[Sermão] Os pecados da língua: a detração ou maledicência e a calúnia

Sermão para o Décimo Primeiro Domingo depois de Pentecostes
28 de julho de 2013 – Padre Daniel Pinheiro

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“E levantando os olhos ao céu, deu um suspiro e disse-lhe: Ehphpheta, que quer dizer, abre-te. E imediatamente se lhe abriram os ouvidos e se lhe soltou a prisão da língua, e falava claramente.”

Caros católicos, no Evangelho de hoje, Nosso Senhor cura com um gesto e com palavras um surdo-mudo. Com esse gesto, Nosso Senhor quis nos dar ao menos duas lições. A primeira delas foi mostrar o modo de atuação dos sacramentos. Com um gesto e uma palavra, Cristo opera um milagre. Da mesma forma, com gestos, palavras e coisas sensíveis os sacramentos são realizados. Portanto, a Igreja, ao realizar os sacramentos, ao administrar os sacramentos nos transmite simplesmente o que ela recebeu de Cristo, como São Paulo o diz na Epístola de hoje. A segunda lição do Evangelho de hoje diz respeito aos pecados da língua e dos ouvidos. Não sabemos ao certo se esse mudo era completamente mudo ou se simplesmente não consegui falar corretamente, devido a algum defeito. Quanto a nós, nós podemos falar, mas quantas vezes não falamos corretamente, quantas vezes usamos nossa língua para ofender a Deus, prejudicar o próximo e prejudicar a nós mesmos! É dessa segunda lição do Evangelho de hoje que trataremos, caros católicos.

A língua é pequeno membro do nosso corpo, mas grande é a sua importância e a sua influência sobre a nossa vida espiritual. Com a língua podemos louvar a Deus, adorá-lo, rezar, fazer Deus conhecido, podemos edificar o próximo. Com a língua, podemos favorecer as virtudes. Todavia, com a língua podemos também pecar contra praticamente todas as virtudes, o que leva o Apóstolo São Thiago a dizer: “Também a língua é um fogo, um mundo de iniqüidade. A língua está entre os nossos membros e contamina todo o corpo; e sendo inflamada pelo inferno, incendeia o curso da nossa vida.” Podemos pecar contra a virtude de religião, blasfemando, falando mal de Deus ou dos santos, por exemplo. Podemos pecar contra a humildade alardeando nossas próprias qualidades. Podemos pecar contra a castidade, com linguajar baixo ou de duplo sentido, por exemplo. Podemos pecar contra a virtude da veracidade, mentindo. Todavia, os pecados mais comuns que se cometem com a língua são os pecados contra a justiça e contra a caridade. Nós podemos pecar fazendo juízos temerários, fazendo injúrias ou, amaldiçoando, etc. Falaremos hoje dos pecados da língua que atingem a fama, a boa fama do próximo. Esses pecados da língua que atingem a fama são os pecados de difamação.

Antes de tratar do pecado de difamação propriamente dito e para compreender a sua gravidade, devemos entender o que é a fama. Por fama, se entende a estima geral, boa ou má, que se tem de uma pessoa. Se sua conduta honrada e boa é clara diante dos outros, ela adquire diante das pessoas uma boa fama, uma boa reputação. Ao contrário se é pública a sua conduta imoral ou escandalosa, ela adquire uma má fama. No sentido próprio, a fama verdadeira é a boa fama. E todo homem tem um direito natural a uma boa fama, pois uma pessoa não pode ser considerada má, enquanto ela não demonstrar por suas ações ser má. Se todo mundo tem direito a uma boa fama até que prove o contrário por seus atos e palavras, a injusta difamação, quer dizer, o ataque injusto à boa fama de uma pessoa é um pecado contra a justiça, que exige restituição ou reparação pelo mal causado. A fama é um bem de grande valor, a sagrada Escritura (Prov. 22, 1) diz que ela é mais preciosa que grandes riquezas e que ela permanece mais do que milhares de tesouros (Eccli. 41, 15).

A difamação pode ocorrer basicamente de duas maneiras: 1) pela detração ou maledicência e 2) pela calúnia.  1) A detração ou maledicência consiste em manifestar sem justa causa um pecado, um vício ou defeito verdadeiro do próximo. A pessoa tem direito não só a uma boa fama verdadeira, mas também a uma boa fama falsa, enquanto seu pecado ou defeito permanecer oculto e não for necessário revelá-lo. Se se critica defeitos ou pecados já conhecidos publicamente não existe detração ou maledicência, mas pode haver falta contra a caridade.  2) A calúnia por sua vez consiste em atribuir falsamente ao próximo um pecado, um defeito, um vício. A calúnia acrescenta à detração ou maledicência uma mentira.

A detração ou a calúnia podem ser feitas de forma direta ou indireta. De modo direto, manifestando claramente o pecado alheio, verdadeiro ou falso. Isso se faz revelando o pecado oculto, exagerando um pecado verdadeiro, atribuindo uma má intenção a uma ação boa ou simplesmente inventando um pecado que o outro teria cometido ou um defeito. De modo indireto, negando ou diminuindo as boas qualidade do próximo. Isso se faz negando o bem que o outro fez, calando maliciosamente o bem que o outro fez, diminuindo o bem feito pelo próximo ou louvando-o menos do que se deveria. As formas verbais dessa maledicência ou calúnia indiretas são várias: “Sim, tal pessoa fez isso de bom, mas…” “É melhor eu nem acabar de contar, do contrário…” Às vezes as palavras não são nem necessárias, bastando um gesto, um sorriso para que a fama do próximo caia por terra. A difamação, seja ela caluniosa ou simples detração, pode ocorrer seja com a intenção explícita de denegrir o próximo seja criticando-o por alguma outra razão (pelo hábito de falar muito, por falar sem pensar, para utilidade própria) e sem a intenção de denegri-lo, mas prevendo que sua fama será prejudicada.

A gravidade da difamação se mede tanto pela importância do defeito divulgado ou falsamente atribuído quanto pelo dano causado ao próximo com ela. Em geral, quando se revela um defeito leve ou se atribui falsamente ao outro um pecado leve, a infâmia é leve. Ao contrário, quando se revela ou se atribui falsamente um pecado ou defeito grave a outra pessoa, a infâmia é grave. Pode haver, porém exceções, em virtude da dignidade da pessoa ofendida. Assim, revelar uma pequena falta oculta do Papa, poderia ser uma infâmia grave, por exemplo. Além da gravidade do pecado divulgado ou falsamente atribuído, é preciso levar em conta também a gravidade do dano causado ao próximo. A gravidade desse dano depende da gravidade do defeito atribuído à outra pessoa, mas depende também da qualidade da pessoa criticada, do prestígio e da credibilidade do difamador, da quantidade e qualidade dos ouvintes, das consequências para a família do difamado ou para os seus bens. Alguém que inventasse, por exemplo, uma pequena mentira sobre outra pessoa prevendo que ela perderia o emprego por causa disso, cometeria uma falta grave  Se, consideradas todas as circunstâncias, o dano é leve, o pecado será venial. Se o dano é grave, o pecado será mortal, se o difamador previu o grave dano. E, claro, se a intenção é prejudicar gravemente alguém, por maledicência ou calúnia, haverá uma falta grave, ainda que, no fim das contas, a fama ou dano para o difamado seja leve. Do mesmo modo, haverá pecado grave se a pessoa age por ódio ou por algum outro motivo gravemente desordenado, ainda que o dano final não seja grave.

A difamação, como dissemos, é pecado contra a justiça, pois prejudica o direito à boa fama que o próximo tem e trata-se igualmente de um pecado contra a caridade, que nos proíbe desejar ou fazer mal ao próximo. Fica claro que se trata de uma falta de caridade porque, em geral, buscamos desculpar os defeitos dos que amamos, atribuindo-lhes ao menos a boa intenção. Assim, quando se difama é sinal de que a caridade está ausente. Além de ir contra a justiça e a caridade, a revelação sem motivo suficiente de pecados ou a invenção de pecados prejudicam o bem comum, favorecendo brigas, rixas, vinganças, etc., que perturbam a paz e tranquilidade social.

Também os mortos têm direito a uma boa fama. Não é lícito difamar os mortos, a não ser com causa justa e proporcional. Seria uma causa justa, por exemplo, revelar seus defeitos verdadeiros para impedir que seus escritos ímpios continuassem a influenciar as almas prejudicando-as. Os historiadores têm aqui uma maior liberdade para publicar pecados ou defeitos certos (e não simplesmente possíveis ou prováveis), se da publicação desses fatos haverá alguma lição proveitosa. Isso porque historia magistra vitae est (a história é mestra de vida).

Na confissão, é preciso dizer se difamou o próximo levemente ou gravemente, quantas vezes o fez, se o dano causado foi grave ou não. É preciso dizer também se foi por simples detração ou maledicência, revelando defeitos verdadeiros, ou se foi por calúnia, inventando defeitos ou pecados. É preciso também dizer o que motivou essa ação: ódio, inveja, simples, leviandade, excesso no falar, etc., porque esses motivos são pecados distintos da difamação.

Quando se trata de um pecado contra a justiça, é preciso reparar o pecado cometido pela restituição do bem prejudicado. Portanto, o verdadeiro arrependimento da difamação inclui a obrigação de restituir a fama do próximo e reparar todos os danos materiais que foram ocasionados em virtude da difamação e que tenham sido previstos pelo difamador. Se há um grave dano para a fama ou para os bens do próximo, existe uma obrigação grave de reparar, assim que possível. Se o dano foi leve, existe uma obrigação leve de reparar o dano causado. Essa reparação deve ser feita o quanto antes, a fim de evitar que a difamação se espalhe. Se se trata de uma calúnia, é preciso fazer com que a verdade seja conhecida, dizendo que cometeu um erro quanto ao que disse, etc. Se for preciso prejudicar a própria fama para restabelecer a verdade, deve-se fazê-lo. Se se trata de detração ou maledicência não se pode negar o que foi dito, pois se trata de um defeito ou pecado verdadeiro. Será preciso, então, restituir louvando as qualidades do difamado, buscando desculpas para a ação dele, buscando mostrar a boa intenção dele, apesar do ato ruim. Se a difamação foi pública ou por escrito, deve ser restituída da mesma forma. O difamador pode ver-se livre da obrigação de restituir, se a difamação não se realizou de fato, seja porque as pessoas já sabiam ou porque não acreditaram, etc. Isso não elimina o pecado, mas a obrigação de restituir. Também deixa de haver a obrigação de restituir se existe uma impossibilidade física ou moral de fazê-lo, por exemplo, se perdeu contato com as pessoas que ouviram as difamações ou se para reparar uma infâmia leve tivesse que prejudicar gravemente a própria fama. Também deixa de existir a obrigação de restituição em função do perdão dado pelo prejudicado, se ele não exigisse mais a reparação.

A difamação é algo que muitas pessoas não levam tão a sério e não combatem devidamente, embora sejam sérios na prática dos outros preceitos. Existe, porém, um erro oposto, que consiste no fato de considerar que sempre se comete um pecado ao se revelar algum defeito ou pecado dos outros. Na verdade, é lícito revelar os defeitos ou pecados ocultos dos outros, desde que haja causa proporcionalmente grave para fazer isso e desde que se evite o ódio, rancor, inveja ou qualquer outra disposição desordenada. É preciso que haja causa proporcionalmente grave e reta intenção. (É evidente que o sacerdote não pode em nenhuma hipótese revelar os pecados ouvidos em confissão, nem mesmo para salvar a própria vida.) Às vezes, pode até mesmo ser um dever revelar os defeitos ocultos de outra pessoa. Em geral, as causas que justificam isso são por motivo religioso, por motivo de justiça ou de caridade. Por motivo religioso, por exemplo, quando se revela ao Bispo os defeitos  sérios de um seminarista, a fim de evitar que seja ordenado, e que venha a escandalizar o rebanho. Também por motivo de justiça, quando se tem o dever, por ofício, de revelar e denunciar um crime. Finalmente, por motivo de caridade, para evitar um dano para a sociedade, para evitar um dano para si mesmo, para evitar um dano para uma terceira pessoa ou até mesmo para ajudar a pessoa de quem se revela o segredo. Assim, pelo bem comum, é lícito revelar publicamente e até mesmo pela imprensa os defeitos verdadeiros de um candidato ímpio a um cargo público. Pelo bem comum, é preciso denunciar os que espalham erros ou doutrinas contrárias à fé e aos bons costumes, de modo que alguém os corrija ou de modo que a influência deles seja diminuída. Quando se trata de membros da Igreja, que podem errar, a prudência deve ser redobrada e a caridade mantida sempre. Não se deve também criticar aleatoriamente, de forma escandalosa ou inútil. A pessoa que conta os defeitos de outro pode fazê-lo se isso é necessário para buscar consolo, defesa, ou conselho, por exemplo, mas manifestando somente o que realmente é necessário para atingir o fim desejado. Para o bem do próprio difamado também é possível revelar seus erros ocultos, por exemplo, quando se diz aos pais ou aos superiores os defeitos dos filhos, a fim de que sejam corrigidos e possam levar uma vida melhor. Pelo bem de uma terceira pessoa também é lícito revelar os defeitos ocultos, a fim de colocar essa terceira pessoa de sobreaviso contra as intenções perversas de quem quer prejudicá-la ou enganá-la de alguma forma. Portanto, às vezes é lícito e bom manifestar os erros, defeitos ou pecados verdadeiros dos outros, e pode até mesmo ser necessário. Todavia, é preciso que haja realmente causa proporcional para fazer isso. Nesses casos, a pessoa não tem mais direito a uma boa fama e sua boa reputação é perdida com justiça.

