[Sermão] O culto cristocêntrico

FESTA DE CORPUS CHRISTI
19/06/2014 | Capela N. Sr.ª das Dores
Padre Daniel Pinheiro, IBP

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

Ave Maria…

A Festa de Corpus Christi, do Corpo de Cristo, foi instituída para a Igreja universal pelo Papa em 1264, há 750 anos. Essa festa foi consequência natural da devoção cada vez maior à Santa Missa e à Eucaristia, bem como uma resposta adequada da Igreja a muitas heresias contrárias à presença real de Cristo na Eucaristia que surgiam, como a heresia de Berengário de Tours e dos cátaros. Ajudou também na universalização da Festa de Corpus Christi o milagre Eucarístico de Bolsena. É tal a importância da Eucaristia que a Festa de Corpus Christi – do Corpo de Cristo – tornou-se uma Festa de Preceito.

Hoje, honra à Eucaristia, sacramento e sacrifício.  A Eucaristia é o centro do mundo, caros católicos, pois nela está o próprio Deus, nela está Nosso Senhor Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, em corpo, alma, sangue e divindade. Nela está Nosso Redentor, Nosso Salvador, não simbolicamente, mas realmente e substancialmente presente, para se entregar a nós como alimento da nossa alma, mas também para, durante a Missa, renovar seu Sacrifício oferecido à Santíssima Trindade na Cruz do Calvário. Na Cruz, Cristo alcançou nossa redenção e méritos infinitos. Pela Missa, Ele nos aplica a sua redenção e seus méritos. É pela Missa que o sangue de Cristo nos é dado. É pela Missa, enfim, que nos vêm todas as graças. É pela Missa que podemos adorar perfeitamente a Deus, reconhecendo seu soberano domínio sobre nós e nos submetendo a Ele. É pela Missa que podemos pedir perdão a Deus, oferecendo a satisfação feita por Cristo, e é pela Missa que nos vem a graça do arrependimento, que nos leva a buscar a confissão. É pela Missa que podemos agradecer devidamente a Deus, oferecendo-lhe o Corpo e o Sangue de Nosso Senhor. É pela Missa que podemos nos aproximar da divina majestade com confiança para pedir as graças de que precisamos, para suportar as cruzes, as doenças, nossas misérias, para progredir na virtude com alegria. E podemos pedir essas graças com grande confiança porque oferecemos à Santíssima Trindade os méritos infinitos de Cristo e não os nossos. Sim, caros católicos, é pela Missa que nos vêm todas as graças, todos os bens. Não é à toa que a Igreja obriga sob pena de pecado mortal a assistência à Missa aos Domingos e nos dias de Festa.

A vida do cristão deve, então, se ordenar e se desenvolver em torno da Eucaristia e em torno da Santa Missa, pois – não tenhamos medo de repetir constantemente – na Eucaristia está o próprio Deus Encarnado e na Santa Missa se renova o Sacrifício de Cristo. A Eucaristia é o centro do mundo. É Cristo o centro do qual nos vêm todos os bens e para o qual todas as coisas devem se dirigir. A sociedade deve ser Cristocêntrica, baseando-se em Cristo e dirigindo-se para Cristo. É evidente, porém, que para termos uma sociedade com uma cultura cristocêntrica, precisamos de um culto que seja cristocêntrico. A cultura de uma sociedade, a mentalidade de uma sociedade é determinada, em alto grau, pelo culto da religião predominante. Aquilo que o culto expressa será refletido na sociedade. Assim, nossa sociedade será delineada pelo culto que se presta a Deus na liturgia, que é o culto oficial da Igreja. Mais particularmente, nossa sociedade será delineada pela liturgia da Missa. Se temos uma liturgia que nos mostra sem ambiguidades nossa fé, que abunda em atos de adoração a Jesus Sacramentado, que nos enche de reverência e que mostra nossa pequenez diante da majestade divina, que coloca Cristo no centro em todos os seus atos, teremos aí uma liturgia que irá renovar a face da terra. Se temos um culto que reconhece e expressa perfeitamente a verdade da presença real de Cristo, em corpo, sangue, alma e divindade, teremos uma sociedade que reconhecerá a existência de Deus e que agirá em consequência. Se temos uma liturgia que exprime abertamente que a Missa é a renovação do sacrifício de Cristo, teremos uma sociedade pronta para sofrer, para fazer sacrifícios por Deus. Se temos uma liturgia que fala constantemente das verdades sobrenaturais – como o céu, o inferno, o pecado, a virtude, a fé, a caridade, a Santíssima Trindade, a graça, etc. – teremos uma sociedade que se preocupa com a vida sobrenatural.  E aqui a importância, caros católicos, da liturgia tradicional, que tanto devemos amar. O Cardeal Pie, grande defensor, no século XIX, da realeza social de Nosso Senhor Jesus Cristo, afirmava que a “questão social será resolvida pela questão religiosa e que a questão religiosa diz respeito sobretudo à questão do culto.” Podemos acrescentar: a questão do culto diz respeito sobretudo à questão da Missa.

Nós devemos amar essa liturgia romana tradicional porque nela está expressa claramente, limpidamente, sem medo, as verdades de nossa fé, a começar pela presença real de Cristo, em corpo, sangue, alma e divindade nas espécies consagradas. Isso está expresso pelas orações, pelas genuflexões antes e depois de o padre tocar nas espécies consagradas, pelas reverências, pelas inclinações, pelos inúmeros gestos do rito, pelos dedos mantidos juntos após a consagração, pelo rito de ablução. Nós devemos amar essa liturgia porque ela está centrada em Deus, e se dirige a nós somente para nos levar até Ele e ao próximo por amor a Ele. Devemos amá-la porque ela nos mostra a reverência e o respeito que devemos ter com as coisas sagradas. Devemos amá-la porque ela nos fala das coisas sobrenaturais. Devemos amá-la porque ela renova explicitamente o sacrifício de Cristo e nos impulsiona a nos sacrificarmos por Ele. Devemos amá-la porque ela nos faz dobrar os joelhos diante de Deus, nos faz reconhecer seu soberano domínio e faz com que queiramos nos submeter a Ele. Devemos amá-la porque foi o próprio Deus que formou essa liturgia ao longo dos séculos, desde os apóstolos. Devemos amá-la porque ela não saiu da mão dos homens. Devemos amá-la porque ela coloca Cristo no centro. Sua preocupação não é agradar aos homens ou às idéias do momento presente. Sua preocupação é unicamente Deus e a nossa alma. Devemos amá-la porque suas músicas elevam a nossa alma a Deus, em vez de simplesmente satisfazer nossa sensibilidade. Não se trata, então, caros católicos, de amá-la porque agrada mais à nossa sensibilidade, simplesmente. Trata-se de amá-la por reconhecer nela todos esses benefícios sem medida, que nos convertem a Deus e que vão restaurar a sociedade em Cristo. Tal culto, eminentemente cristocêntrico, restaura a nossa alma em Cristo e pode restaurar a nossa sociedade em Cristo. Não há, na Cristandade, um rito tão venerável quanto o nosso, dizia Adrian Fortescue, renomado liturgista. Esse rito é a coisa mais bela deste lado do céu, dizia o Padre Faber.

A Eucaristia é o centro do mundo. Ela dever ser reconhecida e cultuada como tal, na Missa, em primeiro lugar. É por ela como sacramento e como sacrifício que nos vêm todas as graças. Pela liturgia tradicional, podemos nos dispor para receber em abundância essas graças. Cumpre hoje honrar o melhor que podemos Nosso Senhor Eucarístico, em ação de graças e pedindo a propagação da liturgia tradicional.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Sermão] O Espírito Santo e a santificação das almas

Sermão para o Domingo de Pentecostes
08 de junho de 2013 – Padre Daniel Pinheiro

 

ÁUDIO: Sermão para o Domingo de Pentecostes 08.06.2014

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…

“Enviai o Vosso Espírito e tudo será criado e renovareis a face da terra.”

