre os cônjuges.

É preciso buscar e manter esse amor. Por mais que no início exista uma grande harmonia, não há instrumento que com o tempo não comece a desafinar. O mesmo ocorre no matrimônio. Para que essas dissonâncias não se tornem uma cacofonia, é preciso a boa vontade mútua, a compreensão, a paciência, e afastar desconfianças infundadas, afastar ressentimentos, saber perdoar. Não se deve dar ouvido a intrigas alheias. Essa harmonia que é o acordo sobre o ideal de virtude e de santidade não pode desmoronar. É preciso que haja mútua colaboração e mútua compreensão, com generosidade de ambas as partes, sem, porém, confundir os papéis de cada um. Para alcançar esse amor e mantê-lo é também necessária a confiança mútua, abertura de coração, simplicidade mútua para comunicar as aspirações de cada um, a preocupações, alegrias e tristezas. Essa comunicação é alimento essencial da felicidade conjugal. Como dissemos, é preciso que o amor se manifeste e que haja comunicação entre os amigos, entre os cônjuges. É preciso também rezar e rezar em família, como Tobias e Sara na Sagrada Escritura. Rezar o Santo Terço em família, com os filhos, e ter devoção familiar ao Sagrado Coração de Jesus, entronizando-o, e mantendo práticas de devoção a Ele, como, por exemplo, a recitação das ladainhas do Sagrado Coração de Jesus,  às sextas-feiras, e renovando mensalmente a entronização, para que o Sagrado Coração seja realmente o rei do lar. É preciso frequentar os sacramentos e, como esse amor se baseia na virtude, na santidade, é preciso praticar a virtude e querer ser realmente santo. A família deve rezar para a Sagrada Família, pedindo para que realize no próprio lar aquilo que Jesus, Maria e José realizaram.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Sermão] Bodas de Caná e a oração

Sermão para o 2º Domingo depois da Epifania

19.01.2014 – Padre Renato Coelho, IBP

Milagre de Caná

 

            Em nome do Pai e do Filho e do Espírito-Santo. Amém.

Hoje lemos no Evangelho o milagre das bodas de Caná: “Como viesse a faltar vinho, a mãe de Jesus disse-lhe: Eles já não têm vinho. Respondeu-lhe Jesus: Mulher, isso compete a nós? Minha hora ainda não chegou.” (Jo 2, 3-4).” Essa passagem é importante para combater tanto os protestantes como os incrédulos.

Nesse milagre, vemos a intercessão de Maria, que toma a iniciativa de pedir o milagre. Jesus lhe responde que ainda não era a hora formalmente prevista para ele operar milagres, mas Maria, através do seu pedido, consegue obter um milagre como que “fora de hora”. E, segundo São João Crisóstomo (vide Catena Áurea), esse foi o primeiro milagre que Jesus fez, apesar do que dizem falsos videntes sobre Jesus ter feito milagres, sem necessidade, durante sua infância…

Há quem pense que rezar não adianta nada, pois Deus já saberia tudo de antemão, daquilo que precisamos ou não, por isso seria redundante rezar.

Ora, nesse episódio, Deus fala que não iria fazer o milagre, depois, com base no pedido de Maria, Deus opera o milagre. Deus mudou? Isso não vai contra toda a metafísica e toda a lógica?

De modo algum. Deus na sua eternidade continua sempre imutável. Mas no tempo, para os nossos olhos humanos, Deus apenas aparenta ter mudado.

Deus mostra nesse episódio que nossas ações influenciam o futuro, embora Deus já o conheça. Deus quer mostrar que o milagre está intimamente ligado ao pedido de Maria, não havia outra razão para fazê-lo, pois sua hora ainda não tinha chegado. Deus quer mostrar que há graças que ele concede para uma pessoa sob a condição necessária e imprescindível de ela pedir. Se ela não pedir, a graça não será dada e, no caso, se Maria não pedisse, o milagre não seria feito.

Outro episódio semelhante é o de Jonas no Antigo Testamento. Nínive iria ser destruída se não fizesse penitência. Os habitantes aceitaram fazer penitência. A cidade não foi destruída. Mais modernamente, Nossa Senhora de Fátima fez pedidos aos homens, em especial ao clero, para impedir que haja guerras. Os homens ignoraram o pedido de Nossa Senhora e tivemos duas guerras mundiais e os erros da Rússia, isto é, o Marxismo cultural, se espalham pelo mundo a todo vapor.