Eis, então, a doutrina moral com relação a esses pecados da língua. Cumpre notar, porém, que existe uma relação estreita entre esses pecados da língua e os pecados do ouvido. A língua não fala se não há ouvidos para ouvir as difamações. São Bernardino diz que entre o difamador e o que ouve o difamador é difícil dizer quem é o mais condenável. Assim, quando alguém começar a falar mal de outro injustamente, devemos procurar mudar de assunto, mostrar nosso desconforto com a situação e, se for possível, até mesmo deixar o ambiente que se está falando mal dos outros. Devemos também procurar manifestar as qualidades da pessoa que está sendo injustamente difamada. Santo Agostinho tinha escrito na sala em que costumava fazer suas refeições a seguinte frase: “Aquele que gosta de destruir pelas palavras a vida dos outros saiba que essa mesa lhe está proibida.”

Se Deus nos deu a língua, foi para que possamos falar coisas que nos levem até Ele, foi para honrá-lo, adorá-lo e para edificar o próximo e não para prejudicá-lo injustamente. Se Ele nos deu os ouvidos, foi para que aprendamos a verdade, para que aprendamos e sigamos a sua doutrina celestial. Peçamos a Nosso Senhor Jesus Cristo que afaste de nós os pecados da língua e dos ouvidos. Como diz a Sagrada Escritura, no livro dos Provérbios (13, 3): “Aquele que guarda a sua boca guarda a sua alma. Aquele que fala de modo inconsiderado, busca a ruina.” “O homem justo será saciado de bens pelo fruto de sua boca” (13,2).

[Instrução] PLC 3/2013 – sua origem, tramitação e consequências

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Texto: PLC 3/2013 - sua origem, tramitação e consequências
Autor: Pe. Luiz Carlos Lodi
Fonte: Blog Não Matarás

Nas últimas semanas, pessoas de toda a parte do Brasil procuraram-me para que eu dissesse algo acerca do Projeto de Lei da Câmara 3/2013, aprovado pelo Senado e encaminhado à sanção presidencial, que “dispõe sobre o atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação de violência sexual“.

Até agora mantive silêncio, porque tinha dúvidas sobre as conclusões e as estratégias de meus amigos pró-vida. Quero agora manifestar-me, embora de maneira apressada, para não pecar por omissão.

O projeto foi proposto na Câmara em 24 de fevereiro de 1999 pela deputada petista Iara Bernardi com o número PL 60/1999 (http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=5ECB8EB5FB2D0F17C82319C476A4325E.node1?codteor=1062248&filename=Tramitacao-PL+60/1999), logo após a edição pelo Ministério da Saúde da Norma Técnica “Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência contra Mulheres e Adolescentes“, conhecida como Norma Técnica do Aborto, em novembro de 1998.

O contexto em que o projeto foi apresentado é importante. Ele desejava obrigar “todos os hospitais públicos que tenham Pronto Socorro e Serviço de Ginecologia” (art. 4º, caput, versão original) a prestar auxílio às vítimas de violência sexual. Entre os “serviços”, o mais importante era o aborto precoce, provocado pelo DIU ou pela “pílula do dia seguinte”: “medicação com eficiência precoce para prevenir gravidez resultante de estupro” (art. 4º, IV, versão original). O projeto não falava do aborto mais tardio, previsto pela Norma Técnica até os cinco meses de gestação, pois isso tornaria inviável a aprovação do texto. No entanto, ao obrigar os hospitais que tenham Pronto Socorro e Ginecologia a dar assistência às vítimas de estupro, a consequência espontânea é que tais hospitais iriam servir-se da “Norma” do Ministério da Saúde para dar eficiência a esse “serviço”.

A redação final do texto aprovado pela Câmara em 5 de março de 2013 e encaminhado ao Senado com o número PLC 3/2013 (http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=132530&tp=1) havia alguns agravantes:

  1.  O atendimento agora obriga não só os hospitais que tenham Pronto Socorro e Serviço de Ginecologia, mas “todos os hospitais integrantes da rede do SUS” (art. 3º, caput, versão final).
  2.  o aborto precoce foi chamado de “profilaxia da gravidez” (art. 3º, IV, versão final).
  3.  todos os hospitais passam agora a ser obrigados a informar às gestantes o seu suposto direito ao (inexistente) aborto “legal”: “informações às vítimas sobre os direitos legais e sobre todos os serviços sanitários disponíveis” (art. 3º VII, versão final).

A CNBB merece louvor por ter percebido a extrema gravidade dos itens 2 e 3 acima e por ter pedido à Presidência da República que vetasse tais incisos (IV e VII) do artigo 3º (http://www.cnbb.org.br/site/imprensa/noticias/12426-cnbb-apoia-veto-parcial-do-projeto-de-lei-que-trata-de-assistencia-a-pessoas-em-situacao-de-violencia-sexual). De fato, tais incisos terão, se forem sancionados, um efeito catastrófico sobre as criancinhas geradas em uma violência sexual.

No entanto, parece que não foi dada atenção especial a um ponto que agora pretendo destacar. Vejamos:

Mesmo com os referidos incisos vetados, o PLC 3/2013 continua apresentando um sério perigo. Por quê? Porque tal proposta, convertida em lei, precisa de umaregulamentação. Normalmente a regulamentação é feita, após a promulgação da lei, pelo Poder Executivo, por meio de algum ato administrativo, como um decreto ou portaria.
No caso presente, regulamentar o PLC 3/2013 é desnecessário. Por quê? Porque o “tratamento dos agravos físicos e psíquicos decorrentes de violência sexual” (art. 1º da versão final) já está regulamentado. A regulamentação existe desde 1998, e sofreu um agravante com a nova edição de 2005 (http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/caderno6_saude_mulher.pdf): é a conhecida Norma Técnica do Aborto, cujo nome oficial é “Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes“. Uma edição do ano 2012 dessa Norma pode ser vista em http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/prevencao_agravo_violencia_sexual_mulheres_3ed.pdf, contendo, em apêndice, a Portaria do Ministério da Saúde 1508, de 2005 sobre a não necessidade de um boletim de ocorrência para comprovar a suposta violência sofrida. Em lugar do BO, há um formulário que parece ter sido feito para ajudar a gestante a falsificar um estupro (p. 119):

TERMO DE RELATO CIRCUNSTANCIADO
Eu,______________________________________________, brasileira, _______anos, portadora do documento de identifica-
ção tipo ___________, nº________,declaro que no dia _____, do mês ______do ano de ________às ________, no endereço ____
__________(ou proximidades – indicar ponto de referência) ______________, bairro ____________, cidade ________, fui vítima de crime de violência sexual, nas seguintes circunstâncias:_____________________

Alguém poderia argumentar – e é verdade – que o texto do PLC 3/2013 não faz referência explícita à Norma Técnica que introduziu o aborto nos hospitais públicos brasileiros. Mas a aplicação dela ao caso é espontânea. Com a lei parcialmente sancionada (sem os incisos já referidos), o Estado só teria duas opções:

– A primeira, totalmente fora de cogitação, seria editar uma outraNorma Técnica (ou um decreto ou portaria) não abortiva, ou seja, tratando somente da prevenção de DST, da assistência psicológica à vítima etc…, sem qualquer referência ao aborto. Mas isso é impensável em se tratando de um governo que sempre investiu pesadamente na promoção do aborto em nosso país e cujo Partido defende explicitamente a descriminalização de sua prática.
– A segunda opção seria fazer da Norma Técnica do Aborto na norma regulamentadora do PLC 3/2013. É o que espontaneamente deve acontecer.

Alguém poderia perguntar: se já existe uma Norma Técnica dispondo sobre a prática do aborto até cinco meses de gestação nos hospitais públicos, bastando para sua prática a simples palavra da gestante, que não pode ser obrigada a apresentar um Laudo do Instituto Médico Legal nem sequer um mero boletim de ocorrência para comprovar a violência sofrida, para que server o PLC 3/2013?
É que a Norma Técnica do Ministério da Saúde não tem força de lei. Ela instrui os hospitais a fazerem o aborto, mas não os obriga. O PLC 3/2013, se for sancionado, no todo ou em parte, tornar-se-á uma lei federal.

Mesmo portanto que os incisos IV e VII do artigo 3º sejam vetados, o PLC 3/2013, se sancionado, difundirá a Norma Técnica do Aborto para todos os hospitais do SUS. Nem todos estarão capacitados para fazerem o aborto, mas em todas as unidades hospitalares a “cartilha do aborto” estará presente e será conhecida por aqueles que forem prestar atendimento às vítimas de violência sexual. O que se pode prever com tudo isso é uma explosão da prática de aborto com o dinheiro público.

Esse tópico parece ter passado despercebido pela CNBB. Se tivesse captado isso (que não é claro à primeira vista), teria pedido o veto de todo o projeto à Presidência da República.

[Sermão] “O Senhor chorou”. Ou: A virtude da Piedade em Cristo e em nós, e os pecados que mais ofendem a Deus.

Sermão para o Nono Domingo depois de Pentecostes
21 de julho de 2013 – Padre Daniel Pinheiro

 

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…

***

Rezemos para que a presença do Papa no Brasil possa trazer bons frutos.

 “Videns civitatem, Jerusalem, Dominus flevit.” Vendo a cidade – Jerusalém – o Senhor chorou.

O Evangelho deste Domingo nos fala das lágrimas de Nosso Senhor Jesus Cristo. As lágrimas são, antes de tudo, um sinal de tristeza. Mas, devemos nos perguntar, como aquele que é verdadeiramente homem e verdadeiramente Deus pôde chorar, uma vez que ele tinha a visão beatífica em sua alma? Pois Cristo desde o momento de sua encarnação via Deus face a face, e essa visão impede todo sofrimento. Como pôde, então, aquele que via Deus face a face entristecer-se? Precisamos lembrar que Cristo veio ao mundo para satisfazer por nossos pecados e que satisfez por nossos inúmeros pecados aceitando os sofrimentos – até à morte e morte de cruz – com uma caridade infinita, a fim de nos salvar.  Dessa forma, ele tinha a visão beatífica, Ele via perfeitamente a Deus, como os santos no céu e muito mais perfeitamente que os santos no céu, mas a impassibilidade, quer dizer, a ausência de sofrimento e a imortalidade que decorrem dessa visão face a face de Deus, não se encontravam em Jesus Cristo enquanto ele viveu nessa terra, antes de sua ressurreição. E isso voluntariamente. Cristo via Deus face a face, mas sofreu e quis sofrer para satisfazer perfeitamente por nossos pecados.

Sabendo que Cristo podia chorar, devemos nos interrogar sobre o porquê dessa tristeza profunda de Nosso Senhor no episódio relatado pelo Evangelho. O choro vem da tristeza e a tristeza nos atinge quando vemos algum bem que amamos ameaçado, atacado, destruído. Assim, por exemplo, os parentes choram a perda de um ente querido, manifestando com isso o amor que tinham para com ele. Para compreender, então, porque Nosso Senhor Jesus Cristo chora no Evangelho de hoje, devemos compreender o que ele ama. Ora, Cristo é o abismo de todas as virtudes, isto é, Ele possui e exerce o mais perfeitamente possível todas as virtudes, ou quase todas, pois há virtudes que Cristo não possuía, porque há virtudes que supõem um defeito precedente, como a virtude da penitência supõe um pecado pessoal anterior. E essas virtudes que supõem um defeito anterior, Cristo evidentemente não as possuía, pois Ele é o cordeiro imaculado. Ele sofria com caridade infinita pelos pecados dos outros, mas não pelos seus, pois Ele não os tinha.

Entre todas as virtudes que Cristo possuía e exercia perfeitamente, encontra-se a virtude da piedade. Mas piedade em sentido próprio e não no sentido de devoção ou religiosidade, nem de compaixão ou misericórdia. A virtude da piedade propriamente dita é aquela que nos inclina a render aos pais, à pátria e a todos os que se relacionam com eles a honra e o serviço que lhes são devidos. A justiça nos diz que nos tornamos devedores daqueles que nos deram benefícios. Somos devedores, em primeiro lugar, de Deus, em razão de sua excelência e em razão de todos os bens inumeráveis que nos deu. Além disso, é Ele que nos dá o ser e nos governa. Em segundo lugar, são os pais que nos dão o ser e nos governam. E, finalmente, a pátria, em que nascemos e que nos nutre. E por isso, depois de Deus, o homem é devedor sobretudo dos pais e da pátria, nos diz São Tomás. A primeira dívida é paga com a prática da virtude da religião, pela qual damos a Deus, em união com Nosso Senhor e na medida das limitações de nossa natureza humana, o que lhe é devido. A segunda dívida devida aos pais e à pátria é paga com a prática da virtude da piedade.

Cristo possuía, assim, a virtude da piedade de modo perfeito. Ele amava, então, imensamente a sua pátria e, sobretudo, Jerusalém, o centro de sua pátria. Por isso Cristo chorou, caros católicos. Como Jerusalém recusava o verdadeiro Messias, a verdadeira religião e a salvação, Nosso Senhor chorou, vendo a ruína de tantas e tantas almas que recusaram a sua misericórdia. Toda a destruição material de Jerusalém, profetizada por Cristo e realizada no ano 70, é nada diante da ruína espiritual causada pela cegueira voluntária de Jerusalém. Quantas graças, quantos privilégios dados à cidade santa. E com que ingratidão e infidelidade ela pagou. É o dever dos filhos não só obedecer aos pais em tudo o que é lícito e mostrar o devido respeito, mas também socorrê-los quando esses precisam de ajuda. Nosso Senhor tentou socorrer Jerusalém de todas as formas: orações, ensinamentos, ameaças, milagres, profecias, morte na Cruz. Mas Jerusalém continuou cega e endureceu o seu coração.