Como Nosso Senhor havia prometido aos discípulos, Ele enviou, junto com o Pai, o Espírito Santo sobre os Apóstolos e Nossa Senhora no Cenáculo em Jerusalém. Na continuação do texto dos Atos dos Apóstolos que acabamos de cantar, está dito que alguns zombavam dos apóstolos dizendo que eles estariam, na verdade, cheios de vinho. Claro que essa afirmação apenas poderia vir da má fé daqueles que ouviam os apóstolos, pois não pode estar cheio de vinho aquele que faz um discurso inteligível falando das maravilhas de Deus. Nesse verdadeiro dom de línguas que receberam os apóstolos no dia de Pentecostes, cada um entendia perfeitamente em sua própria língua o que eles falavam. Todavia, se consideramos o sentido espiritual, é preciso, realmente, dizer que os apóstolos estavam cheios de vinho. Eles estavam cheios do vinho da nova lei, que veio substituir a água da antiga lei. Eles, em Pentecostes, eram os recipientes em que Nosso Senhor transformou água em vinho, como em Pentecostes. Em suma, os apóstolos estavam repletos do Espírito Santo, repletos da graça divina, repletos do amor a Deus. E é essa a principal missão do Espírito Santo: a santificação das almas, a infusão da caridade nas nossas almas. Como dissemos há três domingos, o Espírito Santo vem para convencer o mundo do pecado, da justiça e do juízo. Ele vem para ensinar toda a verdade, para nos consolar e nos fortalecer. Ele vem para glorificar Nosso Senhor. Ele vem para realizar também tudo o que está expresso nessa magnífica Sequência da Missa de hoje, que é o Veni Sancte Spiritus. Realizando tudo isso, o Espírito Santo vem, sobretudo, para nos dar o amor de Deus. Como diz São Paulo aos Romanos (V,5): “o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado.”

O Espírito Santo, como sabemos, é a terceira Pessoa da Santíssima Trindade. Se, de maneira simples, podemos dizer que o Filho é Deus que conhece a si mesmo desde toda a eternidade, podemos dizer que o Espírito Santo nada mais é do que o amor perfeito e eterno que existe entre o Pai e o Filho. Assim sendo, a obra de santificação, que é uma obra do amor de Deus para conosco, é atribuída ao Espírito Santo, embora seja realizada pelas três Pessoas da Santíssima Trindade. É, particularmente, ao Espírito Santo que pedimos que acenda em nossas almas o fogo do amor divino: “Vinde, Espírito Santo, enchei os corações dos vossos fiéis e acendei neles o fogo do vosso amor.” A principal missão do Espírito Santo é colocar em nossas almas a caridade. As próprias peças do gregoriano da Missa de hoje nos deixam isso claro: as melodias nos elevam de tal forma a alma que nos fazem reconhecer que nosso tesouro está nas coisas do alto e, consequentemente, nos fazem reconhecer que nosso amor deve estar nas coisas do alto, em Deus.  E é esse fogo do amor divino que devemos manter aceso em nossas vidas, em nosso dia-a-dia, em meio dos afazeres quotidianos, em meio das tribulações.

Todavia, esse fogo do amor divino não é necessariamente algo sensível. A caridade, o amor a Deus está na vontade, que é uma faculdade espiritual e não sensível. O amor a Deus – Nosso Senhor deixa claro nesse importantíssimo Evangelho de hoje – consiste em guardar as suas palavras, isto é, o amor a Deus consiste em aceitar o que Deus nos fala e em colocar isso em prática. O amor a Deus é baseado na verdade e na fé. O amor a Deus não é o palpitar do coração, não é o sentir-se bem, ou o aceitar o bem e o mal indistintamente. O amor a Deus é mais estável e mais perfeito do que isso.

Para amarmos a Deus, devemos reconhecê-lo como o Sumo Bem, como aquele que é infinitamente perfeito, que governa todas as coisas com sabedoria, mesmo quando permite o mal para que do mal venha um maior bem. Devemos ver a bondade de Deus ao longo da história da humanidade, desde o tempo de Adão e Eva, passando pelos patriarcas e pelos judeus no Antigo Testamento, até a vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo para nos salvar por sua morte de cruz. Devemos ver a bondade de Deus ao institutir a Igreja, os sacramentos, o sacerdócio, ao elevar o matrimônio a sacramento. Devemos ver a bondade de Deus em nossas vidas, caros católicos, como Ele quer nos levar até Ele, nos converter. Devemos ver a bondade divina mesmo nas tribulações e provações, que Deus permite para que expiemos pelas nossas culpas, para que avancemos na virtude, para que nos tornemos semelhantes a Nosso Senhor Jesus Cristo crucificado. Devemos ver a bondade de Deus também em seus mandamentos. Os mandamentos são um grande bem, eles são o caminho que o Sumo Bem nos indica para chegarmos ao céu. Deus é o Sumo Bem, mas não é um Sumo Bem inalcançável e distante. Não, Deus veio até nós pela encarnação, Ele vem até nós pelo Espírito Santo. Deus nos ama verdadeiramente com um amor de amizade, que é o amor mais perfeito que existe, pois o verdadeiro amigo não poupa esforços para buscar o verdadeiro bem do amigo. Deus fez tudo para nos salvar, ao ponto de entregar seu próprio Filho e de enviar o Espírito Santo. Devemos amar a Deus porque é ele a nossa felicidade. A felicidade de cada ser está em agir em conformidade com a sua natureza. Nós somos seres racionais, dotados de inteligência e vontade. Nossa felicidade está em conhecer a verdade com a nossa inteligência e em amar o bem com a nossa vontade. Deus é A VERDADE e O BEM. Nossa felicidade é, então, conhecer Deus e amá-lo. E Deus, na sua bondade, nos eleva a uma felicidade muito superior à felicidade que, naturalmente, poderíamos desejar: Ele faz com que o conheçamos como Ele mesmo se conhece e Ele faz com que o amemos como filhos e como amigos. Ele quer, para nós, uma felicidade sobrenatural. Como não amar a Santíssima Trindade, caros católicos?

Muitas vezes, em nosso quotidiano, nos esquecemos de elevar os olhos ao céu e de considerar a bondade infinita de Deus e de renovar o nosso amor por Deus com um ato de caridade, com ato em que reafirmamos nosso firme propósito de amá-lo sobre todas as coisas, fazendo a vontade dEle e não a nossa. O Espírito Santo vem para acender em nossas almas esse amor, essa disposição inteira, sem reservas, de servir a Deus, de guardar as suas palavras, de fazer a vontade dEle. E é a caridade, entendida corretamente dessa forma, que vai renovar a face da terra. Ao renovar as almas pela caridade, e enterrando o velho homem pecador, é toda a face da terra que começa a ser renovada. No dia de Pentecostes, eram poucos os discípulos de Cristo. Mas era grande a caridade, que levou os apóstolos a propagarem a doutrina de Cristo até os confins da terra. Já no primeiro dia, três mil são batizados. Essa caridade dos primeiros discípulos vai tornar o mundo cristão, caros católicos, pelos martírios, pelo combate incessante contra as forças do demônio e do mundo, pela pregação fiel do ensinamento de Cristo, pela heroicidade de todas as virtudes.

O Espírito Santo não veio nos trazer, em primeiro lugar, dons extraordinários, como o dom de línguas, o dom de cura e outros. Tudo isso é bem secundário. Tudo isso não santifica a pessoa que os possui, mas se ordena para o bem do próximo.  Como dizem os autores espirituais clássicos. O Padre Royo Marín diz que “seria temerário desejar ou pedir a Deus essas graças gratis datae, uma vez que não são necessárias nem para a salvação nem para a santificação, e requerem – muitas delas ao menos – uma intervenção milagrosa de Deus. Vale mais um pequeno ato de amor a Deus que ressuscitar um morto.” (Royo Marín, Teologia de la Perfección Cristiana, p. 888). O Padre Jordan Aumann diz também que “uma pessoa pode ficar sob o poder do demônio em razão de um desejo descontrolado de experimentar fenômenos místicos extraordinários ou graças carismáticas.” (Jordan Aumann, Spiritual Theology, p. 411). Em outra ocasião trataremos mais propriamente da questão dos dons carismáticos e de como são muito mal compreendidos hoje pelos movimentos que pretendem possuí-los. Consideremos simplesmente o que foi dito: mais vale um pequeno ato de caridade do que ressuscitar um morto.

Nós devemos invocar com maior frequência, caros católicos, e de joelhos, como fizemos no Aleluia da Missa de hoje, o Espírito Santo. Muitas vezes, o Espírito Santo é o grande esquecido na nossa vida espiritual. Invocando o Espírito Santo, pedindo para que Ele acenda em nossas almas o amor divino e cooperando com as graças que Ele nos dá, poderemos avançar na caridade e, avançando na caridade, poderemos avançar em todas as outras virtudes, poderemos fazer com perfeição todas as tarefas mais ordinárias de nossas vidas, poderemos viver bem o nosso estado de vida, seja no matrimônio, seja no trabalho, em qualquer situação. Vale mais uma ação quotidiana feita com imensa caridade, quer dizer por amor profundo a Deus, do que uma grande ação feita com uma caridade morna. Sem a caridade, nada tem valor. Agora, não uma caridade vaga, mas uma caridade que supõe a fé e que supõe a obediência aos mandamentos divinos. Não esqueçamos que estamos aqui nessa terra para amar o Sumo Bem, guardando as suas palavras.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Sermão] A fé e as obras

IMPORTANTE: Ver abaixo a programação para os próximos sábado e domingo

 

Sermão para o V Domingo depois da Páscoa
25 de maio de 2014 – Padre Daniel Pinheiro

ÁUDIO: Sermão para 5º Domingo depois da Páscoa 25.05.2014

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave Maria…

“Irmãos, sede realizadores da palavra e não vos contenteis apenas de a ouvir, iludindo-vos a vós mesmos.”

