Sermão para o Dia de São Silvestre
31.12.2016 – Pe Daniel Pinheiro, IBP
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.
Ave Maria…
Estamos no último dia do ano de 2016. Foi mais um ano de provações, como sempre. Estamos aqui nessa terra, que é um vale de lágrimas. Claro, repleto também de verdadeiras alegrias. Continuamos as provações em nosso país com a crise na economia, com a crise na vida política, com a crise moral, com a crise na sociedade, de modo geral. Cada vez maiores dificuldades para a prática de nossa santa religião. Uma oposição cada vez mais ferrenha à lei natural e também à lei divina, com consequências cada vez piores em virtude da difusão da ideologia de gênero, por exemplo. Uma sociedade em que a vida do próximo não tem praticamente valor, em que se mata por um nada ou por algum punhado de dinheiro. Uma sociedade em que querem matar os mais indefesos, as crianças não nascidas. O Supremo Tribunal Federal continua, infelizmente, caminhando no sentido de aprovar e promover todas as ideologias absurdas anticristãs, contrárias à lei natural e mesmo ao simples bom-senso. No mundo, continuamos vendo o flagelo islâmico, propagando-se brutalmente. De um lado, esse flagelo islâmico. Do outro o liberalismo, com capa de esquerda ou de direita. Os países, tendo abandonado a fé católica e tendo aderido ao laicismo, já não podem resistir ao islamismo e nem à própria decadência moral e social advinda do liberalismo de todo os matizes. Precisamos rezar pelo nosso país e pelo mundo. Precisamos fazer a nossa parte, começando por santificar a nós mesmos e as nossas famílias e buscando que a lei de Cristo seja observada em toda a sociedade. As dificuldades, as provações são também meios que Deus nos dá para exercer a virtude, para suportar os males com paciência, para vencê-los com a virtude contrária e, sobretudo, com o amor a Deus.
Turbulência também na Santa Igreja Católica, em particular, com os frutos que ainda saem do Sínodo dos Bispos. Na verdade, os frutos saem da causa mais profunda que é o modernismo, baseado nos princípios da filosofia moderna subjetivista. O modernismo tem a intenção de adaptar a Igreja à mentalidade dos homens da época, como se o homem fosse o centro de tudo. Nós vivemos a época do culto do homem, da divinização do homem. Tudo deve ser feito para agradar à sensibilidade do homem e à sua mentalidade atual. Assim, alguns dizem que também a Igreja deve ter esse culto do homem e se adaptar a ao homem, para não ficar ultrapassada. Deve adaptar sua doutrina, sua moral, sua liturgia, de forma que que o homem seja o centro em tudo. Infelizmente, podemos perceber claramente em muitas coisas essa reviravolta, mesmo dentro da Igreja. Deve ser, porém, o contrário. São a inteligência e a vontade dos homens que devem se submeter à verdade imutável ensinada sempre pela Igreja. Nem sempre a verdade agrada a sensibilidade. E daí? Não somos animais que buscam sempre o que agrada. Somos seres dotados de inteligência e de vontade que buscam a verdade e o bem, ainda que desagradem em certas circunstâncias. Encontraremos na verdade e no bem e no belo não algo que agrada momentaneamente a sensibilidade, mas encontraremos algo que nos traz a verdadeira felicidade. Deus é a Verdade e causa de toda verdade. Deus é o Bem e causa de todo bem. Deus é o Belo e causa de todo belo. Deus não muda. Sua Revelação não muda. A doutrina católica não muda. A moral católica não muda. A liturgia católica não pode mudar radicalmente e sem basear-se em princípios muito claros. Deus é o centro. Não é o homem. A Igreja guardará a sua juventude e frescor na medida em que permanece como uma rocha na doutrina e na moral de Cristo. Na medida em que utiliza meios semelhantes aos meios que tanto funcionaram ao longo dos séculos para converter as almas. Hoje se buscam tantos e tantos meios de evangelização e se esquece do principal: pregar a doutrina de Cristo tal como Ele a ensinou para os apóstolos e tal como a Igreja sempre nos transmitiu. A fórmula para reenvagelizar os povos é simples: pregar o Evangelho. Sem mutilações. Sem adaptações. Sem acréscimos. Sem atenuações. Sem querer conciliar Cristo e o mundo. Pregar o Evangelho, isto é, a doutrina da Igreja.