Hoje, caros católicos, não há somente uma Jerusalém no mundo, há várias. Quantas nações receberam graça sobre graça, favor sobre favor de Cristo e agora respondem com ingratidão e infidelidade, dizendo: Não queremos que Ele, Jesus Cristo, reine sobre nós (regnare Christum nolumius). Já não queremos suas leis, nem sua Revelação; Revelação, aliás, única verdadeira, pois confirmada por tantos milagres e profecias verdadeiros. E vemos nesses países – que são criaturas de Deus – o jugo doce e suave de Cristo lançado por terra e calcado pelos homens. Consideremos, porém, somente a nossa pátria, que tem se distanciado cada vez mais de Deus, da religião católica, com a aprovação cada vez mais larga, embora sorrateira, do aborto (esse crime que nunca se justifica), com a aprovação de uniões contrárias à natureza, com o laicismo galopante.

Se somos católicos, buscando, então imitar a Cristo, devemos também nós ter e praticar a virtude da piedade para com nossa pátria, caros católicos, porque ela também é princípio de nosso ser, de nossa educação e ela nos governa, fazendo tudo isso enquanto proporciona aos pais – e por meio deles aos filhos – grande quantidade de coisas necessárias e convenientes para o nosso ser. Devemos praticar a virtude da piedade para com nossa pátria como o fez Nosso Senhor Jesus Cristo, obedecendo a ela em tudo o que é bom e socorrendo-a em suas dificuldades, sobretudo espirituais. Devemos, caros católicos, praticar a virtude da piedade buscando que nossa pátria reconheça a verdade e se submeta a ela e possa assim ajudar seus filhos não só materialmente, mas também espiritualmente, mostrando a eles o caminho, a verdade e a vida: Jesus Cristo. Para tanto, devemos rezar por ela, fazer apostolado por ela, nos mortificar por ela. Com esses atos ajudaremos nossa pátria sem cair no excesso de endeusá-la, com um nacionalismo descabido, e sem cair no defeito de rejeitar nossa pátria e dizer como os pagãos: minha pátria é onde me sinto bem. Não, caros católicos! Temos verdadeiro dever de justiça para com a nossa pátria, apesar de seus defeitos.

Mas Jerusalém, que Nosso Senhor Jesus Cristo ama tanto, caros católicos, representa também, e evidentemente, a alma de cada um de nós, agraciada por Deus com inúmeros benefícios, com incontáveis graças e graças abundantes. Recebemos, sobretudo com o batismo, todas as condições para receber Cristo em nossas almas. Nosso Senhor ama, então, cada uma de nossas almas. O amor de Cristo por nós é um amor puro e sobrenatural. É um amor que quer o bem dos homens. Mas não qualquer bem como as riquezas, o reconhecimento, um prazer instantâneo ou qualquer outro bem que se limite a esse mundo. O bem que Nosso Senhor quer é o bem de nossa santificação, de nossa salvação eterna. A tristeza de Nosso senhor vem, então, primeiramente, do fato de muitos desprezarem seus mandamentos e não alcançarem, como consequência, a vida eterna e terminarem perdendo eternamente as suas almas, no inferno. A tristeza de Cristo é causada pelos pecados que impedem a nossa salvação. Cristo chora porque muitas vezes preferimos um instante de satisfação nesse mundo à alegria eterna no céu, ofendendo gravemente as suas leis e crucificando-o novamente.

Assim, Nosso Senhor chora não só sobre Jerusalém, mas sobre as almas. E ele chora sobre as almas quando elas não o amam, quer dizer, quando não cumprem a sua lei. Ele se entristece quando as almas preferem entregar-se ao pecado mortal em vez de se entregarem a Ele.  O pecado mortal, caros católicos, é a transgressão voluntária da lei de Deus em matéria grave. É a negação de Deus como supremo legislador, como soberano governador, como supremo juiz, como supremo benfeitor, como nosso verdadeiro bem e felicidade suprema. O pecado mortal é uma ofensa grave a Deus pela desobediência de suas leis, leis que têm por objetivo o próprio bem do homem e de Deus. O pecado mortal é a recusa total do amor de Deus por nós. O pecado mortal é o inferno em potencial, um potencial que pode virar realidade e muitas vezes vira realidade quando menos esperamos.

A cena histórica e real descrita hoje pelo evangelista é o choro de Nosso Senhor diante de Jerusalém. Estamos pouco antes de sua triunfante entrada nessa mesma cidade no Domingo de Ramos. O povo Judeu vai aclamá-lo como o Filho de Davi, quer dizer, como o Messias. Mas Nosso Senhor chora. Nosso Senhor chora porque, três dias depois, esses mesmos que o aclamaram como o Messias vão pedir a sua crucifixão, recusando a sua lei, a sua graça. Eles louvaram a Cristo com a boca, mas o coração deles estava longe de Deus. Nosso Senhor chora, então, particularmente pelos pecados de nós católicos que o louvamos com a boca, mas que o crucificamos com as nossas obras pecaminosas.

São Paulo, em sua Epístola de hoje, cita alguns dos pecados que mais entristecem a Nosso Senhor. E ele nos dá, então, alguns exemplos que se aplicam de maneira muito especial a nós católicos desses tempos atuais. Tempos em que o amor do homem até o desprezo de Deus tem destruído as mais evidentes verdades católicas.

O primeiro pecado mencionado por São Paulo é a idolatria. A idolatria que nos faz adorar um falso Deus no lugar do verdadeiro. A idolatria de nossos dias é o relativismo, uma espécie de religião acima das religiões. Ele tem como propósito igualar todas as religiões: colocar em pé de igualdade a religião fundada por Cristo – homem-Deus – e as religiões que são fruto da invenção humana ou do pai da mentira.  Ora, religiões que ensinam doutrinas contraditórias não podem ser ambas verdadeiras. Uma só pode ser a verdadeira. Uma só é a verdadeira religião, aquela anunciada pelos profetas e confirmada pelos milagres de Cristo: a religião católica, como já dissemos.

O segundo pecado de que nos fala o Apóstolo é a impureza (ver a esse respeito o sermão sobre a luxúria): quantos hoje, mesmo entre católicos levam uma vida completamente desregrada nesse ponto. Mesmo entre o clero, infelizmente. Quantos perdem o céu por causa de um ato que nos assemelha ao animais irracionais. Quantos pecados cometidos contra a castidade. Muitos cometidos sozinhos. Muitos não esperam o casamento. Aqueles que casam se divorciam e se juntam, em adultério, com outra pessoa. Os casados utilizam métodos anticoncepcionais e assim por diante. Ora, os bens do matrimônio são três: (i) a fidelidade – contra o adultério – (ii) a indissolubilidade – contra o divórcio e o recasamento – e (iii) os filhos – contra a anticoncepção e mentalidade contraceptiva. E um dos bens do sacerdócio é o celibato.

Esses pecados e todos os outros pecados, caros católicos, entristecem a alma de Nosso Senhor. Dominus flevit. O Senhor chorou à vista de Jerusalém que ia cometer o deicídio. Nosso Senhor chorou em previsão de todos os nossos pecados. Foram nossos pecados que crucificaram a Cristo. E nosso crime é ainda maior que o dos judeus, pois professamos e reconhecemos que Cristo é Homem e Deus e veio para nos salvar. Dominus flevit. O Senhor chorou por causa de nossas ofensas. O Senhor chorou porque nos amou profundamente, porque buscou em tudo a nossa salvação, mas nós preferimos o pecado. Quanta ingratidão!

É preciso, então, parar de ofender a Cristo, praticando a religião. Sabemos que hoje, neste mundo que se opõe cada vez mais à virtude, isso não é fácil. Mas Nosso Senhor não prometeu a facilidade, caros católicos. Ele não veio trazer a paz, pelo menos não como o mundo a compreende, mas Ele veio trazer a guerra. Ele deu a cada um uma cruz e junto com essa cruz, Ele deu graças abundantes para carregá-la e uma Mãe para nos ajudar, Nossa Senhora. São Paulo nos diz: Deus não permitirá que sejais tentados além do que podem as vossas forças. Assim, se o combate é difícil, porque o pecado em nossa sociedade é abundante, a graça de Nosso Senhor é superabundante, seu jugo é leve e suave. O Apóstolo afirma hoje, DEUS É FIEL: ele sempre nos dá as graças necessárias. Resta saber se nós somos fiéis às promessas de nosso batismo. Devemos mostrar nossa fidelidade pela submissão de nossa inteligência às verdades reveladas por Deus e pela prática incondicional da moral católica, evitando assim entristecer e ofender ao Sagrado Coração de Nosso Senhor Jesus Cristo. Não basta honrar Deus com os lábios para depois crucificá-lo, como fizeram os Judeus na semana santa. Se Deus é fiel, também nós devemos sê-lo.

Convertamo-nos, então. Tenhamos confiança em Nosso Senhor Jesus Cristo: sem Ele nada podemos fazer. Busquemos a confissão. E se cairmos de novo, levantemo-nos, com verdadeiro arrependimento, e busquemos novamente a confissão. Tenhamos confiança: a misericórdia de Deus é imensa. Alegremos a alma de Cristo, pedindo perdão pelos nossos pecados, comungando com frequência, desagravando – com boas obras – o Coração de Nosso Senhor, ferido por nossos pecados.  Alegremos o Coração de Nosso Senhor e o Imaculado Coração de Maria pela prática da virtude, pela prática sincera e íntegra da religião católica. Ele nos ajudará com suas graças. Alegrando o coração de Cristo também o nosso coração se alegrará profundamente. Como nos diz o Salmista (118,1): “Felizes aqueles cuja vida é pura e seguem a lei do Senhor”. Felizes porque a lei do Senhor é para nosso bem e para a maior glória dEle.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Sermão] A Prudência e os erros opostos. Ou: A parábola do feitor iníquo.

Sermão para o Oitavo Domingo depois de Pentecostes
14 de julho de 2013 – Padre Daniel Pinheiro

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[Breve Introdução à Missa Solene]

Estamos hoje no 8º Domingo depois de Pentecostes. É uma grande graça poder celebrar uma Missa Solene, é uma grande graça para vocês poder assistir a uma Missa Solene, assistir e se unir àquilo que há de mais belo deste lado do céu. Se uma Missa Rezada ou uma Missa cantada já é bela, quanto mais bela é uma Missa Solene, com todos os seus ritos. São Tomás diz que os ritos servem para mostrar a importância do que se está realizando no sacramento, bem como para instruir os fiéis. Podemos dizer que os ritos são também sacramentais. Pela solenidade da Missa de hoje, pela doutrina católica que ela exprime de maneira sublime (por exemplo, peço que vocês reparem como ela exprime a hierarquia da Igreja, tal como instituída por Nosso Senhor Jesus Cristo), pela excelência dos ritos, podemos nos preparar de maneira excelente para receber com grande abundância os frutos da Missa, sobretudo o perdão de nossos pecados. Aproveitemos, caros católicos, para assistir bem a essa Santa Missa e nos unir ao sacrifício de Cristo oferecendo-nos a nós mesmos junto com Ele. Não sabemos quando teremos novamente essa graça.

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[Sermão]

O Santo Evangelho de hoje, caros católicos, nos traz algumas dificuldades, diante das quais muitas pessoas tiram conclusões erradas ou precipitadas. Como pode o senhor elogiar o feitor, o administrador iníquo? Antes de falarmos desse elogio e da prudência, é preciso lembrar que ninguém pode interpretar a Sagrada Escritura segundo suas próprias ideias e gostos, ninguém pode ir contra o sentido e a interpretação que a Igreja sempre deu e dá, pois compete à Santa Madre Igreja julgar e interpretar as Sagradas Escrituras.  São Francisco de Sales diz que se trata de uma profanação feita às Sagradas Escrituras o fato de pretender que o entendimento das Escrituras é demasiado fácil. Assim, a leitura das Sagradas Escrituras não deve ser feita indistintamente por todos. São Pedro diz, por exemplo, que há, nas cartas de São Paulo, “algumas coisas difíceis de entender, que os indoutos e inconstantes na fé adulteram (como fazem também com outras partes das Escrituras) para sua própria perdição” (2Pe III, 16). Portanto, na Sagrada Escritura há passagens difíceis, que podem levar as almas à perdição em virtude de uma falsa interpretação. É preciso sempre ler as Sagradas Escrituras com o Magistério da Igreja ao lado, pois foi à Igreja que Deus revelou toda à verdade, e cabe à Igreja dar o sentido verdadeiro da Palavra de Deus contida nas Sagradas Escrituras.

Venhamos à parábola. O feitor iníquo é o homem pecador, o homem que administrou mal os bens que lhe foram dados por Deus. Deus nos deu vários bens para administrarmos: a inteligência, a vontade, os sentimentos, os bens materiais. O administrador iníquo é, portanto, o homem que usa mal sua inteligência, aderindo ao erro, é o homem que usa mal sua vontade, dirigindo-a ao que é contrário à vontade de Deus. É o homem que não ordena seus sentimentos e paixões pela razão iluminada pela fé. Trata-se do homem que usa mal seu corpo, por exemplo, pelos pecados de impureza, pecados que fazem dele como um animal irracional. Trata-se do homem que usa mal os bens materiais que possui. O homem pecador é um administrador infiel dos bens que lhe foram dados por Deus, pois o pecador usa os bens dados por Deus não para a maior glória da Santíssima Trindade, para a salvação da própria alma e para a salvação do próximo, mas ele os utiliza para satisfazer seus próprios desejos, contrários ao desejo perfeito do seu senhor, que é Deus.

