Sermão para a Solenidade Externa da Festa de Todos os Santos
04.11.2017 – Padre Daniel Pinheiro, IBP
Depois disso, olhei e vi uma multidão grande que ninguém podia contar, de toda nação, tribo, povo e língua.
Poderíamos, caros católicos, considerando nesse dia de hoje todos os santos no céu, considerando a glória da Igreja triunfante, nos perguntar como aquele judeu perguntou ao Salvador: “Senhor, são poucos os que se salvam?” E o Senhor respondeu: “Esforçai-vos por entrar pela porta estreita porque vos digo que muitos procurarão entrar, e não conseguirão.” Nosso Senhor fala que é preciso esforçar-se, que é preciso entrar pela porta estreita, que o caminho é difícil, mas não responde propriamente quanto ao número de eleitos. Mesmo em outras passagens, quando o Senhor diz que muitos são os chamados e poucos os escolhidos, Ele não se refere exatamente ao número de eleitos, mas fala da maior parte dos judeus, que não quis entrar no reino de Deus, isto é, na Igreja Católica Apostólica Romana.
Nosso Senhor, no lugar de responder, mostra o caminho, mostra que é preciso esforçar-se, que é preciso renunciar a si mesmo, ao pecado, ao demônio, ao mundo. Nosso Senhor não quis responder para evitar que as almas se perdessem. Se Nosso Senhor respondesse que são poucos os que se salvam, muitos seriam levados ao desespero. Se Nosso Senhor falasse que é grande o número dos que se salvam, muitos seriam levados à presunção, quer dizer, seriam levados a pensar que poderiam se salvar de qualquer jeito, sem muito esforço. Nosso Senhor não responde propriamente a pergunta.
Dentro desse tema, não devemos acreditar que praticamente todo mundo se salva nem que praticamente todo mundo se condena. Nós podemos, todavia, com base na Revelação e na razão, ter um otimismo moderado. Ora, mesmo a lição do livro do Apocalipse, que lemos hoje, fala de uma multidão incalculável de santos. A própria repetição do texto na Epístola de hoje dá a ideia de uma grande multidão. E nós, ao comemorar todos os santos, nos lembramos também da quantidade imensa deles, de quantos nos são completamente desconhecidos e de quantos eram como nós, no mesmo estado de vida, com as mesmas dificuldades, com as mesmas quedas e conseguiram, no entanto, alcançar o céu, humilhando-se e apoiando-se na graça de Deus, fazendo a parte deles, fazendo o esforço deles, ajudados pela graça, com o nosso mesmo estado de vida, com os nossos mesmos defeitos, com os nossos mesmos pecados, e conseguiram converter-se a Deus.
Lembremo-nos sempre caros católicos, nesse dia, daquela frase de Santo Agostinho: “Se estes e estas puderam se santificar, por que não eu?” Também eu posso me santificar com a graça de Deus, com muita humildade.
Nós temos motivos para um otimismo moderado quanto ao número dos que se salvam, caros católicos. Temos motivo para esse otimismo por causa da misericórdia de Deus, e também por causa da Sua justiça, que pune apenas aqueles que merecem, que morrem sem arrependimento. Podemos ter um otimismo moderado porque a redenção de Cristo é superabundante. Podemos ter grande esperança porque temos a intercessão de Nossa Senhora, Mãe de Deus e nossa, advogada nossa, refúgio dos pecadores. Portanto, o número dos que se salvam não é um número ínfimo. Devemos evitar essa posição rigorista, mas, ao mesmo tempo, devemos evitar a posição de que todos se salvam. Claro, o dogma de que fora da Igreja Católica não há salvação continua sempre válido, evidentemente. Apenas se salva quem está na Igreja Católica de fato ou por desejo.
São Tomás de Aquino, caros católicos, ao tratar do assunto, escreve que é melhor dizer que somente de Deus é conhecido o número dos eleitos, que serão então colocados na felicidade suprema. Nosso Senhor não responde e São Tomás também não responde abertamente à questão: “Qual é o número dos que se salvam?” Quem seríamos nós para fazê-lo?
O que deve nos interessar, caros católicos, não é tanto a quantidade de pessoas que se salvam. Pode ser que a maioria dos homens se salve, mas isso não significa que eu esteja entre eles. Pode ser que poucos se salvem, mas que eu esteja entre eles, pelos meus esforços ajudados com a graça de Deus. O que deve nos interessar, então, não é o número dos que se salvam, mas que estejamos entre eles. E isso é plenamente possível, caros católicos, porque Deus quer nos tirar de nossa miséria, Deus nos dá os meios abundantes para vivermos em Sua graça e para perseverarmos nela. Temos em primeiro lugar a doutrina da Santa Igreja Católica, temos a Missa, temos os sacramentos, temos os sacramentais, temos o Terço. Temos a intercessão de Nossa Senhora e dos outros santos. Temos a comunhão dos santos, pela qual podemos e devemos rezar uns pelos outros, oferecer sacrifícios pela salvação uns dos outros.
