Sermão para o 24º Domingo depois de Pentecostes (11 de novembro de 2012)
Padre Daniel Pinheiro
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave Maria…
Mas enquanto os homens dormiam, veio o inimigo e semeou a cizânia no meio do trigo.
Nós cantamos “sanctam ecclesiam” todos os domingos no Credo; cantamos, portanto, todos os domingos, a santidade da Igreja. Na parábola de hoje, porém, Nosso Senhor Jesus Cristo nos fala do trigo e do joio ou cizânia que crescem juntos no reino de Deus. Nessa parábola, o reino de Deus é a Igreja, que se espalha pelo mundo inteiro. O trigo são os justos, os filhos do reino, nos diz Nosso Senhor um pouco mais adiante no Evangelho, explicando-o aos Apóstolos. E a cizânia são os pecadores, os filhos do maligno. Os primeiros, os santos, são fruto da misericórdia divina. Os outros, os pecadores, são fruto do inimigo do homem.
Claro que os pecadores foram criados por Deus e chamados por Ele a fazer parte da Igreja e podem tornar-se com a sua graça trigo novamente. Mas enquanto pecadores e enquanto permanecerem tal, eles são fruto do demônio, que introduziu o pecado no mundo tentando nossos primeiros pais e continua a propagá-lo. E o demônio planta seus frutos quando todos dormem, isto é, quando os pastores dormem e quando o fiel dorme também. Se o pastor não vigia, dificilmente o fiel vigiará por conta própria. Mas não basta que só o pastor vigie, é preciso que também o fiel vigie para não se tornar cizânia. A colheita é o fim do mundo e os que a fazem são os anjos, separando o trigo e mandando-o para o celeiro, quer dizer para o céu, enquanto o joio é queimado no fogo, onde haverá choro e ranger de dentes. Nosso Senhor diz: o Filho do homem enviará os seus anjos e eles tirarão do seu reino todos os escândalos e os que praticam a iniquidade. Resumindo, então, a Igreja militante, a Igreja Católica, é composta de santos e de pecadores. Ao longo do Evangelho isso nos é ensinado várias vezes. O Reino dos céus é semelhante a uma rede lançada no mar e que apanha toda qualidade de peixes. Colocam os bons no cesto e os ruins lançam fora. O reino dos céus é semelhante a dez virgens: cinco prudentes e cinco loucas. Diz São João Batista que Nosso Senhor tem a pá e limpará o seu campo, recolhendo o trigo no celeiro e queimando a palha com um fogo que não se apagará. Há, portanto, na Igreja, os que praticam a iniquidade e causam escândalos. Mas como cantar, então, todos os domingos como profissão de fé a Santidade da Igreja? Parece haver aí uma contradição.
Antes de tudo, é preciso, então, saber em que consiste a santidade da Igreja. A Igreja é santa porque sua origem é santa, tendo sido fundada por Nosso Senhor Jesus Cristo. Ela é santa porque seu fim é santo: levar os homens ao céu, à vida eterna. Ela é santa porque santos são os meios que ela emprega para atingir sua finalidade e nem poderia ser diferente, pois os meios são proporcionais ao fim. Assim, santos são os ensinamentos da Igreja, pois são os mesmos do Evangelho. Santos são os sacramentos, instituídos por Nosso Senhor como canal da graça. Santas são as leis da Igreja. Todos esses meios são em si santos e santificadores. Assim, a Igreja quando ensina algo definitivamente em matéria de fé ou moral não pode errar, os sacramentos não podem deixar de transmitir a graça. Isso não significa que as cerimônias que circundam os sacramentos e as leis disciplinares sejam sempre as melhores possíveis. Elas são as melhores possíveis quando fundadas na Tradição da Igreja. A Igreja é, por conseguinte, santa. Ela é a esposa de Cristo sem mácula, sem ruga nem coisa semelhante, santa e irrepreensível, como nos diz São Paulo. Nosso Senhor a purificou e a santificou uma vez por todas com seu sangue no momento de sua fundação.
Mas e os pecados dos membros da Igreja? Antes de tudo, devemos dizer que os pecadores realmente são membros da Igreja. Para ser membro da Igreja são necessárias três condições: o batismo, a fé e a submissão aos legítimos pastores, ao Papa em particular. Ora um pecador, desde que não peque contra fé e não deixe de reconhecer Papa e Bispos como legítimos pastores ainda que por acaso venha a desobedecer, continua sendo batizado, tendo a fé e reconhecendo a hierarquia instituída por Nosso Senhor. Esse pecador é, portanto, membro da Igreja. E Deus quis que fosse assim por vários motivos. Alguém poderia dizer, então, que a Igreja existe concretamente e que os pecados cometidos pelos seus membros estão na Igreja e a mancham. Devemos responder que não. Os pecados cometidos pelos membros da Igreja não a maculam de nenhuma forma.