Diante dessa má administração, nada mais justo do que sofrer a consequência: cavar, mendigar, quer dizer, sofrer, fazer penitência, deixar o pecado e praticar a virtude esforçando-se para isso e pedindo isso para Deus. Todavia, o administrador iníquo, sem arrependimento do mal que cometeu, escapa dessa justa consequência com uma grande habilidade, uma habilidade que implica mais um pecado grave, mas que é uma grande habilidade. Diante disso, o senhor louva não a ação pecaminosa propriamente dita de reduzir injustamente a dívida dos devedores, mas a habilidade, a prudência do feitor.

A prudência consiste justamente em ordenar os meios para alcançar um determinado fim. A prudência não é ter medo, como muitos pensam. A prudência consiste em escolher os meios mais adequados para se chegar a um determinado objetivo. Agora, a prudência será uma boa prudência se ela escolhe meios lícitos para alcançar um objetivo lícito. A boa prudência é aquela que, em última instância, determina os melhores meios para que alcancemos a vida eterna. A boa prudência é aquela que dita o que se deve fazer em determinado momento para cumprir a vontade de Deus, para alcançar a vida eterna, levando em conta todas as circunstâncias e depois de madura reflexão. A má prudência, por outro lado, é aquela que dispõe os meios para fazer um pecado, para alcançar um fim ruim, oposto a Deus e à nossa salvação. A má prudência é também aquela que escolhe meios ruins para atingir um fim, ainda que esse fim seja bom. Dessa forma, fica evidente que a prudência do administrador da parábola é uma má prudência, que escolhe meios pecaminosos para atingir seu fim, que é escapar de uma justa punição. Dessa forma, o homem rico elogia não a ação, que foi desonesta, mas a capacidade, a indústria, a inteligência do feitor infiel em dispor os meios para atingir seu fim e ele o faz para que tenhamos a mesma habilidade, mas em vista de fazer o bem. Da mesma forma, poderíamos admirar a habilidade de um assaltante de banco em conseguir roubar milhões de reais sem que ninguém perceba, sem que um alarme sequer dispare, embora condenemos veementemente a ação do roubo. Nós devemos imitar esse administrador iníquo, mas com uma boa prudência, uma prudência que escolhe os meios mais adequados para chegarmos ao céu. Uma prudência que nos faz evitar o pecado e que nos faz sempre agir em vista do céu. Que fique claro, então, que o senhor – que na parábola é Deus – não faz o elogio do pecado ou da iniquidade, mas ele elogia a inteligência, a habilidade, a prudência do administrador em dispor os meios para atingir seu fim. Ele elogia o feitor infiel para nos mover a agir com muita prudência, com muita sagacidade, mas para o bem, escolhendo meios bons, meios lícitos a fim de praticarmos bem nossos deveres de estado e sempre tendo como objetivo último a vida eterna. Para tanto, devemos conhecer melhor o que é a virtude da prudência e os vícios opostos a ela.

A virtude da prudência é a virtude que, apoiada sobre a fé, inclina nossa inteligência a escolher, em toda e qualquer circunstância, os melhores meios para atingirmos nossos objetivos, sempre tendo em vista nossa finalidade última que é o céu, a vida eterna. Dessa forma, a verdadeira prudência sobrenatural nunca escolhe meios que nos impeçam de chegar ao céu ou que ofendam a Deus. A verdadeira prudência nos faz buscar, sob a luz da fé, os melhores meios para nos salvarmos. A virtude da prudência é indispensável para o exercício das outras virtudes, para o exercício da justiça, da temperança, da fortaleza, indicando a melhor maneira de exercê-las. É a prudência que dirige todas as outras virtudes, a fim de que se evitem os pecados por defeito ou por excesso. Sem a prudência, como saber, por exemplo, se é melhor calar ou reagir diante de uma adversidade? A prudência é necessária para conciliar virtudes que parecem contrárias, como a justiça e a misericórdia, a mansidão e a força, a penitência e o cuidado legítimo com a saúde, o recolhimento e o zelo apostólico, etc. É a prudência que nos indicará a maneira correta de proceder para conciliar essas virtudes sem que elas se destruam mutuamente. A prudência é também indispensável para evitar o pecado, pois para evitar o pecado é preciso conhecer as causas e as ocasiões do pecado e escolher bem os remédios. É exatamente isso que faz a prudência. Com a experiência do passado, próprio e alheio, e a partir do estado atual da alma, a prudência vê o que é ou será para nós uma ocasião de pecado e sugere, então, os melhores meios para que se evite a ocasião de pecado, o melhor meio para vencer as tentações, os remédios necessários. Sem essa prudência, quantos pecados são cometidos!

Para a perfeita prática da prudência, que nos é tão necessária é preciso que tenhamos  (i) a memória do passado, pois o conhecimento dos êxitos e fracassos passados próprios e alheios nos orientam muitíssimo para saber o que devemos fazer aqui e agora. A experiência é mãe da prudência. Por isso, as pessoas jovens não são, em geral, prudentes, por falta de experiência. Além da memória do passado, é preciso (ii) a inteligência do presente, para saber discernir se o que nos propomos a fazer aqui e agora é bom ou mau, lícito ou ilícito, conveniente ou inconveniente. Para uma prudência perfeita, é preciso também a (iii) docilidade, para pedir e aceitar o conselho de pessoas sábias – sábias do ponto de vista católico – e experimentadas, pois ninguém pode pretender saber resolver bem todas as situações que surgem. É necessária para a virtude da prudência também a (iv) sagacidade, que nos faz ver por nós mesmos com rapidez e exatidão o que devemos fazer nos casos urgentes, em que não temos ocasião de pedir conselho. Nos casos não urgentes, será necessária a (v) reflexão madura, proporcionada à situação e à questão. Precisamos também da (vi) providência, que é enxergar longe e ter bem presente qual é o nosso fim último, sem nos limitar a objetivos instantâneos. A providência deve também nos fazer prever as consequências boas e ruins das nossas ações. É necessária igualmente a (vii) circunspecção, que é a atenta consideração das circunstâncias para julgar se é conveniente ou não realizar tal ato diante de tais circunstâncias. Há atos que, considerados em si mesmos, são bons e convenientes para atingir o fim pretendido, mas que, em razão de circunstâncias especiais, poderiam se tornar contraproducentes, ou perniciosos. Finalmente, é preciso a (viii) precaução, para afastar os obstáculos que podem comprometer a consecução do fim. A precaução deve nos levar, por exemplo, a nos afastar das más companhias, que nos influenciam mal e que nos distanciam da nossa salvação. Em decisões importantes, todos esses elementos devem estar presentes.

Como vimos, a prudência consiste em refletir sobre quais são os meios mais aptos para se atingir um objetivo bom, em escolher os meios mais aptos e finalmente em decidir colocar em prática esses meios.  À prudência se opõem, então, a precipitação, a inconsideração e a inconstância. A precipitação nos leva a não refletir devidamente e, sem a devida reflexão, faremos um juízo do que é bom ou ruim de forma precipitada, apressada, e levados não pela razão, mas pelas paixões ou caprichos. Já a inconsideração nos faz escolher mal. Embora tenhamos talvez refletido, preferimos escolher fazer isso ou aquilo pelo simples fato de demandar menos esforço, por exemplo, ou porque nos agrada mais. Quanto à inconstância, ela no faz desistir facilmente, por motivos indevidos, das decisões e propósitos que havíamos feito após devida reflexão e devido juízo. A precipitação, a inconsideração e a inconstância são causadas principalmente pela luxúria, que é o vício que mais obscurece a razão, pois aplica veemente nossa alma às coisas sensíveis, impedindo que a inteligência considere e julgue devidamente as coisas. Em nossa sociedade dominada pela luxúria, constatamos claramente a dificuldade das pessoas em tomar decisões após a devida reflexão, vemos a dificuldade das pessoas em julgar corretamente as coisas, vemos a inconstância das pessoas. Também se opõe à prudência a negligência, que consiste na ausência de decisão eficaz depois de ter refletido devidamente. O precipitado não pensa devidamente sobre o que deve fazer. O inconsiderado escolhe mal o que deve fazer. O inconstante não coloca em prática o que decidiu. O negligente nem chega a decidir. Todos são imprudentes.

Além da precipitação, da inconsideração, da inconstância e da negligência, se opõem à prudência três vícios que se assemelham falsamente a ela: a prudência da carne, a astúcia e a solicitude excessiva pelos bens terrenos. A (i) prudência da carne consiste em uma habilidade para encontrar os meios oportunos para atingir fins que se opõem ao nosso fim último, para atingir fins que não se subordinam aos mandamentos de Deus. A prudência da carne encontra os meios oportunos para satisfazer as paixões desordenadas de nossa natureza ferida pelo pecado original. A prudência do administrador da parábola é claramente uma prudência da carne. Já a (ii) astúcia é uma habilidade especial para alcançar um fim, bom ou mal, mas por meios falsos, simulados. Ainda que o fim seja bom, os meios devem ser também sempre bons, e justos, e verdadeiros. Portanto, a astúcia, que usa meios simulados e vias falsas é pecaminosa. A astúcia pode ser praticada com as palavras (dolo) ou com ações (fraude). Finalmente, se opõe à prudência a (iii) solicitude excessiva pelos bens terrenos, se colocamos esses bens terrenos como o fim a ser buscado, ou se para buscá-los começamos a negligenciar a nossa vida espiritual, ou se não temos confiança na providência divina, temendo que nos falte o necessário, se fizermos o que temos que fazer. Assim, são imprudentes em razão da solicitude excessiva pelos bens terrenos, por exemplo, os que não confiam em Deus e que utilizam métodos anticoncepcionais, que se opõem à natureza humana.

Após considerar o que é a prudência e os vícios opostos, devemos saber o que é necessário para progredir na virtude da prudência. Devemos empregar alguns meios. Antes de tudo, é preciso rezar e pedir a Deus para que nos conceda a graça de uma verdadeira prudência sobrenatural, invocando o Espírito Santo, rezando para Nossa Senhora, para Nossa Senhora do Bom Conselho, por exemplo. Devemos, para progredir na prudência, sempre refletir de modo proporcional à importância da decisão a ser tomada, sem nos deixar levar pelo ímpeto da paixão, do sentimento, do capricho, mas, sempre guiados pelas luzes da razão iluminada pela fé. Devemos considerar com calma as consequências boas e más que se seguirão de tal ação. Devemos perseverar nos bons propósitos, sem nos deixar levar pela inconstância ou negligência. Devemos colocar em prática os bons propósitos assim que possível, do contrário vamos arrefecendo. Devemos nos manter castos e puros (cada um segundo o seu estado), pois, como vimos, a impureza prejudica gravemente a prudência, obscurecendo nossa inteligência. Devemos vigiar contra a prudência da carne, que busca pretextos e sutilezas para nos eximir do cumprimento do dever. Devemos sempre proceder com simplicidade e transparência, evitando toda simulação ou engano. Devemos ordenar à glória de Deus e à nossa salvação todas as nossas ações, pois fomos criados para conhecer, amar e servir a deus. Não age prudentemente quem de alguma forma age se opondo a essa finalidade. Devemos imprimir em nossa alma uma máxima, que nos recordará sempre a agir tendo em vista esse fim último. Por exemplo: “de que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro, se perde a sua alma?

Na parábola de hoje, o senhor elogia a prudência do administrador iníquo, para nos mostrar a habilidade, a capacidade e a eficácia dos filhos das trevas em alcançar seus maus objetivos. É grande, por exemplo, a habilidade dos defensores da cultura de morte. Eles são de uma grande habilidade para implantar o pecado. Se os deputados e senadores não querem aprovar uma lei que permita o aborto em qualquer caso, porque os congressistas temem não serem eleitos depois, os abortistas recorrem aos tribunais, que decidem em favor do aborto. Eles recorrem ao poder executivo, para que sejam feitas normas que ampliem o acesso ao aborto nos casos não punidos pela lei. Eles fazem leis suficientemente vagas para incluir nelas a possibilidade livre de aborto, etc. Se o Congresso não quer aprovar uma lei para o casamento homossexual, eles impõem tal união à sociedade por meio de decisão do Conselho Nacional de Justiça, que obriga os cartórios a registrarem tais uniões, etc. Os filhos das trevas são muito hábeis na prudência da carne, para buscar aquilo que ofende a Deus e que prejudica a sociedade, a fim de satisfazerem as paixões, a fim de implementarem uma ideologia diabólica. Nós devemos imitar a habilidade deles, mas para o bem, buscando um fim bom, e buscando esse fim bom com meios igualmente bons e justos, sem astúcia, sem enganação. Devemos buscar os melhores meios e executar com afinco esses meios, com a finalidade de que Nosso Senhor Jesus Cristo reine em nossas almas, para que reine na sociedade, para que Ele reine nas nações. Devemos sempre agir com prudência, tendo em vista sempre a nossa finalidade aqui na terra, que é a salvação da nossa alma. Devemos agir com prudência, refletindo, escolhendo os meios mais aptos, tomando a decisão de colocar em prática esses meios para sermos eternamente felizes no céu. Assim, no dia do juízo, Nosso Senhor poderá nos dizer: fidelis servus et prudens intra in gaudium domini tui. Servo fiel e prudente, entra na alegria do Senhor. (Mescla de São Mateus XXIV, 45 e XXV, 21)

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Instrução] Três novos textos sobre o “namoro católico”

Leia no site “SCUTUM FIDEI” os três novos textos na íntegra:

> A duração do namoro <

> A finalidade do namoro <

> A necessária castidade no namoro <

Suponho que o excelente texto do Padre Luiz Carlos Lodi recentemente republicado aqui tenha feito muito bem aos jovens – ou nem tão jovens – católicos que pretendem ter um namoro santo, conforme a reta razão iluminada pela fé, para poderem ter também um casamento santo. O namoro é preparação para o casamento. Assim, quem quer ter um bom casamento, deve preparar-se bem. Casamento santo supõe preparação santa, supõe namoro santo. Gostaria, porém, de acrescentar alguns pontos quanto (1º) à duração do namoro católico e (2º) quanto à finalidade do namoro, que o Padre define corretamente como “conhecer a alma do outro”. Finalmente, (3º) gostaria de tratar com um pouco mais de precisão das consequências prejudiciais dos pecados contra a pureza entre namorados. (…)”

Pe. Daniel Pinheiro

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[Sermão] A ira santa e a paciência imprudente

Sermão para o Quinto Domingo depois de Pentecostes
23 de junho de 2013 – Padre Daniel Pinheiro

 

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…

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“Se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, não entrareis no reino dos céus.” “Ouvistes o que foi dito aos antigos: Não matarás e quem matar será condenado em juízo. Pois eu vos digo que todo aquele que se irar contra seu irmão, será condenado em juízo.” (Mateus V, 21)

Neste trecho do Sermão da Montanha, que é o resumo da Lei Evangélica – lei do amor a Deus e ao próximo -, Nosso Senhor, legislador supremo, que aperfeiçoa a lei antiga e condena as interpretações erradas dadas pelos fariseus e escribas, mostra o valor profundo do quinto mandamento.  Não matar é insuficiente. É preciso cortar o mal em suas origens, pela raiz, é preciso coibir a ira, causa do homicídio.