Essa frase da Epístola de São Thiago nos traz um ponto essencial de nossa religião católica. Não basta ouvir a Palavra de Deus, que nos foi dada por Cristo. É preciso realizar o que Cristo nos ensinou. A mesma doutrina está contida na coleta, em que pedimos a Deus não só o bem de pensar no que é reto, mas pedimos igualmente o bem de poder realizar o que é reto. Em outras palavras, caros católicos, não basta ter a fé, que nos vem pelos ouvidos, não basta acreditar. Continuar lendo

[Sermão] O que faz na terra o Espírito Santo?

Sermão para o IV Domingo depois da Páscoa
18 de maio de 2014 – Padre Daniel Pinheiro

 

ÁUDIO: Sermão para o 4º Domingo depois da Páscoa 18.05.2014

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave Maria…

“Quando vier, porém, o Espírito de verdade, ele vos ensinará toda a verdade.”

Caros católicos, a liturgia da Santa Igreja começa já a nos preparar para a Ascensão de Nosso Senhor. E, juntamente com a Ascensão de Nosso Senhor, ela nos prepara também para a Festa de Pentecostes. Quando Cristo diz que deve voltar ao Pai, que o enviou, a alma dos discípulos fica repleta de tristeza. Ele promete, então, enviar o Espírito Santo, o Consolador, e diz o que o Espírito Santo fará. E não está dito que o Espírito Santo virá primeiramente para dar os dons carismáticos. Não, a essência da vinda do Espírito Santo, não é o dom de línguas, nem o dom de cura ou outro dom extraordinário. O Espírito Santo tem sua vinda partilhada em três aspectos: quanto ao mundo, quanto a nós e quanto a Nosso Senhor Jesus Cristo.

Quanto ao mundo, o Espírito Santo vem convencê-lo do pecado, da justiça e do juízo. O Espírito Santo vem reprovar ao mundo todos os seus pecados, sobretudo o da incredulidade, da falta de fé naquilo que NS ensinou. O Espírito Santo condena a incredulidade pela sua ação na história, em particular pela história da Igreja. Vendo como a Igreja se desenvolveu, desde os apóstolos até hoje, guardando intactos os ensinamentos de Cristo, apesar de todas as perseguições violentas e de todas as heresias, podemos constatar a verdade dos ensinamentos de NSJC. Tantos motivos para crer em Nosso Senhor e na sua Igreja, mas os homens preferem crer irracionalmente em mestres criados por eles mesmos, ou preferem acreditar na própria vontade. O Espírito Santo reprova ao mundo também os outros pecados, toda classe de pecados, servindo-se, para tanto, da pregação dos apóstolos e dos sucessores deles, servindo-se da fortaleza heroica dos mártires, da ciência dos doutores da Igreja, do exemplo dos santos. Muitas vezes, o Espírito Santo reprova ao mundo o pecado, servindo-se de castigos, como, por exemplo, a destruição de Jerusalém pelo imperador Tito no ano 70, ou pela tomada de Constantinopla pelos maometanos em 1453, ou ainda pela infiltração de algum erro entre os católicos.

Quanto ao mundo também, o Espírito Santo vem convencê-lo da justiça. Nosso Senhor foi basicamente acusado de duas coisas: de ser um pecador, e de ter blasfemado ao declarar-se Deus, afirmando ser verdadeiramente Filho de Deus. O Espírito Santo vem para estabelecer a santidade de Nosso Senhor Jesus Cristo e a sua divindade. E isso já desde Pentecostes, em que São Pedro, pela sua pregação, restabelece a justiça e a verdade quanto a Nosso Senhor Jesus Cristo. E são esses os dois pilares da pregação da Igreja: a santidade de Cristo e a sua divindade. O Espírito Santo mostra, pelos santos, como aquele que se assemelha e imita Nosso Senhor se torna verdadeiramente bom. O Espírito Santo mostra ao longo da história, como uma sociedade que se baseia em Nosso Senhor Jesus Cristo e nos preceitos de sua Igreja floresce em todos os aspectos, mas sobretudo na virtude, onde se encontra o bem do homem. Ele mostra como uma sociedade que não se baseia em Cristo tende ao caos. Portanto, o Espírito Santo reprova ao mundo sua injustiça e mostra a esse mesmo mundo a santidade e a divindade de Nosso Senhor. Nosso Senhor está hoje no lugar que lhe é devido em justiça: a direita do Pai.

Ainda quanto ao mundo, o Espírito Santo o convencerá do juízo, isto é, da condenação do príncipe do mundo, o demônio. Pela morte na cruz e pela ressurreição de NS, o demônio foi derrotado. Qualquer alma, unindo-se a Cristo pela fé e caridade, pode derrotar o demônio e o pecado. O Espírito Santo vem para nos mostrar que a vitória está com Cristo e com seus seguidores, para mostrar que Cristo venceu o mundo. Ele vem para mostrar que o demônio e o pecado já estão condenados.

Quanto aos homens, o Espírito Santo vem para ensinar toda a verdade, para consolar e para fortalecer. Ele vem para ensinar toda a verdade. Toda a verdade foi revelada pelo Espírito Santo aos Apóstolos. A Revelação termina com o último apóstolo, que foi São João Evangelista. A Igreja não foi instituída para inventar ou ensinar novidades, mas para defender, guardar, explicitar e propagar as verdades Reveladas por Cristo e pelo Espírito Santo aos apóstolos. O Espírito Santo, com sua assistência, assegura a fidelidade da Igreja à verdade revelada, garantindo assim que o ensinamento de Cristo chegue até o final dos tempos. Foi o Espírito Santo que deu a coragem e o zelo missionário aos apóstolos em Pentecostes, para que eles propagassem a boa-nova do Evangelho até os confins da terra. O Espírito Santo nos ensina a verdade iluminando as nossas inteligências, para que possamos conhecer e aderir às verdades reveladas por Cristo e por Ele.

Também quanto aos homens, o Espírito Santo vem para consolá-los. Ele vem sustentar os justos nas provações da vida cristã, para ajudá-los nas desgraças. Ele vem para nos fazer ver Jesus e a alegria no meio das cruzes. Ele vem para nos encorajar no bom caminho, neste vale de lágrimas em que vivemos. O Espírito Santo vem para nos unir em tudo a Nosso Senhor Jesus Cristo. E Ele vem consolar não só os pecadores, mas também os justos, ferindo-os com o remorso, estimulando-os ao arrependimento, fazendo-os ver que o perdão dos pecados e a conversão da vida é perfeitamente possível.

Ainda quanto aos homens, o Espírito Santo vem fortalecê-los, para que possam resistir a todas as adversidades desse mundo que já podemos chamar, com toda exatidão, de completamente pagão. Os ataques do demônio e dos outros espíritos malignos que vagueiam pelo mundo para perder as almas são inúmeros. Nesse combate, contra esse ambiente anticatólico em que as pessoas vivem totalmente esquecidas de Deus e entregues por completo às coisas da terra, é necessária essa fortaleza dada pelo Espírito Santo. Precisamos dessa fortaleza para resistir às falsas máximas do mundo : “Deus é bom e compreensivo, não vai nos condenar por nos divertirmos um pouco; comer bem, vestir-se segundo a moda, divertir-se muito, é isso que se deve procurar; o principal é a saúde e uma vida longa” e assim por diante. Precisamos do Espírito Santo para resistir às zombarias e perseguições do mundo contra a vida de piedade, contra os vestidos honestos e decentes, contra a delicadeza de consciência na profissão e em todas as ações. Precisamos dessa fortaleza dada pelo Espírito Santo para resistir às zombarias contra as leis santas do matrimônio, leis que o mundo julga antiquadas ou impossíveis de serem praticadas, leis que o mundo subverte completamente. É preciso dessa fortaleza para resistir aos escândalos e maus exemplos praticamente onipresentes, bastando sair às ruas para vê-los, ou abrir um jornal, ou mesmo escutar uma conversa por acaso… Precisamos dessa fortaleza para resistir às diversões cada vez mais abundantes e refinadas e imorais: teatros, músicas, filmes, danças, praias, piscinas, jornais, revistas, modas indecentes, conversas torpes, piadas provocadoras, frases de duplo sentido. O mundo parece nos indicar que para se divertir é preciso pecar. Tal força dada pelo Espírito Santo nos vem primeiramente e principalmente do sacramento da crisma.

