[Sermão] A determinação muito determinada no combate espiritual contra a frouxidão

 

Sermão para o 21º Domingo depois de Pentecostes

13.10.2018 – Padre Daniel Pinheiro, IBP

Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Amém.

Ave Maria…

Citaremos nesse Sermão algumas passagens de Santa Teresa d’Ávila. Textos de que, em geral, muitos gostam, mas que poucos entendem. Não é uma leitura tão simples. Então, é preciso um pouco de cuidado ao fazer a leitura de Santa Teresa d’Ávila ou de São João da Cruz.

Caros católicos, a epístola de São Paulo nesse 21º Domingo depois de Pentecostes nos imprime na alma algumas verdades fundamentais da vida espiritual, verdades das quais nunca devemos nos esquecer.

Em primeiro lugar, a ideia geral de que a vida espiritual, de que a busca pelo céu, de que a busca pela santidade, de que a busca pela perfeição é um combate. Sim, caros católicos, muitas vezes nos esquecemos que se trata de uma guerra, de uma luta, de uma peleja tremenda. E, esquecidos disso, desanimamos diante dos ataques do inimigo de nossa alma, desanimamos com alguma derrota eventual, desanimamos porque não estamos dispostos realmente a nos esforçar e a combater. Ora, como em toda guerra, são necessárias renúncias, são necessários sacrifícios para alcançar a vitória. Sem essa disposição firme, sem uma determinação muito determinada de quem vai para uma guerra para vencê-la a todo custo, jamais sairemos vitoriosos do combate espiritual. Essa é a primeira verdade, de que a vida espiritual é um combate.

Em segundo lugar, o fato de que essa guerra não é contra as potências humanas, mas é contra os principados e potestades, contra os reitores desse mundo de trevas, contra os espíritos do mal. Enfim, nosso combate é contra os demônios, contra aqueles anjos que se revoltaram contra Deus por orgulho e que foram, então, precipitados no inferno. É claro que os demônios têm uma natureza muito mais perfeita que a nossa natureza humana. É claro que eles têm uma inteligência e um poder muitos maiores do que a nossa inteligência e a nossa capacidade. E toda essa perfeição, que vem de Deus, os demônios, após o pecado, a utilizam para nos levar ao pecado e ao inferno. O demônio arma inúmeras ciladas, armadilhas, das quais, sozinhos, não podemos escapar. Sozinhos, terminaremos sendo devorados pelas ciladas desse leão que ruge em torno de nós buscando devorar-nos, como diz São Pedro. Assim é o demônio. E, de fato, não temos inteligência, nem força para resistir-lhe. O demônio encontrará meios sutis para nos fazer desanimar, para nos levar à tristeza, para nos fazer ceder ao mundo, para nos fazer aderir a um erro qualquer, para nos fazer buscar diversões pecaminosas e assim por diante. Ele conseguirá nos levar, pouco a pouco, a algum pecado mortal e nos fazer crer que é impossível a nossa conversão e a nossa salvação.

Vem, então, caros católicos, a terceira grande verdade. A primeira verdade é que a vida espiritual é um combate tremendo. A segunda é que esse combate é contra os demônios. A terceira verdade é que devemos ser fortes em Deus. Devemos fortalecer-nos nEle, na eficácia do Seu poder. Devemos estar revestidos da armadura de Deus. São Paulo repete isso duas vezes nesse breve texto da epístola de hoje. Revesti-vos da armadura de Deus para resistir às insídias, às ciladas do demônio. E revesti-vos de Deus para poderdes resistir no dia mau, para que possamos permanecer perfeitos em tudo. Sim, caros católicos, se não estivermos revestidos da armadura de Deus facilmente seremos trucidados no combate espiritual, ainda que isso ocorra sutilmente, pois o demônio é astuto. Se formos ao combate apoiando-nos somente em nossa natureza, em nossas qualidades naturais, em nossas próprias forças, já estamos derrotados. Devemos estar revestidos com a armadura de Deus. E o que é a armadura de Deus? A armadura de Deus é a graça santificante, que nos faz participar da própria vida divina. Se estivermos na graça, estaremos revestidos com a armadura de Deus. E junto com a graça estão sempre todas as outras virtudes, das quais São Paulo enumera algumas nessa epístola: a verdade, a justiça, o zelo para propagar o Evangelho, a fé, o elmo da salvação – que é a esperança – e a espada do Espírito, que é a Palavra de Deus. Se não estivermos revestidos da graça, se a nossa fortaleza não estiver em Deus, vamos sucumbir rapidamente diante do demônio. Nas nossas fraquezas, caros católicos e reconhecendo nossas fraquezas é que somos fortes, como nos diz São Paulo (II Cor 12, 10). Porque reconhecendo as nossas debilidades, nos apoiaremos na graça de Deus, nos revestiremos da armadura de Deus e, aí sim, seremos fortes. Basta-nos a graça de Deus nesse combate espiritual.