O divino legislador parece, porém, violar a própria lei por Ele estabelecida. Pouco antes de estabelecer o perfeito sentido do quinto mandamento, Nosso Senhor atacou e condenou os fariseus, dizendo que a justiça deles era insuficiente para entrar no céu. Mas não somente isso: Nosso Senhor expulsa os vendilhões do templo com ira e condena os fariseus chamando-os de hipócritas, de cegos, de serpentes, de víboras, de orgulhosos. Haveria, então, uma contradição entre o preceito dado por Cristo e a sua atitude face aos fariseus?

A contradição, claro, é somente aparente. Para resolvê-la, devemos compreender o verdadeiro sentido do preceito e conhecer quem eram os fariseus e os escribas. Como explicam todos os Padres da Igreja baseados no texto grego do Evangelho de São Mateus, o que Nosso Senhor proíbe como pecado é a ira sem motivo. A ira é o sentimento, a paixão, que nos move a agir para restabelecer a ordem lesada por uma injustiça, para defender um bem que é atacado, uma verdade que é atacada. Assim, se esse movimento de cólera se dirige contra um verdadeiro mal a fim de restabelecer a justiça, a verdade ou a virtude por meios lícitos e dentro dos devidos limites, a ira não somente não é proibida, mas é mesmo louvável porque, neste caso, ela é conforme à razão e à moral. A ira encontra sua origem no amor do bem e da justiça. Quando o bem ou a justiça são atacados, nada mais virtuoso do que defendê-los dentro dos devidos limites. A ira deve, então, ser dirigida pela razão e voltar-se contra o mal, contra o vício, contra o pecado, que são uma ofensa a Deus, nosso maior bem. E face ao pecado e ao vício, a ausência de ira pode ser um pecado porque mostra a falta de amor por Deus. O preceito de Nosso Senhor – “todo aquele que se irar contra seu irmão, será condenado em juízo” – encontra seu verdadeiro sentido quando se compreende desse modo: todo aquele que se irar contra seu irmão, sem motivo, será condenado em juízo.

Resta saber se a ira de Nosso Senhor relativa aos fariseus é justa ou não.  Para tanto, é preciso conhecê-los. Fariseu quer dizer separado e comumente se pensa que os fariseus são aqueles que cumprem com exatidão a lei de Deus. Com frequência, católicos sérios são acusados de serem fariseus por buscarem, apesar de suas inúmeras fraquezas e defeitos, praticar bem a lei de Cristo, opondo-se às leis desse mundo. Ora, se os fariseus fossem simplesmente fiéis observadores da Lei de Deus, Nosso Senhor não teria razão para repreendê-los e condená-los, mas sim para elogiá-los dizendo: “servos bons e fiéis entrem na alegria do Senhor”. Nosso Senhor observou perfeitamente a Lei Mosaica e Nossa Senhora também. Seriam eles fariseus? Os fariseus não são aqueles que observam perfeitamente a lei de Deus.  Ao contrário, os fariseus não praticavam a lei dada por Deus e não deixavam os outros praticá-la: em primeiro lugar porque os fariseus e escribas – seguindo tradições puramente humanas, inventadas por eles, e interpretando a Lei segundo seus gostos – violavam essa mesma lei. Sob pretexto de cumprir tais tradições, a lei dada por Deus era desprezada. Sabemos que nenhuma lei humana, nem mesmo a lei de um país pode contrariar a lei estabelecida por Deus. Assim, inventaram uma consagração de certos bens a Deus para não ajudar os pais, evitando perder, dessa forma, certa riqueza (Marcos VII, 11), e se opondo ao quarto mandamento. Em segundo lugar, os fariseus violavam a lei porque praticavam uma religião puramente exterior, em que a pureza exterior substituía a santidade interior. Assim, eles pagavam o dízimo de todas as ervas (o que era bom e louvável), mas negligenciavam a justiça e a misericórdia (Mateus XXIII, 23). Eram hipócritas, bonitos por fora como um túmulo pintado de branco, mas no interior cheio de podridão. Finalmente, os fariseus violavam a lei pelo orgulho: todas as suas boas obras eram para ser vistas pelos homens e não por amor a Deus, em franca oposição ao que é preciso fazer, pois “quer comais quer bebais ou façais qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus” (I Cor X, 31) . Com essa doutrina, os fariseus não entravam no céu e também não deixavam os outros entrar, uma vez que eram os guias do povo. Eram, então, cegos guiando cegos. Haveria maior mal do que esse, haveria maior ofensa a Deus do que essa: impedir que os outros entrem no céu?

Nosso Senhor Jesus Cristo – que amava a Deus da maneira mais perfeita possível e que buscava a salvação das almas – não poderia ficar impassível face à péssima doutrina dos fariseus. Ele, sendo bom, amava a justiça, e a justiça lesada pede reparação. Assim, a ira de Nosso Senhor contra os fariseus é, em realidade, virtuosa porque ela tem um motivo perfeito: os direitos de Deus atacados e a salvação das almas impedida pela doutrina dos fariseus e escribas. É importante sabermos que existe uma ira santa. Muitos católicos pensam que a santidade consiste numa total indiferença face ao mal, no fato de não reagir de maneira alguma, na tolerância da diferença. Tudo isso baseado em um falso conceito de mansidão. A mansidão não impede a ira, mas a regula segundo a reta razão iluminada pela fé. De um lado, a mansidão impede a ira desordenada que pode ser pecado mortal ou venial, segundo exceda grave ou levemente os limites impostos pela razão na correção do próximo, na reparação da justiça, na defesa de um bem, de uma verdade. Do outro lado, ela impede uma excessiva brandura, originada do amor por uma falsa paz.  O exemplo de santidade e de mansidão é Cristo e Ele mostrou que em determinados momentos uma ira santa é indispensável. Assim, Santo Agostinho nos diz que aquele que não se enfurece (de maneira ordenada), quando há uma causa para isso, peca por uma paciência imprudente que favorece os vícios, aumenta a negligência e encoraja o agir mal. A ausência da ira seria então pecar contra a justiça e a caridade. Nós católicos e, sobretudo, aqueles constituídos em autoridade deveríamos, então, nos levantar para defender os direitos de Deus e nos opormos, com vigor, às leis e doutrinas iníquas: divórcio, aborto, contracepção, união contra a natureza, entre tantas outras… A nossa paciência imprudente já permitiu males enormes…

Todavia, a ira para ser santa deve ser prudente.

Ela deve ter como causa uma verdadeira injustiça. Ela deve proceder da inteligência e da vontade e não de um sentimento impetuoso e descontrolado. Ela tem que ser dominada pelo homem e não o homem ser dominado por ela. Se nossa inclinação é de falar bruscamente, com voz destemperada e expressões indevidas, com grosserias, palavras de baixo calão, nossa ira é desordenada, pecaminosa. Se nossa ira nos leva a agressões ou destruição do bem alheio, ela é pecaminosa (a não ser, claro, em caso de legítima defesa, ou em caso de exercício da legítima autoridade, mas sempre proporcionalmente ao mal que é combatido).

A ira santa deve ser exercida quando há alguma esperança de êxito e principalmente por aqueles que têm obrigação de denunciar a injustiça e de restabelecer a ordem. E, ainda que não haja a possibilidade de êxito, às vezes é preciso para não escandalizar os outros, dando a impressão de que estamos de acordo com o mal. Ela deve ser sempre proporcional ao mal causado, como já dissemos.

Ela deve ter em vista mais o bem comum e a glória de Deus do que o bem privado. A ira santa não deve ter como objeto os males e as pequenas injustiças que sofremos porque eles têm para nós algo de justo – pois merecemos ser punidos pelos nossos pecados – e de bom – porque se os aceitamos de bom grado, Deus nos conduz à vida eterna. Devemos ter muita paciência nas tribulações, unindo-nos a Nosso Senhor. Podemos, claro, buscar afastar essas adversidades e a causa do sofrimento, mas sempre com serenidade e com submissão à vontade de Deus. Diante do sofrimento e das adversidades, que nossa ira nunca se volte contra Deus, que é o autor de todo o bem.

Na ira santa, não devemos desejar o mal do pecador, mas o bem que é sua correção e o bem que é o restabelecimento da ordem violada – que no mais das vezes passa, claro, pela punição daquele que fez o mal.

Atenção. É muito fácil equivocar-se na apreciação dos justos motivos que justificam a ira e é muito fácil perder o controle no exercício dela. É preciso estar, então, muito alerta e, na dúvida, o melhor é inclinar-se à doçura e não à ira. 

Assim, Nosso Senhor, verdadeiramente manso, soube perfeitamente o momento de irar-se ou e não irar-se, pois muitas vezes o remédio mais eficaz diante de um mal não é a ira. Nosso Senhor irou-se contra os fariseus, pertinazes no erro e no pecado, mostrando a falsidade da doutrina desses mestres hipócritas, a fim de conduzir o povo a Deus e a fim de tentar converter os próprios fariseus. Mas Ele não se encolerizou contra Herodes ou Pilatos no momento de sua paixão, pois não convinha que Nosso Senhor reagisse: sua ira não os tiraria do mal no qual estavam afogados e convinha que ele morresse para nos salvar. Nosso Senhor também não se encolerizou nem com os apóstolos lentos para compreender os seus ensinamentos nem com outros pecadores (Maria Madalena, Zaqueu): neste caso, Ele sabia que o melhor remédio para conduzi-los a Deus era a paciência e a doçura e não ira.

Como diz, então, o Salmo: “Irai-vos, mas não pequeis”. Irai-vos por uma causa justa, irai-vos dentro dos justos limites. Irai-vos sem deixar se levar pela ira. Irai-vos mantendo sempre o controle da razão iluminada pela fé e pela caridade. Irai-vos amando o próximo, afastando o ódio pelos outros. Na dúvida, vale mais inclinar-se à doçura.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Nota do Editor: os destaques são nossos.]

[Sermão] Exortação às crianças que recebem a Primeira Comunhão

Sermão para o Terceiro Domingo depois de Pentecostes
09 de junho de 2013 – Padre Daniel Pinheiro

 

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…

***

Gostaria de lembrar que para comungar é preciso ser batizado, católico (e só católico, sem mistura de outras religiões ou doutrinas), não ter pecado grave na consciência (por exemplo, ter faltado à Missa aos Domingos por negligência, estar em situação matrimonial irregular ou usar método anticoncepcional), jejum de pelo menos uma hora antes da comunhão, estar vestido de maneira decente (quer dizer, cobertos os joelhos e os ombros inclusos e tudo o que se encontra entre os dois. A esse respeito ver a instrução no início do livreto da Missa).

***

 Antes de me dirigir às crianças e, por meio delas, a todos, gostaria de lembrar a doutrina da Igreja acerca da primeira comunhão das crianças feita na idade em que elas começam a ter o uso da razão, quer dizer, em torno dos sete anos. Relembrarei simplesmente as palavras de São Pio X em seu decreto Quam Singulari de 1910 – recomendo a todos que o leiam – em que esse Papa Santo dá o último golpe contra os erros nessa matéria, em particular contra o jansenismo que exigia um estado de perfeição para a recepção da Sagrada Comunhão e um alto nível de instrução das crianças, fazendo-as esperar até os 10, 12, 14 ou mais anos. Infelizmente, o erro que São Pio X combateu se encontra hoje – e já faz algumas décadas – novamente difundido: a primeira comunhão e a primeira confissão se fazem muito tarde.