Deus já conhece o começo e o fim da história, mas nós não. Deus quer, com isso, nos ensinar a agir. Ele busca nos ensinar que podemos escolher entre dois futuros possíveis, o de deixar a “vida correr sozinha naturalmente”, ou o de mudar o futuro, de pedir uma graça. Deus quer que usemos o livre arbítrio para agirmos na história. A história depende das nossas ações, não somos robôs predestinados ao Céu ou ao Inferno como pensam certos protestantes. Deus já sabe quem vai ao Céu ou ao Inferno, mas isso não nos ajuda em nada, pois nós continuamos a não saber. Se deixarmos a “vida correr sozinha”, estamos todos condenados ao Inferno, que merecemos justamente por sermos “filhos da ira”. Mas Deus nos abre uma porta, um meio de chegar ao Céu,, entretanto ele não nos força, ele quer que usemos nossa liberdade.

O principal passo é o da conversão, sem ela não é possível agradar a Deus. Sem a fé as obras são mortas. Mas sem as obras não se chega ao Céu.

Entendam bem, com “obras” quero dizer “boas ações”, e pode ser algo meramente interior, uma contrição perfeita, por exemplo. Não consta que o bom ladrão, São Dimas, tenha dado comida aos pobres, que tenha feito pontes, que tenha feito qualquer uma dessas coisas que hoje entendemos por “obras” no sentido mais concreto e materialista do termo ou como pensam os adeptos da falsa Teologia da Libertação. Ele simplesmente reconheceu a Jesus como Salvador e a si mesmo como pecador. E ele foi canonizado pelo próprio Jesus!

Aprendemos então que é preciso rezar. Santo Afonso mesmo diz, “quem reza se salva, quem não reza se condena”. Se não temos ainda o costume de rezar o terço todos os dias, como pede Nossa Senhora de Fátima, comecemos ao menos com uma oração da manhã e da noite, antes de dormir. A Igreja não obriga sob pena de pecado mortal a oração privada (ao menos se essa falta de oração é por um tempo curto), mas a aconselha vivamente, pois dificilmente se pode permanecer em estado de graça sem a oração. Jesus mesmo diz, “vigiai e orai para não cairdes em tentação”, donde se conclui que quem não reza cairá em tentação. Precisamos da oração para combater a “gravidade” do pecado original e dos pecados que cometemos, que nos levam sempre para baixo.

Jesus nos ensinou a rezar, quando nos ensinou o Pai-Nosso, e mostrou por parábolas que devemos pedir se queremos receber, de onde se deduz que, se não pedimos, não receberemos. A oração é a prova de que somos animais racionais, pois Deus não pede aos animais para rezarem. Se vocês conhecem alguém que não reza, pode se perguntar no que ele se difere de um animal. Deus nos criou com inteligência, e quem tem inteligência sabe que é limitado e precisa pedir ajuda, sabe que precisa rezar.

Há vários tipos possíveis de oração: pode-se pedir um bem material ou espiritual para si ou para outros, pode-se agradecer bens recebidos, pode-se pedir perdão e luz para se corrigir, dentre outras possibilidades. Em todas as orações está implícito o ato de adoração, isto é, o ato de reconhecer que Deus é onipotente (capaz, portanto, do milagre) e que Ele é nosso Senhor.

Isso tudo não quer dizer que vamos receber exatamente o que pedimos. Deus sabe melhor o que nos fará bem do que nós mesmos. Podemos pedir para conseguir uma viagem para a França, por exemplo, mas numa dada viagem o avião pode cair e, embora pareça que Deus não tenha ouvido nossas orações, na verdade ele nos livrou de um perigo.

Tenham bem em mente que todas as orações são escutadas por Deus, mesmo aquela que é feita com imperfeições e sem muita atenção. Rezar não é perder tempo. Claro que quanto mais devoção aplicarmos à oração, melhor e mais eficaz ela será. Jesus mesmo nos diz que certos demônios não saem com poucas orações, mas que seus discípulos tinham que rezar mais e precisavam de jejum para removê-los.

Mas não esperemos estar em condição excelente de saúde e de atenção para rezarmos, mas rezemos a tempo e a contratempo. É bom rezar num oratório, diante do Santíssimo, mas se estamos no trânsito, se estamos numa fila de espera, ganhamos muito se rezarmos mentalmente ou labialmente.

Apesar de tudo o que possamos querer pedir na oração, tenhamos sempre em mente que o fim último a se buscar nelas é o Céu, e que cada oração é um reconhecimento de Deus como sendo superior e de nós como sendo inferiores.

Rezemos frequentemente, rezemos a Nossa Senhora, pois ela sabe pedir a Deus de um modo melhor que o nosso, e sabe pedir aquilo que precisamos e não aquilo que nós pensamos que precisamos.

Os protestantes, uns por ignorância, outros por malícia, ignoram a eficácia da intercessão de Nossa Senhora, que acabamos de ler na Bíblia. Rezemos por eles também para que saiam das trevas e que Nossa Senhora os conduza à posição humilde de católicos e que abandonem a soberba de se acharem “doutores da Bíblia”.

Em nome do Pai e do Filho e do Espírito-Santo. Amém