Sermão para o 16º Domingo depois de Pentecostes
24.09.2017 – Padre Daniel Pinheiro
Em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo. Amém.
Ave Maria…
Caros católicos, um número cada vez maior de pessoas percebe a crise de fé e de moral em que estamos na sociedade civil e na Igreja. É evidente que o que causa maior estrago nas almas é a crise da Igreja. O abandono da fé católica, o abandono da correta compreensão da revelação divina. O abandono da boa liturgia. O abandono da moral católica. Tudo isso deixa as almas abandonadas, sem Deus, largadas à própria sorte. Todavia, muitos consideram que a crise teve seu início nesses últimos anos, talvez nesses últimos 4/5 anos. Ora, ela não teve início há 5 anos nem há 55 anos. A crise que nós vivemos hoje foi fermentando ao longo de um largo tempo. Ela é fruto, em primeiro lugar, do orgulho humano, do non serviam, do não servirei (a Deus) repetido por tantos homens ao longo dos séculos e pelo homem moderno em particular. Ela é fruto da separação entre fé e razão, que começa a se operar com o voluntarismo de um Duns Scotus na decadência da Idadde Média, por exemplo. Ela é fruto de uma concepção política que colocará o rei como absoluto, como desvinculado da lei divina e eclesiástica, podendo decidir simplesmente com base na sua vontade e não mais com base no bem objetivo. Ela é fruto da revolução francesa, que tirará esse poder absoluto do rei e o colocará no povo, como se todo o poder viesse do povo e não de Deus. Ela é fruto do protestantismo que tira a autoridade da Igreja e coloca a autoridade em cada um, gerando o subjetivismo e relativismo. Ela é fruto da filosofia moderna, passando por Descartes e Kant, e que afirma que o homem não pode conhecer o que lhe é exterior, mas conhece apenas as suas próprias ideias. A filosofia moderna que fecha o homem em si mesmo e que leva a afirmar que só tem valor o que vem do homem e o que satisfaz o homem. Essa filosofia moderna que é completamente subjetivista, afirmando que cada um tem a sua verdade e a sua moral. Essa filosofia moderna que nega a possibilidade de saber se Deus existe ou não. Essa filosofia moderna que nega a possibilidade da revelação, isto é, que nega a possibilidade de Deus nos falar algo de si mesmo. A crise da Igreja é fruto da tentativa de conciliar o culto ao homem da revolução francesa com os princípios católicos. Ela é fruto do liberalismo, que afirma a autonomia do homem com relação à realidade e com relação a Deus. Ela é fruto do modernismo e do neomodernismo que pretendem adaptar a Igreja à mentalidade moderna, pois só teria valor o que corresponde aos anseios do homem contemporâneo. A crise da Igreja é fruto da doutrina da evolução do dogma, como se ele pudesse mudar com o tempo. Ela é fruto da evolução da moral, como se ela pudesse mudar com o tempo. Ela é fruto da evolução da liturgia, como se ela se dirigisse mais ao homem do que a Deus e devesse, portanto, se adaptar às aspirações do homem. A crise da Igreja é fruto da adesão dos homens da Igreja a esses princípios e fundamentos da modernidade.
Não pode haver, caros católicos, união possível entre a Igreja e os princípios da modernidade, entre um católico e os fundamentos da modernidade. Não estamos falando aqui de avanços técnicos ou tecnológicos (se bem usados para a glória de Deus), mas de princípios que regem a inteligência e o agir. Não pode haver casamento entre esses princípios da modernidade e os princípios de Nosso Senhor Jesus Cristo. Essa união seria um adultério, um ultraje. E é essa união que se tenta fazer hoje mais do que nunca. Diante disso, devemos dizer: non possumus. Não podemos, como diziam os mártires quando eram forçados a cultuar os ídolos. Não podemos nos unir aos princípios da modernidade porque não correspondem à verdade que podemos conhecer pela nossa razão, nem correspondem à verdade que nos foi revelada por Deus. Não podemos aderir a esses princípios, pois queremos permanecer fieis a Nosso Senhor Jesus Cristo. Não podemos aderir a esses princípios porque somos católicos e queremos permanecer católicos. Não podemos ao mesmo tempo ser católicos e aderir a esses princípios falsos, a esses princípios que destroem a sociedade, a Igreja e o homem. O católico, por definição, é um antimoderno, pois é impossível conciliar a verdade com os princípios modernos. Ser antimoderno não é colocar um chapéu como no século XIX e fumar cachimbo ou outras excentricidades do gênero. Isso é ridículo (embora um católico deva se vestir dignamente, claro). É uma questão de princípios.