Cabem aqui algumas perguntas: O mal que praticam os membros da Igreja, ainda que sejam os mais altos na hierarquia, é praticado por obediência aos ensinamentos da Igreja ou por desprezo a eles? O mal que é feito pelos membros da Igreja, são feitos em virtude das graças sacramentais ou contra elas? A Igreja, que combate tanto o pecado, suas causas e suas consequências, pode ser culpada dos males feitos por seus membros quando esses desobedecem à Igreja? A Igreja seria manchada por pecados com os quais não cooperou de nenhuma forma? A Igreja não pode ser acusada pelos pecados dos seus membros, ainda que sejam os mais altos na hierarquia, porque ela não é causa desses pecados e porque ela faz tudo para impedi-los: por pregações, pelos sacramentos – sobretudo comunhão e confissão -, pela liturgia, por práticas de piedade, combatendo as ocasiões de pecado e assim por diante. Da mesma forma que um bombeiro que coloca fogo em alguma coisa não torna a instituição de que faz parte incendiária, da mesma forma o pecador não faz da Igreja pecadora, pois age justamente contra o que ela ensina, contra o que ela manda. Alguém só pode ser réu de um pecado quando comete diretamente o pecado ou quando coopera no pecado alheio. A Igreja não faz, evidentemente, nenhuma coisa nem outra e também não é omissa, ainda que seus representantes possam ser. A Igreja é santa nos seus membros santos, claro, mas também nos seus membros pecadores em virtude do que neles sobrevive dos valores cristãos, porque esses valores, sim, vêm da Igreja. Dessa forma, não se pode dizer em hipótese alguma que a Igreja é santa e pecadora, como se tivesse favorecido ou cooperado com o pecado de seus membros. A igreja não é pecadora nos seus membros pecadores. E a Igreja não precisa de purificação. Ela foi purificada uma vez por todas pelo sangue de Nosso Senhor quando da sua fundação. Todas as graças vêm pela Igreja e é ela quem purifica as almas aplicando a elas os méritos e as satisfações de seu esposo. Precisaria a Igreja ser purificada dos pecados que, graças à sua santidade, ela purifica? Seria um pouco contraditório, não? Dizer que a Igreja precisa de purificação nos seus membros é, no mínimo ambíguo e muito perigoso. Quem precisa de purificação somos nós, membros da Igreja e nos purificamos sendo fiéis à Igreja justamente, que é perfeitamente fiel a Nosso Senhor Jesus Cristo. Somos nós que precisamos de purificação constante pois nos tornamos, às vezes, joio.
Devemos, portanto, evitar duas heresias: a primeira heresia é negar que os pecadores fazem parte da Igreja. Essa heresia é mais disseminada do que parece e os católicos mais sérios têm uma tendência a essa heresia, quando excluem aqueles que não praticam a religião da Igreja. Ouvimos muito frase do tipo: tal pessoa se diz católica, mas não pratica. Ora, se ela é batizada, tem a fé e reconhece a autoridade dos legítimos pastores, ela é católica, pode ser um católico negligente, mas é católico. A segunda heresia é atribuir de uma forma ou de outra à Igreja os pecados dos membros dela. Alguns chegam ao ponto de a abandonarem por causa dos pecados de seus membros. Esse escândalo é um erro grave. A Igreja não compactua em nenhum momento com o pecado.
Convém que os pecadores sejam parte da Igreja, como dissemos, por vários motivos. A cizânia, além de ser parecida com o trigo e não poder, por isso, ser arrancada imediatamente, tem suas raízes que se entremeiam com as raízes do trigo. Assim, arrancar a cizânia, pode prejudicar tanto ou mais o trigo do que não arrancá-la. Se a Igreja fosse composta só dos santos seria uma Igreja invisível, da qual ninguém poderia ter certeza absoluta de fazer parte, pois ninguém tem certeza absoluta de estar na graça de Deus. Os sacramentos, ao menos, tais como o conhecemos não existiriam. O culto público também não. Uma Igreja invisível não corresponde à natureza do homem, espiritual e material. Se os pecadores deixassem de fazer parte da Igreja, os justos seriam prejudicados, porque teriam menos ocasião de exercer as virtudes: misericórdia, caridade, paciência. Se os pecadores deixassem de fazer parte da Igreja após cada pecado, a conversão deles seria muito mais difícil, pois teriam menos auxílio da Igreja. Deus não quer a condenação de ninguém, mas que todos se salvem. Eis alguns poucos motivos para a presença dos justos e pecadores na Igreja. Claro que sendo membros da Igreja eles causam males com seus pecados, mas Deus consegue tirar deles um bem maior.
Todavia, existem casos em que a cizânia pode e deve ser arrancada em prejuízo para o trigo, quer dizer, existem casos em que os pecadores devem ser afastados da Igreja, sofrendo a pena da excomunhão. Dessa forma, em certos casos, como o do aborto, o pecado traz um prejuízo tão grande para a sociedade que a permanência na Igreja do que cometeu tal pecado não se justifica mais e a Igreja prefere punir o pecador afastando-o. Essa punição é um ato de justiça e de misericórdia, sendo uma pena também medicinal para que o pecador se arrependa e volte para a Igreja. Assim, quando não há prejuízo para os justos, quando o remédio mais eficaz para que o pecador se converta realmente é seu afastamento, a Igreja corta a cizânia para que ela possa ser plantada novamente como trigo.
Portanto, caros católicos, devemos vigiar em todos os instantes para que o inimigo do homem não venha e faça de nós, por meio das tentações, uma verdadeira cizânia. E se por fraqueza nos tornarmos cizânia em dado momento, recorramos à Igreja Santa. Recorramos à sua doutrina imaculada, recorramos aos meios que ela nos dá para nos santificarmos. Devemos ser trigo recebendo as nossas forças da Igreja sempre Santa e Imaculada, apesar de nós, seus membros, pobres pecadores.
Credo in Unam Sanctam Catholicam et Apostolicam Ecclesiam.
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.
Nota do editor: destaques são nossos.