Estamos, então, caros católicos, em um combate tremendo contra o demônio. Em um combate tremendo pela glória de Deus, pela glória da Igreja e pela salvação de nossa alma. Devemos ser fortes e não frouxos. Devemos combater arduamente. Devemos ter fibra. É preciso trabalhar como bom soldado de Cristo, como nos diz São Paulo. Infelizmente, hoje somos muito molengas, nos falta fibra. Desanimamos na primeira ou na segunda dificuldade. Não temos força porque não colocamos nossa força em Deus, mas em nós mesmos. É preciso deixar de lado essa frouxidão e agir com fibra, com fortaleza no combate espiritual. Nosso Senhor o disse: o reino dos céus é dos violentos, o reino dos céus é arrebatado à força. Não estamos falando, é evidente, de violência física, mas dessa determinação muito determinada de que fala Santa Teresa e sem a qual é impossível a salvação. Se, revestidos com a armadura de Deus, não tomarmos as rédeas da nossa vida espiritual, se não decidirmos definitivamente sofrer tudo para agradar a Deus e alcançar o céu, ficaremos no meio do caminho, como o soldado com medo que termina sendo atingido mortalmente no meio da batalha. A santidade, caros católicos, exige heroísmo. Muitos pretendem ser fortes abandonando a lei de Deus. Esses são fracos. Crianças e jovens, em particular, devem ter muito claro na alma a grandeza de ser um católico, a grandeza de combater pela glória de Deus, a grandeza de combater para que Deus reine sobre os indivíduos e sobre as sociedades, a grandeza de lutar pela própria salvação. Essa é a grandeza de cada um de nós, criados por Deus. Nada há mais nobre, mais elevado, mais grandioso do que isso. Com toda a humildade, apoiados em Nosso Senhor, combatamos o bom combate, guardemos a fé e a caridade.

Não sejamos frouxos, caros católicos, nem desanimados, nem tíbios, nem fracos, nem pusilânimes, nem envergonhados, nem medrosos, nem melindrosos, nem suscetíveis. Sejamos fortes em Deus, de uma fortaleza que não se quebra por nada e que é, ao mesmo tempo, serena. É preciso ter uma determinação muito determinada para alcançar a vitória nesse combate. E essa determinação vem de Deus. Peçamo-la a Ele.

Aproveitando que amanhã (15/10) é a festa de Santa Teresa d’Ávila, vejamos algumas citações – adaptadas – dela a respeito dessa determinação necessária para que vençamos o combate espiritual. Assim dizia Santa Teresa: “Se não nos determinarmos a tragar de uma vez a morte e a falta de saúde, nunca faremos nada. (Caminho de Perfeição 11, 4) Procurai não temer a morte e entregai-vos de todo a Deus, venha o que vier. Que importa que morramos?” Devemos, então, caros católicos, estar determinados a morrer antes do que pecar. Que importa que morramos, se vamos ao céu?

Falando daqueles que querem ir pelo caminho da perfeição sem parar até chegar ao fim, Santa Teresa diz “que importa muito (…) ter uma grande e muito determinada determinação de não parar até chegar à perfeição, venha o que vier, suceda o que suceder, trabalhe-se o que se trabalhar, murmure quem murmurar, quer lá se chegue, quer se morra no caminho (Caminho de Perfeição 21, 2).” Não devemos, caros católicos, nos preocupar com nada, nem desanimar por nada. Venha o que vier, suceda o que se suceder, trabalhe-se o que se trabalhar, murmure quem murmurar, quer lá se chegue, quer se morra no caminho, devemos perseverar, devemos continuar firmes na busca da santidade.

E Santa Teresa diz que essa determinação muito determinada é muito útil contra as ciladas do demônio. Ela diz que o demônio “tem grande medo das almas determinadas, porque ele já tem experiência do grande dano que lhe fazem essas almas e ele sabe que tudo quanto dispõe para prejudicar essas almas, vem a ser em proveito delas e de outros, e que o demônio sai, então, perdendo.” Mas, ao contrário, se o demônio “tem a alguém por inconstante e que não está firme no bem, nem com grande determinação de perseverar, o demônio não o deixa em paz nem a sol nem a sombra. Colocará nessa alma constantes medos e mostrará a essa alma muitos inconvenientes sem fim para que ela não persevere (Caminho de Perfeição 23, 4).” Portanto, caros católicos se somos vigilantes e determinados, sem nos descuidar, é o demônio que terá medo de nós, vendo o grande proveito que podemos tirar das provações que nos faz ao estarmos revestidos da armadura de Deus. Ao tentar nos levar ao pecado, crescemos na virtude, será para o nosso bem e para o bem do próximo.  Ao contrário, porém, se não somos determinados, não nos deixará o demônio em paz e nos dará medos e nos mostrará dificuldades – imaginárias muitas vezes – e vamos cair.