Finalmente, com relação a Nosso Senhor Jesus Cristo, o Espírito Santo vem para glorificá-lo. Jesus, com sua vinda à terra, glorificou Deus Pai, com sua obediência, com sua doutrina com seus milagres. Deus Filho glorificou o Pai, dando testemunho do Pai. Deus Espírito Santo vem para que Deus Filho seja glorificado, isto é, para que Nosso Senhor seja conhecido, amado e servido. O Espírito Santo assistindo a Igreja, propagou por toda a terra a verdade sobre Deus e sobre seu amor por nós.

Que grande graça é para nós a vinda do Espírito Santo, afastando-nos do pecado, da injustiça, do juízo de condenação e levando-nos a Jesus Cristo ao nos ensinar a verdade, ao nos consolar e nos fortalecer.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Sermão] Todo bem vem pelos sacerdotes: a solução para a crise

Sermão para o Segundo Domingo depois da Páscoa
04 de maio de 2014 – Padre Daniel Pinheiro

ÁUDIO: Sermão para o Domingo do Bom Pastor (2º Domingo depois da Páscoa)

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave Maria…

“Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a vida pelas suas ovelhas.”

Caros Católicos, no Evangelho de hoje, Nosso Senhor se dá o título de Pastor e de Bom Pastor. Nosso Senhor é o pastor que conhece perfeitamente suas ovelhas, que guia seu rebanho, que vai à frente de suas ovelhas, que guarda e defende suas ovelhas, que as alimenta e que dá a vida por elas. Onde já se ouviu falar do pastor que dá a vida pelas suas pobres ovelhas? Somente Nosso Senhor Jesus Cristo é tão bom Pastor ao ponto de dar a vida pelas suas ovelhas, pecadoras. Que grande a bondade e a misericórdia divinas ao nos dar um Pastor como Nosso Senhor. E Nosso Senhor foi venerado como o Bom Pastor desde o início, desde o tempo dos primeiros cristãos. Já São Pedro, no final da Epístola de hoje, menciona Cristo como Pastor. Nas catacumbas em Roma, onde os cristãos muitas vezes se reuniam para o culto e para venerar os mártires lá sepultadosdos, encontramos pinturas de Jesus, o Bom Pastor.

Nosso Senhor, o nosso pastor eterno, subiu aos céus, que é o seu lugar próprio após a ressurreição, com seu corpo glorioso. Antes de subir aos céus, porém, na Quinta-Feira Santa, durante a Última Ceia – a primeira Missa -, Nosso Senhor nos deixou pastores, seus representantes na terra, para guiarem os homens ao pasto eterno do céu. Ele instituiu o sacerdócio. Nosso Senhor fundou a sua Igreja, a Igreja Católica Apostólica Romana, como uma sociedade hierárquica, com o Papa como chefe supremo, com os bispos, responsáveis por uma parte do rebanho, sempre em dependência do papa, e com os padres, que cooperam com os bispos. Nosso Senhor, na sua bondade infinita, instituiu o sacerdócio, Ele instituiu o sacramento da ordem, Ele instituiu pastores para as suas ovelhas.

São Bernardo nos diz que todas as graças nos vem pelas mãos de Maria. E não só ele, mas vários santos e a própria Igreja. Podemos dizer também, repetindo as palavras do Santo Cura d’Ars, que tudo nos vem também pelas mãos do sacerdote. Todas as graças, todos os dons celestiais. É muito conhecida a passagem da Sagrada Escritura em que o profeta diz que todos os males vêm dos maus sacerdotes. Mas o contrário também é verdade: todos os bens vêm pelas mãos dos sacerdotes. É pelas mãos do padre que o sacrifício de Cristo na Cruz é renovado sobre os altares durante a Missa. E é pela Missa que os méritos de Cristo nos são aplicados. É pelas mãos do padre que Nosso Senhor desce do céu em corpo, sangue, alma e divindade sob as aparências do pão e do vinho. Nem Nossa Senhora nem os anjos podem fazer tal coisa. Quem deu a vida da graça para a nossa alma pelo batismo, tirando-a do pecado original? Ordinariamente, o Padre. Quem purifica a nossa alma dos seus pecados atuais? O Padre, pela confissão. Quem alimenta nossa alma, dando-lhe o Corpo de Cristo? O padre. Quem prepara a nossa alma para a morte pela extrema-unção, fortalecendo-nos para o último combate no momento da morte? O Padre. Quem nos presta o auxílio das bênçãos e dos sacramentais, para podermos viver bem em bons cristãos? O Padre. Quem tem o dever de nos instruir naquilo que Nosso Senhor veio nos transmitir e nos revelar? O Padre. Em última instância, caros católicos, como nos diz o Santo Cura d’Ars, todas as graças vêm ao mundo pelo sacerdote.

O padre se torna tal ao receber o sacramento da ordem. O sacramento da ordem, como o próprio nome sugere, ordena o padre inteiramente para o próximo e para Deus. O sacerdote não é sacerdote para si mesmo, mas para os outros e para Deus. O sacerdote não pode confessar a si mesmo, ele não pode administrar a si mesmo os sacramentos, com exceção da eucaristia. O sacerdócio é inteiramente para Deus e para o bem das almas. Que grande graça Nosso Senhor nos deu com o sacerdócio. O sacerdócio católico é participação no sacerdócio de Cristo. E o que Nosso Salvador veio fazer no mundo? Dar testemunho do pai e nos salvar. O mesmo deve fazer o sacerdote: fazer que Deus seja mais conhecido, amado e servido, e deve trabalhar para a salvação as almas.

Se é tão grande e importante o sacerdócio, é imperioso que haja padres e bom padres. Ainda para citar São João Maria Vianney, se uma região é deixada 20 anos sem padre, as pessoas irão adorar os animais. O mesmo se pode dizer no caso em que o pastor, em vez de ser um bom pastor, é um mercenário, preocupado com seu próprio bem e conforto, preocupado em propagar suas próprias ideias ou em agradar ao mundo, em vez de se preocupar coma a glória de Deus e com a salvação das almas. O mesmo santo nos diz que quando se quer destruir a religião, se começa por atacar o sacerdote, pois sem o sacerdote não há mais sacrifício e, se não tem mais sacrifício, não tem mais religião. Ataca-se o sacerdócio porque é dele que vem todo o bem, pelo sacrifício, pelos sacramentos, pela recitação do ofício divino e por tantos outros meios. O demônio, porém, sabe que não pode destruir o sacerdócio católico, pois Nosso Senhor nos assegurou que as portas do inferno não haveriam de prevalecer. Sabendo que não pode destruir o sacerdócio católico enquanto tal, o inimigo tenta desvirtuar o exercício desse sacerdócio, de forma que o sacerdote já não seja mais o homem do sacrifício da Missa e do culto a Deus, de forma que o sacerdote se preocupe mais com os aspectos sociais do que com o bem das almas, de forma que o sacerdote se torne um filantropo mais do que um pastor, de forma que o sacerdote busque os seus interesses e não os de Deus e o da salvação das almas. Infelizmente, esse desvirtuamento do sacerdócio católico está bem presente atualmente. Se nossa sociedade vive na grande confusão atual, é, em grandíssima parte, devido à crise que há no sacerdócio. Ainda não chegamos talvez a adorar os animais, todavia, já temos o aborto e a união homossexual e tantas outras coisas que destroem o próprio fundamento da sociedade. O sacerdote tem que ser o homem da Missa, o homem do Sacrifício, o homem da eucaristia. Ele tem que ser o homem da fidelidade aos ensinamentos de Cristo. Ele tem que ser o pastor que aponta e denuncia o lobo. Ele tem que ser o homem que aponta para o céu, que nos faz lembrar que fomos criados para o céu, para a vida eterna para Deus. Ele tem que ser o homem que reflete a caridade do Coração de Jesus, conduzindo com bondade e firmeza as pessoas para a glória eterna.