Diz São Pio X:

“(…) Este costume [nota do pregador: de receber tardiamente a primeira comunhão] que, sob o pretexto de assegurar o respeito devido ao Augusto Sacramento, afasta dele os fiéis, foi causa de males sem conta. Sucedia, de fato, que a inocência da criança, arrancada aos afetos de Jesus Cristo, não se alimentava de nenhuma seiva de vida interior; e, consequentemente, a juventude, privada de socorro eficaz e cercada de tantas armadilhas, perdia o candor e caía no vício, antes de ter provado dos Santos Mistérios. E ainda que se preparasse a Primeira Comunhão por uma formação mais diligente e uma Confissão mais cuidadosa, o que, na verdade, não se faz em todo lugar, sempre há um prejuízo para a primeira inocência, prejuízo que talvez pudesse ser evitado, se a Eucaristia fosse recebida em idade mais tenra.

(…) Causaram esses danos os que insistem mais do que é justo em que preparações extraordinárias antecedam à Primeira Comunhão, talvez sem perceber que esse gênero de cuidado deriva dos erros jansenistas, que sustentam que a Santíssima Eucaristia é um prêmio, e não um remédio para a fragilidade humana. Muito oposto a isso era o espírito do Concilio Tridentino, que ensinou que a Eucaristia é “o antídoto por meio do qual somos liberados das culpas quotidianas e preservados dos pecados mortais.” (Sess. XIII, de Eucharistia)

(…) a idade de discrição para comungar é aquela em que a criança sabe distinguir o pão Eucarístico do pão comum e corporal, para poder se aproximar do altar devotamente. Assim, não se requer um conhecimento perfeito das verdades de Fé, pois o conhecimento de alguns elementos basta, e isso é ter um certo conhecimento; nem se requer o uso perfeito da razão, pois basta um uso incipiente, e isso é ter um certo uso da razão. Com tudo isso, adiar a Comunhão, e estabelecer idade mais madura para recebê-la, deve ser algo completamente reprovado. E a Sé Apostólica muitas vezes condenou isso.”

No final do decreto, o Papa estabelece normas com relação ao assunto:

“I. A idade da discrição tanto para a Confissão quanto para a Comunhão é aquela em que a criança começa a raciocinar, isto é, pelos sete anos, às vezes mais, às vezes menos. Nesse período, começa a obrigação de satisfazer aos dois preceitos da Confissão e da Comunhão.

II. Para a primeira Confissão e primeira Comunhão, não é necessário um pleno e perfeito conhecimento da doutrina cristã. A criança, porém, deverá aprender depois gradativamente todo o catecismo, em conformidade com sua inteligência.

III. O conhecimento da religião que se requer da criança para que ela se prepare convenientemente para a primeira Comunhão é que ela entenda, segundo a sua capacidade, os mistérios necessários por necessidade de meio (nota do pregador: Santíssima Trindade e Encarnação, além da existência de Deus e do fato de que Deus é remunerador na ordem sobrenatural) e diferencie o pão eucarístico do pão comum e corporal, para que se aproxime da Eucaristia com a devoção que sua idade comporta.

IV. A obrigação do preceito da Confissão e da Comunhão que concerne à criança recai principalmente sobre aqueles que devem cuidar dela, isto é, sobre os pais, sobre o confessor, sobre os mestres e sobre o pároco. Ao pai, porém, ou àqueles que estão em seu lugar, e ao confessor é que cabe admitir a criança à primeira Comunhão, segundo o Catecismo Romano.

VII. O costume de não admitir as crianças à Confissão ou de nunca lhes dar a absolvição, embora tenham atingido o uso da razão, deve ser completamente reprovado. Por isso, os Ordinários locais, empregando também os remédios do direito, cuidarão para que tal costume desapareça inteiramente.”

Até aqui o decreto do Papa. Podemos ver, então, que a comunhão quando a criança atinge o uso da razão – em torno dos sete anos – é de uma necessidade grande para que ela preserve a sua alma pura de todo pecado, para que ela adquira forças para não cair nas inúmeras ciladas do mundo e do demônio, sobretudo em nossa sociedade atual. O Concílio de Trento diz que “as crianças que não têm o uso da razão não são obrigadas à Comunhão Sacramental por nenhuma necessidade” “pois nessa idade não podem perder a graça de filhos de Deus que receberam”. A única razão, então, que dá o Concílio de Trento para justificar que as crianças não são obrigadas a comungar é o fato de não poderem pecar. Assim, a partir do momento em que podem pecar mortalmente, quer dizer, a partir dos sete anos maios ou menos, elas precisam se confessar e precisam receber a Santa Eucaristia, para evitar a queda, para se fortalecerem espiritualmente, a fim de guardarem a pureza batismal. A comunhão feita cedo é um bem enorme para a criança, para a Igreja, para a sociedade.

Gostaria de dirigir, agora, algumas palavras àqueles que vão receber o Corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo pela primeira vez.

João Vitor, Miguel, Mateus, Jonathan, Enzo, Catarina e Bárbara. Hoje é o dia mais importante da vida de vocês, pois hoje é o próprio Jesus Cristo que vocês irão receber na hóstia consagrada. Nosso Senhor Jesus Cristo. Com seu Corpo, Sangue, Alma e Divindade. Vocês vão receber Nosso Senhor Jesus Cristo, que é verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem. Vocês vão receber Jesus Cristo, que passou a sua vida fazendo o bem. Vocês vão receber Nosso Senhor, que fez os mais sublimes milagres. Vocês vão receber Nosso Senhor, que nos ensinou a Verdade. Nosso Senhor, que veio ao mundo unicamente para nos salvar e obedecer assim a Deus Pai. Vocês vão receber Jesus, que nasceu de Maria Virgem, padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado morto e sepultado para perdoar os pecados de vocês e para salvar a alma de vocês e de todas as pessoas. Vocês vão receber o próprio Deus, criador de todas as coisas, do céu e da terra, dos anjos, dos minerais, das plantas, dos animais, dos planetas, dos homens: criador de tudo o que existe. Que graça enorme e que bondade enorme a de Nosso Senhor Jesus Cristo: se entregar a nós na Eucaristia para que possamos nos salvar. Portanto, vocês sabem muito bem que aquilo que vocês vão receber parece pão, tem gosto de pão, mas que é, na verdade, o Corpo, o Sangue, a Alma e a Divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo. Hoje é o dia mais importante da vida de vocês: é o dia em que o próprio Deus vai se entregar a vocês como alimento espiritual, para dar forças para que vocês sejam pessoas boas, quer dizer, pessoas que seguem aquilo que Cristo ensinou.

Hoje deve ser o dia mais alegre da vida de vocês, pois vão receber o maior bem e o maior tesouro que poderiam desejar. Não se trata de um brinquedo, de uma diversão de algo que passa e caba rapidamente. Não. É o próprio Deus que vocês vão receber. Deus, que é infinito, que é nossa felicidade e nossa alegria. Vocês receberão o próprio Deus na Eucaristia e o receberão bem preparados, com a alma pura, com o desejo de serem melhores cristãos: acreditando mais firmemente naquilo que Deus nos falou, praticando melhor os mandamentos, deixando de lado todo pecado, combatendo, com todas as forças de vocês, o pecado mortal e também o venial, que são os dois maiores males que existem. Se vocês receberem bem o Corpo, o Sangue, a Alma e a Divindade de Cristo, e receberem com frequência, vocês irão ao céu, vocês serão eternamente felizes no céu e agradarão a Deus.

Lembrem-se de que vocês, como todas as outras pessoas, foram criados para conhecer, amar e servir a Deus aqui na terra, para poder ser eternamente feliz com Ele no céu. Fazer uma coisa que não nos leve a conhecer, amar ou servir a Deus é perder o nosso tempo. Lembrem-se, então, de que a primeira comunhão não é o fim, mas o começo.

[Às crianças que fazem a Primeira Comunhão]: “Façam o esforço para rezar o terço diariamente, imitando o exemplo da Jacinta e do Francisco, crianças que viram Nossa Senhora de Fátima. Eles rezavam o terço diariamente e tinham a idade de vocês.”

A partir de hoje, vocês terão que se esforçar ainda mais para fazer aquilo que Deus manda, pois fazer o que Deus manda agrada a Ele e faz bem para vocês. A partir de hoje, vocês terão que rezar ainda mais: ao acordar, antes de dormir, antes das refeições, e várias outras vezes durante o dia vocês devem dirigir palavras a Jesus Cristo e à sua Mãe, Maria. Façam o esforço para rezar o terço diariamente, imitando o exemplo da Jacinta e do Francisco, crianças que viram Nossa Senhora de Fátima. Eles rezavam o terço diariamente e tinham a idade de vocês, aproximadamente. A partir de hoje, vocês terão que procurar conhecer ainda melhor aquilo que Cristo ensinou,para poder amar mais a Cristo e colocar em prática tudo o que Ele nos falou. Leiam o catecismo, perguntem aos pais, que têm obrigação de ensinar a doutrina cristã aos filhos, perguntem ao Padre. A partir de hoje, vocês terão que praticar ainda melhor os mandamentos, evitando com todas as forças de vocês o pecado, pois o pecado ofende a Deus e prejudica a alma de vocês. A partir de hoje, vocês devem receber com frequência a confissão e a comunhão. Se caírem em pecado mortal, procurem confessar rapidamente, fazendo o exame de consciência, com arrependimento, com o propósito de não mais voltar a pecar, confessando sem medo todos os pecados e cumprindo a penitência dada pelo Padre.

A partir de hoje, vocês assistirão à Missa prestando atenção no que está acontecendo, sem se distrair, sem conversar, sem brincar com o irmão ou a irmã. Vocês assistirão à Santa Missa com devoção, entregando tudo o que vocês são e tudo o que vocês têm para Deus. Lembrem-se sempre de que a Missa é a renovação do sacrifício do Calvário, a renovação da crucificação de Cristo. A Missa é o que tem de mais importante na face da terra. Na Missa, vocês devem adorar a Deus, reconhecendo que ele é o Senhor e o Mestre de todas as coisas e se submetendo a Deus todo-poderoso. Na Missa, vocês devem pedir perdão a Deus por todos os pecados que vocês cometeram. Na Missa, vocês devem agradecer por todos os benefícios, por todas as graças que Deus deu a vocês: foi Ele que criou vocês, é pelo poder dEle que vocês continuam existindo, é pela bondade dEle que vocês vão receber a Sagrada Comunhão, é pela bondade dEle que vocês fazem coisas boas. Na Missa, vocês deverão pedir a Deus as graças, as ajudas que vocês precisam para praticar o bem e para não praticar o mal, que é o pecado.

Peçam, principalmente, a graça de serem fortes: a graça de continuarem fazendo sempre a vontade de Deus, sem dar atenção aos colegas que zombam de vocês porque vocês praticam a religião, sem dar atenção a outras dificuldades. Nosso Senhor Jesus Cristo sofreu muito, até a morte e morte de Cruz, mas sempre continuou fazendo o bem, fazendo a vontade de Deus. Vocês devem imitar Nosso Senhor. Nunca deixar de fazer o bem, por mais difícil que seja. Assim, vocês serão verdadeiros heróis, vocês serão santos.

A partir de hoje, vocês deverão ter uma devoção muito grande a Nossa Senhora, Maria. Ela é a Mãe de vocês. Ela é uma boa Mãe que sempre nos ajuda. Nas dificuldades, nos sofrimentos, nas tristezas, mas também nas alegrias e em todas as situações, rezem para Nossa Senhora, rezem o Terço. Ela sempre nos leva para o Filho dela: Jesus Cristo.

Hoje e todos os dias, vocês devem receber a comunhão com muita devoção, sempre na boca, de joelhos, pedindo a Deus que Ele faça de vocês pessoas santas. Uma só comunhão basta para nos transformar, para nos fazer deixar os nossos erros e os nossos maus hábitos e costumes. Recebam a comunhão pedindo a Jesus Cristo a santidade, pedindo a Ele a graça de perseverar com a alma pura até o dia da morte de vocês, para que, nesse dia, vocês possam ir para o céu, para que possam ser eternamente e infinitamente felizes.

É o próprio Deus que vocês vão receber agora na alma de vocês. Façam para Deus uma morada, uma casa digna, com uma alma pura, uma alma que busca em todas as coisas agradar a Deus. Hoje é o dia mais importante da vida de vocês. Vocês receberão o Corpo, o Sangue, a Alma e a Divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Sermão] A Assistência à Santa Missa

Sermão para o Segundo Domingo depois de Pentecostes
02 de junho de 2013 – Padre Daniel Pinheiro

 

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…

***

“Um homem fez uma grande ceia e convidou muitos. E, à hora da ceia, mandou um servo dizer aos convidados que viessem, porque tudo estava preparado.”

A Parábola que Nosso Senhor conta hoje nos faz ver a conduta misericordiosa de Deus, que convida todos os homens à prática do Evangelho, à fé, à Igreja, à salvação, à felicidade eterna do céu. Todavia, podemos ver também nesse banquete a Santa Missa. Não porque a Missa seja essencialmente um banquete, pois sabemos que ela é essencialmente a renovação do sacrifício do Calvário. Podemos, porém, dizer que a Santa Missa é esse banquete ao qual Nosso Senhor nos convida, que ela é esse banquete que já está todo preparado. Todavia, quantos, infelizmente, não compreendem o valor da Santa Missa e quantos fabricam desculpas para não assistir à Santa Missa.

O terceiro mandamento nos manda santificar os domingos e festas. A nossa razão, sem necessidade da revelação, nos mostra que temos o dever de dedicar uma parte do nosso tempo ao culto de Deus, e isso não só em privado, mas também em público, pois somos animais racionais e sociais. Devemos dedicar um tempo para honrar publicamente aquele que nos criou, que nos sustenta, etc. Para facilitar o cumprimento desse dever, Deus determinou ao povo eleito que o sábado deveria ser o dia do Senhor. Essa determinação foi abrogada pela Nova Lei, que substituiu o sábado pelo domingo, porque foi nesse dia que Nosso Senhor ressuscitou e porque foi no domingo de Pentecostes que a Igreja foi promulgada, como dissemos na Festa de Pentecostes. Mudou-se também o dia para que os cristãos não confundissem as festas da nova lei com as festas judaicas. Esse mandamento de santificar domingos e festas nos obriga, de um lado, a cultuar e Deus como ele quer ser cultuado: pela assistência à Santa Missa. Por outro lado, ele obriga ao descanso dominical, proibindo, em particular, os trabalhos servis.