Que alguns Bispos da Santa Igreja Católica discutam certa legitimidade de atos e uniões contra a natureza é algo difícil de acreditar. Que se discuta também admitir à comunhão quem se encontra objetivamente em estado de pecado mortal, em adultério ou outro, é igualmente um absurdo. Confundir misericórdia com o relaxamento da lei de Cristo e da Igreja é afastar-se inteiramente do Evangelho. Contrapor justiça e misericórdia é igualmente um grande erro. Em Deus, as duas coisas estão perfeitamente harmonizadas. Deus é Misericórdia e é Justiça. O pecado continua, sim, a existir. A moral da Igreja, que é a moral de Cristo, continua a mesma de sempre. O casamento continua indissolúvel, e entre um só homem e uma só mulher.
Devemos, em meio a essa crise, que atinge todos os níveis hierárquicos da Igreja, guardar bem todos os princípios católicos. Devemos exercer a romanidade, amando profundamente o Santo Padre (respeitando-o e rezando por ele) e comportando-nos sem servilismo – que é a obediência a ordens ilegítimas – e sem desobediência – que é rebeldia a ordens legítimas da autoridade legítima. Alguns grupos parecem, às vezes, querer medir a temperatura para declarar um cisma, para declarar que o Papa Francisco não é mais o Papa. Seria uma solução pior que o problema. A doutrina católica é clara: se uma autoridade erra em um ponto ou ordem, não se obedece nesse ponto ou ordem, mas se obedece em todas as suas outras ordens legítimas.
Mais uma vez, caros católicos, devemos começar pelo cuidado das nossas famílias, combater o bom combate e guardar a fé e a caridade. De pouco adianta ser um paladino da Missa no Rito Romano Tradicional e da moral católica, se, com os nossos pecados mortais não combatidos seriamente, cooperamos para o reino do demônio. Não é suficiente louvar a Cristo com a boca, se o crucificamos com nossos pecados. É preciso amar, defender e propagar a liturgia tradicional, bem como defender e propagar, na sociedade, a doutrina e a moral católicas, sobretudo guardando a fé e observando os mandamentos de Cristo. Devemos nutrir a nossa fé e a nossa alma não com redes sociais, nem com fotos de internet com uma frase atribuída a alguém ou com mera informação, mas com os tesouros da espiritualidade e da fé católicas: os bons livros, que são nossos melhores amigos.
Essas provações, permitidas por Deus, devemos aproveitá-las para a nossa santificação. Tudo cooperará, efetivamente para o bem do justo (Rom. VIII, 28), que, nos bens e nos males, sabe encontrar meios para sua santificação e para estender o reino de Cristo na sua alma e na sociedade.
Foi o ano em que continuamos a apontar três erros muito em voga entre os católicos mais sérios: (1) O primeiro erro é a redução dos problemas somente ao comunismo e socialismo, como se fossem os únicos males do mundo, esquecendo-se do liberalismo (Sermão: Verdadeira liberdade x liberalismo) e do modernismo (Sermão: Modernismo, a pior das heresias), esquecendo-se da crise da Igreja que tampouco se resume à teologia da libertação. Aliado a isso, tendência, na prática, a reduzir o problema a algo meramente político ou puramente natural, esquecendo-se de que se trata de um combate espiritual, sobrenatural. Lembremo-nos sempre do que dizia o Cardeal Pie, grande defensor, no século XIX, da realeza social de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ele afirmava que a “questão social será resolvida pela questão religiosa, e a questão religiosa diz respeito sobretudo à questão do culto.” Podemos acrescentar: a questão do culto diz respeito sobretudo à questão da Missa. Dentro dessa redução dos problemas somente ao comunismo, apontamos os graves erros da direita que se desenvolve no Brasil e no mundo, às vezes com uma capa de catolicismo (Sermão: Nem direita, nem esquerda, nem centro. Sejamos católicos). Uma direita eivada de liberalismo, já condenado pela Igreja, mesmo o liberalismo econômico (Sermão: A doutrina social da Igreja: socialismo ou liberalismo econômico? Nem socialismo nem liberalismo econômico). Uma direita, muitas vezes, com fundo esotérico. Uma direita próxima da maçonaria, inimiga jurada da Igreja. Uma direita que dissemina sutilmente seus erros com fachada de catolicismo e que muitos, católicos, com os olhos embaçados, não percebem. Uma direita que, sob pretexto de alta cultura e política (alta cultura que é pretexto constante da maçonaria para difundir as suas ideias, como