A salvação nos é possível, caros católicos e plenamente possível. E não apenas a salvação nos é possível, mas a santidade, o grande progresso nas virtudes. O caminho é que renunciemos a nós mesmos, tomemos a nossa cruz e sigamos a Jesus, nos unamos a Ele profundamente.
Renunciar a nós mesmos é renunciar à nossa vontade própria cada vez que a nossa vontade se opõe à vontade divina. É também renunciar ao pecado mortal e lutar seriamente contra o pecado venial, isto é, contra o pecado leve. É também renunciar ao demônio com as suas pompas, as suas tentações. É renunciar ao mundo, pisoteando o respeito humano, fugindo das ocasiões de pecado, em particular das diversões mundanas. Devemos afastar para longe de nós o espírito mundano, amaldiçoado por Nosso Senhor Jesus Cristo.
Devemos, caros católicos, nos apoiar na graça de Deus mais do que em nós mesmos e devemos nos conformar com a vontade de Deus em tudo. Nesse caminho de esperança em direção ao céu, não podemos desanimar. Grande armadilha do demônio é o desânimo e a tristeza. Nós vemos muitos católicos atingidos profundamente pelo desânimo e pela tristeza. Isso se vê na expressão do rosto, se vê no modo de falar e de agir. Quantos, compreendendo mal o caminho da salvação, desanimam porque não avançam tão rápido quanto idealizaram ou desistem de tudo porque caíram? Querendo avançar muito rápido, tropeçam. Querendo ficar de pé apenas com as próprias forças, caem. E têm dificuldade de levantar. Porque não se apoiam em Deus ou porque não têm paciência consigo mesmo. Claro, é preciso lutar, levantar-se o quanto antes com o propósito de não mais cair, mas com humildade, com paciência e apoiados em Deus. Quantos diante dos sofrimentos que Deus usa para moldar nossa alma recuam e caem no velho e constante erro de procurar Deus num sentimento agradável. Procurar Deus num sentimento é ter uma ideia de Deus muito baixa, muito aquém de Sua natureza perfeitíssima. E de fato, caros católicos, o sofrimento é a grande pedra de tropeço no caminho da santidade, no caminho do céu. Diante do sofrimento que Deus usa com toda a Sua bondade, com toda a Sua misericórdia para nos santificar, para nos tornar perfeitos, refugamos, recuamos e voltamos pelo caminho do pecado ou por um caminho de imperfeição.
Devemos então nos esforçar, caros católicos, de modo sereno, suavemente e fortemente. Esse é o caminho dos santos. Força e suavidade. Sem angústia, sem ter a alma dilacerada na busca pela santidade e pela salvação. Procurando avançar sempre com serenidade, com força e suavidade.
O reino dos céus é dos violentos, nos diz Nosso Senhor, isto é, daqueles que o arrebatam pela força, pela força da fé, pela força da caridade, pela força da conformidade plena com a vontade de Deus, pela força da luta contra a carne, contra o demônio e contra o mundo. Mas o reino dos céus também nos diz Nosso Senhor é dos mansos e dos humildes. É preciso, caros católicos, ser violento, manso e humilde, ou seja, suave e forte. É preciso compreender que não há contradição em ser violento, manso e humilde, quando falamos do combate espiritual.
A via da salvação e da santidade é estreita e se estreita ainda mais na medida em que queremos ser santos do nosso jeito, buscando uma santidade que nos agrada de algum modo. Ao contrário, se deixarmos Deus agir, se aceitarmos de bom grado as cruzes, se nos lançarmos inteiramente nas mãos de Deus para que Ele molde a nossa alma pelos sofrimentos que Ele quiser nos dar, se deixarmos que Ele molde a nossa alma também por outros meios que Ele quiser usar, se nos lançarmos assim a Deus, essa via estreita vai tornar-se bem larga, pois Deus vai dilatar a nossa alma com o Seu amor.
Caros católicos, façamos a nossa parte com a graça de Deus para estarmos no número dos que se salvam. Não nos interessa o número dos que se salvam, mas estar entre eles. É perfeitamente possível, com suavidade e força. Nosso Senhor Jesus Cristo, amigo de nossa alma nos dá graças abundantes para isso. Deus é bom, caros católicos! Confiança nEle!
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.