Trataremos hoje da assistência à Santa Missa. O homem tem o dever de honrar e adorar publicamente a Deus. Isso se faz, antes de tudo, por meio do sacrifício, que é o ato oficial e externo de adoração que os indivíduos e a sociedade oferecem a Deus. Hoje, e até o final dos tempos, esse sacrifício é o Sacrifício de Cristo renovado em nossos altares. Hoje, esse sacrifício é a Santa Missa. Não há outro sacrifício que seja agradável a Deus. Não devemos sacrificar comidas, animais ou outras criaturas. Oferecer a Deus outro sacrifício, que não o sacrifício da Missa, é desagradar a Deus. Só um sacrifício é possível, o da Santa Missa.

Nos domingos e festas de preceitos, somos, então, obrigados a assistir à Missa sob pena de pecado mortal. Muitas pessoas já não compreendem porque o fato de deixar de assistir à Missa aos domingos e dias santos sem ter motivo sério é uma falta grave e acham isso um exagero. Infelizmente, muitos já não sabem ou não querem compreender que a Santa Missa é o maior bem que nós temos na terra. Na Santa Missa, é o sacrifício de Cristo que se renova. A Missa e o a Cruz são o mesmo sacrifício. O mesmo sacerdote, que é Cristo. A Mesma vítima, que é também Cristo. A única diferença entre a Missa e o Calvário é o modo pelo qual Nosso Senhor Jesus Cristo se oferece a Deus. Na Cruz, Cristo se ofereceu de modo cruento, com sofrimentos, com derramamento de sangue. Na Missa, Ele renova o sacrifício do Calvário, oferecendo-se a si mesmo de forma incruenta, de forma sacramental, sem sofrimento, sem sangue, sem morrer novamente. É pela Cruz que Cristo nos obteve a possibilidade de ter os pecados perdoados. É pela Cruz que Cristo nos obteve os méritos para pedirmos as graças necessárias para a nossa salvação. É pela Cruz que Cristo no torna possível adorar perfeitamente a Deus. É pela Cruz que podemos agradecer a Deus por todos os benefícios que nos deu. Tudo isso que Cristo adquiriu no Calvário, Ele quis nos dar e aplicar por meio da Santa Missa, por meio da renovação incruenta de seu sacrifício. Podemos dizer, então, que é pela Missa que podemos obter o arrependimento de nossos pecados para buscar a confissão. É pela Missa que podemos obter as graças que precisamos para nos salvar. É pela Missa que podemos agradecer a Deus pelos seus inúmeros benefícios. É pela Missa que podemos adorar a Deus perfeitamente, reconhecendo o soberano domínio de Deus sobre todas as coisas e nos submetendo a esse soberano domínio. Claro que podemos fazer tudo isso fora da Missa, e devemos fazer todas essas coisas fora da Missa. Toda a eficácia, porém, dessas ações vêm da Missa, da Santa Missa. A Missa é o centro do mundo. A Missa é o centro de nossas vidas. Todas as graças vêm ao mundo por meio de Cristo, todas as graças nos são aplicadas por Cristo por intermédio da Santa Missa (daí, diga-se de passagem, a importância do Rito da Missa e a importância da Missa ser bem celebrada). A Santa Missa tem um valor infinito, pois nela é o próprio Homem-Deus que se oferece à Santíssima Trindade.

Tendo compreendido isso, é fácil compreender porque somos obrigados, pelo terceiro mandamento do decálogo e pelo primeiro mandamento da Igreja a assistir à Missa aos domingos e festas sob pena de pecado mortal. Pela Missa nos vem todas as graças como acabamos de dizer. Deixar de assistir à Missa aos Domingos sem ter uma razão séria, sem ter uma razão proporcional, traz para nossas almas grandes prejuízos. Deixamos de honrar Deus como lhe é devido. Deixamos de agradecer-lhe como lhe é devido. Deixamos de obter graças abundantíssimas para a nossa salvação. Deixamos de obter graças imensas de verdadeiro arrependimento. Trocamos um tesouro de valor infinito por uma criatura, pela preguiça, por uma diversão ou outra coisa…

Todos os fiéis devem, então, assistir à Missa aos domingos e dias de preceito determinados pela Igreja, sob pena de pecado mortal. E devemos assistir à Missa inteira, do primeiro sinal da cruz à bênção final. Para assistir à Missa, devemos ter a presença corporal, a intenção de cultuar a Deus e a atenção.

É preciso, então, assistir à Missa inteira. Quem falta a alguma parte dela já não assiste à Missa inteira. Conforme ao que se deixa de assistir, comete-se um pecado grave ou leve. Deixar de assistir a uma parte notável da Missa, pela duração ou pela importância, é falta grave. Assim, alguém que chega depois do ofertório, ou que chega depois do Evangelho e sai logo depois da comunhão omite uma parte notável da Missa. Aquele que se ausenta do prefácio até a consagração incluída ou da consagração inclusa até o Pai Nosso também perde uma parte notável, ainda que assista a todo o resto. Aquele que assiste à Missa inteira, mas deixa de assistir à consagração, também deixa de assistir a uma parte notável da Missa e comete uma falta grave. O Preceito pode ser cumprido, em caso de necessidade, pela assistência a duas Missa distintas, desde que não sejam celebradas ao mesmo tempo (no Rito tradicional é possível ter várias Missas em uma Igreja ao mesmo tempo, em altares distintos) e desde que se assista à consagração e à comunhão do sacerdote na mesma Missa.

Se a pessoa perde uma parte não notável da Missa, comete uma falta venial. Por exemplo, chegar atrasado, mas antes do ofertório não é perder uma parte notável. Deixar de assistir somente ao que segue à comunhão do sacerdote também não é perder uma parte notável. Deixar de assistir do início até a Epístola junto com o que segue à comunhão, também não é omitir uma parte notável. Diga-se, de passagem, que aquele que perde uma parte não notável da Missa pode comungar, pois não cometeu um pecado mortal ao deixar de assistir a uma parte não notável da Missa.

Em todo caso, o que chega atrasado à Missa está obrigado, leve ou gravemente, conforme à importância do que deixou de assistir, a suprir a parte que Missa que perdeu, assistindo-a em outra Missa, a não ser, claro que seja moralmente ou fisicamente impossível, por tratar-se da última Missa, por exemplo ou por outras razões válidas.

É evidente que para julgar a gravidade do pecado cometido é preciso considerar não só a qualidade ou a quantidade das partes da Missa a que se deixou de assistir, mas também a negligência e culpa da pessoa em não chegar no horário ou em não suprir a parte perdida da Missa. Se a pessoa não chegou antes do ofertório porque há um engarrafamento inesperado, por exemplo, não há, claro, nenhuma falta.

Essa presença corporal necessária para assistir à Missa é uma presença moral, de tal forma que seja possível dizer que aquela pessoa é uma das que realmente assistem à Missa. Por falta de presença corporal não cumpre o preceito aquele que assiste à Missa pela televisão ou pelo rádio ou o que permanece tão afastado do grupo de pessoas que assistem à Missa que já não se pode considerar que ela faz parte desse grupo. Todavia, não é necessário estar dentro da Igreja nem ver o sacerdote, bastando que faça parte dos que assistem à Missa e que possam acompanhar a Missa de alguma forma, seja pelos sons do sinos ou dos cantos, seja pelos gestos das outras pessoas, ajoelhando, levantando, etc…. Portanto, aqueles que estão na sacristia, ou atrás de uma coluna ou até mesmo na rua, se a Igreja está cheia, ou que estão ali atrás no claustro, estão corporalmente presentes à Missa e cumprem perfeitamente o preceito.

Além da presença corporal, é necessário que se assista à Missa com a devida intenção de cultuar Deus. Assim, aquele que vai à Missa unicamente para ouvir a música ou simplesmente para acompanhar outra pessoa, sem a intenção de honrar Deus, não assiste à Missa.

É preciso também ouvir a Missa com atenção, quer dizer, com a aplicação de nosso espírito ao que está ocorrendo. Para ouvir validamente a Missa se requer, ao menos, a atenção externa, evitando toda ação incompatível com a aplicação de nosso espírito à Missa. Assim, aquele que lê livros não religiosos durante parte notável da Missa não cumpre o preceito; aquele que conversa ou dorme durante parte notável da Missa não cumpre o preceito, etc. Por outro lado, o que toca órgão, o que faz a coleta, o que canta no coral ou o que dorme por alguns momentos, cumpre o preceito. A presença corporal com a intenção de honrar Deus e a atenção externa bastam para cumprir validamente o preceito. Claro que estamos falando aqui do mínimo para que o preceito seja cumprido e não do ideal, pois para que a pessoa possa obter os frutos da Missa e para que haja realmente o culto a Deus por parte dela, é preciso também a atenção interior, aplicando nossa inteligência e nossa vontade ao que está se realizando sobre o altar. Essa atenção pode ser às palavras e gestos do sacerdote, à significação dessas palavras e gestos, ou fazendo atos de caridade ou recitando orações piedosas, como o Terço. A distração voluntária durante a Missa é, portanto, uma falta, em geral leve, mas é uma falta, e uma falta que nos priva de muitas graças.

Muitas pessoas têm dúvidas com relação à assistência à Missa e o cuidado com as crianças pequenas. Como Nosso Senhor disse: deixai vir a mim as criancinhas (Lucas XVIII, 16). Claro que aquele que tem que voltar sua atenção aos cuidados da criança cumpre o preceito perfeitamente, bem como não tem que se preocupar aquele que tem que se afastar um pouco mais do grupo das pessoas que assistem à Missa quando a criança faz um pouco mais de barulho. Muitos pais gostariam de poder prestar mais atenção à Missa, mas a santidade não consiste em fazer o que queremos, mas em fazer aquilo que Deus quer, em particular cumprindo com nossos deveres de estado. Ofereça à Santíssima Trindade os cuidados que são dispensados aos filhos e que impedem o prestar atenção perfeitamente na Missa. É boa, muito boa a presença das crianças na Missa, pois na Missa rezamos de modo particular por todos os presentes. A criança, ainda que não compreenda o que está ocorrendo, recebe muitas graças em virtude dessas orações. Além disso, muitas graças são dadas à família que assiste à Missa unida. Aquele que vem à Missa com as crianças assiste à Missa e assiste bem à Missa, ainda que dedique parte notável da Missa aos cuidados da criança. Os pais podem e devem – com discrição, voz baixa e sem atrapalhar os outros – explicar às crianças o que está ocorrendo durante a Missa em suas partes mais importantes, sem que a assistência à Missa seja prejudicada. Tudo isso demanda um certo sacrifício dos pais, mas esse sacrifício será recompensado pelas graças recebidas pelas crianças e pelos pais. E, muito rapidamente, as crianças se acostumarão a ficar quietas durante a Missa.

Consideramos brevemente, então, o valor infinito da Missa e que, por isso, somos obrigados a assistir à Missa aos domingos e dias de preceito. E vimos que devemos assistir à Missa com presença corporal, com intenção de cultuar Deus e com atenção ao menos externa. Para deixar de assistir à Missa é necessária uma causa medianamente grave, ou seja, é preciso algo que cause um notável incômodo ou notável prejuízo nos bens da alma ou do corpo da própria pessoa ou do próximo. Para julgar a gravidade da causa devemos examinar se ela nos impediria também de fazer outras coisas importantes. As principais causas para poder deixar de assistir à Missa licitamente são três. A primeira é a impossibilidade moral: por exemplo, uma doença que impeça sair de casa também para outros assuntos importantes; uma distância considerável – os moralistas dizem cerca de uma hora a pé e tem gente que não quer fazer meia hora, quarenta minutos de carro; também os muito anciãos ou debilitados, que não podem ir à Igreja ou permanecer todo o tempo da Missa sem grave incômodo etc. não têm obrigação. Outro motivo que dispensa de assistir à Missa é a caridade, que obriga a socorrer o próximo, por exemplo, acompanhando um doente, ou se puder impedir com sua presença um pecado grave, ou para combater um incêndio e assim por diante… O terceiro principal motivo é por ter de cumprir uma obrigação, ou um dever: às vezes as mães para cuidar dos filhos, os militares, os policiais que devem garantir a segurança, médicos que têm de ficar de plantão e outros…

O católico que deixa de ir à Missa deixa de receber inúmeras graças, prejudica muitíssimo a sua vida espiritual e ofende gravemente a Deus, que quer ser honrado come lhe é devido, pela participação dos fieis à Santa Missa, pela participação à renovação do Sacrifício de Cristo. Assistir à Missa não é um fardo insuportável, mas é um grande bem para nossas almas e para a sociedade. A Missa é o que há de mais importante na terra, é o nosso maior tesouro, pois é em virtude dela, em última instância, que nos santificamos. Nosso Senhor já preparou tudo e nos convida com insistência a assistir à Missa e a assistir bem à Santa Missa. Basta aceitarmos o convite, sem desculpas vãs como as dos convidados para o banquete.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Instrução] Pequeno Catecismo do Namoro

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Texto: O Namoro
Autor: Pe. Luiz Carlos Lodi
Fonte: Pró Vida Anápolis

O namoro é o período em que o rapaz e a moça procuram conhecer-se em preparação para o matrimônio. No matrimônio homem e mulher doam seus corpos, constituem uma só carne e tornam-se instrumentos de Deus na geração de novas vidas humanas.