É dever de todos nós, caros católicos, contido no 4º mandamento, rezar pelos pastores da Igreja. Rezemos a Deus pelo Papa, pelos Bispos, pelos sacerdotes. Peçamos a Deus pelas vocações sacerdotais e para que Ele nos dê sacerdotes santos. Não há outra solução para a crise a não ser famílias santas, para que dessas famílias possam sair sacerdotes santos, para que possam converter as almas. Façamos, então, a nossa parte, sendo bons cristãos, pois Deus dá ao povo os pastores que o povo merece. Nosso Senhor é o Bom Pastor, que dá a vida pelas suas ovelhas. Se rezarmos, pedindo-Lhe que nos dê pastores segundo o seu Coração e nos esforçamos para viver em bons cristãos, Ele há de ouvir as nossas preces.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Sermão] Qual é a paz de Cristo?

Sermão para o Domingo da Oitava de Páscoa
28 de abril de 2014 – Padre Daniel Pinheiro

 

ÁUDIO: Sermão para o Domingo in Albis

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave Maria…

“Veio Jesus, estando as portas fechadas, e pôs-se no meio e disse: a paz seja convosco.”

Caros católicos, três vezes no Evangelho de hoje Nosso Senhor deseja a paz aos discípulos. É bem sabido que os judeus se saudavam desejando a paz uns aos outro. Todavia, o desejo de paz de Jesus não se reduz aqui a uma mera saudação de formalidade. As palavras de Jesus são um desejo de verdadeira paz, verdadeira paz que só é possível porque Ele ressuscitou dos mortos ao terceiro dia após a sua morte. Nosso Senhor é o Príncipe da paz.

Entre as profecias do Antigo Testamento sobre o Salvador, um dos nomes dados pelo profeta Isaías a Nosso Senhor é justamente o de Príncipe da Paz. E o profeta continua dizendo: “seu império será grande e a paz sem fim sobre o trono de Davi e em seu reino.” (Isaías IX,7). Zacarias, pai de São João Batista, diz no canto do Benedictus que Nosso Senhor “há de iluminar os que jazem nas trevas e na sombra da morte e que Ele há de dirigir os nossos passos no caminho da paz.” (Luacs I, 79) Assim que Nosso Senhor nasce, os anjos entoam as palavras: Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade. (Lucas II, 14). E São Paulo diz que Cristo veio para anunciar a paz aos que estavam longe, e a paz também àqueles que estavam perto, ou seja, aos pagãos e aos judeus. O mesmo apóstolo diz que Cristo é a nossa paz. (Efésios II, 14 e 17). Ainda São Paulo nos diz que Cristo restabeleceu a paz a tudo quanto existe na terra e nos céus ao preço do próprio sangue na cruz. (Colossenses I, 20). E durante a sua vida pública Nosso Senhor também nos fala da paz muitas vezes. Ele envia os apóstolos dizendo que ao entrar em uma casa devem desejar a ela paz (Mateus X, 12). À mulher curada do fluxo de sangue, Nosso Senhor diz: “Filha, a tua fé te salvou. Vai em paz e sê curada do teu mal.” (Marcos V, 34). Ao contemplar Jerusalém e a sua incredulidade, Cristo lamenta: “Oh! Se também tu, ao menos neste dia que te é dado, conhecesses o que te pode trazer a paz!” (Lucas XIX, 42). Aos díscipulos, na última ceia, o Salvador diz: “falo-vos essas coisas para que tenhais a paz em mim.” (João XVI, 33) E temos ainda os três desejos de paz que o Santo Evangelho de hoje menciona. Não há dúvida, caros católicos: Nosso Senhor é o Príncipe da Paz.

Todavia, Jesus Cristo diz também: “Não julgueis que vim trazer a paz à terra. Vim trazer não a paz, mas a espada.” (Mateus X, 34) Ou ainda, conforme São Lucas: Julgais que vim trazer paz à terra? Não, mas a separação.” Haveria, então, contradição nas palavras de Nosso Senhor? Ele veio trazer a paz ou a espada e a separação? É claro que não pode haver contradição nas palavras de Nosso Senhor, sendo Ele a própria Verdade, sendo Ele Deus. O próprio Cristo nos explica, quando na última ceia diz aos discípulos: “deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz. Não vô-la dou como o mundo a dá.” (João XIV, 27) Portanto, caros católicos, Nosso Senhor veio trazer a paz ao mundo, mas essa paz não é a paz como o mundo a entende. Qual é, então, a paz de Cristo?

A paz que nos trouxe Cristo é, antes de tudo, a paz com Deus. Com sua paixão e morte de cruz, pela nossa redenção, operada com seu sangue, Nosso Senhor nos traz a reconciliação com Deus, com a Santíssima Trindade. Com o seu sacrifício na Cruz, Cristo restabelece entre Deus e os homens a paz. Deus é aplacado pela caridade infinita de Nosso Senhor Jesus Cristo. A justiça divina é satisfeita pelos sofrimentos de Cristo suportados com tamanha caridade. O Homem-Deus estabelece a paz. Ele estabelece a paz para aqueles que desejam viver em união com Ele, pela fé, acreditando e aderindo incondicionalmente aos seus ensinamentos. Ele estabelece a paz para aqueles que desejam viver em união com Ele, pela caridade, praticando os seus mandamentos. Ele estabelece a paz para aqueles que desejam viver em união com Ele, pela fidelidade à Igreja e à sua doutrina perene. Ele estabelece a paz para aqueles que desejam viver em união com Ele, pela frequência aos sacramentos da confissão e da eucaristia. Ele estabelece a paz para aqueles que desejam se arrepender de seus pecados e que desejam se voltar para Deus. Tudo isso nos ordena a Deus. E a estabilidade, a tranquilidade nessa ordenação a Deus é justamente a paz. A verdadeira paz está fundada em Cristo. Nosso Senhor não veio trazer a paz no mundo, nem a paz do mundo. Ele veio trazer a paz entre Deus e os homens. Ele insiste, sobretudo, depois da sua ressurreição, mostrando que a plenitude dessa paz será alcançada com a vida eterna.

Além da paz entre Deus e os homens, a paz de Cristo é também uma paz do homem consigo mesmo. Aquele que adere aos ensinamentos de Cristo e pratica seus mandamentos, estabelece a devida ordem em sua vida. Essa ordem estável é a paz. Aquele que vive em estado de graça ordena e submete a inteligência e a vontade a Deus. Aquele que vive em estado de graça ordena os sentimentos, as emoções, as paixões, à inteligência e à vontade. Aquele que vive em estado de graça ordena os bens materiais para o bem da sua alma. Cristo, pelos seus méritos, nos dá a graça de ter uma vida ordenada, ordenada a Deus: bens materiais ordenados à alma, sentimentos ordenados à inteligência e à vontade, inteligência e vontade ordenadas a Deus.

Além da paz entre Deus e os homens, além da paz do homem consigo mesmo, Nosso Senhor traz também a paz entre os homens. Essa paz, no entanto, só será verdadeira quando for fundada na fé e na caridade, isto é, na adesão aos ensinamentos de Cristo e na prática da sua lei. Nunca se falou tanto em paz e nunca se viu tanta desordem. Isso ocorre porque se busca uma paz sem o Príncipe da Paz, que é Cristo. A verdadeira paz entre os homens existe quando eles cooperam mutuamente para ordenar a sociedade, para ordenar uns aos outros a Cristo. Muitos acham que a paz de Cristo é simplesmente unir as pessoas, um viver junto, evitando problemas, aceitando tudo o que o outro faz, mesmo os pecados. Muitos acham que a paz de Cristo é achar que todas as religiões são boas. Muitos acham que a paz de Cristo é evitar todo conflito. Muitos acham que a paz de Cristo é a união a qualquer custo. Essa é a paz do mundo, uma falsa paz. Não é a paz de Cristo. A paz de Cristo, baseada na fé e nos mandamentos, termina gerando, como Ele mesmo disse, a separação, porque nem todos desejam a verdadeira paz, mas se contentam com uma paz aparente e superficial. A paz de Cristo, nesse mundo que se opõe a Ele, é também uma espada de combate. A paz não é a mera ausência de conflitos, não é o políticamente correto, não é o simples bom mocismo. A paz não é a indiferença diante dos acontecimentos de nossa vida. Muita gente associa a paz hoje a um estado em que a alma já não deseja nada ou em que a alma não se preocupa com nada, procurando evitar assim todo sofrimento. Essa paz é própria de religiões esotéricas ou orientais. É uma paz pagã, ilusória, uma paz contrária à natureza humana e que causa enormes sofrimentos. É uma paz que destrói a nossa alma, alma que é feita justamente para amar o bem e sofrer pelo bem aqui nesse mundo. A paz do catolicismo é amar a Deus, o Bem, a Verdade e sofrer por Deus, pelo Bem, pela Verdade. A paz de Cristo é uma paz heróica. A paz é a tranquilidade, a estabilidade na ordem, na ordem a Deus. Portanto, a verdadeira paz entre os homens, na medida em que ela pode existir entre os homens, só pode ser uma paz fundada na fé e na caridade. A paz entre os povos e nações só será verdadeiramente uma paz quando povos e nações se subemterem a Cristo, Príncipe da Paz.