Dizia a Santa também que é grande fundamento “para se livrar dos ardis e gostos vindos do demônio, que uma alma comece com determinação a seguir caminho da cruz desde o princípio e que não tenha desejo de consolações”. Continua ela, “O mesmo Senhor nos ensinou este caminho de perfeição ao dizer: «Toma a tua cruz e segue-Me». É Ele o nosso modelo; não tem o que temer aquele que só para contentar Nosso Senhor, segue os Seus conselhos. (Vida 14, 13)” Devemos, caros católicos, começar com determinação a seguir o caminho da cruz, sem desejar consolações.

Ainda Santa Teresa diz que essa determinação muito determinada ajuda bastante a alma a combater com mais ânimo. Ela fala que, assim, “a alma peleja com mais ânimo. Já sabe essa alma determinada que, venha o que vier, não há de voltar atrás. É como quem está numa batalha e sabe que, se o vencem, não lhe perdoarão a vida e, se não morre na batalha, há de morrer depois (23, 5).” Então, vale a pena batalhar. Sim, caros católicos, venha o que vier, não devemos voltar atrás no caminho da santidade. Renunciaremos certo, a muitas coisas, morreremos para muitas coisas, mas ganharemos a vida eterna. De que adianta guardarmos aquilo que nos afasta de Deus? De que vale permanecer no pecado? Isso é a morte da alma. Morramos, ao contrário, para esse mundo, morramos lutando por Deus.

Diz ela também que devemos aproximarmo-nos do bom Mestre, Nosso Senhor Jesus Cristo, muito determinados a aprender o que Ele ensina, e Sua Majestade fará com que não deixemos de sair bons discípulos, nem Ele nos deixará, se não O deixamos primeiramente. (26, 10)

E, finalmente, dizia Santa Teresa: “Há de se notar muito que a alma que neste caminho espiritual de oração mental começa a caminhar com determinação e consegue não fazer muito caso, nem de se consolar nem de se desconsolar muito, quer lhe faltem estes gostos e ternura, quer lhos dê o Senhor, tem já andado grande parte do caminho”. A alma que começa a oração mental, quer dizer, a meditação, com determinação, já tem andado grande parte do caminho. E continua a Santa: “Não tenha medo de voltar atrás, por mais que tropece, porque o edifício vai começado em firme fundamento. Sim, não está o amor de Deus em ter lágrimas nem nestes gostos e ternuras, que na maior parte os desejamos e consolamos com eles, mas está o amor a Deus em servi-Lo com justiça e fortaleza de ânimo e humildade (Vida, 11, 13)”.

“Talvez não saibamos o que é amar” – ainda a Santa – “e não me espantarei muito; porque  amar não está no maior gosto, mas sim na maior determinação de desejar contentar a Deus em tudo e procurar, tanto quanto pudermos, não O ofender, e rogar-Lhe que vá sempre por diante a honra e a glória de Seu Filho e o aumento da Igreja Católica (4M 1, 7)”.

Todas palavras tremendas de Santa Teresa e importantíssimas para a nossa vida espiritual.

Não sejamos frouxos, caros católicos, mais uma vez, nem desanimados, nem tíbios, nem fracos, nem pusilânimes, nem envergonhados, nem medrosos, nem melindrosos, nem suscetíveis. Sejamos fortes em Deus, de uma fortaleza que não se quebra e que é serena. É preciso ter essa determinação muito determinada para alcançar a vitória nesse combate. E essa determinação vem de Deus. E essa determinação é alegre. Peçamos a Nosso Senhor essa determinação muito determinada. E ela é para homens e para as mulheres. Assim dizia Santa Teresa para as suas freiras: “eu não quereria, minhas filhas, que o fôsseis em nada, nem o parecêsseis, senão varões fortes” – senão homens fortes. E como diz São Paulo: Vigiai, permanecei firmes na fé, portai-vos varonilmente e fortalecei-vos. Claro, São Paulo e Santa Teresa falam dessa força de vontade, dessa determinação muito determinada no combate espiritual e que devemos ter, homens e mulheres, cada um conforme a sua natureza.  Que tristeza ver hoje tantos cristãos frouxos, pusilânimes, ainda mais quando se vêem homens efeminados, no modo de falar, nos gestos, no comportamento. Enquanto Santa Teresa dizia para as suas filhas que não deveriam na vida espiritual, parecer senão varões fortes, sem serem melindrosas, nem suscetíveis.

A vida do homem sobre a terra é uma milícia, é um combate, nos diz a Sagrada Escritura. De fato, a vida é luta renhida, a vida é uma disputa com ardor pela salvação da nossa alma. A vida é combate que os fracos abate. Aqueles que não forem muito determinados em Deus serão abatidos no combate da vida espiritual pelo demônio. Mas esse combate que só pode, ao contrário, exaltar aos fortes em Deus e aos bravos em Deus, só pode exaltar aqueles que caminham humildemente submetidos a Deus. A vida é luta renhida: Viver é lutar. A vida é combate, que os fracos abate, que os fortes, os bravos só pode exaltar (referência a um trecho de poesia de Gonçalves de Almeida, mas interpretado catolicamente). Sejamos desses fortes e desses bravos em Deus, e com toda a humidade, caros católicos.

Em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo. Amém.