menciona o Abbé Barbier no seu livro Les infiltrations maçonniques dans l’Église), destrói uma verdadeira restauração de todas as coisas em Cristo. Querem conciliar direitismo e catolicismo e lei natural. Essa conciliação é impossível. Uma direita que adere, muitas vezes, ao gravíssimo erro do perenialismo, que afirma que todas as religiões são a expressão de uma única religião, que chamam de religião perene, sabedoria perene ou filosofia perene (esse último termo às vezes usado também para designar a filosofia aristotélico-tomista), como se a religião católica não fosse a única verdadeira, e como se não estivesse em contradição com as outras. Uma direita chamada conservadora, mas que se baseia, no mais das vezes, em autores que se fundamentam em filosofias modernas revolucionárias e que propagam a revolução de modo light como fizeram na revolução inglesa. Essa direita que surge tem, nas suas variadas vertentes, algum ou alguns desses erros. Direita, esquerda e centro sempre se uniram contra a Igreja. Monsenhor Jouin, elogiado por São Pio X, dizia que as coisas iriam melhorar quando os católicos não mais recuassem de suas convicções, quando os católicos retomassem a coragem mediante a prática das virtudes, quando retomassem a via do sacrifício para seguir o Messias pobre e sofredor, quando parassem de mendigar a salvação à direita e à esquerda e quando formassem o partido de Deus de que fala São Pio X (Encíclica E Supremi Apostolatus). Partido de Deus que não é, em primeiro lugar, um partido político.
(2) O segundo erro é o erro do aparicionismo, que é o apego a aparições que não são devidamente aprovadas pela Igreja ou o apego desordenado mesmo àquelas aprovadas pela Igreja, baseando toda a vida espiritual em aparições, muitas vezes com interpretações puramente pessoais delas. Chamamos a atenção também para grupos que sob a aparência de promoção à devoção a Nossa Senhora, em particular a Nossa Senhora de Fátima, tiram proveito da boa-fé e da boa vontade das pessoas para conseguir dinheiro. É preciso, claro, levar a sério as aparições aprovadas pela Igreja, mas sem fazer delas o fundamento de tudo.
(3) O terceiro erro é o do culto de personalidade, que consiste em tornar uma pessoa a referência única para a solução de todos os problemas, em substituição à Igreja, à hierarquia, e ter uma reverência desordenada a essa pessoa. Muitas vezes, isso vem aliado ao fato de impedir além de impedir as vocações sacerdotais e religiosas de florescerem e famílias católicas de se formarem.
Procuraremos continuar combatendo o bom combate e pregando o Evangelho de modo oportuno ou importuno, como diz São Paulo. Não devemos ser, porém, pessimistas desesperados. Nem otimistas ingênuos. Devemos ser realistas com esperança sobrenatural.
Assim, tivemos nesse ano grandes alegrias, é evidente. Começando pelo nosso singelo apostolado. A chegada do Padre Thiago para ajudar na propagação do Evangelho aqui na Capela Nossa Senhora das Dores após a partida do Padre Tomás para Belém. Muitas crianças nasceram no apostolado, e algo em torno de 20 batizados foram realizados. Inclusive um bom número de adultos batizados. Fizemos a devoção das 40 horas em reparação pelos pecados do carnaval. Tivemos uma belíssima Semana Santa na Capela, digna do céu, enquanto isso é possível. 12 crianças receberam a primeira comunhão. Uma magnífica cerimônia de Crisma com o Bispo Auxiliar de Brasília, Dom José Aparecido, com 16 crismados entre crianças e adultos. Missas públicas diárias. Devoção das primeiras sextas-feiras e dos primeiros sábados em reparação ao Sagrado Coração de Jesus e ao Imaculado Coração de Maria respectivamente. Entronização do Sagrado Coração de Jesus nos lares de muitas famílias, aguardando aquelas que ainda não a fizeram. Nossa Senhora honrada no dia da Festa de suas Dores com bela Missa Solene a presença do Cardeal Dom José Freire Falcão. Terço com formação doutrinária e espiritual para pais e mães de famílias. Grupo para as meninas e para os meninos, a fim de se nutrirem desde cedo com doutrina e ambiente católicos e formarem o caráter e as virtudes. No total, mais ou menos 60 crianças presentes regularmente nesses grupos, o Grupo de Moças da Capela N. Sra. das Dores e a Sociedade da Alegria de Dom Bosco, Maior e Minor. Aulas de história da Igreja, que muito ajudam a responder aos ataques contra a Igreja. E, como disse, o Cardeal Newmann, conhecer