Para alcançar, então, a paz nesses três níveis, com Deus, consigo mesmo, com o próximo, é necessário combater. Conforme o antigo ditado latino: si vis pacem, para bellum, se queres a paz, prepara a guerra. Para alcançar a paz da graça será preciso separar-se do demônio, do pecado, do mundo. Para alcançar a paz será preciso separar-se das nossas paixões desordenadas. Para alcançar a paz será preciso, com frequência, desagradar às pessoas, pois é preciso agradar a Deus antes que aos homens. Cristo ressussistado passou antes pela cruz. Nesse mundo, a paz vai acompanhada da Cruz, do combate, da separação. A paz de Cristo é a vida da graça, a vida de união com a Santíssima Trindade.

Na Santa Missa, o padre saúda inúmeras vezes os fiéis com a saudação Dominus Vobiscum, o Senhor esteja convosco. O Bispo, nas Missas festivas, ao se dirigir aos fiéis pela primeira vez diz Pax vobis, a paz esteja convosco. As duas saudações, Dominus Vobiscum e Pax Vobis, têm o mesmo significado: que os fiéis estejam na graça de Deus, que ordenem as suas vidas a Deus. E os fiéis desejam a mesma coisa para o sacerdote: et cum spiritu tuo, e com o teu espírito, isto é, que a tua alma também esteja na graça do Senhor. Contemplemos Nosso Senhor Jesus Cristo ressuscitado e aceitemos a paz que ele nos dá. Paz que começa nesse mundo acompanhada da cruz e que será plena no céu.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Sermão] A paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo

Sermão para o 1º Domingo da Paixão

06.04.2014 – Padre Daniel Pinheiro

ÁUDIO: 1º Domingo da Paixão: A Paixão de Nosso Senhos Jesus Cristo

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

Ave Maria…

“Este é o meu corpo, que será entregue por vós. Este é o Cálice do Novo Testamento, fundado no meu sangue, diz o Senhor.” (Communio)

Entramos hoje, caros católicos, no Tempo da Paixão. Veremos, nos textos da liturgia, a oposição cada vez mais clara entre Nosso Senhor Jesus Cristo, com sua doutrina celestial e sua caridade infinita, e os fariseus, preocupados em adaptar a doutrina divina aos seus próprios gostos. No Evangelho de hoje eles buscam lapidar NSJC, após ele afirmar a sua divindade de maneira clara dizendo: “antes que Abraão fosse, Eu sou.” Todavia, nos diz o Evangelho, de forma misteriosa, NS se escondeu e saiu do Templo.

“Eu sou” nos diz Nosso Senhor. Várias vezes nos Evangelhos Ele diz: “Eu sou.” Eu sou o caminho e a verdade. Eu sou a vida. Eu sou a luz do mundo. Eu sou o Bom Pastor. Eu sou, diz Nosso Senhor no jardim das oliveiras, e todos caem por terra. Quando os apóstolos temem ao ver Jesus andando sobre as águas, Ele diz: não tenhais medo, ego sum, eu sou. O “Eu sou” de NS nada mais é do que um eco, uma repetição, das palavras de Deus a Moisés, quando esse pergunta o nome divino. Deus diz a Moisés: “Eu sou aquele que é”. Deus é a plenitude do ser, ele é a causa de tudo o que existe. Sendo a plenitude do ser, Deus é infinitamente bom, onisciente, eterno, onipotente, infinitamente amável. Quando NS diz “antes que Abraão fosse, Eu sou”, os judeus compreendem que Cristo está afirmando a sua igualdade com Deus. Ele também é Deus, Ele é um só Deus com o Pai. Os judeus compreendem que Jesus está afirmando a sua eternidade, que Ele está a firmando que é aquele que é. E, em vez de convencidos pelos milagres e pelas obras de Cristo aceitar essa verdade, preferem acusá-lo de blasfêmia, levados pela cegueira do orgulho, pela cegueira de querer fazer a vontade própria, pela cegueira de querer seguir as paixões, pela cegueira de seguir a religião que haviam fabricado para si mesmos. Todavia, quando NS pergunta quem pode acusá-lo de algum pecado, os judeus ficam mudos. Então, caros católicos, Jesus não é somente um homem extraordinário ou o maior dos profetas. Não, Ele é verdadeiramente Deus, desde o momento de sua concepção. Ele é o Verbo que se fez carne. E Ele sabe que é Deus desde o primeiro instante de sua existência no seio de Maria. Nosso Senhor é Deus. Como não ouvir as suas palavras? Como não ficar com o ouvido atento e como não dobrar nossa inteligência e vontade diante das palavras de Cristo e de sua Igreja, Igreja que nada mais é do que Cristo prolongado no tempo e no espaço? Como não considerar o exemplo de todas as virtudes dado por NSJC em sua vida? Não é simplesmente um homem extraordinário que fala. É o próprio Deus quem nos fala. Deus amou tanto o mundo que enviou seu próprio Filho, Deus como Ele, para nos salvar. O Verbo se fez carne para nos salvar, propter nostram salutem, por causa da nossa salvação, como cantamos todos os domingos no Credo.

Nosso salvador é Deus, mas Ele é também homem. Sendo Deus, suas ações têm um valor infinito, mesmo a menor de suas ações tem um valor infinito. Sendo homem, Nosso Senhor nos representa, pois foi constituído por Deus como nosso chefe, como a cabeça do Corpo Místico. Adão, ao pecar, ofendeu infinitamente a Deus e, como chefe do gênero humano, Adão transmitiu a seus descendentes o pecado original, em virtude do qual nascemos todos, com exceção de NS e N. Sra., separados de Deus. E depois de Adão, também nós, pelos nossos pecados mortais, ofendemos infinitamente a Deus. Impossível para nós repararmos pelos nossos pecados, pois somos seres finitos, limitados, incapazes, por nós mesmos, de fazer algo que agrade mais a Deus do que nossos pecados lhe desagradaram. Portanto, para reparar em perfeita justiça, precisávamos de Cristo, que é verdadeiramente homem e verdadeiramente Deus. Deus amou tanto o mundo que nos entregou seu próprio Filho, para nos salvar. E é essa a finalidade da Encarnação do Verbo, da sua paixão e morte na Cruz: a nossa redenção, a nossa salvação.

Tudo na Encarnação de Cristo e na sua vida tem em vista a nossa salvação. Para nos salvar, Cristo precisava, basicamente, fazer duas coisas: merecer graças para nós, pelos seus méritos e satisfazer, reparar pelos nossos pecados. Nosso Senhor merece as graças para a nossa salvação pelas suas ações, que têm todas um mérito imenso, imensurável. Para que uma ação seja meritória ela precisa ser 1) livre, 2) honesta, 3) sobrenatural (procedente da graça e da caridade) 4) feita nesta vida, neste vale de lágrimas (isto é, que seja feita por um viator), 5) feita em estado de graça. É evidente que todas as ações de Cristo cumpriam essas condições. Eram ações livres, eram honestas, procediam da graça e da caridade, eram feitas enquanto ele estava nesse mundo e, como não podia ser diferente, foram feitas em estado de graça. Não só as ações de Cristo foram meritórias, mas foram meritórias ao máximo. Isso porque Ele fez tudo com liberdade plena (sua inteligência e vontades eram perfeitíssimas e não sofriam influência das paixões), com perfeita consciência das suas ações (Ele advertia exatamente o que estava fazendo e porque fazia), elas eram perfeitamente honestas e motivadas por todas as virtudes no grau mais alto possível e pela maior caridade possível. O mérito de uma ação depende da santidade da pessoa. Cristo era o mais santo possível, sendo também Deus. As ações de Cristo são o mais meritórias possível e nos alcançam todas as graças. Sua alma tinha todas as perfeições que potencializam o mérito. No entanto, além de merecer as graças, como dissemos, Cristo veio ao mundo também para satisfazer, ou seja, para dar a Deus algo que é mais agradável a Deus do que o pecado lhe é desagradável. Assim, Cristo satisfez por nossos pecados ao oferecer a Deus sua caridade sem medida em reparação pelos nossos pecados. Sobretudo ao suportar todos os sofrimentos com caridade imensa. Cristo quis sofrer para expiar pelos prazeres ilícitos causados por nossos pecados, para pagar pela pena devida por nossos pecados. Ele quis sofrer também para mostrar as consequências dos nossos pecados, mas, sobretudo, Ele quis sofrer para nos motivar a amá-lo em retorno. Em última instância, o sofrimento de Cristo foi motivado por seu amor por nós. Quanto mais sofremos para conseguir algo, mais mostramos o nosso amor por essa coisa. Cristo, desde o seu nascimento sofreu por nós. Ele chegou a suar sangue como consequência de tamanho sofrimento. Foi depois coroado de espinhos, flagelado, cuspido, batido, zombado, Ele carregou a cruz, caiu pelo menos três vezes, foi pregado na Cruz. Foi morto e perseguido pelo seu próprio povo, foi abandonado pelos seus amigos, praticamente toda consolação foi tirada da sua alma. NS sofreu mais do que todos os homens juntos. Ele quis sofrer, sobretudo, por causa de nossos pecados, sobretudo de nós católicos, que fazemos profissão de reconhecer que Ele é homem e Deus, que fazemos profissão de reconhecer que todo seu sofrimento foi para nos salvar, mas que não hesitamos em crucificá-lo novamente pelas nossas faltas.  Nosso Senhor sofreu tanto para nos mostrar o tamanho de seu amor por nós. E para tentar nos mover a amá-lo em retorno. É a nossa obrigação: amar a Deus sobre todas as coisas. Com uma só ação, Cristo já teria satisfeito pelo pecado, já que oferecia a Deus sua caridade sem medida. Mas Ele quis sofrer por nós para nos mostrar seu amor por nós. Em Cristo está presente, então, um corpo capaz de sofrer e capaz de sofrer ao máximo, para poder expiar pelos nossos pecados.