Mas antes de doar os corpos é preciso doar as almas. No namoro os jovens procuram conhecer não o corpo do outro, mas sua alma.

Os namorados não podem ter relações sexuais, pois o corpo do outro ainda não lhes pertence. Unir-se ao corpo alheio antes do casamento (fornicação) é um pecado contra a justiça, algo como um roubo.

E como nosso corpo é templo do Espírito Santo (1Cor 6,19) a profanação de nosso corpo é algo semelhante a um sacrilégio.

Não sabeis que sois um templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós? Se alguém destrói o templo de Deus, Deus o destruirá. Pois o templo de Deus é santo e esse templo sois vós” (1Cor 3,16-17).

Porém não é apenas a fornicação que é pecado, mas também tudo o que provoca desejo da fornicação, como abraços e beijos que, muitíssimo mais que constituírem expressões de afeto, despertam, alimentam e exacerbam o desejo físico.

Aliás, é possível profanar o templo do nosso corpo até por um pensamento: “Todo aquele que olha para uma mulher com mau desejo já cometeu adultério com ela em seu coração” (Mt 5,28).

Durante o namoro deve-se evitar o contato físico desnecessário. O contato entre os corpos (beijos e abraços), além de causar o desejo de fornicação, obscurece a razão. O próprio beijo na boca ou de novela já constitui uma entrega física, que, se acidentalmente pode não se consumar, no entanto a prepara ou apressa. Vale aqui lembrar a advertência de Cristo: “Vigiai e orai para não cairdes em tentação. O espírito é pronto, mas a carne é fraca” (Mt 26,41).

O prazer da excitação dos sentidos, além disso, torna os jovens incapazes de perceber a beleza da alma do outro. O namoro assim deixa de ser uma ocasião de amar para ser uma ocasião de egoísmo a dois, cada um desejando sugar do outro o máximo de prazer.

Como Namorar

Sendo o namoro o encontro de dois templos sagrados que desejam conhecer-se e amar-se interiormente, os namorados deveriam agir à semelhança de um rito litúrgico:

• rezar antes e depois do namoro;

• namorar apenas em lugar visível, para evitar ocasião de pecar; nada há para esconder;

• durante o namoro evitar ir além de conversar e dar as mãos;

• ter sempre em mente: “Eu estou diante de um templo sagrado. Ai de mim se eu profanar este templo até por um pensamento“.

E se o outro não aceitar namorar cristãmente?

É preciso renunciar ao namorado (à namorada).

Aquele que ama pai ou mãe mais do que a mim não é digno de mim. E aquele que ama filho ou filha mais do que a mim não é digno de mim” (Mt 10,37).

E Jesus poderia acrescentar:

Aquele que ama o namorado ou a namorada mais do que a mim não é digno de mim“.

Para conservar a graça que Cristo nos conquistou com o preço de seu sangue, devemos renunciar até à própria vida.

Mas há um consolo. Se outro não aceitar namorar senão através de beijos e abraços escandalosos, na verdade ele não ama você, mas deseja gozar do prazer que você pode oferecer. O verdadeiro amor sabe esperar.

É preciso ser diferente de todo o mundo?

Sim. O cristão deve ser sal da terra (Mt 5,13), luz do mundo (Mt 5,14), fermento na massa (Mt 13,33).

Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos, renovando a vossa mente, a fim de poderdes discernir a qual é a vontade de Deus, o que é bom, agradável e perfeito” (Rm 12,2)

A alegria da pureza

Aquele que procura o prazer encontra o prazer. Mas depois vem o vazio, o remorso de consciência e a tristeza.

Aquele que se abstém do prazer por amor encontra a alegria. Os puros de coração são capazes desde já de conhecer as coisas de Deus muito melhor do que os outros. A pureza se expressa no olhar. Ao olharmos para os olhos de uma pessoa pura, vemos algo de Deus em sua alma.

Se os que buscam o prazer na impureza conhecessem a alegria da pureza, desejariam ser puros mesmo que fosse por egoísmo . A alegria da pureza está acima do prazer da impureza assim como o céu está acima da terra. Experimente e diga-me se não é assim.

Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz

***

Oração para antes do namoro

Senhor,

Estou aqui diante de um templo santo onde vós habitais. Amo-vos presente neste templo e prefiro morrer a profanar este santuário mesmo por um pensamento.

Fazei que com este namoro eu aprenda a amar a vós presente no outro e assim descubra se foi este (esta) quem escolhestes para estar ao meu lado por toda a minha vida.

São Rafael Arcanjo, que conduzistes Tobias a Sara e lhes ensinastes a pureza do coração, fazei-nos namorar de tal modo que os anjos possam estar presentes e glorificar a Deus conosco.

Virgem puríssima, dai-nos a pureza do vosso Imaculado Coração.

***

Depois do namoro convém fazer um exame de consciência:

“Estou agora amando a Deus mais do que antes?”

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Sermão para o Quarto Domingo depois da Páscoa
28 de abril de 2013 – Padre Daniel Pinheiro

 

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…

***

A Coleta de hoje (a Coleta é a primeira oração sacerdotal propriamente dita da Missa, rezada após o Gloria) é uma obra prima, como tantas outras ao longo dos domingos do ano litúrgico. E faz parte, quase certamente, das Coletas antigas colocadas por escrito por volta do séc. IV ou séc. V (apesar de sua composição ser, provavelmente, ainda mais antiga do que isso). Essas Coletas são um lugar teológico, quer dizer, nelas podemos encontrar claramente a doutrina católica, elas exprimem a fé católica e são uma fonte para conhecer a doutrina de Nosso Senhor Jesus Cristo. Santo Agostinho estabeleceu seus doze artigos sobre a doutrina da graça a partir das Coletas das Missas. Foi a partir das Coletas que o Papa São Celestino I (séc. V) forjou o famoso adágio de que a lei da oração estabelece a lei do que se deve crer (legem credendi statuat lex supplicandi). A Coleta de hoje é uma obra prima pelo estilo, com seu ritmo bem estabelecido, com paralelismos, com oposições; porém, antes de tudo pela perfeita doutrina que contém e pelo pedido imprescindível que é feito. A Coleta de hoje é uma obra prima que serve de base para a nossa vida espiritual.

Consideremos essa curta, mas riquíssima oração, fazendo, primeiramente, uma tradução um pouco mais literal do que a habitualmente contida nos missais de fiéis. “Ó Deus, que formais as mentes dos fiéis com uma só vontade, dai aos vossos povos de amar aquilo que ordenais e de desejar aquilo que prometeis, para que, entre as mudanças do mundo, o nosso coração esteja fixado onde estão as verdadeiras alegrias.

Inicialmente, caros católicos, temos, na Coleta de hoje, a afirmação de que é Deus com a sua graça que pode formar, em nossa alma, boas disposições. É ele que forma na alma de todos os católicos e mais especialmente de todos aqueles que estão em estado de graça uma só vontade. Nós não podemos alcançar a graça com nossas próprias forças ou progredir na graça, na virtude, com nossas próprias forças. Na vida sobrenatural é Deus que age. E nós devemos também agir, cooperando com suas graças, com os seus benefícios. Nós devemos implorar, suplicar a sua graça, fazendo a nossa parte, nos esforçando para remover os obstáculos e para nos dispor à recepção da graça. Sem Deus, nós nada podemos fazer. Mas sem a nossa cooperação, também nada pode ser feito.

Tendo reconhecido que toda graça e todo bem sobrenatural vem de Deus, com o qual devemos cooperar, nós pedimos a Ele, que dê aos povos dEle a graça de amar aquilo que Ele ordena e de desejar aquilo que Ele promete. Vale destacar que no latim original temos povos no plural e não no singular, pois a Igreja, sendo única, é composta de diversos povos, ao contrário do que ocorria no Antigo Testamento. Como diz São João no Apocalipse: “Depois disso, vi uma grande multidão que ninguém podia contar, de toda nação, tribo, povo e língua.” (Apoc. VII, 9). É Deus que une esses diferentes povos e nações, formando neles uma mesma vontade, que ama aquilo que ele ordena e que deseja aquilo que ele promete. Portanto, o que faz a unidade dos fiéis não é o estar juntos, mas a caridade e a esperança, que têm como pressuposto a fé, pois só podemos esperar algo em que acreditamos e só podemos amar o que conhecemos. Sem a fé, não há esperança e não há caridade.

E é isso que hoje pedimos a Deus que forme também em nossas almas: a vontade de amar aquilo que Ele ordena e de desejar aquilo que Ele promete. O primeiro pedido é amar aquilo que Ele ordena. Nós só podemos amar, caros católicos, aquilo que reconhecemos como um bem para nós. Nós pedimos a Deus, então, que nos dê a graça de reconhecer que os seus mandamentos, que sua lei é algo bom, e bom para nós, não só porque nos faz alcançar a vida eterna, mas porque é boa para nós já nesse mundo. Reconhecendo que sua lei é um bem, poderemos amá-la verdadeiramente. Hoje, muitos veem a lei de Deus como um fardo a ser carregado com tristeza porque nos tira a liberdade e como um mal necessário para chegar ao céu. Na verdade, a lei de Deus é algo bom em si, ela corresponde perfeitamente à natureza humana e a aperfeiçoa e a eleva (gratia perfecit naturam), fazendo-nos participar da vida infinita da Santíssima Trindade. Além disso, a lei de Deus não tira de nós a liberdade, pois a liberdade bem compreendida não consiste em fazer o que se quer. A liberdade consiste em escolher os meios aptos para se chegar a um objetivo bom. Nosso objetivo aqui na terra é conhecer, amar e servir a Deus para ser eternamente feliz com Ele no céu. Portanto, a verdadeira liberdade consiste em escolher entre meios adequados para ir ao céu, sempre excluindo, consequentemente, o pecado. A lei de Deus auxilia a nossa liberdade, dirigindo-a para Deus, para que não nos desviemos da finalidade para a qual fomos criados. Devemos não só observar a lei de Deus, mas amá-la e amá-la cada vez mais. Como diz o rei David no Salmo 118 (que é um sublime elogio da lei de Deus): “Ah, quanto amo, Senhor, a vossa lei! Durante o dia todo eu a medito.” (Sal CXVIII, 97). Amar a lei de Deus não é, porém, algo sensível. Amar a lei de Deus é, primeiramente, cumpri-la e buscar cumpri-la cada vez melhor. Mas devemos ir além. Devemos buscar  nos alegrar profundamente no cumprimento da lei do Senhor. E é essa a diferença entre um católico comum e um santo. O santo se alegra profundamente no cumprimento da lei de Deus.  Eis o primeiro pedido da Coleta de hoje: que Deus nos dê a graça de amar aquilo que Ele ordena.

O segundo pedido é a graça de desejar aquilo que Ele prometeu. Um desejo se refere sempre a um bem ausente e se nós realmente desejamos esse bem que ainda não possuímos, buscamos os meios para alcançá-lo sem medir esforços. Quanto mais desejamos algo, mais buscamos os meios e mais amamos os meios que nos levam ao que desejamos. A Coleta pede a Deus que nos dê a graça de desejar aquilo que Ele prometeu. Aquilo que Deus nos prometeu, por excelência, foi o céu, a visão face a face de Deus em um corpo ressuscitado. E a vida eterna é justamente o nosso maior bem. Devemos, portanto, desejá-la com todas as nossas forças, empregando os meios necessários para alcançá-la, apesar de todas as dificuldades. O primeiro passo para alcançar a vida eterna é desejar alcançá-la, mas desejá-la realmente, disposto a empregar os meios. E se, com o auxílio divino, desejamos a vida eterna e empregamos o meio para alcançá-la, que é o amor a lei de Deus, o cumprimento da lei de Deus, podemos estar certos de que Deus nos dará graças mais do que abundantes para que alcancemos a vida eterna.

Amar aquilo que Deus manda e desejar aquilo que Ele promete. Não basta, porém, pedir essas duas coisas a Deus, quer dizer, não basta pedir aqui e agora que eu deseje o céu e que eu cumpra os mandamentos para alcançar o céu. É preciso pedir também a graça de perseverar até o fim nesse desejo de alcançar o céu e nesse cumprimento da lei de Deus. E essa é a última petição da Coleta de hoje: que diante da instabilidade, das mudanças das coisas do mundo, nós possamos permanecer fixos onde se contra a verdadeira felicidade. Tendo reconhecido que a lei de Deus é um bem para nós e tendo reconhecido que a vida eterna é o nosso maior bem, somos obrigados a reconhecer que a nossa felicidade se encontra na prática da lei de Deus e na ida ao céu. A verdadeira e perfeita felicidade está no céu, mas já se inicia aqui na terra pela prática da lei de Deus, que nos une a Ele. Que Deus possa fixar definitivamente nosso coração onde estão as verdadeiras alegrias e não nas alegrias aparentes e passageiras do mundo.

Devemos, então, caros católicos, com o auxílio da misericórdia e da onipotência divinas, amar a lei de Deus, praticando-a e procurando praticá-la com alegria. Devemos desejar ardentemente o céu. Devemos fixar nosso coração nesse amor e nesse desejo, que são nossas verdadeiras alegrias. Dessa forma, cumpriremos a nossa finalidade de conhecer, amar e servir a Deus e de alcançar o céu, mas também cumpriremos a finalidade ainda mais importante de dar maior glória a Deus, tornando-o mais conhecido, amado e servido.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.