A crise da Igreja é fruto do abandono da boa filosofia realista de Aristóteles e São Tomás de Aquino. É fruto do abandono da união perfeita que existe verdadeiramente entre fé e razão. É fruto do abandono da submissão da nossa inteligência à verdade. É fruto do abandono da submissão da nossa vontade ao bem. É fruto do abandono da submissão das nossas paixões à razão. É fruto do abandono da submissão total de nosso ser a Deus. É fruto do abandono da boa visão da política, reconhecendo que rei e povo têm a origem do seu poder em Deus e que a Ele devem se submeter. É fruto do abandono, por grande parte dos homens da Igreja, da doutrina católica, ensinada por Cristo e transmitida pela Igreja ao longo dos séculos, e que é imutável, pois Deus não muda, a verdade não muda. É fruto do abandono da boa liturgia católica, orientada para Deus. É fruto do abandono da moral católica, imutável porque Deus é imutável e imutável é também a nossa natureza humana. É fruto da separação da Igreja e do Estado. A crise da Igreja é fruto da tentativa, mais intensa nos últimos dois séculos, de unir a Igreja e a modernidade. Tentativa que se manifestou, sobretudo a partir de 55 anos para cá, também em atos de autoridades eclesiásticas. E cada vez mais abundantemente, infelizmente. O Cardeal Ratzinger, em seu livro Teoria dos Princípios Teológicos, diz que o documento Gaudium et Spes, do Concílio Vaticano II, desempenha o papel de um Antisyllabus, e que, em consequência, esse documento expressa a intenção de uma reconciliação oficial da Igreja com a nova época estabelecida a partir do ano 1789, ou seja, estabelecida a partir da revolução francesa. O Syllabus é o documento do Papa Pio IX condenando os princípios da modernidade, é a carta magna contra os falsos princípios modernos. O cardeal Ratzinger, depois Papa Bento XVI, afirma que esse documento, Gaudium et Spes, é uma tentativa de reconciliar a Igreja e os princípios da modernidade. Tal reconciliação nunca será possível. E qualquer tentativa de reconciliação trará a abominação da desolação para dentro do lugar santo, para dentro da Igreja.
E, nesses últimos anos, muitos querem impor a todo custo essa união adúltera entre a Igreja e o mundo moderno, implantando nela, por exemplo, os princípios maçônicos e revolucionários da liberdade, igualdade e fraternidade. E assim se quer implantar, na Igreja, a liberdade pela liberdade religiosa – como se o estado pudesse ficar indiferente com relação à verdadeira religião. Quer-se implantar, na Igreja, a igualdade pela colegialidade, como se a Igreja não fosse hierárquica e monárquica por instituição divina. Quer-se implantar, na Igreja, a fraternidade pelo ecumenismo e indiferentismo religioso, como se todas as religiões fossem boas e verdadeiras, como se a verdadeira Igreja de Cristo, a Católica, fosse como as outras. Non possumus. Muitos vêem apenas os efeitos atuais da crise, pois vão ficando cada vez mais aparentes. Vê-se apenas a tentativa de dar comunhão aos divorciados recasados, por exemplo. É preciso ir aos princípios desses erros dentro da Igreja e fora dela. Não basta se opor aos erros atuais e mais manifestos se não combatemos os princípios desses erros no mundo e dentro da Igreja. Combater os efeitos sem combater os princípios é uma ilusão, um engano.
Ora, nós estamos, hoje, simplesmente vivendo a consequência dos princípios errados plantados ao longo de séculos, desde o final da Idade média e plantados mais abundantemente nos séculos XIX e XX. Para remediar isso, não há outra solução. É preciso fidelidade completa a Nosso Senhor Jesus Cristo. É preciso retomar a boa filosofia nos seminários, com base em Aristóteles e São Tomás. É preciso retomar a boa teologia dogmática, com base em São Tomás, na Tradição, Escritura e no magistério infalível da Igreja. É preciso retomar a boa teologia moral, com base também em São Tomás e Santo Afonso Maria de Ligório. É preciso retomar a boa espiritualidade, que parte do amor a Deus, isto é, da conformidade com a vontade dEle. É preciso retomar a boa liturgia, com Deus no centro. É preciso retomar os bons sermões, que transmitam intacto aquilo que foi recebido de Cristo. É preciso retomar as boas catequeses, ensinando às crianças a verdade. É preciso retomar a formação de bons grupos católicos no seio das paróquias. É preciso retomar a boa formação das famílias. É preciso que as famílias católicas tenham consciência de sua excelente missão. É preciso que pais e mães saibam o seu papel na família, na sociedade e na Igreja. É preciso retomar a educação católica das crianças e jovens. É preciso que cada um não deixe a religião de Cristo somente para a sua vida privada, mas que a pratique cotidianamente em todas as circunstâncias, fazendo o bem e fazendo bem todas as coisas, sem respeito humano. É preciso retomar o culto a Deus no lugar do culto ao homem prestado pela modernidade. É preciso ordenar tudo a Deus e não ao homem como quer a modernidade.
O Deus altíssimo nos dá a sua graça. Tenhamos confiança nEle e em Maria Santíssima. Cristo triunfará, e nós com Ele, se formos fiéis. Não queiramos unir Cristo e Belial, a religião católica e os princípios modernos. Não há união possível. Non possumus. Deus nos preserve na fé católica e nos faça estar sempre em Sua graça. Os princípios da modernidade são os princípios do demônio, pai da mentira, do pecado e do orgulho. As portas do inferno não prevalecerão contra a Igreja. Non praevalebunt.
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.