Assim, em Cristo está presente tudo o que pode favorecer a nossa redenção e a nossa salvação, pois foi para isso que Ele veio ao mundo. Nele, está presente tudo o que favorece os méritos e tudo o que favorece a satisfação. Estão presentes todas as virtudes em grau mais alto possível, está presente a maior caridade possível. Em Cristo está presente um corpo humano capaz de sofrer e que sofreu, de fato, mais do que qualquer outro, para satisfazer pelos nossos pecados. Cristo quis ter um corpo capaz de sofrer. Se Cristo não quisesse sofrer e se Cristo não quisesse morrer seria muito simples, como vemos no Evangelho de hoje. No Evangelho desse 1º Domingo da Paixão, é dito que Cristo escondeu-se e saiu do Templo, para que não o lapidassem. Um mero homem não foge de uma lapidação com tamanha tranquilidade. Sendo Deus, Ele poderia destruir seus inimigos com o sopro de sua boca. Mas Ele quis sofrer. A sua paixão, mais uma vez, foi para nos mostrar as consequências do pecado: nossos pecados levam NS, homem e Deus, a sofrer. Muitas vezes podemos ter dificuldade em enxergar os males causados pelos nossos pecados, que talvez consideramos abstratos. Em Cristo padecente, vemos concretamente as consequências, os males dos nossos pecados. A sua paixão foi para mostrar a sua caridade para conosco. Deus amou tanto o mundo, que entregou seu Filho à morte e morte de Cruz. A sua paixão foi obra de sua infinita misericórdia: não há meio mais eficaz para nos tirar da miséria do pecado do que nos mostrando a sua caridade para conosco. NS nos mostra seu amor infinito por nós na sua paixão. A nós cabe nos unir a Cristo, nos convertendo verdadeiramente a Ele e amando-o. Aproveitemos esse Tempo da Paixão, que precede o Tríduo Sagrado, para meditar a paixão de Nosso Senhor e para fazermos o propósito de morrer com Ele na cruz para o mundo e para o pecado, a fim de vivermos para a vida eterna.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

Novena em honra de Nossa Senhora das Dores: do dia 2 ao dia 10 de abril

Abaixo, o Sermão para o Domingo Laetare: O católico e as diversões

Nossa Senhora das Dores Novena para a Comemoração de Nossa Senhora das Dores

 (Dia 11 de abril, sexta-feira depois do 1º Domingo da Paixão)

Do dia 2 de abril ao dia 10 de abril

 

“ Jesus prometeu graças extraordinárias aos devotos das dores de Maria.”

Santo Afonso Maria de Ligório, Glórias de Maria, p. 367. Continuar lendo

[Sermão] O Católico e as diversões

Sermão para o 4º Domingo da Quaresma – Laetare

30.03.2014 – Padre Daniel Pinheiro, IBP

ÁUDIO: Sermão para o 4º Domingo da Quaresma/Laetare: O católico e as diversões

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

Ave Maria…

Peço a todos que rezem de modo particular nessa semana por nosso apostolado. Se possível, peço que comecem na quarta-feira, dia 2 de abril, uma novena para Nossa Senhora das Dores, que será comemorada na sexta-feira que antecede o Domingo de Ramos. Peço as orações de todos.

“Alegrei-me naquilo que me foi dito: iremos para a casa do Senhor.” “Laetatus sum in his, quae dicta sunt mihi: in domo Domini ibimus” (Introito)

Prezados católicos, estamos hoje no Domingo Laetare. No meio da Quaresma, a Igreja nos coloca um domingo claramente dedicado à alegria, para nos encorajar a perseverar, para termos um gosto da alegria que nos trarão nossos esforços nesse tempo. Essa alegria é manifesta na Liturgia. Os paramentos rosas são permitidos. As flores podem enfeitar o altar. O órgão pode voltar a soar. Sem falar, claro, nos textos da Santa Missa que exalam alegria no Senhor, a começar pelo Introito. E como dissemos em mais de uma oportunidade, o católico que vive habitualmente na graça de Deus pode e deve ser verdadeiramente alegre, pois ele possui o maior bem que existe e que ele pode desejar, que é o próprio Deus. Na verdade, o católico em graça de Deus é o único que tem direito de estar verdadeiramente alegre. Aquele que está em pecado mortal deveria mais se preocupar com o lastimável e perigosíssimo estado de sua alma, com o tênue fio da vida, que o separa da condenação eterna. Então, como nos diz São Paulo, dando uma ordem: alegrai-vos no Senhor (Filipenses IV, 4, e Missa Gaudete no Advento). Devemos, então, caros católicos, ser alegres.

Não deixa de ser curioso que a Igreja coloque as duas das Missas mais explicitamente alegres em tempos de penitência. Temos no Advento o Domingo Gaudete e na Quaresma o Domingo Laetare, que celebramos hoje. A intenção da Igreja é clara: nos trazer conforto e alegria para podermos continuar as nossas práticas quaresmais, práticas que têm como finalidade a virtude, a santidade, a união mais profunda com Deus. Portanto, um Domingo de grande alegria para nos repousar a alma a fim de que se restabeleçam nossas forças e continuemos ainda melhor aquilo a que nos propusemos na quaresma. Além dessa delicadeza da Santa Igreja para conosco, esses dois domingos da alegria incrustados em tempos penitenciais nos trazem uma lição importantíssima, de modo particular para a época em que vivemos. Esses dois domingos nos indicam qual o sentido das diversões e das recreações para um cristão: servir melhor a Deus.

Sob o nome de diversão, entendemos todas as coisas que são causa de distração, de descanso, de alegria, de deleite e que têm por fim nos proporcionar um bem-estar que repara as nossas forças.

Vivemos em uma sociedade, caros católicos, em que a diversão, o entretenimento, as recreações são onipresentes. Muitas pessoas vivem para isso. A diversão, a recreação é a finalidade delas. Se trabalham, é para, depois, poderem se divertir. Dá-se mais importância à diversão que ao trabalho e muitas vezes a diversão é colocada até mesmo acima da família.   Além disso, é inegável que as diversões em nossa sociedade são cada vez mais refinadas e cada vez mais imorais. Diante desse “culto” prestado à diversão e da imoralidade da maioria esmagadora das diversões de nossa sociedade, muitos poderiam pensar que é de todo ilícito ao católico divertir-se e recrear-se. Isso seria um erro e um erro grave. Convém, caros católicos, compreender o sentido católico do divertimento, que corresponde à virtude que se chama eutrapelia, virtude que nos inclina a regular nosso comportamento nos jogos e nas diversões em conformidade com a razão iluminada pela fé. 