profundamente a história é deixar de ser protestante, ou seja, é tornar-se católico. Tivemos formações sobre a Sagrada Escritura, importantes para compreender bem essa fonte da Revelação. O início das Conferências sobre a vida dos Santos. Conferências de Quaresma, do Advento, conferências de férias em julho. Esse ano tivemos também os primeiros retiros para homens e para mulheres. Logo dois para cada. Tivemos também o recolhimento para casais, para as jovens e para os jovens. Começaram as formações para as jovens mulheres e para os jovens homens. Comemoramos os dez anos de fundação do IBP. Aqui em Brasília, com Missa Pontifical no dia 8 de setembro, celebrada por Dom Fernando Guimarães, que esteve conosco também no Domingo de Páscoa. Dez anos do IBP comemorados igualmente em Roma, com Missa celebrada pelo Cardeal Dario Castrillon Hoyos. Tivemos também os bons momentos com nossas tradicionais confraternizações após festas importantes. Tivemos a Festa de São João, a Festa dos Santos. Foi um ano em que Deus e Nossa Senhora das Dores nos permitiram implementar várias coisas úteis para o progresso individual de cada um e das famílias e continuar com várias outras. Se estamos ainda aquém do ideal, já demos, com a graça divina, alguns passos. É preciso que aproveitem tudo isso, caros católicos, o máximo que puderem. Minha viva exortação para que participem das atividades aqui da Capela e se deixem formar pela doutrina e pela espiritualidade católicas.
O mundo precisa de famílias católicas. Precisa, ainda mais, de bons padres. E, como insistimos algumas vezes, as duas coisas caminham conjuntamente: a família católica e o sacerdócio católico. Não pode haver restauração de tudo em Cristo sem as duas coisas trabalhando em união.
A expansão, ainda que pouco a pouco e com obstáculos, da Missa Tradicional é inegável. E com a propagação da Missa Tradicional, propaga-se também a fé católica com todo seu vigor, com toda a sua clareza. E com a fé católica vêm todos os bens, naturais e sobrenaturais. A Missa é o centro de tudo, já que é a renovação nos altares do sacrifício de Cristo no calvário.
Nesse último dia do ano, é bom pararmos e refletirmos, caros católicos. Como anda a minha alma? O que fiz nesse ano para santificá-la? Aproveitei essa liturgia imemorial, esse tesouro da fé e da piedade para aproximar-me de Deus? Aproveitei os meios que tenho à disposição para me santificar e santificar a minha família? Procurei formar-me bom católico? Procurei cumprir bem os meus deveres de estado? Como jovem homem ou mulher, procuro me preparar espiritualmente, humanamente e profissionalmente para o matrimônio ou para a vocação religiosa? Procuro atingir a maturidade espiritual e humana? Tenho cumprido meus deveres de estudante? De filho? Como pai de família, tenho assumido a responsabilidade pelo bem espiritual de minha família, tenho buscado agir para o bem da família e não o meu próprio? Tenho feito o que devo para a educação dos filhos? Estou consciente de que a santificação da família depende em grande parte de minha santificação? Tenho me esforçado para garantir também o sustento material de minha família? Como mãe de família, tenho sido generosa diante dos necessários sacrifícios quotidianos e muitas vezes escondidos ou tenho murmurado? Tenho me preocupado com a educação dos filhos? Tenho me preocupado com a saúde do lar? E como cristão, tenho me acomodado? Aproveitei os sacramentos e sacramentais? Comunguei com boas disposições, com fervor? Procurei a confissão com boa disposição e com frequência? Rezei o Santo Terço diariamente? Tive uma devoção real e não meramente sentimental a Nossa Senhora? Procurei pensar nas coisas do alto? Fiz as orações diárias? Da manhã? Da noite? A meditação? A leitura espiritual?
Aproveitemos esse próximo ano que se inicia e peçamos a Deus a fidelidade à sua graça. Peçamos a Deus a docilidade diante dos ensinamentos de sempre da Santa Igreja. Peçamos a Deus a graça de receber bem e com frequência os sacramentos. Peçamos a graça de fortalecer a nossa fé diante das tormentas. Peçamos a perseverança nos bons propósitos. Peçamos a Ele a santificação de nossas famílias, dos cônjuges e das crianças. Peçamos a Ele, com toda a força da nossa alma, a graça de sermos verdadeiramente santos.
Agradeçamos a Deus pelo ano que passou, também pelas cruzes. A todos, um santo ano de 2017.
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.