O primeiro ponto é que a diversão é plenamente conforme à nossa natureza humana. Em todos os tempos e em todos os lugares os homens sempre buscaram divertir-se, em maior ou menor grau. Tal universalidade no tempo e no espaço só pode ter como causa algo que é comum a todos os seres humanos. O que é comum a todos os seres humanos é a natureza humana. Portanto, a diversão corresponde à natureza humana. A diversão é conforme à nossa natureza humana e é mesmo necessária para nossa vida física, intelectual e social. A diversão é necessária (1) para a vida física porque nosso corpo precisa de repouso e não pode suportar um trabalho contínuo. A natureza reage imediatamente diante de uma disciplina realmente desumana, e passa bruscamente de um rigor exagerado a uma intemperança desenfreada. E isso vale sobretudo para crianças e jovens. Eles precisam de diversão, de recreações, pois fazem esforço maior para manter a atenção do espírito. Mas é claro que essas diversões devem ser lícitas e moderadas, como veremos. A diversão é necessária (2) para a vida intelectual: depois de um trabalho intelectual que absorve o espírito, a alma tem necessidade de recreação, até porque depois de um tempo, dominados pelo cansaço, já teremos muita dificuldade para raciocinar devidamente. Nossas vidas física e intelectual precisam de recreação, isto é, precisamos recriar nossas forças para continuarmos depois fazendo o que temos de fazer. Elas precisam de diversão, quer dizer, de um pequeno afastamento do que estamos fazendo, para depois voltarmos com mais força e melhor disposição. A diversão é como o óleo que permite que as engrenagens funcionem melhor. A diversão é também necessária (3) para a vida social, pois as diversões sabiamente organizadas favorecem o convívio das pessoas, favorecem a amizade. O bom governo dos povos necessita de divertimentos bons e lícitos.  Está claro, então, que a diversão, em si não é um pecado, nem algo inútil. Ao contrário, a diversão é algo bom e útil, conforme a nossa natureza humana e necessária para que possamos viver uma vida virtuosa. Mesmo nas ordens religiosas mais austeras, como os cartuxos, as regras preveem momentos para que os monges possam se recrear e conversar santamente. São Tomás de Aquino relata a história de São João Evangelista que, ao perceber que alguns se escandalizavam ao vê-lo se recreando com seus discípulos, mandou que um deles que tinha um arco e flecha atirasse constantemente, sem parar. Ele respondeu ao Evangelista que se fizesse isso de maneira contínua, o arco iria quebrar-se, não aguentando a tensão. São João conclui que também a alma se quebraria, se nunca se recreasse.

A recreação e a diversão são, então, necessárias para nós, para restabelecer as forças das nossas almas. Todavia, essas recreações e essas diversões devem ser boas. O princípio básico que devemos compreender é que as diversões, como todas as outras coisas em nossas vidas, devem necessariamente estar subordinadas a Deus. Fomos criados para conhecer, amar e servir a Deus. Tudo o que fazemos deve ter em vista isso, de forma mais direta ou menos direta. Assim, a diversão deve ser um repouso da alma que não contradiga os mandamentos e deve nos permitir revigorar as nossas forças para servir melhor a Deus. Se a diversão, por alguma razão, vai contra a virtude, ou faz diminuir o nosso fervor no serviço de Deus, não será uma boa diversão.  Sigamos aqui São Tomás, com sua habitual clareza. Para que uma diversão seja boa é preciso, em primeiro lugar, se abster de todo ato ou palavra torpe ou que é de alguma forma nocivo para si ou para o próximo. Já dizia Cícero que existem diversões que são indecorosas, despudoradas, criminosos e obscenas. Não podemos nos divertir com aquilo que, de alguma forma, ofende a Deus. Poderíamos aceitar nos divertir com algo que crucifica novamente Nosso Senhor Jesus Cristo?  Enquanto rimos, Nosso Senhor é ofendido. Uma diversão dessas é contrária à razão e à lei de Deus. A recreação serve para nos restabelecer as forças para retomarmos melhor o serviço a Deus. Se na recreação nos afastamos de Deus pelo pecado, é evidente que a recreação deixou de ser boa e lícita. Em vez de nos revigorar nossas forças, as tira pelo pecado. Em segundo lugar, a diversão não pode tirar completamente a gravidade da alma. É preciso tomar cuidado, ao dar o descanso para a alma pela recreação, para que não nos entreguemos inteiramente às diversões, para que não as coloquemos como a finalidade de nossas vidas, para que não relaxemos tanto o espírito que esqueçamos a seriedade de nossa vida aqui na terra. A diversão não é um fim, mas é um meio para podermos nos aplicar melhor a Deus, a nossos deveres de estado, à virtude. As diversões, mesmo lícitas, devem ser usadas com moderação. São Tomás diz que bastam poucas diversões para repousar a nossa alma, como para temperar a comida basta um pouco de sal. A diversão, mesmo lícita, em excesso vai pouco a pouco enfraquecendo a nossa alma, que tenderá a ver na diversão um bem absoluto e não mais um meio para restabelecer as nossas forças para voltarmos a nos aplicar ao que é sério, isto é, à salvação da nossa alma, em última instância. O excesso de diversão nos torna a prática da virtude cada vez mais difícil, pois a prática da virtude exige desapego das inclinações próprias, o que não é favorecido pelo excesso de diversão. Não se pode, tampouco, levado pela diversão, perder o domínio sobre si mesmo. Em terceiro lugar, para que uma diversão seja boa é preciso que ela corresponda às circunstâncias de cada um: à pessoa e seu estado, ao tempo, lugar, etc…

A diversão, se são evitados esses três erros, é boa e lícita. Ela é virtuosa. E seria também um erro a austeridade excessiva, pela qual a pessoa se privaria de todo divertimento, jamais diria uma palavra que provoque salutarmente um riso ou não consentiria em divertimentos lícitos e moderados. Estes, excessivamente austeros, podem ser chamados de ásperos e rudes, como diz São Tomás citando Aristóteles. Todavia, é menos vicioso divertir-se aquém do necessário do que divertir-se além do necessário.

Como dissemos nos início, caros católicos, vivemos em uma sociedade em que as diversões são onipresentes. As diversões se tornaram o fim das pessoas. Elas vivem em função das diversões. Como diz o livro da Sabedoria (XV, 12), aquele que ama o mal julga que a vida é um divertimento. Além disso, não é fácil achar diversão que hoje não envolva palavras ou atos torpes e nocivos, ou levem a nos fazer perder inteiramente a seriedade da alma. Como não colocar em risco nossa alma com os filmes, os espetáculos, as músicas, os livros, as praias da atualidade, para dar alguns exemplos? Talvez em outra oportunidade tratemos particularmente de cada uma dessas diversões. Todavia, tanto ou mais grave do que as imoralidades é essa concepção pagã da vida que coloca a diversão como a finalidade última das pessoas. É como se dissessem e realmente dizem: comamos, bebamos e nos divirtamos porque em seguida morreremos. Essa mentalidade destrói o fundamento da vida cristã, e nos faz esquecer nossa finalidade aqui na terra e a seriedade de nossa vida aqui na terra: conhecer, amar e servir a Deus para poder chegar ao céu.

Que critério claro podemos usar para distinguir uma boa diversão de uma má diversão? Usemos um critério singelo, que são as palavras de São Paulo: “Alegrai-vos sempre no Senhor; de novo vos digo: alegrai-vos sempre no Senhor.” Podemos e devemos nos alegrar, mas no Senhor, isto é, dignamente, decentemente, cristãmente, em conformidade com a dignidade de filhos de Deus pelo batismo. Diante de qualquer espetáculo, de qualquer filme, de qualquer música ou entretenimento, de qualquer esporte, de qualquer leitura, diante de qualquer ambiente que frequentamos, diante de qualquer amizade, etc., devemos nos perguntar com toda sinceridade: isto é digno de um cristão? É compatível com minha dignidade de filho de Deus, é compatível com alguém que deseja o céu? Nosso Senhor e Nossa Senhora, no céu, estão agradados com essa diversão, ou ao contrário, ela lhes causa desgosto e desagrado?

O católico pode e deve se divertir, mas é preciso fazê-lo bem, de forma que a virtude, a santidade e o amor a Deus são favorecidos e não prejudicados. As nossas diversões têm a mesma finalidade da Missa que hoje celebramos: reparar as nossas forças para continuarmos melhor e com mais vigor no serviço de Deus. Nossas diversões devem nos fazer entrar na casa do Senhor, no céu. Aproveitemos o resto da quaresma que ainda temos pela frente para nos corrigirmos nesse importante aspecto de nossa vida espiritual.

Os santos são pessoas alegres. Já citamos São João Evangelista, poderíamos citar São Francisco de Sales, São Francisco de Assis, São Felipe Néri, São Lourenço e todos os outros. Mas muito mais do que as diversões, o que causa essa alegria é a fidelidade a Nosso Senhor Jesus Cristo.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.